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7.4.11

O sabor amargo do Café Zimmermann 

Publicado originalmente no Jornal "O Diabo"

Café Zimmermann – Bach – Concerts avec plusiers instruments – V – Edições Alpha 168

Henrique Silveira – crítico

O famoso café de Leipzig onde Telemann e Kunhau reuniam o seu Collegium Musicum, posteriormente retomado por Bach de 1729 a 1737, dá nome a um agrupamento barroco.

Certamente o leitor já apanhou desilusões na sua vida. Uma das minhas maiores desilusões foi ter assistido a dois concertos deste agrupamento e ter percebido que o que eu entendia por quatro bons CDs de música de Johann Sebastian Bach não tinha a menor correspondência com o agrupamento em si, pelo menos à primeira vista.

Constatei que um dos directores do grupo, Pablo Valleti, tem uma técnica pobre e aflitiva no seu violino, e que apesar de se arrogar ser defensor da prática do violino barroco do início do século XVIII, não prescinde da queixeira, inventada apenas no século XIX por Ludwig Spohr, e do vibrato, técnica utilizada sobretudo a partir do século XX. Por outro lado a sua direcção é inexistente em concerto, preocupado com os aspectos técnicos do seu instrumento e deixando ao deus dará o resto do conjunto, que no caso de serem grande músicos lá se vão aguentando, mas no caso habitual, provavelmente para poupar, e como se trata de uma formação sem uma base fixa, acaba por redundar em desastre. A outra directora do agrupamento, Céline Frisch, é uma pobre cravista ao vivo.

Depois desta constatação a recepção de um novo disco deste agrupamento será sempre olhada com um sabor amargo. E assim acontece com este quinto CD da colecção dedicada aos concertos com vários instrumentos de Bach, que inclui a obra solística, os concertos duplos, triplos e quádruplos e ainda os concertos de Brandenburg do compositor alemão. Começa o CD com a suite nº3, os tempos são vigorosos mas sente-se insegurança na entoação, a rapidez excessiva esconde a insegurança que os membros do grupo têm na retórica musical de Bach. A famosa ária é apenas mais uma banalidade de filme de pacotilha, no seu pobre enunciar das linhas, som magro e falta de nobreza no final das frases. Cada frase parece que vai acabar o texto musical e nunca anuncia nada de novo. É feito a despachar e o belo eterno de Bach banaliza-se na conversa da treta. Cada nota sustentada pelos violinos e violas é uma tortura infindável apesar de apressada por um agrupamento nervoso. A suite arrasta-se pelos trompetes falsamente naturais onde vai sempre faltando qualquer coisa e onde os trios conclusivos soam sempre deselegantes.

Segue-se o concerto para cravo em fá menor BWV 1056, com uma interpretação pouco inspirada de Frisch e um acompanhamento a uma voz por parte algo tristonho.

O pior do disco é o concerto Brandeburguês nº6, onde a desafinação de Valetti e das restantes cordas é constante numa constante sopa de notas acabando o último andamento, um allegro, numa queda para o abismo da pobreza sonora. Um concerto demasiado difícil e fora do alcance técnico e estético deste grupo. Nem os gurus da pós-produção da Alpha conseguem disfarçar o mau produto de base, simplesmente vergonhoso.

O triplo concerto BWV 1063 para três cravos, agora com Dick Boerner e Anna Fontana adicionados a Frisch, termina menos mal um CD fraco. Creio que a o facto de aqui a direcção ser de Frisch em vez do pobre Valetti dá um pouco mais de cor a um conjunto pouco conseguido.

*

o - Mau, * - sofrível, ** - interessante, *** - bom, **** - muito bom, ***** - excepcional.

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27.1.07

A propósito do Sr. Hermenêutica. 

Outra vez a má moeda

Quando é que a tutela - esta tutela - aprende a deixar os organismos que tutela em paz? A que se deve este esforço controleiro? Não tem mais que fazer? O São Carlos está no topo do prestígio, cá e lá fora. Este Wozzeck foi o que eu digo aqui ao lado. Vem aí a continuação do Ring, de Wagner, encenado por Graham Vick. Paolo Pinamonti é um tesouro nacional que conseguiu alcandorar o teatro a uma posição de prestígio internacional. Faz milagres de multiplicação de música com o orçamento que tem. Pacificou as hostes e restituiu-lhes o orgulho nas grandes causas líricas. É um homem inspirado e cordato, e com uma excelente equipa. Serve de exemplo a outras instituições que se arrastam pelas ruas da medíocre amrgura. Será por isso? É sempre fácil arranjar um Judas, com ou sem 30 dinheiros. Ou espalhar calúnias, à Don Basílio. Se quer ser útil à causa da música em Portugal, o que o secretário de Estado devia fazer era perguntar à actual direcção do teatro em que os pode ajudar. O país não aguenta tanta mexeriquice e incompetência da tutela. Parece que a política é puro terrorismo de Estado: destabilizar e botar a baixo quem é bom e se distingue. Dizem que a má moeda expulsa a boa moeda. Se Paolo Pinamonti sair, bem pode a tutela limpar as mãos à parede. A parede e o país ficam todos borrados. Carago! A ministra que é do Porto talvez perceba.

