30.1.07
Novo Podcast
Novo podcast, acrescentei uma gravação feita secretamente na Gulbenkian pela Antena II (em romano) do último concerto de Murray Perahia. Muito instrutivo.
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Prestígio internacional de Pinamonti
PAOLO PINAMONTI, NOVO DIRECTOR ARTÍSTICO DO FESTIVAL MOZART DE LA CORUNHA
La Corunha, 30 de Janeiro de 2007
O presidente da Câmara de La Corunha, Javier Losada, anunciou hoje a nomeação de Paolo Pinamonti, actual director do Teatro Nacional de São Carlos de Lisboa, e ex-director artístico do Teatro La Fenice, de Veneza, para o cargo de novo director artístico do Festival Mozart de La Corunha, certame que se celebra na capital galega desde 1998 com o patrocínio da Caixa Galicia.
Em conferência de imprensa celebrada no Palácio Municipal, o Presidente da Câmara, acompanhado por Félix Palomero, Gerente do Consorcio para a Promoção da Música – a entidade que gere a Orquestra Sinfónica da Galiza e os seus projectos, entre eles o Festival Mozart -, e o próprio Pinamonti, anunciou a contratação deste último para encarregar-se da direcção artística dos Festivais de 2008, 2009 e 2010. Pinamonti será responsável pela programação, selecção de artistas, títulos, produções e por todas as questões relacionadas com a actividade musical e lírica intrínseca ao Festival.
O Festival Mozart, que se celebra na Corunha desde 1998, com o patrocínio da Caixa Galicia, é uma das principais actividades da Orquestra Sinfónica da Galiza (OSG), agrupamento que cumpre em Maio de 2007 o seu 15.º aniversário. O Festival tem lugar anualmente entre os meses de Maio e Junho, e dedica boa parte da sua programação à representação de óperas de Mozart, para além de outros autores. A Orquestra Sinfónica da Galiza, orquestra residente do Festival, actua nas óperas e realiza ainda concertos sinfónicos. Entre os conjuntos convidados destaca-se a presença da Real Filarmonia da Galiza, orquestra residente no Auditório da Galiza, em Santiago de Compostela.
Com a nomeação de Paolo Pinamonti, o Festival Mozart deseja iniciar a partir de 2008 uma nova etapa na linha de prestígio internacional que sempre caracterizou este acontecimento desde a sua criação em La Corunha.
Etiquetas: Festival Mozart da Coruña, Pinamonti, S. Carlos, Vieira de Carvalho
Um texo de António Mega Ferreira
FESTA DA MÚSICA 2006
"A HARMONIA DAS NAÇÕES
A EUROPA BARROCA"
21, 22 e 23 de Abril - Centro Cultural de Belém Direcção Artística René Martin
"É indiscutível que um dos problemas que se põem ao acesso do grande público à música erudita tem que ver com a “sacralização” dessa música e dos lugares onde ela habitualmente se faz. Ora, a Festa da Música propõe uma aproximação inversa: é possível fazer música em espaços diversos, de maneira informal mas rigorosa, e num ambiente de festa que acaba por contagiar toda a gente. A música – como a cultura, em geral – não é uma prova de esforço, mas uma manifestação da alegria que vai associada à criatividade. O número de “clientes” da Festa da Música tem vindo a aumentar, de ano para ano. E, como nestas coisas não há coincidências, o dos patrocinadores também. É um sinal de que a Festa está a ficar crescidinha: afinal de contas, já tem sete anos de idade…
Para esta sétima edição, René Martin, que desde o princípio é o director artístico do projecto e mais uma vez está connosco, escolheu “A Harmonia das Nações”, ou seja, uma viagem musical pela Europa barroca. Música do período que medeia entre 1600 e 1750, num programa que inclui Bach, Handel, Telemann, Purcell, Vivaldi, Carlos Seixas e Francisco António Almeida. Aqui vão estar alguns dos maiores intérpretes mundiais de música barroca, numa sucessão de oportunidades de ouvir exemplos dos diversos barrocos musicais europeus. E, além disso, é o ambiente de festa, que se estende a todo o vasto espaço do CCB, o que torna este acontecimento um momento único da oferta cultural da cidade de Lisboa, todos os anos, na Primavera.
Possivelmente porque a Festa da Música é um “bom amigo” da cidade de Lisboa e de Portugal, o “clube dos amigos” da Festa da Música tem vindo a crescer. A edição deste ano conta com dois novos patrocinadores de monta: a Câmara Municipal de Lisboa, que aceitou a nossa proposta de se tornar Parceiro Institucional da Festa, assinando para o efeito um protocolo com a duração de três anos, e assegurando assim uma parte do suporte financeiro para garantir a continuidade da Festa; e a Unicer, que contribui com um significativo patrocínio. Mas também o Metropolitano de Lisboa, a companhia de seguros Allianz, a Siemens, a Citroën, a TMN e a ANA são parceiros que, pela constância da sua presença connosco, já se tornaram “da casa”. O que este ano atingimos permite-nos, assim, dar uma boa notícia: a sustentabilidade da Festa da Música para os próximos três anos está assegurada."
António Mega Ferreira
Etiquetas: CCB, Festa da Música, Mega Ferreira
Experimente a Guta com o dinheiro dela
Finalmente é bom não haver dinheiro, é que sem dinheiro não há palhaços. Segundo a organização da Experimenta (a tal Guta e a sua empresa) vai haver um grande prejuízo. Qual? Pergunta o leitor, a resposta é simples, informa a "organização": para já o dos 500.000€ com que estávamos a contar! O dinheiro dos cidadãos é mesmo como se fosse deles não é? Não há limites para o descaramento e a falta de vergonha. E porque não fazer a coisa com os 2.1 milhões que sobram e o apoio logístico da câmara?
Entretanto a Casa da Música do Porto contratou a mesma santanete para "renovar a sua imagem", ou qualquer coisa que o valha. Casa da Música, a instituição portuense que viu o seu orçamento reforçado em 7%, ao contrário do S. Carlos e do CCB, que viram os seus orçamentos cortados numa fatia próxima dos 7%. A mesma Casa da Música que classificou o recital de Murray Perhaia nos "outros"a par da Banda Marcial de Fermentelos, e não em "piano", no seu site.
Grande Banda a de Fermentelos, que é a grande novidade deste 2007 na Casa da Música. Pelo menos deve ser muito melhor do que certas orquestras que andam por aí.
A mesma instituição, Casa da Música, que apresentou uma programação miserável, agora da autoria de Burmester, o "gestor querido de Pires de Lima", incomparavelmente inferior à realizada por Anthony Withworth Jones, anterior director artístico, para este início de 2007 e que esbanja mais uns larguíssimos milhares de euros com a tal Guta para, supostamente, animar a coisa em termos de imagem! Esta mulher deve ter algo. Uma espécie de poder oculto que não descortino: é que chamar a Guta para animar o projecto do Rem Koolhaas é obra.
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28.1.07
Então não é anedota!
E a eleição dos 11 melhores compositores? É mesmo verdade?
Mal posso esperar pelo dia do programa, vou já ver no site da RTP... já vi, é à sexta feira! Um programa destes não pode acabar nunca.
Já agora, e muito a sério, que belíssimo blog é o ideais soltas.
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Comunicadores
Informaram-me que o responsável pelos fenómenos do Cartaxo (Domingos António é um exemplo), que se chama precisamente António Cartaxo, e que tem uma maviosa voz de rádio e fama de comunicador, tem agora um programa na Televisão.
Não vi, não sei. O que sei é que prepara a eleição dos 11 melhores compositores de sempre! Tipo equipa de futebol, Bach a guarda redes, Mozart a defesa central (que tem corpo para isso), Beethoven a avançado de centro, Verdi no meio campo, Carlos Seixas a apanha bolas, e por aí adiante!
