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4.6.11

Os Três Pintos 

Texto Publicado originalmente no jornal "O Diabo"

Henrique Silveira – crítico

Die Drei Pintos é uma ópera que Carl Maria von Weber não conseguiu acabar e que foi completada e reinventada por Gustav Mahler. Versão de concerto a 27 de Maio na Fundação Gulbenkian com casa pouco acima de meia, direcção de Lawrence Foster. Coro e orquestra Gulbenkian. Solistas: Philippe Fourcade, barítono em Pantaleone de Pacheco e no estalajadeiro, Peter Furlong, tenor em Don Gomez de Freiros, Michaela Kaune, soprano em Clarissa, Simona Ivas, meio soprano em Laura, Marius Brenciu, tenor em Don Gaston Viratos, Martin Snell, baixo em Don Pinto de Fonseca, Dora Rodrigues, soprano em Inez, Job Arantes Tomé, barítono em Ambrósio e Fernando Luís no papel falado do narrador que representou Gustav Mahler. David Pountney na concepção e autoria da narração.

Sendo uma ópera cómica em três actos, passada em Espanha, com diálogos em alemão, foi considerado que seria melhor fazer uma narração resumida do que acontece na cena entre as partes musicais, a narração foi criada por David Pourtney, inglês. A sua explicação no programa é rudimentar, estando mesmo ausentes o texto desta e a biografia do autor, facto lamentável que aliás se tem vindo a somar a erros de palmatória nos textos dos mesmos. A tradução do texto narrado por Fernando Luís foi, no mínimo, rústica; serve de exemplo a utilização de “senhorio” em vez de “estalajadeiro”, simplesmente ridículo e limitado!

Com um elenco prometedor de início, tivemos um Fourcade com uma voz encorpada e correcto no papel de estalajadeiro e posteriormente no pai de Clarissa a heroína. Peter Furlong o tenor que ama Clarissa e que, por razões nebulosas, não a pode cortejar começou titubeante na entoação mas depois encontrou-se com o decorrer da obra, mostrou uma boa voz muito lírica e tipicamente alemã. A sua amada, Clarissa, aqui por Michaela Kaune, entrou muito fria e a arrastar as frases musicais, mas depois aqueceu e conseguiu corrigir algum ácido nos agudos e mostrou uma voz encorpada e densa, com musicalidade e sentido musical, pena alguma dificuldade em largar as notas a tempo. Simona Ivas, Laura criada da anterior, tem uma voz muito bonita e colocada, é musical, mas padece de potência e os agudos são pobres em harmónicos, o que não é estranho uma vez que se trata de um meio soprano e o papel vai algumas vezes a um registo desconfortável para este tipo de voz. Marius Brenciu, no papel motor da acção em Don Gaston, foi a grande desilusão, agarrado à leitura do papel, correndo atrás das notas e sem graça na interpretação, denotou uma preparação francamente insuficiente, quando tentou brilhar a voz partiu-se nos agudos e foi confrangedor ouvir gritos em vez de canto. Martin Snell, no papel cómico de Don Pinto, não teve graça nenhuma e andou também a ler o papel, não cumpriu objectivos mínimos, mesmo cantando as notas todas. Dora Rodrigues esteve muito bem no papel de Inez, lírica e musical. Job Tomé foi mais uma vez uma revelação, divertido, preparado, não se deixando dominar pela música, cantando o falsete com comicidade, foi simplesmente perfeito. A narração de Fernando Luís foi clara e precisa, representando com convicção o papel do autor que finalizou a composição e pondo em contrapondo a relação de Mahler com o neto de Weber e sua Mulher, Marion, com que teve uma relação complicada que envolveu traição, intriga e amor.

A direcção de Foster foi mais clara que o habitual e o conjunto manteve-se coeso, não percebo apenas o passar da batuta para a mão esquerda para depois andar aflito sem saber onde a colocar! A orquestra esteve a elevado nível e apenas a falta de aprumo de alguns músicos também se lamenta, não é próprio ver fivelas de cintos com as competentes banhas abdominais sobrepostas em traje de casaca, para evitar isso existem coletes brancos ou faixas brancas.

O coro preparado por Jorge Matta esteve a um elevado nível, mais uma vez foi lamentável a não inclusão do seu trabalho no programa da Gulbenkian, um erro grave e uma desconsideração imerecida para aquele que é o grande motor do coro Gulbenkian; ao contrário de todas as grandes casas, a começar pelo Festival de Bayreuth, onde o maestro de coro aparece sempre em grande destaque e com direito a importante biografia em todos os programas.

A ideia da narração foi realizada com cuidado e foi mais eficaz que os diálogos em alemão que não têm sentido na versão de concerto.

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30.3.11

A Luta de Vasco e Nuno 


Ópera Banksters em estreia absoluta no S. Carlos

Henrique Silveira – crítico

Estreia a 18 de Março de 2011 com sala pouco mais de meia. Direcção musical de Lawrence Renes com Orquestra Sinfónica Portuguesa e Coro do Teatro Nacional de S. Carlos. Obra do compositor Nuno Côrte-Real com libreto de Vasco Graça Moura.

É célebre a imagem de Jacob lutando durante a noite com um ser, nunca nomeado mas interpretado como um anjo, nas pinturas de Rembrandt, Delacroix ou na gravura de Doré. Essa imagem vai percorrer a encenação de João Botelho: a luta constante entre esse estranho ser, enviado de um paraíso fiscal, Angelino Rigoleto, tenor Musa Nkuna, e o banqueiro Santiago Malpago, barítono Jorge Vaz de Carvalho. O denso texto original de José Régio, Jacob e o Anjo, que se aplicava a D. Afonso VI é desmontado e reconstruído por Graça Moura que cria um libreto em rima de um finíssimo sentido de humor e musicalidade, misturando alguns elementos brejeiros com uma refinada erudição. A obra original de Régio serve de prancha de salto para a história de um banqueiro, visitado por um ser estranho que precipita a acção. O banqueiro é traído pela mulher, Mimi Kitsch, soprano Sara Braga Simões, e pelo Accionista irmão de Santiago, barítono Diogo Oliveira.

A música de Côrte-Real não acompanha o sentido de humor de Vasco Graça Moura, criando-se assim o principal equívoco desta obra. Côrte-Real sabe utilizar a prosódia e o português resulta muito legível mas aquilo que seria, à partida, uma tragicomédia resulta, através da música, num produto muito enfático, continuamente sobrecarregado na orquestração com uso e abuso dos metais, muito denso de graves, muito repetitivo na exploração do material temático e no abuso da marcação pelos tímpanos, quase sempre em fortíssimo, de ritmos assumidamente brutais, como o do “malhão malhão” dos Zés Pereiras, que deixam o auditor num sufoco de tensão que nunca distende, acabando tudo em ambiente de tragédia pura e dura.

A música é sempre ofegante. As citações contínuas de outros trechos musicais, assumidas ou inconscientes, como o cliché dos violoncelos após um momento mais pungente, acabam por perder o efeito e são mais uma máscara que se confunde com a realidade. Os momentos de grande beleza musical banalizam-se pela sua exploração exaustiva onde falta a concisão. A constante divagação estilística de Crte-Real é uma espécie de barroquismo pós-moderno que, de tão assumido, se torna num pastiche que nem sequer consegue ser reaccionário. Após uma muito interessante e fresca Oratória Popular, estreada recentemente em Torres Vedras, esta ópera é, para mim, uma desilusão.

A encenação de Botelho é primorosa, resultando muito visual e evocativa e muito bem coadjuvado por todos os elementos da equipa cénica.

O maestro não conseguiu dar coesão ao todo e o coro foi a habitual abominável colecção de cromos aos gritos. Grande dignidade na representação e canto de Vaz de Carvalho, com bela dicção, e uma muito interessante Sara Braga Simões [teatralmente] com Diogo Oliveira a cumprir bem, Musa Nkuna foi fraco e Chelsey Chill foi excessiva, o resto dos cantores primou por uma fraca mediania.

**

o - Mau, * - sofrível, ** - interessante, *** - bom, **** - excepcional

Nota -Este texto curto de cerca de 3000 caracteres não me satisfaz. As necessidades jornalísticas forçam-me a uma concisão que, apesar da disciplina que impõe, é castradora e deixa a crítica sempre incompleta. Mas são as regras do jogo.