Jorge Calado no Expresso de Hoje [coloridos meus, H.S.]

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24.1.07

Caro Rui Cerdeira Branco, pedes-me para ler um acordão de tribunal, um texto de má qualidade literária onde eu iria perder o meu precioso tempo a dissecar num cadáver putrefacto de formalismos jurídicos. Iria ceder àquilo que considero um dos problemas maiores da nossa sociedade e da nossa justiça: a capacidade de elocubrar sem juízo ético, sobre pressupostos formais afastados da realidade concreta e do mundo. Uma gigantesca masturbação épica que vai destruindo o nosso país num onanismo universal de egos e vontades sem ilusões, auto-centradas, sem destino que não o da discussão estéril de pesporrências escritas e orais.
O problema aqui é a realidade, a ilusão, a memória, a invenção e o tempo. Valores éticos, condenações, juízos de valor. Mas, de facto, tudo totalmente errado. Condena-se alguém (Luís Carmelo) que "inventou um facto para supostamente promover um livro". Esse facto não é real, afirma-se.
As minhas questões centram-se sobre o conceito de real. A partir do momento em que o facto se torna aparente, e é recriado/imaginado por nós na nossa mente, passa a ser real. O mundo, tal como existe, é apenas uma representação proveniente da nossa consciência desse mundo, quer ele exista ou não na realidade, coisa que não interessa muito afinal, o que interessa é ontologia. Será o mundo real? Interessa essa questão? Indivíduos como somos, utilizamos a realidade em nosso proveito, inventamos a realidade.
Noutro caso concreto em apreço, considera-se como factor negativo da oportunidade de se "inventar" um facto de "sequestro" de um jornalista a situação do pretenso sequestro de uma criança de cinco anos, isto admitindo que existe na consciência de uma maioria de indivíduos em Portugal que se aperceberam da notícia. Neste caso os formalistas condenam um pai adoptivo com base em juízos abstractos. Serão esses princípios, que formam a base do juízo, reais? A Lei é real? Será uma representação de um ideal? Ou uma aproximação muito falível desse ideal? Ou nem sequer se aproxima desse ideal se acreditarmos que o mundo como tal é apenas uma ilusão? Por outro lado se acreditarmos que o ser humano é intrinsecamente mau, como o nosso pessimista de serviço, Schopenhauer, tão bem o colocou, uma Lei emanada do homem (no sentido de humanidade mas sempre com h minúsculo) será sempre intrinsecamente má, longe dos reais valores éticos, da abnegação, da renúncia, da arte de atingir o nonumenal que passa pela arte de esquecer a Lei dos homens (ou apenas de esquecer, como louvava Nietzsche), uma Lei sempre errada, sempre conducente ao primitivismo, ao egoísmo, à maldade. Uma lei humana defenderá eternamente o mesquinho e vil egoísmo, enquanto o homem for homem.

Voltamos então ao ponto do comentário pedido: como comentar algo que é apenas virtual? Porque razão a invenção de uma realidade paralela é eticamente errada? Será errado promover um livro à custa da indignação alheia? Não acho. Tão egoísta é o burlador como o burlado caro Rui. Além disso que belas reflexões essa invenção de um real paralelo não suscitou?

Sentir-me-ei enganado? Claro que não, a realidade, sob que forma for, nunca nos pode enganar. Podemos mudar de ideia ao mudar a nossa representação, mas o engano como acto ético valorativamente errado nunca poderá estar presente numa representação do mundo, válida como outra qualquer.

E voltemos à criança, que no fundo é a única realidade que ainda está em contacto com a natureza íntima das coisas, próxima do estado natural, recém saída do uno criacional. Interessa-te Rui a felicidade de uma criança? A mim interessa e muito. É nessa felicidade que reside a esperança de um homem que pode vir a conhecer o caminho da eterna renúncia, longe da mesquinhez e do egoismo de ti, do Carmelo e de mim. Sem nos apercebermos...

E volto ao Nonnumenal depois desta digressão pelo "real", volto à música, que nos aproxima do infinito, a música e o amor como dizia o nosso pessimista de serviço. Faz-nos regressar à inocência criacional.

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