Segundo me disseram parece que Wagner ficou no balneário, isto é, a selecção prévia do Cartaxo, nos exemplos escolhidos, não inclui o alemão, parece que os compositores anteriores ao século XVIII também não apareceram.
Entretanto soube-se que o "cravo é o instrumento precursor do piano" ou "antepassado do piano" ou uma coisa do género e que o "cravo bem temperado só resulta e atinge a sua plenitude [mais coice menos coice] no piano", e claro está tocado pelo Cartaxinho, que nisto de Glenn Gould e quejandos o Cartaxo não alinha, só de Domingos António para cima.
Espero que a minha fonte me tenha informado correctamente, é que me custa a crer, parece-me anedota. Se assim for resta-me desejar as maiores felicidades ao Cartaxo e ao seu programa, e que corrija as asneiras citadas recorrendo a algum consultor que saiba alguma coisita de música, para gáudio dos espectadores e grande tristeza nossa que deixaremos de ter assunto para risota e temas de humor aqui para o blogue.
Etiquetas: Cartaxo, Crítica, Humor
27.1.07
A propósito do Sr. Hermenêutica.
Quando é que a tutela - esta tutela - aprende a deixar os organismos que tutela em paz? A que se deve este esforço controleiro? Não tem mais que fazer? O São Carlos está no topo do prestígio, cá e lá fora. Este Wozzeck foi o que eu digo aqui ao lado. Vem aí a continuação do Ring, de Wagner, encenado por Graham Vick. Paolo Pinamonti é um tesouro nacional que conseguiu alcandorar o teatro a uma posição de prestígio internacional. Faz milagres de multiplicação de música com o orçamento que tem. Pacificou as hostes e restituiu-lhes o orgulho nas grandes causas líricas. É um homem inspirado e cordato, e com uma excelente equipa. Serve de exemplo a outras instituições que se arrastam pelas ruas da medíocre amrgura. Será por isso? É sempre fácil arranjar um Judas, com ou sem 30 dinheiros. Ou espalhar calúnias, à Don Basílio. Se quer ser útil à causa da música em Portugal, o que o secretário de Estado devia fazer era perguntar à actual direcção do teatro em que os pode ajudar. O país não aguenta tanta mexeriquice e incompetência da tutela. Parece que a política é puro terrorismo de Estado: destabilizar e botar a baixo quem é bom e se distingue. Dizem que a má moeda expulsa a boa moeda. Se Paolo Pinamonti sair, bem pode a tutela limpar as mãos à parede. A parede e o país ficam todos borrados. Carago! A ministra que é do Porto talvez perceba.
Jorge Calado no Expresso de Hoje [coloridos meus, H.S.]
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26.1.07
Hermenêutica
Como pode um catedrático e ainda por cima secretário de Estado da cultura usar esta expressão que quer dizer: "interpretação de textos antes da compreensão" ou se quisermos ser bondosos "interpretação pré-compreensão", será que o senhor secretário de Estado e catedrático sabe do que está a falar? Ou está a atirar palavras caras para cima dos jornalistas e do público que lhe paga o lugar quentinho na Ajuda? Terá lido a palavra "hermenêutica" recentemente nalgum calhamaço e terá gostado do termo que agora o usa a torto e direito, a propósito quando tem sorte e a despropósito quando calha...
O que é certo é que além de um cinzentismo inacreditável, que resulta, por um lado, da debilidade política dentro do governo, sem a menor expressão junto do PS, como ex-comunista desgarrado, por outro lado resultante da própria atitude pessoal perante a coisa pública que devia tutelar, o secretário revela-se em toda a sua nudez pela exposição de um gigantesco vazio de ideias, projectos e reflexões. O uso de expressões como "hermenêutica pré-compreensão" revela uma fraqueza e falta de coragem política que se esconde atrás de artificialismo e de uma cortina de palavras ocas, disparatadas, sem nexo, como escudo ininteligível relativamente ao real.
Infelizmente para o próprio, fica o registo, apesar de boas intenções e de ideias que lhe vislumbrava à priori, o vácuo infeliz de uma cortina de palavras sem nexo.
Fica aqui a minha previsão: os dias de Pinamonti no S. Carlos estão contados. Se nenhum factor exterior ao palácio da Ajuda surgir entretanto, será um aparatchnik que virá a ser o novo director artístico. Tudo isto se depreende do discurso do Sr. Hermenêutica e esta é a minha hermenêutica do que tem vindo a ser dito, escrito e feito, pelos senhores que se julgam poder na área da cultura.
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Hermenêutica da pré-compreensão
As palavras chaves descoficadoras são: "hermenêutica da pré-compreensão", notável o poder clarificador de sua Excelência o Secretário de Estado.
Espero mesmo que seja o próprio a traduzir os libretos das óperas de "estrangeiro" para português. Com esta hermenêutica linguística teríamos o povo a aderir à ópera em massa, em massa, em massa, senhores ouvintes. Tudo, claro está, numa hermenêutica pré-compreensão que nunca passaria daí.
Um texto de grande clareza, em que diz imensa coisa que ainda não se sabia, como essa da hermenêutica e de se afirmar que a cultura pode ser "um factor de desenvolvimento regional". O resto está um bocado batido mas é sempre interessante ver a hermenêutica pré-decisão post-ontológica do político molestado, quase ofendido, pelas opiniões alheias à sua cogniscência e ao seu delírio de omnipotência, gerindo 0.4% do orçamento de Estado e pouco mais de 0.1% do PIB...
Isso passa-lhes, ou numa remodelação ou numas eleições futuras.
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25.1.07
Libertem o anarca
Libertem o Aleijadinho!
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Al Ayre Español e Collegium Vocale de Ghent na Gulbenkian
Tenho assistido ao Al Ayre Español em diversas ocasiões e tenho vários discos do agrupamento. Em ópera barroca, nomeadamente Handel, o agrupamento sob a direcção de Banzo demonstrou uma extraordinária qualidade, uma produção de som verdadeiramente notável, com pathos, incisão e beleza. Em Bocherini, no último disco, Banzo e o seu agrupamento foram surpreendentes na forma como renovaram a música interpretando-a com a vivacidade e o vigor que merece. Ao vivo têm sido sempre de alto nível, tenho-os escutado em Espanha, nomeadamente em Salamanca, escutei-os pela última vez no Festival do Estoril no Mosteiro dos Jerónimos. Banzo gosta de ensaiar muito, e prepara os cantores com rigor, exigindo o máximo destes.
Foi portanto com as mais altas expectativas que me preparei para o concerto de segunda-feira passada.
Para começar mal Núria Rial, a primeiro soprano prevista cancelou por ter uma forte gripe, infelizmente não é a primeira vez que cancela com este grupo, e outros. Penso que confiar em artistas que passam a vida a cancelar participações em concertos não é viável para um agrupamento deste nível. Embora Núria Rial seja um bom soprano é também muito inflaccionada por certa crítica, tem agilidade mas os agudos são pobres e às vezes tem dificuldades de afinação. Foi substituída por cantoras do Collegium Vocale de Ghent.
O concerto começa com o célebre Dixit Dominus de Handel, Banzo inicia a obra a uma velocidade vertiginosa, naquilo que considero um erro que dificulta a respiração do ritmo musical e põe problemas complexos aos cantores do coro e aos solistas, Banzo afirmou que aquela velocidade tinha a ver com o ritmo frenético que um jovem cheio de génio e força de vida quereria mostrar, numa capacidade de virtuosismo que deixaria impressionada Roma, onde Handel acabava de chegar. O que é certo é que se a coisa correu menos mal na orquestra, a velocidade exagerada acabou com a clareza necessária a páginas tão ritmadas e deixou o coro em situações aflitivas de respiração. O pior foi a entrada de Carlos Mena que arruinou uma passagem inteira, toda ao lado acabando por deixar de se ouvir a meio na sua primeira intervenção nos soli que pautuam este coro inicial, perdendo a linha vocal. Percebeu-se também que o naipe de cantores não era excepcional.