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4.6.07

Onde vive esta gente? 

Leio no Público a uma espécie de candidato a crítico sempre em estado de deslumbramento, entre a barbaridade de dizer que para a lady Macbeth não é preciso saber cantar bem (!!!) e que Verdi queria por em causa o belcanto italiano (!!!!!!!). Sobre os efectivos de que dispunha o fraquíssimo Pirolli neste Macbeth de Verdi: "Porque conta com um coro de qualidade, uma orquestra capaz..." Um coro de qualidade? Será que tem alguém da família no coro do S. Carlos? É que apenas um surdo com alguém muito chegado no coro pode dizer que o coro é de qualidade e a Orquestra Sinfónica Portuguesa é capaz! A orquestra é fraquinha e o coro é muito mau. Há erros e erros, há diferenças de opinião, mas dizer que o coro do S. Carlos é de qualidade só por anedota ou ironia, o que não parece francamente o caso.

Remédio para o rapaz, e pago pelo "O Público": ir a um teatro de ópera por essa Europa ouvir um coro decente e ser obrigado a ouvir trinta concertos seguidos da OSP e depois ir ouvir um concerto a Leipzig ou Dresden com as orquestras locais...

P.S. (Ao fim do dia) Não há coincidências! Telefonaram-me a dizer que o rapaz tem uma prima no coro! Não sabia mas parece-me que uma prima não é razão que baste para se dizer que aquilo é um coro com qualidade, devia ser um parente mais próximo que justificasse um erro tão grosseiro. Afinal é mesmo surdez crítica.

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29.3.07

Seabra volta 

A ler os textos (derivas) de Augusto Manuel Seabra no site da Culturgest. As reflexões de Seabra são muito pertinentes e essenciais no espaço público deste Portugal cada vez mais amordaçado. Não posso nem consigo voltar a atacar o Seabra da forma que fiz em tempos, apesar de algumas discordâncias de estilo e forma. O Seabra é inegavelmente um pensador profundo e corajoso, para mim é melhor quando aborda os grandes temas e disserta sobre cultura, e política da mesma, numa perspectiva estratégica e global. De ler e rever os dois últimos textos sobre "Os Anos Pinamonti".

Concordo inteiramente com a referência ao último Wozzeck, obra prima da literatura operática, feita com grande dignidade musical por um grande director e encenada de forma subtil e profunda por um, verdadeiramente, grande encenador. Para mim este Wozzeck foi talvez a melhor realização dos anos Pinamonti, muito acima da espectacular (e pouco referida por Seabra) encenação centrada em torno do ego de Vick da primeira metade da Tetralogia; que está muitos furos furos abaixo da encenação do mesmo Vick para o Werther, outra das grandes realizações dos anos Pinamonti.

O espaço público está amordaçado pela pesada modorra política, pelo domínio dos bonzos opinativos habituais e pela estupidez e anti cultura que grassam nos chamados jornais de referência com "O Público" cada vez mais desastroso, o Diário de Notícias a degradar-se cada dia que passa com mais uma direcção e o Expresso que, apesar da espessura, dedica cada vez menos espaço à cultura. É necessário recriar novos espaços públicos e formas de reflexão crítica sobre a arte e sociedade. O Site da culturgest abre um espaço que é necessário mas muito mais tem de ser feito.

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20.3.07

Prémio Verde e Preto 

O Sr. Eduardo Pitta além de mentiroso é mal educado. Fica aqui neste texto o meu obrigado pela confirmação do próprio e o respectivo prémio ao "crítico literário". Sobre a "acrimónia", acho a palavra desajustada, será mais um "justo correctivo" pela utilização da mentira e da manipulação dos factos. É um justo correctivo que resulta da indignação de ver alguém com responsabilidades a ser irresponsável e mentiroso e não se informar devidadamente sobre o que escreve, fazendo-o sem o menor pudor.

Não acho que E. Pitta seja pateta, como ele me chama a mim, naquilo que, vindo de quem vem, não passa de um bom elogio, mas tenho a certeza que é mentiroso, que distorce os factos e que não conhece aquilo sobre o que discute: a demissão de Pinamonti do TNSC. Nunca um assunto de natureza objectiva será transformado numa vulgar troca de insultos, como E. Pitta faz. É inútil esconder a ignorância do assunto e as suas falácias com o manto roto da arrogância despeitada de freira púdica, caro E. Pitta, os factos falam por si.

Pitta entrelaça-se em contradições: apesar de dizer que não defende a tutela com unhas e dentes afirma que fala assim porque o assunto é político e não técnico! De facto a soez intriga contra Pinamonti é política mas o cargo dele é artístico, sublime contradição, obrigado E. Pitta pela confirmação. Onde deveria surgir a avaliação pura de competência técnica, passa a valer a traulitada e a mixórdia da política. Não se trata do preço fixo dos livros que se discute, trata-se da avaliação técnica de alguém que dá provas públicas num domínio complexo e artístico, que poderia até ser muito controverso. Acontece, porém, que toda a crítica musical, sem excepção, avalia, incontroversamente, Pinamonti entre o muito bom e o excelente. E. Pitta pensa que estamos todos no lobby do Pinamonti, mesmo aqueles que desde a primeira hora o criticaram fortemente, como eu, e que se foram rendendo à sua capacidade de realização e à sua inteligência. Como seria possível Jorge Calado, Alexandre Delgado, Augusto Seabra, João Paes, Rui Vieira Nery a fazer lobby por Pinamonti? E. Pitta será o único inteligente cá do burgo que nos quer fazer a todos de patetas? Ele, E. Pitta, parece ter ido a Glyndbourne, será que o Seabra também não terá ido? E o Nery? E eu terei andado por onde quando E. Pitta escrevia livros para muito menos pessoas do que aquelas para as quais interessa a tal demissão de Pinamonti? "Talvez" 200 ou serão afinal "600", números mágicos que parecem ser a sua bitola, porque não 531 ou 141, para números inventados quaisquer serviriam, será que 600 é o maior número para Pitta? Uma tiragem recorde de um microlivro a preço fixo?
Mas será que Glyndbourne interessa aqui nesta questão? E porque não discutir o uso pijamas de seda como o Wagner? Será que interessa a pedantice de E. Pitta a gabar-se de ir a Glyndbourne a propósito do S. Carlos? O que interessa nesta questão é o S. Carlos, onde o E. Pitta não pisa, e não o desprezo que E. Pitta vota ao teatro nacional de ópera. É claro que eu também não vi o Sr. E. Pitta em muitos lados, como Munique, Viena, Praga, Aix, Bayreuth, nos Proms, Paris, Innsbruck, Salzburg ou Frankfurt numa lista interminável e inesgotável de lugares onde encontro amigos portugueses com frequência. Não levo a minha proverbial patetice, caro E. Pitta, a andar de máquina fotográfica em punho fotografando os teatros por onde passo. Também não me interessa fazer alarde disso, o provincianismo de exibir as viagens a Glyndbourne é típico de alguns personagens do Eça que não tinham passado muito para além da Porcalhota, fica o assunto ao cuidado de Isabel Pires de Lima.

Apenas o E. Pitta, da literatura, acha bem que o Vieira hermeneuta despeça Pinamonti. O que é certo é que E. Pitta agora "crítico político" não põe os pés no S. Carlos, como o próprio alardeia com alacridade e uma ponta daquele orgulho luso de ser ignorante e ter "raiva a quem sabe", ele que até conhece o nome de Glyndebourne pode dar-se ao luxo de ignorar o "San Carlos". Mas alguém que fale do preço fixo dos livros tem de saber o que é um livro! E. Pitta nem sabe o que é o teatro de S. Carlos de hoje. Os porteiros do S. Carlos estão bem mais à vontade para dissertar sobre o assunto do que alguém que voluntariamente põe antolhos na sua visão já de si estreita e nos presenteia com esses antolhos como se fossem a oitava maravilha do mundo. O que o E. Pitta diz vale o que vale. Para mim o que ele diz não vale nada e afirmei-o frontalmente. Escrevi isso mesmo para não deixar impune a distorção dos factos sem um reparo, e um registo, neste espaço público. Pelo contrário o E. Pitta acha que sabe muito do assunto e pode mandar umas postas de pescada. Acho bem e respeito as postas do Pitta, estamos num país livre, eu comento apenas as incorrecções e as falsidades; os Pittas deste mundo não me intimidam. Como o país é livre também tenho o direito de chamar mentiroso a quem quiser, se provar o que digo. O E. Pitta prefere chamar-me de pateta. É assim que funciona o mundo. Acho imensa graça e dou uma boa gargalhada. O E. Pitta irrita-se e chama pateta a quem tem a ousadia de contrariar o seu pedantismo ignorante; eu volto a dar uma gargalhada, ainda maior.

