<$BlogRSDUrl$>

10.6.13

Meio Otello 

Henrique Silveira

Crítico
Otello de Verdi e Arrigo Boito, Fundação Gulbenkian, dia 30 de Maio, sala meia.
Badri Maisuradze, tenor cumpridor em Otello; Dina Kuznetzova em Desdémona, soprano aceitável; Lester Lynch em Iago, baixo-barítono péssimo; Zandra McMaster, meio-soprano razoável em Emilia; Ivan Momirov, tenor de mau gosto em Cassio; Dietmar Kerschbaum, tenor medíocre em Roderigo; Nuno Dias em Lodovico, um baixo esforçado; Luís Rodrigues, barítono demasiado bom para Montano.
Direcção Musical: Lawrence Foster, brutal; Orquestra Gulbenkian, exibindo muita qualidade individual apesar de mal dirigidos, Coro Gulbenkian com maestro Jorge Matta, a nível elevado.
Desta vez tivemos uma verdadeira versão de concerto, decisão acertada, as semi-encenações pindéricas com poucos ensaios e cantores mal preparados, como o pseudo-barítono Lynch mostrou na semana anterior num Falstaff inconcebível, são a receita para o desastre artístico.
Registamos os papeis insignificantes que Luís Rodrigues tem tido no contexto das grandes instituições em Portugal, é verdadeiramente infeliz que instituiçãos como o S. Carlos ou a Gulbenkian não dêem a Luís Rodrigues a oportunidades que este merece. Não conhecemos pessoalmente o cantor, apenas sabemos que já tem mais de quarenta anos, idade em que a voz de barítono está no vigor pleno, é um grande professional, preparando-se com esmero e convicção, conseguindo sempre criar o carácter para boas representações e tem bom gosto.
Neste caso foi chocante ver como Foster colocou todo o gato esfolado em primeiro plano a cantar à frente da orquestra e só o desgraçado do Luís Rodrigues foi colocado junto do coro por detrás da orquestra que, puxada com denodo pela insensível batuta de Foster, tentava abafar olimpicamente a voz do cantor português que, felizmente, não se deixou calar. Será que no confronto com o inenarrável Lynch, um cantor incapaz de criar o tremendo Iago, se perceberia que a voz de Rodrigues está muito acima? É também chocante ver um cantor como Lynch, que faria certamente bem o insignificante Montano, a tentar cantar e compor Iago: sem plasticidade vocal, com agudos possíveis no limite dos limites da sua pesada voz, já destimbrados, com um mau gosto meridiano, com gargalhadas grosseiras a despropósito no final das suas intervenções já desfeito o possível efeito dramático, com a sua afirmação máxima da maldade no seu “credo”, frouxo e aflito, cantada de forma muito pouco convincente e sem representação, como quem canta qualquer papel de segunda.
Iago é o motor da acção, o seu papel é decisivo para insidiar o ciúme e o ódio no coração de Otello. Perante este Iago qualquer Otello deste mundo perceberia de gingeira as intrigas mal urdidas do seu alferes e mandá-lo-ia esfolar vivo e atirar do alto do castelo cipriota. Metaforicamente seria um castigo leve também para quem escolheu este cantor, em detrimento de dar uma oportunidade a Luís Rodrigues neste papel... Um Otello sem Iago é meia ópera.
No naipe de cantores encontrámos um Otello, Badri Maisuradze, um verdadeiro tenor dramático muito composto, infelizmente a sua voz é algo baça nos médios mas foi notório o seu conhecimento do papel, o esforço que colocou no canto do italiano, o poder da sua voz e, sobretudo, a sua interpretação musical. Foi significativa a sua evolução no papel e a sua qualidade de cantar em todos os registos, do herói guerreiro autoritário, do amante apaixonado, ao homem roído pelas dúvidas até à loucura homicida e o arrependimento final. Capaz de apianar e cantar em todas as dinâmicas, apenas teve dois laivos de mau gosto ao deixar sugestões de uns solucinhos tenoris que, felizmente, não se notaram em demasia... Felizmente, na falta de Iago, houve Otello na Gulbenkian.