Na sua primeira intervenção a solo na ária de contralto Mena, com o baixo contínuo a marcar o ritmo em regime TGV, aliás excelentemente e com um pathos e vigor incríveis nos instrumentos presentes, o cantor voltou a mostrar falta de clareza e dificuldades vocais nos momentos de maior agilidade, demonstrando algum cansaço, fugindo até a colocação, nada habitual em Mena. Creio que Banzo poderia ter sido mais sensível e flexível às dificuldades do cantor reduzindo um pouco a vivacidade, mas o próprio Banzo afirma que se um cantor mostra dificuldades é porque deveria ter estudado mais. Mena é um cantor que deu provas mais que muitas e seria perfeitamente capaz em dias normais de fazer aquela ária de forma perfeita, mas depois de uma longa série de concertos o maestro poderia ter demonstrado mais sensibilidade às limitações humanas do instrumento voz. Um excelente conceito de Banzo no papel, aqui com a orquestra a corresponder sempre com altíssimo nível, mas que não resultou por dificuldade do cantor. No resto Mena foi perfeito.
A cantora Isabel Monar demonstrou ser apenas mediana, com dificuldades de afinação e um timbre feio nos agudos, leu as passagens confiadas com pouca classe.
Os restantes solistas: Malcolm Bennet (tenor) e Josep Miquel Ramón (barítono) foram cumprindo com qualidade os trechos confiados.
O coro de Ghent foi excelente nas passagens de conjunto subsequentes, coeso, de vozes bonitas, conseguiu dar grande plasticidade aos números do Dixit Dominus de Handel.
As cantoras que saíram do coro para substituir Núria Rial, cumpriram o seu ingrato papel, mas não são solistas de nível internacional e tiveram o mérito de serem ambas superiores a Monar.
As peças das Vésperas de Nebra mostraram alguma irregularidade de composição, trata-se de uma obra a oito vozes, com oposição entre o coro grande e o coro de solistas, com uma orquestra ricamente composta, com trompa, oboés, flautas e um baixo contínuo muito consistente, com fagote (que tinha também dado uma bela cor ao Dixit Dominus de Handel), dois violoncelos, violone, tiorba e órgão.
Se o Dixit Dominus foi algo banal, com uma construção demasiado elaborada e tentar mostrar competência mas caindo num certo artificialismo, já as peças finais, o Ave Maria Stella, de grande beleza interior e o Magnificat, obra de afirmação cheia de carácter, são, para mim, obras de grande qualidade e invenção. Nebra demonstra métier e engenho.
Na segunda parte, Banzo esteve brilhante na direcção, dando vida e cor a obras que requerem uma interpretação muito cuidada para se afirmarem na sua plenitude, o balanço entre os vários elementos em jogo, os dois cori afastados, a orquestra com o seu baixo contínuo muito afirmativo, tiveram um balanço muito equilibrado e criaram momentos de grande riqueza sonora. Os solistas, menos solicitados que em Handel, pela própria essência da música, cumpriram aqui com mais rigor o exigível, acabando por ser melhores em conjunto do que antes tinham sido em solo.
Nota sobre a crítica do jornal "O Público". O texto parece escrito por um marciano que nunca escutou música antiga. Música essa que conta com uma convivência recente de mais de cinquenta anos com os ouvintes.
Além do texto ser basbaque e salivante fala-se de ornamentação atribuindo-se a esta um carácter eminentemente profano. Se recuarmos a Trento, quase duzentos anos antes, talvez a afirmação tenha algum nexo. A ornamentação era uma constante da música sacra italiana e de toda a música do barroco no início do século XVIII. O facto de Handel exigir ornamentação é natural, toda a música sacra da época está imbuída do espírito do tempo que também transpira exuberância. A música religiosa recorre aos códigos do profano e vice-versa, os intérpretes eram geralmente, ou muitas vezes, os mesmos no registo sagrado e na ópera e a igreja utiliza elementos mais exuberantes para chegar mais facilmente aos devotos, é muito complexo destrinçar-se com rigor o que vem de um universo e de outro e talvez nem faça sentido. Agora escarrapachar num texto uma frase destas, desgarrada e sem mais explicações, é um erro grosseiro.
Basta ir a uma igreja italiana do período para observar na arte essa mesma ornamentação.
Em resumo: Uma belíssima orquestra, belo som, entusiasmo, um coro refinado de grande qualidade. Um bom concerto, mais pela segunda parte mas com as reservas apontadas.
Etiquetas: Al Ayre Español, Banzo, Crítica de Concertos, Gulbenkian, Mena
24.1.07
Sequestro de Rute Monteiro
Segundo o Olavo Aragão a jornalista portuguesa foi raptada por terroristas que a capturaram por causa do seu colete.
As imagens são confrangedoras. De forma inacreditável a imprensa portuguesa não pega no dossier Rute Monteiro isto porque os jornalistas se dedicam a assuntos bem mais desinteressantes e, provavelmente, menos reais.
É óbvio que no vídeo não lhe cortaram a cabeça, o que é um bom sinal. Mas será que temos todos as cabeças bem assentes no corpo? Pedro Bolèo novel crítico do público parece ter a cabeça menos atarrachada do que a jornalista raptada. Com que então a crítica ao concerto do agrupamento Al Ayre Español com direcção de Eduardo López Banzo afirma que Handel é bem profano devido aos ornamentos!! Bolèo diz que sim, alegremente, a tudo. Para isso não era precisa a crítica, bastava ter um programa automático de dizer bem ou contratar um daqueles membros do público que gritam bravo ao menor sinal e se alevantam da cadeira para a berraria do final de qualquer concerto, para escrever umas frases poéticas sobre a "estrela da companhia", expressão que Bolèo deve ter descoberto recentemente e que emprega com exuberância ao longo do texto...
(continua)
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O problema aqui é a realidade, a ilusão, a memória, a invenção e o tempo. Valores éticos, condenações, juízos de valor. Mas, de facto, tudo totalmente errado. Condena-se alguém (Luís Carmelo) que "inventou um facto para supostamente promover um livro". Esse facto não é real, afirma-se.
As minhas questões centram-se sobre o conceito de real. A partir do momento em que o facto se torna aparente, e é recriado/imaginado por nós na nossa mente, passa a ser real. O mundo, tal como existe, é apenas uma representação proveniente da nossa consciência desse mundo, quer ele exista ou não na realidade, coisa que não interessa muito afinal, o que interessa é ontologia. Será o mundo real? Interessa essa questão? Indivíduos como somos, utilizamos a realidade em nosso proveito, inventamos a realidade.
Noutro caso concreto em apreço, considera-se como factor negativo da oportunidade de se "inventar" um facto de "sequestro" de um jornalista a situação do pretenso sequestro de uma criança de cinco anos, isto admitindo que existe na consciência de uma maioria de indivíduos em Portugal que se aperceberam da notícia. Neste caso os formalistas condenam um pai adoptivo com base em juízos abstractos. Serão esses princípios, que formam a base do juízo, reais? A Lei é real? Será uma representação de um ideal? Ou uma aproximação muito falível desse ideal? Ou nem sequer se aproxima desse ideal se acreditarmos que o mundo como tal é apenas uma ilusão? Por outro lado se acreditarmos que o ser humano é intrinsecamente mau, como o nosso pessimista de serviço, Schopenhauer, tão bem o colocou, uma Lei emanada do homem (no sentido de humanidade mas sempre com h minúsculo) será sempre intrinsecamente má, longe dos reais valores éticos, da abnegação, da renúncia, da arte de atingir o nonumenal que passa pela arte de esquecer a Lei dos homens (ou apenas de esquecer, como louvava Nietzsche), uma Lei sempre errada, sempre conducente ao primitivismo, ao egoísmo, à maldade. Uma lei humana defenderá eternamente o mesquinho e vil egoísmo, enquanto o homem for homem.