O leitor que julgue, mas julgue sabendo que E. Pitta afirma uma série de mentiras com que pretende confundir e manipular os factos da demissão de Pinamonti para desvalorizar objectivamente o que este tem feito de brilhante no S. Carlos.
É claro que, tentando colocar o assunto na esfera política, para E. Pitta deixam de valer argumentos críticos, ponderações de factos, análises. A aldrabice, a manipulação da realidade e a ficção mesquinha do quotidiano passam a ter lugar de excelência neste universo supostamente político, e o Sr. E. Pitta usa a ferramenta abundantemente. O facto é político, logo pode-se atacar o resto do mundo usando a grosseria e chamar pateta aos outros. Felizmente o Sr. E. Pitta responde a quente mostrando a face política do assunto e o verdadeiro lobby a que pertence.

Mentiras objectivas de E. Pitta

O Teatro não abre "talvez" vinte vezes por ano, abre mais de 120 vezes. As récitas de ópera são 43 no último ano, segundo Pinamonti afirmou em entrevista que me concedeu e pelos números oficiais do teatro. A história das 43 récitas não é assunto de discussão, é um facto. Não estou para discutir isso, se o E. Pitta estivesse informado, em vez de andar a pavonear-se de máquina fotográfica em punho para depois exibir as fotos, em Glyndbourne ou noutro lugar qualquer, nem precisaria de perguntar. O tal livreco do preço fixo tem páginas? Pitta que se documente e verifique quantas foram as récitas e os espectáculos realmente efectuados e desampare a loja depois de pintar a cara de preto.

Não há talvez "600" pessoas no público de ópera, o teatro tem cerca de 950 lugares e tem uma ocupação superior a 90 por cento. No caso da Valquíria esgotou as sete récitas e mobilizou milhares de pessoas no largo de S. Carlos que seguiram a ópera em ecrã gigante.

O assunto da demissão de Pinamonti não interessa apenas a 200 pessoas, como é público e notório.

Os bilhetes da ópera não custam 400 euros por espectador ao Estado. É falso: se juntarmos todas as colaborações e os concertos da OSP, os recitais e os concertos de outros agrupamentos, como a Orquestra do Século XVIII, o Divino Sospiro entre tantos outros, um espectáculo custa ao Estado 120 euros por espectador. Isto se não contarmos com as receitas dos bilhetes que não entram directamente nos cofres do S. Carlos mas sim nos das Finanças! Se retirarmos a OSP, orquestra sinfónica do Estado português e que existiria com ou sem ópera, o preço desce para 60 euros por evento, um dos valores mais baixos da Europa.

Pinamonti não podia aceitar um convite não feito formalmente.

Ficam os reparos e posso afirmar ainda que o Sr. Pitta pode ser mentiroso e mal informado mas não é pateta. Pitta, no entanto, tem razão ao chamar-me pateta: sou mesmo pateta por "gastar cera com tão vis defuntos".