 A Desdémona de Dina Kuznetsova foi razoável. A sua voz muito quente em todos os registos é densa e encorpada, é um soprano lírico spinto de agudos fáceis e boa paleta dinâmica que poderá evoluir para dramático com o tempo. Infelizmente o seu sotaque tem de ser melhorado no italiano, uma espécie de mix russo-americano não é o ideal para Verdi. Outro aspecto é a sua máscara, faz uma Desdémona sempre em sofrimento, como se já soubesse o que lhe vai acontecer desde o primeiro instante, a voz reproduz esse sofrimento intrínseco. Realiza assim uma composição sem qualquer evolução. Por outro lado, está muito mais confortável no último acto, onde o seu papel atinge o clímax, provavelemente porque os sopranos dedicam mais tempo a preparar a Canção do Salgueiro e o Ave Maria do que tudo o resto e porque passam a vida a cantar estes trechos de resistência em concertos. Poderia ter trabalhado mais os actos iniciais.
O Cassio de Momirov teve todos os defeitos da falta de categoria do cantor, dotado de uma voz que até poderia ser bonita de tenor a puxar para o lírico, mas que o cantor insiste em afirmar como spinto (cuja explicação será: voz lírica com muito apoio e projecção), passa então o tempo a berrar como um possesso, a tentar tapar os outros cantores e a afirmar tiques de personalidade, prolongando notas em excesso sem compreender que Cassio é uma vítima inocente e jovial de Iago e que deve manter essa inocência ao longo da ópera. Momirov tenta cantar o Cassio como um Manrico e toda a interpretação sai ao lado. Com uma inflexão da carreira, e estudando com mestres esclarecidos, poderá melhorar de forma notável a sua postura em palco e a forma como aborda os papeis, porque tem indubitáveis qualidades vocais. Lawrence Foster não teve a compreensão ou a força para moderar este Cassio, provavelmente até gostou desta abordagem porque nada fez para calar a berraria Cassiana!
Gostámos da Emilia de McMaster, muito competente e de voz bem constituída e muito digna. Gostámos do baixo Dias que tentou ser um hierático e sério Lodovico, mas não tem peso vocal nos graves nem idade para encarnar estas personagens. Kerschbaum passou anonimamente em Roderigo.
O Coro de Câmara Infantil da Academia de Música Santa Cecilia (poderia ter um nome ainda mais comprido) esteve bem, tendo sido preparado por Artur Carneiro.
O Coro Gulbenkian esteve muito bem, pujante nas grandes cenas de conjunto e muito incisivo nos comentários à cena de loucura pública de Otello no terceiro acto.
Uma palavra especial para a Orquestra Gulbenkian que, sob a batuta de chumbo de Foster, respondeu muito bem do ponto de vista individual e dos solos, estes foram quase sempre perfeitos: belíssimo o clarinete, o oboé, os fagotes, o corne inglês, as trompas e restantes metais em excelente plano e as cordas estiveram muitíssimo bem. Dedico uma palavra especial para os notáveis contrabaixos liderados por Sorín Orcinschi e Marc Ramirez, que beleza sombria nas suas intervenções sinistras! Pensamos que a superação interna e a liderança, naipe a naipe, foram elementos que valorizaram este Otello.
Três estrelas