Voltamos então ao ponto do comentário pedido: como comentar algo que é apenas virtual? Porque razão a invenção de uma realidade paralela é eticamente errada? Será errado promover um livro à custa da indignação alheia? Não acho. Tão egoísta é o burlador como o burlado caro Rui. Além disso que belas reflexões essa invenção de um real paralelo não suscitou?
Sentir-me-ei enganado? Claro que não, a realidade, sob que forma for, nunca nos pode enganar. Podemos mudar de ideia ao mudar a nossa representação, mas o engano como acto ético valorativamente errado nunca poderá estar presente numa representação do mundo, válida como outra qualquer.
E voltemos à criança, que no fundo é a única realidade que ainda está em contacto com a natureza íntima das coisas, próxima do estado natural, recém saída do uno criacional. Interessa-te Rui a felicidade de uma criança? A mim interessa e muito. É nessa felicidade que reside a esperança de um homem que pode vir a conhecer o caminho da eterna renúncia, longe da mesquinhez e do egoismo de ti, do Carmelo e de mim. Sem nos apercebermos...
E volto ao Nonnumenal depois desta digressão pelo "real", volto à música, que nos aproxima do infinito, a música e o amor como dizia o nosso pessimista de serviço. Faz-nos regressar à inocência criacional.
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23.1.07
Depoimento de Paolo Pinamonti
Eu, Paolo Pinamonti, na qualidade de Director do Teatro Nacional de São Carlos, encomendei a Emmanuel Nunes uma ópera em Fevereiro de 2002. A encomenda foi aceite pelo compositor.
Posteriormente, contactei a Fundação Calouste Gulbenkian e a Casa da Música para parceiros da encomenda e para co-produtores. É com satisfação que registo que este projecto, por minha iniciativa e do São Carlos, se realiza com o apoio de duas importantes instituições musicais portuguesas e do IRCAM de Paris.
Na qualidade de Director do Teatro Nacional de São Carlos tenho a responsabilidade de programar a actividade do Teatro e de avaliar as condições técnicas e artísticas de realização de cada projecto. Sempre foi assim e assim será de futuro, de resto, no âmbito do exercício normal das minhas competências. Entre Janeiro de 2003 e Setembro de 2004, a estreia da ópera foi adiada três vezes sucessivas a pedido do próprio compositor. Depois de ter sido concordada a nova data de 22 de Novembro de 2006, enviei ao compositor uma proposta de contrato, a 1 de Fevereiro de 2006, na qual, naturalmente, se encontravam definidas as datas para entrega dos materiais musicais. O compositor não assinou o contrato – até à data este permanece por assinar – e, mais uma vez, foi adiada a data de estreia. Depois de tantos adiamentos, foi meu entendimento que a estreia da ópera de Emmanuel Nunes teria de reunir todas as condições para se estrear no nosso Teatro, no final de Janeiro de 2008.
Lamento profundamente as afirmações proferidas pelo compositor Emmanuel Nunes ao jornal Público, nas quais transparece ter informações privilegiadas quanto a futuras mudanças na política do São Carlos.
Paolo Pinamonti
Etiquetas: Crítica, Emanuel Nunes, Fait divers, Gulbenkian, ópera, Pinamonti, Política, S. Carlos, Vieira de Carvalho
22.1.07
Wozzeck arrasador
Em brevíssimas palavras:
Encenação perfeita, inteligente e sóbria de Stéphane Braunschweig.
Naipe de cantores/actores excelente, sem excepção, um pequeno erro de casting com Lefebvre, o tenor francês que fez de capitão, mas o que faltou em voz sobrou em caracterização e representação.
A Marie de Brigitte Pinter foi simplemente notável, cada vez mais a aproximar-se do registo de soprano dramático e a afastar-se do mezzo. Notável a dicção, notável o pensamento e a arte do sprechstimme, notável a facilidade de articulação de um papel que vai do mib grave ao dó# agudo, com frases que se articulam em duas oitavas e meia, caso da frase em que contempla o pedaço de espelho, escrito "molto legero" e foi realmente molto legero, a facilidade de articulação e representação de Pinter demonstram um profissionalismo e entrega seríssima ao trabalho.
Também o excelente Wozzeck de Dietrich Henschel foi notável: foi um Wozzeck frágil, atormentado, psicogicamente debilitado, com uma voz seca e áspera, no limite da voz e no limite da representação, sem exceder a fronteira da contenção necessária à verosimilhança do papel. Interpretação musical notável, encarnou Wozzeck no topo do imaginável.
Todo o elenco foi de alto nível, a representação foi muito boa. Uma nota para o texto: foi sempre dito e cantado de forma claríssima, mesmo os portugueses a italiana o checo e o francês, estiveram todos excelentes.
Sobre o elenco pouco mais há a dizer: Margita foi imperioso no tambor-Mor, Johann Werner Prein foi um excepcional Médico, um papel pequeno servido por um enorme cantor, Carlos Guilherme em Andres esteve muitíssimo bom, qualidade a que nos tem habituado desde há muito tempo e que nos deu tão bem no Nariz, Claudia Nicole Bandera foi uma Margret convincente num papel ingrato pela sua presença constante em palco quase sem cantar, Andreas Macco foi um bom Primeiro Trabalhador e Luís Rodrigues foi também um óptimo Segundo Trabalhador, finalmente o Marco Alves dos Santos foi um belíssimo "O Idiota", representando com sentido histriónico um papel como todos os outros bem difícil. Não há facilidades nesta partitura.
Os meninos do coro da Academia dos Amadores de Música foram também perfeitos com destaque para o que fez de filho de Marie.
Direcção precisa, trabalhada, sem agressividade (tão vista nesta ópera em tantas direcções e tão desnecessária) de Eliahu Inbal. Orquestra quase perfeita, apenas o interlúdio orquestral (falta de coesão nas entradas) antes do final e um solo de trompete com uma nota errada mancharam o belíssimo trabalho da orquestra na récita de sexta feira. No domingo voltou a notar-se falta de coesão na entrada da orquestra depois do harpejo da harpa no início do interlúdio orquestral, de resto esteve perfeita e ainda melhor do que na récita anterior.
Sem excessos sonoros, com subtileza, a Orquestra Sinfónica Portuguesa não parecia a formação que tem aparecido ultimamente. Solos da viola cheios de poesia e tensão, metais magníficos em geral, os trombones foram superlativos, trompas perfeitas, tubas (contando com a de palco) muitíssimo bem. De resto: violoncelo solista muito bom, oboés precisos, fagotes e contrafagote em belo plano, clarinetes incisivos, harpa, celesta, xilofone, percussão, tudo exacto e de qualidade elevadíssima. Cordas em bom plano de conjunto.
Coro fracote como sempre, mas sem destruir...
Será que sem Pinamonti no S. Carlos teremos o prazer de ouvir esta música por estes intérpretes nestas produções e a estes custos? Será que Mário Vieira de Carvalho e os mangas de alpaca do governo socialista vão ter o desplante de despedir um director desta craveira para meter um aparatchnik no lugar de Director do Teatro Nacional de Ópera?