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19.3.07

O Lobby dos Hermeneutas 

Eduardo Pitta sai da Literatura e resolve dissertar sobre Pinamonti. Existe neste fenómeno a notória incapacidade de certos críticos de ficarem restringidos ao que julgam que sabem e resolverem dissertar sobre o que, notoriamente, não sabem, E. Pitta nunca reflectiu sobre música, a sua cronologia não refere a música uma única vez e nunca criticou qualquer evento musical.
Tenho visto o Eduardo Pitta, crítico literário, a confraternizar em inúmeros lançamentos de livros e em diversos saraus. Nunca vi o E. Pitta no S. Carlos, não é manifestamente um conhecedor do fenómeno musical e do que o rodeia.
Ao ler os textos de E. Pitta, e são já vários, sobre Pinamonti e a recente dispensa do italiano de director do TNSC, apesar deste ter manifestado disponibilidade para ficar, fica a impressão que E. Pitta acha Pinamonti um a espécie de incapaz, um troca tintas que escreve uma coisa e faz outra, ou alguém que não conseguiu endireitar os vícios do Teatro Nacional de S. Carlos. E. Pitta não entende o essencial: as qualidades profundas do ainda director do S. Carlos que deveriam ser aproveitadas em vez de desbaratadas, num gravíssimo malbaratar de um património colectivo que os senhores da tutela da cultura deveriam preservar e valorizar em vez de procurem pretextos para destruir. É este o cerne da questão e não questiúnculas formais do diz que disse, afinal o que parece ser o ponto mais importante na hermenêutica da treta de alguém habituado à crítica literária para públicos ínfimos.
Defende E. Pitta com unhas e dentes uma tutela titubeante e incapaz, que utiliza truques de baixa política, sem peso dentro do governo, incapaz de obter receitas no orçamento de Estado e incapaz de ter imaginação para as criar graças a esforço próprio aproveitando mecenato e parcerias com os privados. Uma tutela que o próprio E. Pitta já em tempos achou desnecessária. No mínimo estranho este lobby hermenêutico na área da cultura, ou será que E. Pitta da sua olímpica cegueira queira apenas criar polémica com os faits divers das suas bocas sobre o assunto? De qualquer modo é grave: E. Pitta tem ainda alguns leitores que o levam a sério e falar sem saber é, no mínimo, irresponsável.
Acha E. Pitta que o assunto diz apenas respeito a um grupo muito restrito "talvez duzentas pessoas", se pensarmos que E. Pitta, justa ou injustamente, poderá ter um número de leitores "talvez" da mesma ordem de grandeza, "talvez" possamos dar um maior significado a este número. O que eu não percebo é o interesse do crítico literário E. Pitta sobre este assunto, talvez seja um problema de hermenêutica pós-compreensão, por oposição à "hermenêutica pré-compreensão", que Vieira hermeneuta aplicou a Paolo Pinamonti.
Embora graves, e podendo levar leitores a um erro que importa desmontar, acho as reflexões de E. Pitta inúteis. Primeiro, porque o conhecimento dele sobre o assunto é praticamente nulo: é falso que sete récitas esgotadas da Walküre sejam as 600 pessoas que refere como público do S. Carlos, é falso que os milhares que encheram o largo do S. Carlos nos dias em que a ópera foi transmitida para o exterior sejam as tais 600 pessoas pessoas que E. Pitta refere, o que reflecte logo à partida a credibilidade que quem faz essas afirmações. É mentira que cada récita de ópera custe 400 euros, serão 350 se dividirmos todos os custos pelas récitas, mas se retirarmos a orquestra sinfónica portuguesa que faz concertos o número reduz-se drasticamente, mais hermenêutica da treta directamente vinda da Ajuda, se dotássemos o S. Carlos de mais um milhão de euros para produções (somados aos actuais 13 milhões) o preço por récita passaria a ser um dos mais baixos da Europa, é que os tais 350 por récita resultam de custos fixos e não das produções propriamente ditas. Por outro lado a execução orçamental de Pinamonti é de um rigor extremo, nunca gastou um cêntimo a mais do que o orçamentado, nunca contraiu uma dívida. Parece impossível para Portugal, era bom demais. Era mas acabou-se por causa de mesquinhas embirrações e conflitos de personalidade.
Em segundo lugar o que E. Pitta refere é inútil porque não passa de um ignorante sobre o assunto: é consensual entre toda a crítica musical, à qual E. Pitta não pertence, o excelente trabalho de Pinamonti. Todos os especialistas do assunto concordam sobre Paolo Pinamonti, mas isso deve ser indiferente ao E. Pitta, que sendo crítico literário julga poder opinar sobre tudo. Para mim o que o E. Pitta diz sobre o Pinamonti é igual às barbaridades que um taxista do Porto me disse sobre o Pedro Burmester. Eu perguntei ao tal taxista se tinha entrado alguma vez na Casa da Música e ele disse-me que não. A umas perguntas básicas o que dirá E. Pitta: qual a tonalidade que abre a Valquíria? Quantos actos tem o Orfeo de Monteverdi? Qual a ópera ou óperas que Teresa Stich Randall fez no S. Carlos em 1970? Pitta parece que passou nos anos setenta pelo S. Carlos. Muita coisa mudou entretanto, a ópera está esgotada, a ópera vai ao CCB, e não foi mais por causa do prof. Fraústo. O Wozzeck, uma das melhores produções de todos os tempos do S. Carlos foi ao CCB para três récitas. Vá lá ler uns livritos para responder e documente-se melhor E. Pitta, é fácil cair-se na asneira e na mentira, mesmo involuntária, quando se ignora o assunto.
É necessário reforçar que apesar das observações do E. Pitta, toda a crítica musical portuguesa (que trilha os mais diversos universos, escolas e metodologias) reconhece que Pinamonti foi um dos melhores directores do Teatro de S. Carlos, posso prová-lo de forma muito fácil citando textos de Augusto Seabra, Bernardo Mariano, Cristina Fernandes, Jorge Calado, Ana Rocha, Luciana Leiderfarb, Rui Vieira Nery, Teresa Cascudo, através de manifestações de solidariedade de João Paes ou de Alexandre Delgado, e de outras personalidades do mundo da cultura e da música que não ficaram pela estagnação desfasada da realidade dos universos oníricos da literatura para meia dúzia de leitores. Pinamonti foi muito bom sob condicionalismos terríveis em termos orçamentais. É verdade que Pinamonti não resolveu tudo mas Pinamonti pacificou, integrou-se, foi resolvendo de forma muito pragmática usando todos os sábios recursos de diplomacia da cultura mediterrânica. Foi-se livrando do joio de um maestro titular (Peskó) e promoveu João Paulo Santos, impossível de jogar borda fora por motivos contratuais, para um lugar inócuo. Eliminou um inenarrável concertino da orquestra. Tentou o impossível ao programar concertos sinfónicos com alguns dos melhores maestros do mundo, especialistas desde o classicismo ao contemporâneo. Contratou um maestro de coro e um assistente que resolveram parcialmente um dos maiores cancros do teatro: a péssima qualidade do Coro do TNSC. Algumas das vezes teve os maiores sucessos artísticos, como com Inbal, outras vezes com resultados entre o positivo e o desastroso, como com Letonja. Mas como o Pitta sabe melhor do que ninguém, na arte nada é seguro, é no balanço final que Pinamonti foi um valor muito seguro, foi mesmo um director excelente em face das dificuldades. O S. Carlos é hoje um teatro muito melhor do que era há seis anos, e Pinamonti conseguiu-o sem dinheiro.
O período de adaptação foi ultrapassado, após seis anos de trabalho Pinamonti conhecia a cultura portuguesa e integrado conseguia extrair o melhor que nós conseguimos dar com as nossas estranhas peculiaridades e os nossos maus e bons hábitos. O TNSC afirmava-se como motivo de orgulho internacional para Portugal, algo que só um bronco sem a menor noção do que está a comentar pode desvalorizar. Shirley Althorp, crítica do Financial Times (e de todo o grupo Blomberg), vem sempre a Lisboa para ver as produções do nosso teatro de ópera fazendo críticas que ecoam por todo o mundo, nunca cá teria vindo sem Pinamonti. Todos os grandes órgãos de comunicação deslocam os seus críticos ao nosso teatro, o El Pais, o Le Monde, O The Times, a BBC, a lista é interminável. A ópera de Corghi e Saramago, no meu entender péssima, foi referenciada por toda a imprensa mundial com apreciações muito diversas, desde o entusiasmo ao cepticismo. Dei uma entrevista à Deutsche Welle sobre o assunto, onde apesar de criticar duramente a obra de arte, elogiei o trabalho do director como notável. Pinamonti deu entrevistas a todas as estações que importam a nível internacional. A encenação do Ring de Vick, goste-se ou não, é um marco a nível internacional. O Wozzeck de Braunschweig e Inbal foi um acontecimento notável, uma das melhores encenações, um dos melhores naipes de cantores a nível mundial e uma orquestra a superar-se de forma quase impossível para quem conhece a Sinfónica Portuguesa.
Com um orçamento de 13 milhões de euros, um número ridículo em termos europeus, mesmo para um teatro de província, Pinamonti consegue produzir mais de 120 espectáculos onde figuram 43 récitas de ópera por ano e não, outra das mentiras do Sr. E. Pitta, as "talvez" vinte vezes por ano. Christoph Dammann, que vem em part-time de Colónia, tem 36 milhões de euros para gerir o seu teatrinho local, Mannheim (uma cidade de 200.000 habitantes) tem 25 milhões de euros.
É precisamente este capital de experiência, de realização e de adaptação à nossa realidade que o sr. hermenêutica e a sra. ministra desvalorizam e o Sr. E. Pitta, agora também membro do lobby hermenêutico e, além do mais, mentiroso, também desvaloriza. No caso de Pitta a grosseria das suas incorrecções, ou manipulações, é tão evidente que qualquer observação sua sobre o assunto está imediatamente descredibilizada. Quem precisa de manipular os factos para argumentar não merece crédito, é a desilusão de ver um "exemplar" crítico literário usando argumentos à taxista.
É o prestígio de um país que se mede por estas coisas mas nunca para um "portuga" mediano. É evidente que para o E. Pitta o assunto tem pouco interesse, é um "fait divers": Ópera, o que é isso? Só tenho a lamentar a santa ignorância de certos "intelectuais" que se fecham na sua área e se esquecem que a cultura é universo e não é medida pelos antolhos de miséria em que se formataram os filhos de um país de analfabetos e de aldrabões.

Ler ainda o João Gonçalves no Ponto Final do Portugal dos Pequeninos, o Carlos Araújo Alves em un fait divers e a Teresa Cascudo em Mais do Mesmo

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14.3.07

Não queremos os bilhetes esgotados! 

A frase mais inteligente no processo da demissão de Pinamonti e logo vinda de um hermeneuta! Vieira de Carvalho, Sr Hermenêutica, afirmou na conferência de imprensa: "Queremos que o São Carlos seja um forte ponto de atracção turística. Que tenha oferta. Que a ópera não esteja fechada ou os bilhetes esgotados", disse o governante segundo o DN, genial digo eu, esta merece um lugar na antologia da asneira e da estupidez do século XXI em Portugal.

Outra frase a reter: "Temos a ópera mais cara per capita da Europa", como se o "governante" se propusesse a mudar o estado das coisas! Mas é claro que a ópera em Portugal sai cara, por culpa dos incompetentes, hermeneutas incluídos, que passam e passaram pela cultura e pelas finanças. Será que Vieira de Carvalho é tão estúpido ou tão cínico, que não perceba que isso acontece precisamente por causa de o parco orçamento ir para os custos fixos do Teatro Nacional de S. Carlos? Resta muito pouco dinheiro para as produções, isto implica ter uma estrutura imensa com custos fixos elevados, onde o hermeneuta inclui ainda a orquestra sinfónica portuguesa, que não deveria fazer apenas ópera, e funcionários altamente bem pagos como João Paulo Santos, que nada produzem, restando um pequeníssimo orçamento para a produção operática, um número ridículo de seis títulos por ano quando João de Freitas Branco fazia mais de trinta por ano antes ainda da revolução de 1974! A propósito: João de Freitas Branco é outro dos candidatos a melhor director do S. Carlos dos últimos cem anos.

Evidentemente fica caro, a Alemanha gasta dez vezes mais do que nós face ao seu muitíssimo maior PIB per capita e a ópera fica mais barata, muito mais barata. Os políticos portugueses devem ser uns génios, conseguem ter a ópera mais cara do mundo gastando trinta vezes menos por cada português!
Explique agora o Sr. Hermenêutica como isto vai mudar com o director artístico Dammann em part time, a ganhar o mesmo que Paolo Pinamonti a tempo inteiro, o que é escandaloso, e sem aumentar o orçamento da cultura. Não sei se a hermenêutica de Mário Vieira de Carvalho chega para isso, ou se sofre de problemas pré-compreensão, mas o orçamento da cultura não depende da Ajuda e dos aparachniks ex-comunistas com peso político zero, depende dos primários Teixeira dos Santos e José Sócrates.