Etiquetas: , , , , , , , ,


28.5.13

Sem faca mas com alguidar 



Henrique Silveira


Crítico


Falstaff de Verdi e Arrigo Boito, Fundação Gulbenkian, dia 23 de Maio, sala meia.


Lester Lynch em sir John Falstaff, um baixo-barítono mau no papel; Igor Gnidii em Ford, barítono razoável; Fernando Guimarães em Fenton, tenor razoável; Dietmar Kerschbaum em dr. Caius, tenor medíocre; Paul Kaufmann em Bardolfo, tenor fracote; Nuno Dias em Pistola, baixo baço; Isabelle Cals em Alice Ford, soprano muito bom; Liliana Faraon em Nannetta, soprano bom; Renée Morloc em Ms. Quickly, contralto bom; Zandra McMaster em Meg Page, meio soprano que cumpriu.


Direcção Musical: Lawrence Foster, esforçado mas alheio a Verdi; Orquestra Gulbenkian, esforçados, pouco coesos e mal dirigidos, Coro Gulbenkian com maestro Pedro Teixeira, correctos apesar de se notarem poucos ensaios; Semi-encenação: Rosetta Cucchi, encenação esforçada mas indigente e figurinos fracos.


Uma plataforma por detrás da orquestra, um barril à direita e uma mesa com cadeiras à esquerda, uns cantores que entram e saem, uns que sabem o papel de cor e estão à vontade, outros nem por isso, um coro mal ensaiado que vem de papel e canta na sua posição clássica em duas filas, um sir John Falstaff que não domina o seu papel, tem voz demasiado pesada e sem agudos, é mais a puxar ao baixo rouco do que ao barítono, que não tem desenvoltura nem graça, é incapaz de representar, nem sequer solfeja bem o que está escrito, sem agilidade vocal e finalmente a cantar para dentro de um alguidar que segura no seu colo, onde deveria ter os pés metidos mas onde tem o papel escondido, fazendo rir de escárnio pelo ridículo e não pelo teatro em si, e temos um resumo das desgraças que atormentaram esta pseudo-encenação recheada de equívocos.


Se juntarmos a isto tudo um maestro brutal, que carrega com a orquestra para cima das vozes como os hunos não fizeram sobre Roma, que coloca as trompas a mais de dez metros dos cantores que têm de acompanhar, que foi incapaz de urdir bem urdido um único concertante, que não tem efervescência nem sentido de humor, que torna hunorístisco o que deveria ser humorístico, que coloca a orquestra de tal forma que os instrumentos não se ouvem uns aos outros com fagotes e trompas de um lado e trombones, violoncelos e contrabaixos no outro, condenando à partida a coesão e não compensando com mais ensaios, tudo reforçado por uma posição orquestral desastrosa a cortar o plano sonoro dos cantores e que não aproveitou o fosso da orquestra, algo que poderia ser feito se a encenação não fosse indigente, temos os ingredientes para um quase desastre musical, felizmente evitado pela qualidade, esforço de concentração e direcção interna dos músicos da Gulbenkian que, mesmo assim, não evitaram uma plenitude de pequenos erros, de falta de certeza nos ataques, e de falta de coesão entre as trompas desterradas e os cantores, com exemplos péssimos no primeiro acto de desfasamento entre cantores, já de si descoordenados, e instrumentos.


Apesar de os instrumentistas terem estado bem tecnicamente e, em particular, as trompas e cimbasso excelentes, existem aspectos que só uma direcção e trabalho detalhado podem resolver. A graça do comentário bem medido, a gargalhada que se impõe nas trompas, o fagote que sublinha sir John de forma nais histriónica, nunca tiveram o subtil exagero que só um maestro sensível à obra poderiam dar.


A encenação viveu mal com a indigência de meios que a Gulbenkian colocou à sua disposição, um cantor principal incapaz de fazer um Falstaff, por claro erro de casting e sem saber o papel, arruinou logo à partida qualquer tentativa de fazer teatro, Falstaff sem cantor principal, sem direcção e sem graça é como perdizes à convento de Alcântara mas sem perdizes nem trufas... Poderia ter usado mais as luzes mas não houve desenho de luzes e os figurinos eram de empréstimo, ou aluguer, onde teriam servido as casacas dos cantores e os vestidos das cantoras. Toda a cena foi mal feita, sobretudo quando entrava Lynch, porque tinha de estar a olhar para o barril onde tinha o papel escondido, porque tinha de estar fixo a olhar para o alguidar, onde estava o mesmo papel, ou sem conhecer o seu tour de force do primeiro acto que, apesar de ser uma peça de resistência da ópera, não mereceu o decoro de ter sido decorado.


Alguns cantores foram muito bem no seu papel, sobretudo as mulheres, com Isabelle Cals de voz muito quente e equilibrada nos registos, refinada e com graça na interpretação e mostrando grande domínio do papel, aprendido e rodado noutras paragens, que Foster aqui não ensina nada. Liliana Faraon tem a voz fresca e tem graça, a voz tem algum ácido que acrescenda cor, Renée Morloc esteve excelente e foi divertida na sua densa voz, mais de contralto do que de meio soprano.


Um bom barítono Igor Gnidii, mas resvalando para um lado um pouco grosseiro nos graves guturais, não corrigidos pelo maestro, e um bom tenor português Fernando Guimarães, com a voz algo pequena mas compensando com inteligência, trabalho, boa colocação e agudos fáceis num timbre muito bonito, foram os destaques nos homens. O resto foi mediano sem comprometer mas insuficiente para salvar a récita. A fazer assim mais vale uma pura versão de concerto com alguma dignidade musical.