Será que o Teatro La Fenice de Veneza vai ter como próximo director um homem despedido por políticos portugueses?
Espero que, se isso acontecer, Pinamonti tenha os maiores sucessos num palco internacional de grande categoria, como não tenho a menor dúvida que terá. Ele merece mais do que andar a mendigar esmolas a um governo que não lhe dá valor para conseguir produzir obra de qualidade a custos baixíssimos. Para felicidade dos que tiverem o prazer de ter na sua cidade, e país, um homem da estatura de Pinamonti à frente de uma Casa de Ópera.
Como sempre parece que desdenhamos do melhor para satisfazer mesquinhos caprichos de poder. Espero que me engane...
Etiquetas: Alban Berg, Brigitte Pinter, CCB, Crítica de Ópera, Dietrich Henschel, Eliahu Inbal, Pinamonti, S. Carlos, Stéphane Braunschweig, Vieira de Carvalho
20.1.07
Emanuel o Aldrabão!
O que é certo é que Stockhausen em 2006 bem disse que não fazia a menor ideia de quem era Emanuel Nunes e que quem conhecia era Jorge Peixinho, que infelizmente tinha morrido. Não consta que Stockhausen seja infeliz no seu desconhecimento de Nunes ou que seja pior músico e intelectual por essa gravíssima lacuna. Eu concordo, eu não daria um chavo para assistir a uma ópera de Emanuel Nunes que não sei quem é, e se ópera não estivesse acabadinha com as partes vocais completas ainda menos pagaria um tostão ao senhor Emanuel. Acho essa história da ópera do Nunes uma rábula mal contada por parte do "grande compositor". Parece-me que o Stockhausen também não conhece o secretário Vieira de Carvalho que, pelos vistos, é amigo do peito de Nunes e que deve achar que a ópera está terminadíssima, agora que passaram mais um meses e estamos a entrar em 2007.
É realmente uma grande perda a morte de Jorge Peixinho. Segue texto da parte da entrevista sobre o assunto para memória futura.
O director [do Teatro Nacional de São Carlos] decidiu que a [minha] ópera não estaria terminada
Prevista para Novembro passado, a estreia da ópera que Emmanuel Nunes compôs a partir da obra de Goethe Das Mädchen foi adiada para 2008. O compositor explica porquê.
A que se deveu o facto de a estreia da ópera não ter acontecido?
Deveu-se pura e simplesmente à maneira de trabalhar do ainda director da Ópera de Lisboa [Teatro Nacional de São Carlos], Paolo Pinamonti. Mais concretamente, à sua falta de deontologia. Por razões de ordem política e contratual, de cantores, encenador, etc., sem o meu conhecimento, o director da Ópera de Lisboa decidiu que a ópera não estaria terminada. E em Março de 2006, i.e., sete meses antes da data prevista para a estreia, o mesmo director não tinha um único contrato de cantores, nem tinha encenador, e dizia, como podia, que o compositor não poderia acabar a obra. O compositor soube disto através de um agente.
De um agente de um músico?
De um agente de espectáculos de Londres, a quem um cantor que devia cantar a minha ópera perguntou se era verdade que a ópera de Emmanuel Nunes não podia ser terminada. Eu soube, portanto, por um método aplicado. Sem entrar em detalhe, tenho só duas coisas a dizer - primeiro: a maneira como fui tratado pelo director da Ópera de Lisboa chega para que eu exija condições mínimas de deontologia; segundo: como eu não pertenço nem apoio nenhum partido político, sinto-me muito mais à vontade para dizer o seguinte: a única pessoa oficial que considerou o problema da minha ópera, e que apoiou como pôde a questão de que ela deverá ser feita, foi o Mário Vieira de Carvalho, secretário de Estado. E digo isto porque, da minha parte, não é, de modo nenhum, um aspecto partidário; é simplesmente uma constatação. Foi ele que permitiu que a ópera não fosse definitivamente abandonada. Portanto, permito-me considerar esse ponto como importante. À parte isso, como é óbvio, manteve-se o apoio incondicional, a mim, da Fundação Gulbenkian e do Remix Ensemble/Casa da Música. A ópera é uma encomenda tripartida do Teatro Nacional de São Carlos, Gulbenkian e Remix/Casa da Música, em que o Remix tem uma parte importante na realização da ópera, como ensemble.
E a ópera já estava concluída na altura?
A ópera não estava concluída. À parte o material dos cantores, estava tudo pronto e acordado com o maestro Peter Rundel, com o Remix e com a Gulbenkian, com as pessoas que tocam directamente, portanto. Não havia material de cantores, porque o senhor director se recusa a fazer audições.
Prefere fazer convites?
Faz. E como quem escreveu a ópera fui eu, e quem a dirige é o Peter Rundel, e ambos precisamos de audições... Seis meses antes da estreia, não havia um único contrato de cantores.
Acordou-se uma nova data, depois da intervenção do secretário de Estado.
Das intervenções!
E já foram feitas as audições?
Não!
Mas estão previstas?
Penso que sim, na medida em que penso que o São Carlos mudará de política brevemente. As datas são 25, 27 e 29 de Janeiro de 2008.
Etiquetas: Crítica, Emanuel Nunes, Fait divers, ópera, Política, S. Carlos, Vieira de Carvalho
19.1.07
Sequestros
Uma jornalista sequestrada por supostos terroristas nem sequer foi notícia nas televisões. Um escândalo, é Portugal no seu melhor...
Etiquetas: Criança, Fait divers, Mundo, Política, Sequestro, Vida
17.1.07
Wozzeck do S. Carlos no CCB
A ópera de Berg é um exercício notável baseado numa texto original de Büchner, também ele genial, sobre o Homem, as suas angústias e sofrimentos, sobre a humilhação e o poder, a traição, o desgosto e a mais pungente miséria: a miséria como metáfora da existência, metáfora agreste e ao mesmo tempo sensível, arrebatada, das relações humanas e do seu lado mais sórdido, o lado mais presente no Homem.
Não há música mais sublime que de Berg para este Teatro do Mundo. Música sagrada na sua dessacralização de um modelo, perfeita na sua construção imperfeita. Também esta uma metáfora, até nas suas formas e tonalidades, do texto teatral.
Há oitenta anos a ópera ainda não tinha morrido, renovava-se e cheia de vigor enfrentava o século XX. Infelizmente este brilho foi sol de pouca duração, poucos, depois de Berg, conseguiram obter o mesmo resultado. Como será o século XXI? Conseguirão os compositores e os dramaturgos do nosso século renovar uma comunidade (produtora/receptora) tão conservadora que ainda considera a obra de Berg como paradigma da contemporaneidade?
Sobra uma criança no final, metáfora, mais uma, de um mundo perdido, que nunca estará ao seu alcance, um rapaz de cinco anos perdido e sem raízes, um novo Wozzeck?
Etiquetas: Alban Berg, CCB, Morte, ópera, S. Carlos, Tempo, Wozzeck
16.1.07
Parabéns
Como crítico não posso deixar de pedir mais análises profundas a óperas e demais interesses, a motivações de autores e intérpretes, mais críticas com reflexão e menos exaltações e erupções. Quando João Galamba de Almeida resolve criticar a sério, analisar e aprofundar, sem esquecer as divagações psicanalíticas, consegue ser muito bom. Quando diz que comprou um disco novo e que está extasiado por uma diva qualquer é apenas banal.
Mas é um estilo que temos de respeitar: um blogue é altamente pessoal. Manter um blogue é um acto privado, não público. Quem gosta vai espreitar, quem não gosta vai ler outros blogues, não precisa de abrir. Enfim: gosto, por isso vou lendo.