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5.3.07

A banalização da tragédia - I 

Comentários sobre "Die Walküre" de Wagner no Teatro nacional de S. Carlos.
Assisti à estreia e à récita de Sábado passado, duas perspectivas, uma do palco, onde agora é a plateia, outra de um camarote de primeira ordem por cima da orquestra.
Graham Vick é o encenador, utiliza uma rotunda enorme no local onde anteriormente se situava a plateia do teatro, as cadeiras foram retiradas e um estrado ao nível do topo da balaustrada das frisas é agora o palco cénico.

Nestes textos comenta-se a encenação de per se, não me interessa se existe uma larga rotunda para expor os cantores, não me interessa nada a espectacularidade dos figurantes a sair ou entrar das frisas, das Valquírias a cantar das torrinhas ou da Fricka na Galeria Real. Nada disso é essencial, são aspectos acessórios que poderiam ter sido utilizados com sucesso sem virar o teatro ao contrário. Uma larga rotunda pode ser excelente se os actores forem excelentes, se as luzes forem poéticas e interessantes, se os cantores tiverem algo a dizer com as suas expressões, se o personagem central do drama, Wotan, e não Brünnhilde, tiver um bom actor a representá-lo. Com um design de luzes miserável, descolorido e enfadonho, uma cenografia de estúdio de teatro amador: uns sofás, um snooker e um bar de canto, o que poderia surtir efeito era a caracterização dos personagens, era o drama.
Qual drama? Pergunta quem assistiu. Tudo se passou no campo do banal, as emoções eram triviais, o jogo do poder, motor último da obra, não existiu. Nesta Walküre o único poder é o do encenador, o poder de destruir e de usar tudo a seu belo prazer, sem espaço para o teatro, sem espaço para a música. Nesta Walküre o maestro não tem qualquer poder, os cantores não têm poder, os personagens poder algum têm. Uma experiência que é um risco, que tem aspectos positivos mas que vista numa análise rigorosa de todos os seus elementos se revela profundamente triste, uma trivialização do teatro, uma secundarização da música, uma banalização da tragédia, afinal aquilo que poderia salvar uma encenação tão nua, tão despida nos seus elementos cenográficos.

Por outro lado esta revolução no Teatro de S. Carlos, feita em cima dos joelhos, sem uma equipa de técnicos de acústica, sem se medir o novo fosso, melhor nome seria buraco, leva a que a orquestra esteja reduzida a um número insuficiente para as sonoridades graves, nobres e majestosas que Wagner requere. A falta de reverberação e a secura do som produzido são confrangedoras e um buraco mal concebido para a orquestra leva a problemas de comunicabilidade dentro da mesma que colocam a música à beira do abismo a cada instante. O facto de no palco, agora feito plateia, não se ouvir quase nada das sonoridades orquestrais e de os cantores estarem quase sempre de costas para esse local, levando a que também não se ouçam, foi claramente subestimado pelo encenador-rei. Uma suposta tampa acústica que só funciona ao nível psicológico na cabeça do encenador e dos membros da produção, sem testes acústicos rigorosos, demonstra o autismo voluntarista deste projecto de Vick. Ficam algumas ideias, ficam alguns aspectos interessantes, mas este Wagner de Lisboa para mim deixa um sabor amargo de tristeza, de secundarização do mais belo que estes dramas encerram.

Alguém disse (Jorge Calado no Expresso) que era caso para "V de victória, de Valquíria de Vick", eu digo a propósito deste buraco da orquestra, um buraco infecto, mal concebido, onde as tubas têm de tocar com o pavilhão a escassos centímetros do tecto, onde mal cabem 9 violoncelos e cinco contrabaixos, onde o número anunciado pelo maestro Letonja de 13 cordas a menos (sobre as cordas pedidas por Wagner) era falso por defeito, sendo pelo menos 16 os instrumentos a menos sobre o exigível e numa péssima localização:
V de vergonha, V de voluntarismo, V de Vick

Esta Walküre ainda poderá ser corrigida, se o projecto continuar, em 2008 e 2009, o buraco infecto da orquestra terá de ser alargado, a sala terá de ser estudada do ponto de vista acústico por gente competente e atempadamente. Assim como está corremos o risco desta ideia nem sequer passar da linha de partida. Talvez resulte na televisão onde microfones e câmaras podem fazer milagres, no teatro não funciona.

Vick disse que queria democratizar a ópera, levá-la ao público, dessacralizar o acto. Conseguiu-o de facto, os actores/cantores estão próximo do público, figurantes saem das frisas e atiram-se sobre o actual palco, pares aparecem nos camarotes quando surge a Primavera (primeiro acto), estação de renovação e reprodução na Natureza. Os actores vestem trajes comuns, o que está de acordo com a intemporalidade do drama, mas também os aproxima do público. A pergunta ingente é: Mas o que isso adianta para o conceito do sublime, para a cosmogonia wagneriana? Atrevo-me a responder: nada. Esta dessacralização não existe, o que existe é a transformação da magia, do mito, em banalidade. Nada é poesia, tudo é gratuito, nada se esconde. Onde está a politização, a filosofia?

Hunding veste de motoqueiro, Sieglinde é uma mulher romântica, mas actual, que vive uma vida miserável com um homem que não ama e que a força, veste de mini-saia de cabedal e recebe apalpões de Hunding, acomodou-se, já não espera redenção. Quando volta à sala para Siegmund vem vestida de branco nupcial. Siegmund é uma espécie de marginal, longe da sociedade, contra tudo e todos. Wotan um burguês que tem um pavilhão onde pode andar vestido à sua vontade, onde tem a sua mesa de snooker e um bar para beber o seu Grants de zero anos.
Fricka representa todos os estereótipos de mulher rica e poderosa, uma tiara cobre-lhe os cabelos, será uma deusa? Talvez, talvez seja também, e apenas, uma mulher rica e pretensiosa. Felizmente a cantora/actriz Judit Németh compõe uma Fricka deslumbrante de nobreza, mercê da sua presença em palco e da sua vocalidade, que acaba por fazer cair a simpatia numa personagem que Vick pretendia homiziar, aviltar... que paradoxo.
Brünnhilde veste de preto, uma viúva negra. Todos os de raça divina têm uma mancha na face, uma nuvem, uma marca sagrada. Siegmund, Sieglinde, Wotan e Fricka, pares, casais. Curiosamente Brünnhilde e suas irmãs, Valquírias, ela que é filha de Erda a deusa ancestral da Terra e de Wotan, as outras, filhas nascidas também de Wotan e possivelmente com a mesma ascendência materna não têm a marca divina nas suas faces. Uma incongruência que o o encenador continuará ao longo desta primeira jornada da trilogia com prólogo.

Por outro lado os gémeos Siegmund e Sieglinde, parecidíssimos, segundo Hunding e segundo eles próprios, ele pretíssimo e gordíssimo, ela loura e com menos um cento de quilogramas. Se não eram fisicamente parecidos, os actores de Seigmunde e Sieglinde, num erro de casting grosseiríssimo que eu diria até gratuitamente provocatório, pelo menos poderiam ser parecidos nos maneirismos, na forma de andar, na expressão vocal, nos gestos. Mas nada menos convincente, do que este "par" ridículo de gémeos. É evidente que não se trata de uma questão racial, poderiam até ser convincentes se os corpos se se aparentassem, se a caracterização apontasse nessa direcção. Esta redução do teatro wagneriano ao teatro do absurdo e da negação do texto choca-me profundamente. A encenação pode ser subversiva e respeitar o texto, pode ser radical e entender o autor recriando-o, Vick aqui foi apenas grosseiro. É caso para dizer: com Vick o gang de motoqueiros bebe Sagres de litro no casamento forçado de Sieglinde com o seu líder enquanto Wotan, o deus supremo, bebe Grants de supermercado.

Mas serão estes erros o pior desta produção, não, nem por sombras, o pior ainda está para vir... e o melhor também. É evidente que ficam ideias muito interessantes, que Vick sabe colocar os actores em palco, que 360º são desafiantes e ao mesmo tempo problemáticos, mas o pior é mesmo a caracterização dos personagens, facto que debaterei no próximo texto.