Uma estrela

Etiquetas: , , , , ,


28.6.11

Apenas alguma exactidão 

Texto Publicado originalmente no jornal "O Diabo"

Henrique Silveira – crítico

Sinfonia nº2 em dó menor, Ressurreição, de Gustav Mahler. Orquestra Sinfónica de S. Francisco, Coro Gulbenkian, direcção de Michael Tilson Thomas, Laura Claycomb, soprano, Katarina Karnéus, meio soprano. Coliseu dos Recreios cheio. Encerramento da temporada 2010/2011 da Fundação Gulbenkian.

A gigantesca sinfonia Ressurreição é uma das obras maiores do repertório sinfónico, uma obra de grande envergadura da orquestra reforçada com metais e percussões suplementares. Começada em 1888 e acabada em 1894, revelou as hesitações de um jovem compositor sobre a sua arte a forma, exemplo disso é o primeiro andamento, cuja concepção seria originalmente a de um poema sinfónico independente Totenfeier, Rito fúnebre, e que depois de muitos avanços e recuos veio a ser o primeiro andamento, allegro maestoso, desta obra grandiosa e trágica que incorpora ainda um poema de Des Knaben Wunderhorn no quarto andamento Urlicht, Luz Original, o ciclo de poemas populares alemães. A obra gira em torno da morte e da vida para além desta. Não tem a menor inspiração na religião católica mas sim na crença, do judeu Mahler, numa Ressurreição post-mortem.

Mahler afirmou que um das chaves da sua música era a exactidão, a outra chave era o que estava para além das notas. Michael Tilson Thomas recorreu a uma leitura muito suave, com gestos difusos e pouco acentuados à frente da “sua” orquestra. Numa acústica miserável como a do Coliseu é quase deitar-se música para o lixo a execução de uma obra tão complexa e contrastante como esta sinfonia. Os fortíssimos soam débeis e os pianíssimos e os detalhes perdem-se. O que seria o lado mais interessante da leitura de Thomas: os detalhes, ficaram reduzidos à anemia sonora. Por outro lado a géstica muito difusa do maestro trouxe algumas inexactidões em algumas entradas a começar pelo início que deveria trazer um grande impacto e uma enorme tensão e que, por falta de exactidão, se saldou por algum desconchavo. O segundo andamento, o Andante Moderato, foi talvez o melhor momento da sinfonia, com predomínio para a suavidade do ritmo de dança e o diálogo entre os instrumentos.

O scherzo, terceiro andamento, baseado na melodia do Sermão de Santo António aos peixes, uma canção que Mahler escreveu ao mesmo tempo que compunha a sinfonia, foi fluido, quase como o fluxo de água e do discurso do Santo, faltando tensão nos pontos de clímax.

Os andamentos finais com partes vocais, foram diversos, Urlich, teve a exaltação mística, mais própria do lado apolíneo de Thomas, enquanto ao andamento com o poema Ressurreição de Klopstock faltou de novo tensão. O coro ouviu-se com dificuldade e não houve grande nuance, mais uma vez por culpa da acústica da sala, mas a afinação pareceu-me perfeita. As solistas cumpriram com esforço para vencer o vazio acústico da sala, tendo eu apreciado vivamente o timbre escuro de Katarina Karnéus sendo Laura Claycomb um pouco estridente na emissão. Apesar disso musicalidade e sentido da poesia foram a tónica destas cantoras.

Quem foi o maestro preparador de coro? Ninguém sabe, nem no programa vem mencionado nem agradeceu em palco, mais uma deselegância e falta de informação do programa.

Uma interpretação relativamente exacta mas sem muito para além das notas.

***



Etiquetas: , , ,


Mestre de capela incógnito 

Texto Publicado originalmente no jornal "O Diabo"

Henrique Silveira – crítico

Programa de encher o olho com abertura de Fidelio, recitativo e ária de concerto Ah! Perfido!... e sinfonia nº9 em ré menor, tudo obras de Beethoven, na Fundação Gulbenkian a 3 de Junho com casa cheia, direcção de Bertrand de Billy. Coro e orquestra Gulbenkian. Solistas: Adina Aaron, soprano, cantou ária e sinfonia, Adrineh Simonian, meio soprano, Charles Reid, tenor e Boaz Daniel, barítono.