Etiquetas: Aniversário, Crítica, Efemérides, Fait divers, ópera, Tempo
15.1.07
Novo Podcast 0005
Em 1692 Francesco II d’Este casa com Margherita Farnese. Francesco Antonio Mamiliano Pistocchi, compositor e cantor siciliano nascido em Palermo em 1659 (e falecido em Bologna em 1726) trabalha para Ranuccio Farnese, duque de Parma e primo de Margherita.
Os esponsais têm lugar em Modena, para as celebrações, que decorrem entre Julho e Agosto, estreia-se uma ópera no teatro Fontanelli de Modena em Julho. É o L’Ingresso Alla Gioventù de Claudio Nerone de Antonio Gianettini.
Pistocchio contracena como contralto ao lado do célebre castrato Siface.
Em Agosto de 1692 é a vez de Pistocchi estrear a sua Oratória Il Martirio de Santo Adriano, também em Modena, onde também canta o papel do Santo.
É uma Oratória em duas partes, com uma sinfonia a iniciar cada uma. Prossegue numa sucessão de recitativos e árias, sendo encerrada cada uma das partes por uma peça de conjunto: um dueto e um duplo dueto cantado intercaladamente. O tema é, bem entendido, a fidelidade conjugal e a constância da fé. A Oratória esconde alguma da mais bela música que se fazia em Itália na altura, ao melhor nível de um Bononcini.
Os intérpretes, na única gravação existente, são o soprano Patrizia Vacari em Natalia mulher do Santo, o contralto masculino Alessandro Carmignani (que se tem destacado pela tentativa de utilizar um timbre mais próximo do tenoril no seu canto) no papel que Pistocchi encarnou: o de Santo Adriano, o tenor Gianluca Ferrarini no papel de Claudio, ministro da corte de Massimiano, e amigo do Santo, e finalmente o baixo Sergio Foresti encarna o Imperador Maximiano que ordena a morte de Adriano. Adriano é um oficial romano que se converteu o catolicismo e que se recusa a abandonar a sua nova fé, mesmo quando instado a fazê-lo pelo seu amigo Claudio.
A cena decorre no século III. O libreto é do Poeta Romano Silvio Stampiglia homem da Arcádia, tão em voga na Europa do seu tempo.
Dirige Francesco Baroni. Uma gravação de 2002 que já não se encontra à venda em Portugal, vá-se saber porquê, da etiqueta SYMPHONIA.
A oratória decorre entre a cela onde Santo Adriano espera o martírio e a Sala de despacho do imperador. Nesta ária Natalia, mulher do Santo, também ela secretamente cristã, dedica-lhe toda a fé e apoio na hora díficil que atravessam... mas a sua fé triunfará sobre o tirano. Numa meditação pungente sobre a natureza do amor, Pistocchi dá-nos um fino retrato psicológico do amor que une o Santo e a sua amada mulher.
Claudio chega, o amigo do Santo tenta convencê-lo a renegar, fala-lhe na força incomensurável da Liberdade, do que se pode fazer com a mesma. A Ária Libertà é um hino que Pistocchi dedica à liberdade: Oh! Liberdade, quem não te preza!
A instrumentação desta oratória é em cinco partes, com as duas partes habituais de violino, duas partes de viola, alto e tenor, e baixo contínuo, aqui ricamente executado por dois violoncelos, dois violones, lirone, órgão, cravo (onde se senta Francesco Baroni – também o director desta produção), e duas tiorbas. O compositor utiliza ricamente esta exuberante orquestração, não só nas duas sinfonias, mas também nos recitativos, intensos e líricos, que não são apenas uma seca declamação dramática, mas antes belos trechos que tendem para o arioso, que encantam quem escuta como poucos numa obra da época. Ficamos de seguida com a sequência da segunda sinfonia, recitativo entre Claudio e Adriano e ária Como un Signo Dolente, entregue ao Santo que compara a suas dores às de um cisne que enfrenta a morte. Pistocchi constrói uma ária deslumbrante, uma obra prima de contenção e dor, que ele próprio cantou na estreia em 1692. Aqui o acompanhamento foi reduzido, os violinos calam-se e deixam dois violoncelos solistas dialogar com o Santo. Como em toda a obra, Pistocchi revela-se aqui um colorista refinado.
Como chora o cisne dolente
Quando sente,
Que o seu espírito p’ra morte caminha,
Assim geme est’alma minha;
A sua dor, a minha pena é infinda,
Mas são lágrimas de diversa sorte,
Ele chora, porque a morte é vinda,
E eu choro, porque anseio a morte.
Silvio Stampiglia 1664-1725
E o texto continua no podcast0005...
Etiquetas: Crítica de discos, Óratoria, Pistocchi, Podcast, Poesia
Ordem alfabética implica: Salazar Ganhou
É pena, resulta da estupidez da omissão inicial e da revanche que isso provocou nas pessoas pela tentativa de manipulação da história que isso representou.
É óbvio que eu votaria no D. João II (penso sempre nele em primeiro lugar), no Infante, em Pessoa ou no Luís Vaz, uma vez que Vieira ficou de fora (a hesitação seria maior); Afonso Henriques deixa-me desconfortável, sem ele nada disto teria sido como foi, Gama definiu duas eras: antes de Gama e depois de Gama, Magalhães contribuiu para um mundo diferente, o mundo em que hoje vivemos... é difícil.
Infelizmente Salazar ganhou a primeira fase e vai ganhar previsivelmente a segunda e, para tentar manipular de novo, parece que a contagem volta ao zero.
Salazar é, para mim, um português sem dúvida importante na história portuguesa, pelo mal e pelo bem, mas menoríssimo face à ilustre companhia.
Etiquetas: Crítica, D. João II, Fait divers, Mundo, O Maior Português, Política, Salazar, Tempo
Come Lagrima il signo dolente
Come lagrima il Signo dolente
Quando sente,
Che il suo spirto à morire s'invia,
Così geme quest'anima mia;
Il suo duol, la mia pena è infinita,
Ma à diversa è de pianti la sorte,
Egli piange, che perde la vita,
Et io piango, che bramo la morte.
Silvio Stampiglia 1664-1725
Il martirio di S. Adriano
No próximo Podcast a oratória do mesmo nome de Francesco Antonio Pistocchi com as palavras do poeta romano.
Etiquetas: Morte, Óratoria, Podcast, Poesia, Vida
13.1.07
Vaias a Saramago e Corghi - Pseudo Polémica
O que é facto e tenho relatos primários de duas pessoas que assistiram e me contaram em primeira mão, sendo uma delas Dirk d'Ase: a vaia foi gigantesca, Saramago ficou com ar de quem ia ter um ataque, os "buus" e os assobios não pararam e os autores tiveram de sair do palco. Os cantores foram recebidos com bastantes aplausos e até alguns bravi.
Nas outras récitas provavelmente não foi assim, é que tanto Corghi como Saramago não voltaram ao palco.
E quando falei em "um musicólogo desenterrar a obra daqui a mais de cem anos" seria na perspectiva de a levarem à cena. Deveria ter dito "um director de teatro com vocação de musicólogo"...
É claro que existe sempre um especialista desconhecido que espera por nós para fazer uma comunicação sobre uma bosta qualquer numa obscura reunião, e logo de semiótica, na Universidade de Cueiri di Cima. Quando falei no desenterramento não me referia a estudos académicos. Sabe-se da apetência pela irrelevância de muitos académicos sempre prontos a estudar qualquer assunto que mais ninguém ainda pegou, por ser precisamente o mais obscuro e com menos interesse para o resto do mundo.