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1.3.07

Asneiras Wagnerianas III 

Agora qualquer palerma que saiba fazer uma redacção da terceira classe escreve sobre Wagner.
Na "crítica" que saiu no jornal "O Público" sobre a Walküre, lá vem o habitual comentário imbecil de que Wagner é misógino e trata mal os personagens femininos. Não há pachorra para tanto disparate junto. Wagner nunca detestou as mulheres, Wagner amava profundamente as mulheres, ao contrário de Schopenhauer; talvez odiasse um pouco os maridos dessas mesmas mulheres, apesar de ser amigo da maioria deles e de lhes pedir dinheiro empretado, mas daí a ser misógino...

Os personagens são o que são, Senta e Isolde são diferentes de Brünnhilde ou de Sieglinde, Brünnhilde é capaz de ódio e de amor, de cólera e de despeito e ao mesmo tempo de uma dignidade triunfante na sua tragédia final, é um personagem de uma densidade e riqueza incríveis, uma representação do Homem.
Os personagens masculinos também são tratados de igual modo: Wotan é claramente um espelho de Wagner.
Alberich é um dual negativo e velhaco de Wotan. Para o crítico de trazer por casa isso deve ser porque Wagner era anti-semita e Alberich deve ser uma espécie de judeu (bem como Mime). Obviamente que Siegfried, um cretino jovem que não conhece o medo, e Parsifal, um perfeito e puro idiota, devem ser assim porque Wagner gostava de representar críticos primários, e Beckmesser, esse sabe-se bem, seria um crítico secundário.

Como se pode afirmar que Wagner trata melhor os homens do que as mulheres?
Não há pachora para tanto disparate junto.

Segue a redacção da terceira classe (e estou a ser muito generoso), para quem não leu, mas eu nem sequer tenho paciência para dissecar mais o assunto.

O título poderia e deveria ser:

A Valquíria frágil e resistente - blurp



A Valquíria frágil e resistente

26.02.2007

Wagner é um osso duro de roer. Não tanto pela longa duração dos seus dramas, mas sobretudo pelas contradições que as suas obras encerram e pelas diferentes leituras que possibilitam. A encenação de Graham Vick, estreada neste sábado no Teatro de São Carlos, mostra bem isso. Vick fez uma leitura não linear e plural de A Valquíria, mas escolheu o seu campo de acção, urdindo uma espécie de tragédia grega contemporânea a partir de uma interpretação profundamente humanista deste episódio da Tetralogia. É um facto que Wagner tem nesta parte da sua obra monumental uma relação especialmente ambígua com o que é humano. Por um lado, todos são corruptos e vendidos, as famílias são decadentes, as convenções não prestam, os seus contratos são sujos e impedem a liberdade. Mas por outro lado só no humano está uma hipótese de redenção. A valquíria Brünhilde, a filha de Wotan, o maior dos deuses (ela é metade dele, da sua consciência e da sua vontade), é a personagem que carrega essa possibilidade. Torna--se humana por ter desobedecido ao seu pai e descobre a compaixão e o amor, o seu e o dos outros. Susan Bullock, soprano, construiu o papel mais difícil, mais dinâmico e mais ambíguo da ópera de Wagner: e foi uma Brünhilde que, a pouco e pouco, cresceu no palco, revelando uma verdadeira actriz. Bullock teve grandes momentos, quando a sua voz e os seus gestos passam, com muita sobriedade, da rispidez de deusa para a sensibilidade humana. Graham Vick puxou por isso, evidentemente. Porque lhe interessava descobrir nos mitos o homem comum - a mulher comum, nesse caso - e as suas obsessões, mais do que passar ideais grandiosos em doses cavalares (também há muito disso em Wagner).
A orquestra sinfónica portuguesa teve força nos momentos essenciais, mas Marko Letonja podia ter ido mais longe na "visão" musical de Wagner - pôr realmente a música na cena e estar ainda mais atento aos cantores, que têm difíceis partes vocais e complicadas movimentações, em vez de exigir apenas que eles sigam a orquestra.
O elenco, no conjunto, é de qualidade elevada. As valquírias tiveram uma grande energia e um empenho enorme. E são excelentes vozes. Mikhail Kit foi um Wotan apenas muito bom - cumpriu bem o papel, mas não foi o deus dos deuses que poderia ser. Anna-
-Katharina Behnke (Sieglinde) tem uma grande voz. Foi mais dramática quando não teve medo do excessivo (no terceiro acto, por exemplo) do que nas partes mais contidas e líricas. Ronald Samm esteve muito bem na generalidade, mas foi-se um pouco abaixo vocalmente na parte final. É que este Siegmund exige algum esforço. Maxim Mikhailov foi um bom mau da fita (Hunding), com o seu lado de motard rufião. Fricka foi uma mulher de Wotan bastante convincente, graças a Judith Németh que levou a água ao seu moinho, tal como Fricka o faz na discussão conjugal dos deuses no segundo acto.
As mulheres em Wagner - deusas incluídas - não se pode dizer que sejam muito bem tratadas. Mulher é quase um insulto. A encenação de Vick, freudiana, psicanalítica, mas aberta e até com algum sentido de humor, deu a volta à misoginia de Wagner de uma forma bastante interessante. Mas foi acima de tudo Susan Bullock, com garra de actriz, que mostrou uma personagem feminina dinâmica e complexa. Frágil e resistente ao mesmo tempo.

Pedro Boléo



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26.1.07

Hermenêutica 

Depois de usar ironia venho fazer um post sério sobre a entrevista de Sua excelência o secretário de Estado da cultura que usa as palavras "hermenêutica pré-compreensão" a propósito da suposta incompreensão de Paolo Pinamonti pela fusão com a CNB sob a capa difusa da Opart.
Como pode um catedrático e ainda por cima secretário de Estado da cultura usar esta expressão que quer dizer: "interpretação de textos antes da compreensão" ou se quisermos ser bondosos "interpretação pré-compreensão", será que o senhor secretário de Estado e catedrático sabe do que está a falar? Ou está a atirar palavras caras para cima dos jornalistas e do público que lhe paga o lugar quentinho na Ajuda? Terá lido a palavra "hermenêutica" recentemente nalgum calhamaço e terá gostado do termo que agora o usa a torto e direito, a propósito quando tem sorte e a despropósito quando calha...
O que é certo é que além de um cinzentismo inacreditável, que resulta, por um lado, da debilidade política dentro do governo, sem a menor expressão junto do PS, como ex-comunista desgarrado, por outro lado resultante da própria atitude pessoal perante a coisa pública que devia tutelar, o secretário revela-se em toda a sua nudez pela exposição de um gigantesco vazio de ideias, projectos e reflexões. O uso de expressões como "hermenêutica pré-compreensão" revela uma fraqueza e falta de coragem política que se esconde atrás de artificialismo e de uma cortina de palavras ocas, disparatadas, sem nexo, como escudo ininteligível relativamente ao real.

Infelizmente para o próprio, fica o registo, apesar de boas intenções e de ideias que lhe vislumbrava à priori, o vácuo infeliz de uma cortina de palavras sem nexo.

Fica aqui a minha previsão: os dias de Pinamonti no S. Carlos estão contados. Se nenhum factor exterior ao palácio da Ajuda surgir entretanto, será um aparatchnik que virá a ser o novo director artístico. Tudo isto se depreende do discurso do Sr. Hermenêutica e esta é a minha hermenêutica do que tem vindo a ser dito, escrito e feito, pelos senhores que se julgam poder na área da cultura.

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23.1.07

Depoimento de Paolo Pinamonti 

Foi divulgado o seguinte depoimento de Paolo Pinamonti que, tendo sido tornado público, transcrevo aqui na íntegra. É um depoimento sobre as afirmações recentes de Em(m)anuel Nunes sobre a tal ópera que não acabou.

Depoimento

Eu, Paolo Pinamonti, na qualidade de Director do Teatro Nacional de São Carlos, encomendei a Emmanuel Nunes uma ópera em Fevereiro de 2002. A encomenda foi aceite pelo compositor.

Posteriormente, contactei a Fundação Calouste Gulbenkian e a Casa da Música para parceiros da encomenda e para co-produtores. É com satisfação que registo que este projecto, por minha iniciativa e do São Carlos, se realiza com o apoio de duas importantes instituições musicais portuguesas e do IRCAM de Paris.