Mas não me apetece "pseudo-polemizar" em torna da porcaria de uma "pseudo-ópera", já perdi demasiado tempo com o assunto e hoje estou de péssimo humor com uma enxaqueca insuportável.
Etiquetas: Alla Scala, corghi, Crítica de Ópera, dissoluto assolto, Fait divers, ópera, saramago
12.1.07
Crime
"Sim, se o motivo não for eticamente justificável, como por exemplo o risco de vida para a mãe ou outros previstos na actual lei.
Acho que quem aborta por motivos como manter a linha ou por razões profissionais ou porque já tem demasiados filhos ou por outra razão fútil qualquer deve ir parar à cadeia. Seja aqui ou seja no regresso de uma clínica em Badajoz ou Londres."
Para protejer a mulher grávida existe legislação abundante que deveria ser fortemente fiscalizada pelo estado para evitar situações complicadas para a futura mãe.
Para evitar a concepção existem métodos mais que seguros, o aborto praticado por pessoas com meios e acesso à informação é injustificável. Seria muito mais tolerante para com os excluídos de informação e vivendo em condições incompatíveis com a dignidade humana, mesmo sabendo que os valores éticos não são valores relativos.
Sim, num mundo perfeito quem abortasse a pedido deveria ir para a cadeia. A morte prematura de um milagre precioso e frágil como a vida é um crime, um filho é uma dádiva rara.
Aborto liberalizado e a pedido da mulher é, para mim, crime contra a vida, é filosófico, é profundo, não há volta a dar-lhe. E diz respeito a dois, não apenas à mulher.
Ler também.
Etiquetas: Aborto, Morte, Política, Referendo, Vida
HIpocrisia
Hipocrisia: é liberalizar o aborto para permitir a quem tem meios abortar de forma indiscriminada deixando os desgraçados na mesma.
Mas será que ninguém percebeu que vão ser estes que continuarão a abortar de forma mortal, em condições degradantes, porque não terão dinheiro para pagar os abortos nas clínicas privadas. Ou será que o Estado vai comparticipar o aborto liberalizado e a pedido no Serviço Nacional de Saúde? Passando os casos de aborto a pedido à frente nas listas de espera?
Será ético, ou mesmo possível, um caso de aborto a pedido e sem razões ponderosas objectivas (saúde da mãe, do feto, violação,...) passar à frente numa lista de espera do SNS onde figuram casos gravíssimos que esperam eternidades? Um aborto até às dez semanas não é adiável...
Como disse D. Duarte, e desta vez muito bem: O Estado em vez de liberalizar o aborto deveria apoiar e ajudar os mais desfavorecidos a ultrapassar a sua situação.
Etiquetas: Aborto, Morte, Política, Referendo, Vida
Comemorações e aforismos
2008 - Ano internacional da Batata (ONU).
2008 - Centenário do regicídio em Portugal.
Paulo Macedo vale muito mais o que ganha do que o primeiro ministro. Se mais não fosse provou-o pela missa que mandou rezar, alheio à turba multa do politicamente correcto, às PIDES dos costumes "democráticos", agindo por convicções profundas, de consciência tranquila. E porque não se escandalizam os senhores do costume contra a maçonaria, e os lobbies variados que de forma secreta e insidiosa por aí polulam e poluem, corrompendo e destruindo beatamente este país? Uma missa é aberta a todos e a mensagem de Cristo é de paz e de inclusão. Até o cromo do Hugo Chávez concorda...
E ao mesmo tempo evitava horas extraordinárias nos serviços contribuindo para a redução do défice!
A vida não se relativiza, o nosso regime é herdeiro de um crime, quem condena a morte de Saddam também deveria condenar a mentira desta república herdeira dos crimes da morte de D. Carlos e de seu filho.
Quem espera sempre alcança.
Quem espera desespera.
A memória é o pior inimigo do mentiroso, logo deveria ser o pior inimigo do político, mas a falta de memória nos outros acaba por ser o seu melhor aliado.
Etiquetas: Efemérides, Fait divers, Morte, Paulo Macedo, Política, Vida
7.1.07
Saramago e Corghi em Milão
O que teria acontecido? Nada se soube em Lisboa creio eu, de qualquer forma como estava fora do país não sei se os jornais reportaram. O que posso informar é que a ópera foi muito mal recebida na estreia e que não só Corghi como o próprio Saramago foram vaiados alegremente pelo público do Alla Scala, informação bem mais importante do que as vaias a um tenorzeco. Não sei se será bom ou mau, sabe-se como o público do Alla Scala é temperamental e muitas vezes retrógrado; ser vaiado até pode ser agradável mesmo num contexto de uma programação, na altura, dedicada à música contemporânea...
O que eu sei é que o pobre do Saramago, o mesmo que disse "ir ao Alla Scala é como receber o Nobel outra vez", ficou banzado com a recepção de uma obra que tanta água benta recebeu em Lisboa... Parecia que ia ter um ataque cardíaco em pleno palco quando lá foi para ser, putativamente, aplaudido...
As críticas foram mistas, uns disseram que Letonja tinha estado soberbo, outros que Letonja tinha destruído a subtileza dos tecidos de Hindemith [em Sancta Susanna], alguns disseram que Corghi era excelente e Saramago confuso, ainda outros afirmaram que Saramago era bom mas que a música não levava a lado nenhum.
Eu penso que nem a música é grande coisa nem o libreto presta para alguma coisa e que a Ópera passará a ser mais uma curiosidade para musicólogos desenterrarem daqui a mais de cem anos.
Fica aqui relevado o esquecimento com um pedido de desculpas aos leitores pela tardia lembrança.
Etiquetas: Alla Scala, corghi, Crítica de Ópera, dissoluto assolto, Fait divers, ópera, saramago
Bravo Atlético
Etiquetas: Fait divers
Sopranos Dramáticos & Beleza
Assim não posso de deixar passar sem uma "bengalada amiga" o post Sopranos Dramáticos & Beleza desse blog, um excerto:
O soprano dramático - Isolda, Brunnhilde, Elektra, Turandot - tem como principal atributo o volume vocal.
A voz tem de ser grande e ampla, penetrante e densa. Requer-se robustez e envergadura físicas.
Raramente encontramos um timbre sedutor num soprano dramático - Flagstad é uma excepção!
O mor das vezes, dada a natureza das exigências descritas, esta categoria de sopranos peca pela bestialidade [sublinhado meu] da compleição física...
Não é verdade que um soprano dramático tenha como atributo vocal maior o "volume vocal", é evidente que o registo de peito deve ser muito escuro no timbre e capaz de grande pujança sem deixar de ser capaz de matizes e cores, devendo ser aveludado mesmo (ou sobretudo) no pianíssimo. Os agudos devem ser rutilantes, dignos, consistentes e metálicos, mas de um metal ourífero quase cúprico revelando uma grande riqueza de harmónicos, muito equilibrados em toda a extensão, sobretudo na fundamental e nas duas seguintes componentes da decomposição espectral, revelando ainda uma grande linearidade da resposta (harmonicidade) mesmo nos pontos de maior tensão das cordas vocais e de maior esforço do peito e diafragma. Todos os registos são utilizados pelos compositores, todos os cambiantes são enunciados pelas paletas de Wagner ou de Strauss, todas as suas heroínas dramáticas vão da exaltação ao âmago do sofrimento, do despojamento à fúria mais sublime. Geralmente a agilidade não se coaduna com este tipo de vozes, mas houve grandes sopranos dramáticos capazes também de alguma coloratura. É verdade que a envergadura física pode ajudar, mas é preciso não esquecer que os grandes sopranos dramáticos se revelam na sua maioria depois dos quarenta anos.