Na qualidade de Director do Teatro Nacional de São Carlos tenho a responsabilidade de programar a actividade do Teatro e de avaliar as condições técnicas e artísticas de realização de cada projecto. Sempre foi assim e assim será de futuro, de resto, no âmbito do exercício normal das minhas competências. Entre Janeiro de 2003 e Setembro de 2004, a estreia da ópera foi adiada três vezes sucessivas a pedido do próprio compositor. Depois de ter sido concordada a nova data de 22 de Novembro de 2006, enviei ao compositor uma proposta de contrato, a 1 de Fevereiro de 2006, na qual, naturalmente, se encontravam definidas as datas para entrega dos materiais musicais. O compositor não assinou o contrato – até à data este permanece por assinar – e, mais uma vez, foi adiada a data de estreia. Depois de tantos adiamentos, foi meu entendimento que a estreia da ópera de Emmanuel Nunes teria de reunir todas as condições para se estrear no nosso Teatro, no final de Janeiro de 2008.

Lamento profundamente as afirmações proferidas pelo compositor Emmanuel Nunes ao jornal Público, nas quais transparece ter informações privilegiadas quanto a futuras mudanças na política do São Carlos.

Paolo Pinamonti


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20.1.07

Emanuel o Aldrabão! 

Afinal estava terminada a Ópera de Emanuel Nunes? Se lermos bem a entrevista que deu ao jornal "O Público", naquilo que eu chamaria de um servicinho jornalístico subserviente e acéfalo (na terminologia típica de redacção a palavra usada é bem mais jocunda), percebemos que de facto a ópera não estava terminada, a menos que uma ópera sem partes vocais esteja mesmo acabadíssima, mas o homem é tão trapalhão que consegue dizer que alguém decidiu, por ele, que a ópera não estava terminada quando, de facto, não estava mesmo terminada (!) e isto porque ele ainda não a tinha acabado uma vez que ficou triste porque essa decisão de que a ópera não estava terminada foi tomada, não por ele, mas por outro, isto é, pelo velhaco do Pinamonti, "ainda director" de um Teatro de S. Carlos que segundo ele, Emanuel Nunes, mudará de política daqui a pouco tempo! Mas fará audições ainda em Janeiro, bem dentro do mandato do actual director Pinamonti, apesar da tal "mudança de política". E queixa-se que não tinha cantores: Pinamonti não tinha contratado ninguém, mas afinal soube por um agente londrino (seria o Allen, Emanuel não cita nomes) que um cantor, que afinal estaria convidado para fazer um papel, a sete meses da estreia disse que afinal não poderia cantar porque a ópera não estava terminada, isto quando o nosso "grande músico" afirma preto no branco que Pinamonti não tinha planeado nada. Como se Pinamonti pudesse fazer contratos a sete meses da estreia sem as partes vocais... Para Nunes sete meses deve ser um prazo muito grande para terminar uma ópera que não acabou em muitos anos e sobretudo quando os contratos são pagos com dinheiros públicos. Percebe-se que deve estar tudo ao serviço do "todo reluzente Nunes". Confuso? É o rei Nunes em pose de génio do regime vindo de Paris para mandar nisto tudo e afastar o director do S. Carlos num servicinho ao poder político (sem peso nenhum no governo) que neste momento faz a intendência das migalhas da cultura com a miséria que sobrou do orçamento de estado para 2007.

O que é certo é que Stockhausen em 2006 bem disse que não fazia a menor ideia de quem era Emanuel Nunes e que quem conhecia era Jorge Peixinho, que infelizmente tinha morrido. Não consta que Stockhausen seja infeliz no seu desconhecimento de Nunes ou que seja pior músico e intelectual por essa gravíssima lacuna. Eu concordo, eu não daria um chavo para assistir a uma ópera de Emanuel Nunes que não sei quem é, e se ópera não estivesse acabadinha com as partes vocais completas ainda menos pagaria um tostão ao senhor Emanuel. Acho essa história da ópera do Nunes uma rábula mal contada por parte do "grande compositor". Parece-me que o Stockhausen também não conhece o secretário Vieira de Carvalho que, pelos vistos, é amigo do peito de Nunes e que deve achar que a ópera está terminadíssima, agora que passaram mais um meses e estamos a entrar em 2007.
É realmente uma grande perda a morte de Jorge Peixinho. Segue texto da parte da entrevista sobre o assunto para memória futura.

O director [do Teatro Nacional de São Carlos] decidiu que a [minha] ópera não estaria terminada

Prevista para Novembro passado, a estreia da ópera que Emmanuel Nunes compôs a partir da obra de Goethe Das Mädchen foi adiada para 2008. O compositor explica porquê.
A que se deveu o facto de a estreia da ópera não ter acontecido?
Deveu-se pura e simplesmente à maneira de trabalhar do ainda director da Ópera de Lisboa [Teatro Nacional de São Carlos], Paolo Pinamonti. Mais concretamente, à sua falta de deontologia. Por razões de ordem política e contratual, de cantores, encenador, etc., sem o meu conhecimento, o director da Ópera de Lisboa decidiu que a ópera não estaria terminada. E em Março de 2006, i.e., sete meses antes da data prevista para a estreia, o mesmo director não tinha um único contrato de cantores, nem tinha encenador, e dizia, como podia, que o compositor não poderia acabar a obra. O compositor soube disto através de um agente.
De um agente de um músico?
De um agente de espectáculos de Londres, a quem um cantor que devia cantar a minha ópera perguntou se era verdade que a ópera de Emmanuel Nunes não podia ser terminada. Eu soube, portanto, por um método aplicado. Sem entrar em detalhe, tenho só duas coisas a dizer - primeiro: a maneira como fui tratado pelo director da Ópera de Lisboa chega para que eu exija condições mínimas de deontologia; segundo: como eu não pertenço nem apoio nenhum partido político, sinto-me muito mais à vontade para dizer o seguinte: a única pessoa oficial que considerou o problema da minha ópera, e que apoiou como pôde a questão de que ela deverá ser feita, foi o Mário Vieira de Carvalho, secretário de Estado. E digo isto porque, da minha parte, não é, de modo nenhum, um aspecto partidário; é simplesmente uma constatação. Foi ele que permitiu que a ópera não fosse definitivamente abandonada. Portanto, permito-me considerar esse ponto como importante. À parte isso, como é óbvio, manteve-se o apoio incondicional, a mim, da Fundação Gulbenkian e do Remix Ensemble/Casa da Música. A ópera é uma encomenda tripartida do Teatro Nacional de São Carlos, Gulbenkian e Remix/Casa da Música, em que o Remix tem uma parte importante na realização da ópera, como ensemble.
E a ópera já estava concluída na altura?
A ópera não estava concluída. À parte o material dos cantores, estava tudo pronto e acordado com o maestro Peter Rundel, com o Remix e com a Gulbenkian, com as pessoas que tocam directamente, portanto. Não havia material de cantores, porque o senhor director se recusa a fazer audições.
Prefere fazer convites?
Faz. E como quem escreveu a ópera fui eu, e quem a dirige é o Peter Rundel, e ambos precisamos de audições... Seis meses antes da estreia, não havia um único contrato de cantores.
Acordou-se uma nova data, depois da intervenção do secretário de Estado.
Das intervenções!
E já foram feitas as audições?
Não!
Mas estão previstas?
Penso que sim, na medida em que penso que o São Carlos mudará de política brevemente. As datas são 25, 27 e 29 de Janeiro de 2008.

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17.1.07

Wozzeck do S. Carlos no CCB 

Não posso deixar de recomendar o Wozzeck no Centro Cultural de Belém. Estreia hoje, o maestro é de categoria mundial, o elenco é do melhor que há. O encenador tem um dos melhores currículos e é um dos homens que mais sabe de teatro e de ópera, a sua encenação do Rheingold em Aix-en-Provence foi notável, deixando o teatro viver sem o esmagar por delírios egocênctricos.

A ópera de Berg é um exercício notável baseado numa texto original de Büchner, também ele genial, sobre o Homem, as suas angústias e sofrimentos, sobre a humilhação e o poder, a traição, o desgosto e a mais pungente miséria: a miséria como metáfora da existência, metáfora agreste e ao mesmo tempo sensível, arrebatada, das relações humanas e do seu lado mais sórdido, o lado mais presente no Homem.
Não há música mais sublime que de Berg para este Teatro do Mundo. Música sagrada na sua dessacralização de um modelo, perfeita na sua construção imperfeita. Também esta uma metáfora, até nas suas formas e tonalidades, do texto teatral.
Há oitenta anos a ópera ainda não tinha morrido, renovava-se e cheia de vigor enfrentava o século XX. Infelizmente este brilho foi sol de pouca duração, poucos, depois de Berg, conseguiram obter o mesmo resultado. Como será o século XXI? Conseguirão os compositores e os dramaturgos do nosso século renovar uma comunidade (produtora/receptora) tão conservadora que ainda considera a obra de Berg como paradigma da contemporaneidade?

Sobra uma criança no final, metáfora, mais uma, de um mundo perdido, que nunca estará ao seu alcance, um rapaz de cinco anos perdido e sem raízes, um novo Wozzeck?

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16.1.07

Parabéns 

Tenho de felicitar o blog Ópera e Demais Interesses pelos seus 2 anos. Manter um blog esse tempo todo é obra, significa que já ultrapassou a fase de cansaço e desgaste que ataca todos os blogueiros.
Como crítico não posso deixar de pedir mais análises profundas a óperas e demais interesses, a motivações de autores e intérpretes, mais críticas com reflexão e menos exaltações e erupções. Quando João Galamba de Almeida resolve criticar a sério, analisar e aprofundar, sem esquecer as divagações psicanalíticas, consegue ser muito bom. Quando diz que comprou um disco novo e que está extasiado por uma diva qualquer é apenas banal.
Mas é um estilo que temos de respeitar: um blogue é altamente pessoal. Manter um blogue é um acto privado, não público. Quem gosta vai espreitar, quem não gosta vai ler outros blogues, não precisa de abrir. Enfim: gosto, por isso vou lendo.

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13.1.07

Vaias a Saramago e Corghi - Pseudo Polémica 

A Teresa recorre a alguns textos dispersos encontrados na internet para tentar duvidar da gigantesca vaia que Corghi e Saramago receberam no Alla Scala na estreia em Itália do Dissoluto Assolto.
O que é facto e tenho relatos primários de duas pessoas que assistiram e me contaram em primeira mão, sendo uma delas Dirk d'Ase: a vaia foi gigantesca, Saramago ficou com ar de quem ia ter um ataque, os "buus" e os assobios não pararam e os autores tiveram de sair do palco. Os cantores foram recebidos com bastantes aplausos e até alguns bravi.
Nas outras récitas provavelmente não foi assim, é que tanto Corghi como Saramago não voltaram ao palco.
E quando falei em "um musicólogo desenterrar a obra daqui a mais de cem anos" seria na perspectiva de a levarem à cena. Deveria ter dito "um director de teatro com vocação de musicólogo"...
É claro que existe sempre um especialista desconhecido que espera por nós para fazer uma comunicação sobre uma bosta qualquer numa obscura reunião, e logo de semiótica, na Universidade de Cueiri di Cima. Quando falei no desenterramento não me referia a estudos académicos. Sabe-se da apetência pela irrelevância de muitos académicos sempre prontos a estudar qualquer assunto que mais ninguém ainda pegou, por ser precisamente o mais obscuro e com menos interesse para o resto do mundo.
Mas não me apetece "pseudo-polemizar" em torna da porcaria de uma "pseudo-ópera", já perdi demasiado tempo com o assunto e hoje estou de péssimo humor com uma enxaqueca insuportável.

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7.1.07

Saramago e Corghi em Milão 

Esqueci-me que o Dissoluto Assolto de Corghi e Saramago foi à cena em Milão, no Alla Scala, em Setembro de 2006.
O que teria acontecido? Nada se soube em Lisboa creio eu, de qualquer forma como estava fora do país não sei se os jornais reportaram. O que posso informar é que a ópera foi muito mal recebida na estreia e que não só Corghi como o próprio Saramago foram vaiados alegremente pelo público do Alla Scala, informação bem mais importante do que as vaias a um tenorzeco. Não sei se será bom ou mau, sabe-se como o público do Alla Scala é temperamental e muitas vezes retrógrado; ser vaiado até pode ser agradável mesmo num contexto de uma programação, na altura, dedicada à música contemporânea...
O que eu sei é que o pobre do Saramago, o mesmo que disse "ir ao Alla Scala é como receber o Nobel outra vez", ficou banzado com a recepção de uma obra que tanta água benta recebeu em Lisboa... Parecia que ia ter um ataque cardíaco em pleno palco quando lá foi para ser, putativamente, aplaudido...
As críticas foram mistas, uns disseram que Letonja tinha estado soberbo, outros que Letonja tinha destruído a subtileza dos tecidos de Hindemith [em Sancta Susanna], alguns disseram que Corghi era excelente e Saramago confuso, ainda outros afirmaram que Saramago era bom mas que a música não levava a lado nenhum.
Eu penso que nem a música é grande coisa nem o libreto presta para alguma coisa e que a Ópera passará a ser mais uma curiosidade para musicólogos desenterrarem daqui a mais de cem anos.
Fica aqui relevado o esquecimento com um pedido de desculpas aos leitores pela tardia lembrança.

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Sopranos Dramáticos & Beleza 

Estive a ler um blog que muito prezo; isto apesar de uma filosofia totalmente distinta da minha em termos de apreciação e posição face à música: eu estou-me nas tintas para as divas e os divos, as tricas e os mexericos do Alagna e da Callas, aquele e mais aquele intérprete, mais um disco com compilações e umas coisas que se passaram no Met e na Bastilha; privilegio a música pela música, a concepção global, a estrutura, a emoção do conceito e da criação operática enquanto obra de arte total, música, teatro, movimento, arte plástica, sempre e numa perspectiva global, sempre pondo a representação viva acima do produto congelado... por mais belo que este seja.

Assim não posso de deixar passar sem uma "bengalada amiga" o post Sopranos Dramáticos & Beleza desse blog, um excerto:

O soprano dramático - Isolda, Brunnhilde, Elektra, Turandot - tem como principal atributo o volume vocal.
A voz tem de ser grande e ampla, penetrante e densa. Requer-se robustez e envergadura físicas.
Raramente encontramos um timbre sedutor num soprano dramático - Flagstad é uma excepção!

O mor das vezes, dada a natureza das exigências descritas, esta categoria de sopranos peca pela bestialidade
[sublinhado meu] da compleição física...

Não é verdade que um soprano dramático tenha como atributo vocal maior o "volume vocal", é evidente que o registo de peito deve ser muito escuro no timbre e capaz de grande pujança sem deixar de ser capaz de matizes e cores, devendo ser aveludado mesmo (ou sobretudo) no pianíssimo. Os agudos devem ser rutilantes, dignos, consistentes e metálicos, mas de um metal ourífero quase cúprico revelando uma grande riqueza de harmónicos, muito equilibrados em toda a extensão, sobretudo na fundamental e nas duas seguintes componentes da decomposição espectral, revelando ainda uma grande linearidade da resposta (harmonicidade) mesmo nos pontos de maior tensão das cordas vocais e de maior esforço do peito e diafragma. Todos os registos são utilizados pelos compositores, todos os cambiantes são enunciados pelas paletas de Wagner ou de Strauss, todas as suas heroínas dramáticas vão da exaltação ao âmago do sofrimento, do despojamento à fúria mais sublime. Geralmente a agilidade não se coaduna com este tipo de vozes, mas houve grandes sopranos dramáticos capazes também de alguma coloratura. É verdade que a envergadura física pode ajudar, mas é preciso não esquecer que os grandes sopranos dramáticos se revelam na sua maioria depois dos quarenta anos.
Por outro lado a beleza física dos grandes sopranos não é para aqui chamada, são mulheres completas, actrizes, mães, mulheres maduras, que atravessaram na sua maioria das vezes o curso dos anos antes da afirmação como grandes sopranos dramáticos.
O uso do termo "bestialidade física" para caracterizar Martha Mödl, Régine Crespin, Kirsten Flagstad (que ao menos escapa pelo timbre), ou até Birgit Nilsson é no mínimo excessivo e deselegante, uma afirmação machista e misógena e sem a menor relevância para a arte que foram capazes de nos transmitir e, apesar do João Galamba de Almeida dizer que o timbre é geralmente pouco sedutor, gosto do timbre de todas. Opinião pessoal e altamente subjectiva, como todas as opiniões.
Deixo um magnífico retrato de Flagstad quando jovem, uma mulher lindíssima, quer se imagine a sua figura quer se escute a sua voz, e não apenas no timbre. E mais não digo que não vale a pena.

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