Por outro lado a beleza física dos grandes sopranos não é para aqui chamada, são mulheres completas, actrizes, mães, mulheres maduras, que atravessaram na sua maioria das vezes o curso dos anos antes da afirmação como grandes sopranos dramáticos.
O uso do termo "bestialidade física" para caracterizar Martha Mödl, Régine Crespin, Kirsten Flagstad (que ao menos escapa pelo timbre), ou até Birgit Nilsson é no mínimo excessivo e deselegante, uma afirmação machista e misógena e sem a menor relevância para a arte que foram capazes de nos transmitir e, apesar do João Galamba de Almeida dizer que o timbre é geralmente pouco sedutor, gosto do timbre de todas. Opinião pessoal e altamente subjectiva, como todas as opiniões.
Deixo um magnífico retrato de Flagstad quando jovem, uma mulher lindíssima, quer se imagine a sua figura quer se escute a sua voz, e não apenas no timbre. E mais não digo que não vale a pena.
Etiquetas: Fait divers, ópera, soprano
6.1.07
Contra a Passagem do Tempo
Etiquetas: Ano novo, Fait divers, Tempo.
Sequeira Costa e um Maestro
No programa:
Modest Mussorgsky, Prelúdio do 1º Acto da ópera Khovantchina.
Sergei Rachmaninov, Concerto para Piano Nº 2, em Dó menor, op.18.
Claude Debussy: Jeux, La mer.
Devo dizer que não assisti ao concerto todo, depois de Jeux de Debussy retirei-me.
A primeira impressão negativa veio do público, ruidoso, incomodativo com tosses insuportáveis e repetitivas. As primeiras notas de Mussorgsky tiveram de ser repetidas pois mal Märkl levantou a batuta um senhor de provecta idade tirou o telemóvel do bolso e desligou-o ao som de uma musiqueta irritante... Depois a coisa continuou, da segunda vez voltou a ouvir-se um telemóvel mais para trás que já não foi motivo de paragem para a orquestra.
Se isto se passava no público o mesmo acontecia na orquestra, a entrada do primeiro trompa foi um desastre. A obra de Mussorsgsky foi o paradigma do concerto, demasiado ruído nos pontos mais exaltados (e a palavra é correcta), monotonia nas passagens mais líricas. Märkl quis mostrar tudo, a tudo estava atento, o gesto era desenhado com convição e estilo, percebe-se que o maestro até tem alguma musicalidade, mas o efeito era nulo. A orquestra esteve sempre muito descoordenada nos detalhes, desequilibrada nas sonoridades, apesar de se apresentar com uma formação nominalmente correcta, sem defeito dos violoncelos (que são sistematicamente em número muito reduzido nesta formação), mas empastada e monótona na interpretação.
O que se presentia na primeira obra revelou-se no concerto de Rachmaninoff, Sequeira Costa - que deixei de escutar voluntariamente durante muitos anos - tem ainda a chama, a subtileza, a capacidade técnica, a capacidade de dar cor, que fazem dele um dos grandes pianistas do nosso tempo, vive mesmo uma segunda juventude musical, mas não tem a potência sonora, e nesse aspecto residiu o grande problema deste concerto: Märkl abusou da violência sonora, dos paroxismos, foi pastoso e atrasou, chegando ao cúmulo de andar atrás da orquestra e abafou sistematicamente o piano, foi incapaz de finèsse, de modulação do som, se Costa vinha em piano o acompanhamento era mezzo forte, se Costa estava em pianíssimo a orquestra estava em piano, se Costa estava em fortíssimo a orquestra estava fortíssimo com quatro ffff.
O pianista está muito confortável na obra, foi praticamente irrepreensível na técnica, mas qualquer hipótese de lirismo, de trabalho de casa bem feito para trazer ao palco fica irremediavelmente comprometido por este excesso por parte do maestro que se esquece que o concerto é para piano e orquestra e não para maestro e abafador de pianos... Todo o fraseado é estropeado, toda a articulação fragmentária e imperceptível. Depois a concepção da obra, já de si algo desconexa, foi altamente fragmentária, sem ligação entre as diversas secções com interrupções (sobretudo no terceiro andamento) violentas das baterias e metais que de tempos a tempos vinham berrar qualquer coisa. Sequeira Costa fez o possível, que seria certamente excelente noutras condições, pois objectivamente o seu pianismo foi de alta qualidade nos pontos mais delicados tecnicamente e no segundo andamento onde alguns intrumentos da orquestra também brilharam, com particular destaque para o clarinete. Gostei também muito do naipe de fagotes. A impressão que ficou foi de arrastamento, pouco brilho, interpretação murcha.
E se isso se via nos compositores anteriores os Jeux de Debussy foram um descalabro, monotonia absoluta, orquestra pouco exacta, instrumentos a entrarem de forma muito imprecisa, falta de confiança no maestro por parte dos instrumentistas, ritmo descoordenado, maestro a dar o máximo a tentar dominar tudo, perdendo-se nos detalhes, que acabavam por sair contraídos e esquecendo a construção global da obra. Falta de equilíbrio sonoro. Arrastamento, falta de brilho sonoro e de elegância no som. Sobraram os gestos elegantes de Märkl e algumes belas sonoridades dos instrumentistas da Gulbenkian.
Um concerto destruído por um maestro que até poderia ser bom se não tentasse ser óptimo sem o conseguir e acabando francamente na nota negativa.
Não consegui resistir e saí para ir jantar, ouvir Debussy assim era demais para um estomago e uma alma atormentada. La Mer é um dos mais belos poemas que alguma vez se escreveram e há coisas que nunca melhoram, depois de todo um concerto a assassinar compositores variados eu não tinha estômago para mais, acabei num restaurante a celebrar La Mer em frente de um óptimo linguado: um fruto bem mais delicado do que todos os maneirismos de Märkl.
Etiquetas: Crítica de Concertos, Gulbenkian, Jun Märkl, Sequeira Costa
5.1.07
Sim ou Não
Depois virá a conversa da hipocrisia do aborto esterilizado e climatizado para ricas e degradante, aviltante, clandestino e mortal, como hoje é, e continuará sempre a ser, para as pobres.
E o mais hipócrita é pensar-se que a liberalização será para as classes mais desfavorecidas poderem abortar legalmente e em boas condições, nada de mais falso, a liberalização do aborto servirá apenas para o negócio, para o lobby, para a corrupçãozinha tradicional portuguesa. Para amigos de alguns políticos poderem ganhar mais uns cobres.
Post 1400 em três anos e oito meses.
Etiquetas: Aborto, Política, Referendo
3.1.07
Morte
Etiquetas: Morte
Início de Ano
Um ano novo de naufrágios hipócritas de pescadores gananciosos à pesca do robalo onde não podiam, onde era proibido, onde as espécies estão protegidas, não existe polícia marítima, as espécies não se protegem, nem as do mar, nem as espécies gananciosas que tudo matam por meia dúzia de euros, sem perdão, sem multa, sem colete e de botas. Morrem porque o mar protege o que é seu, porque Deus perdoa mas também mata e sobretudo o que mata mais é a estupidez dos homens. Já tínhamos sido informados pelo Filósofo, o dia confirma.
Saddam foi morto, bem feita para o filho da puta, mas quem o matou foram outros filhos da puta. Sem justiça, sem honra, matam e morrem os culpados, todos culpados, não há inocentes nesta história, somos todos culpados. Mortos e vivos. Europeus e americanos, portugueses e iraquianos, todos diferentes mas todos iguais, da mesma massa. Farsa de justiça, imagens falsas de dramas falsos, numa farsa encenada do tempo, sem tempo. Já tínhamos sido informados pelo Filósofo, o dia confirma.
Etiquetas: Ano novo, Naufrágio na Nazaré, Saddam, Tempo.
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