A primeira parte era apenas um aquecimento, a abertura de Fidelio foi tocada com energia e convicção mas com um vibrato nas cordas algo excessivo. Seguiu-se uma obra da juventude de Beethoven, inspirada fortemente no modelo mozarteano. A soprano Adina Aaron mostrou uma voz muito bonita, com grande densidade nos graves e brilho nos agudos, foi enérgica e entusiástica. No entanto, a sua interpretação pecou por ser demasiado enfática e melodramática e por abusar de um vibrato pesadão e de um estilo mais apropriado ao romantismo tardio do que a Beethoven. O seu entusiasmo juvenil levou-a a perder a linha do tom num momento crucial do allegro final e a gritar de forma excessiva. Mais contenção e domínio da respiração também se exigem. Adina Aaron mostrou que tem um grande futuro como cantora verdiana, repertório que, aliás, já aborda.

A nona sinfonia de Beethoven começou de forma agreste com um falhanço brutal da segunda trompa logo na entrada e uma interpretação pesadíssima e muito arrastada do allegro ma non troppo, un poco maestoso que mais parecia a marcha fúnebre de um paquiderme falecido no jardim zoológico do que um andamento que deve ser rápido mas não demasiado. Notei que o naipe de trompas esteve particularmente inseguro, sobretudo as trompas graves, andando a 4ª trompa sempre a coxear atrás das notas ao longo de toda a sinfonia.

Depois de um scherzo com energia e muito bem sublinhado pelos sopros e onde as cordas foram particularmente coesas passámos para o andamento lento que se queria poético mas que nos pareceu apenas rotineiro: faltou definição nos planos sonoros, nas articulações e nos jogos de subtileza.

O final, com o grandioso hino à alegria de Schiller, foi tocado com empenho e denodo quer pela orquestra, quer pelo gigantesco coro Gulbenkian. No meu entender em número excessivo para a obra e as dimensões da sala e orquestra. O que se notou aqui foi a falta de preparação dos detalhes, sobretudo nas partes muito rápidas, que acabaram por ser ofegantes e tumultuosas, em vez de serem enérgicas e com grande precisão. Penso que faltaram ensaios para se apurar com perfeição esta obra que é de um enorme grau de dificuldade técnica e artística.

Os solistas estiveram relativamente bem, mas sem se poder afirmar que foram perfeitos, o que atendendo à dificuldade das suas partes já é um feito.

O maestro que preparou o coro nem veio agradecer ao palco, nem figura qualquer menção sobre o seu nome e currículo no programa. Quem foi? Fica uma palavra para o seu trabalho de qualidade ao conseguir dar coesão a um grupo tão grande de cantores.

***



Etiquetas: , , , ,


4.6.11

Os Três Pintos 

Texto Publicado originalmente no jornal "O Diabo"

Henrique Silveira – crítico

Die Drei Pintos é uma ópera que Carl Maria von Weber não conseguiu acabar e que foi completada e reinventada por Gustav Mahler. Versão de concerto a 27 de Maio na Fundação Gulbenkian com casa pouco acima de meia, direcção de Lawrence Foster. Coro e orquestra Gulbenkian. Solistas: Philippe Fourcade, barítono em Pantaleone de Pacheco e no estalajadeiro, Peter Furlong, tenor em Don Gomez de Freiros, Michaela Kaune, soprano em Clarissa, Simona Ivas, meio soprano em Laura, Marius Brenciu, tenor em Don Gaston Viratos, Martin Snell, baixo em Don Pinto de Fonseca, Dora Rodrigues, soprano em Inez, Job Arantes Tomé, barítono em Ambrósio e Fernando Luís no papel falado do narrador que representou Gustav Mahler. David Pountney na concepção e autoria da narração.

Sendo uma ópera cómica em três actos, passada em Espanha, com diálogos em alemão, foi considerado que seria melhor fazer uma narração resumida do que acontece na cena entre as partes musicais, a narração foi criada por David Pourtney, inglês. A sua explicação no programa é rudimentar, estando mesmo ausentes o texto desta e a biografia do autor, facto lamentável que aliás se tem vindo a somar a erros de palmatória nos textos dos mesmos. A tradução do texto narrado por Fernando Luís foi, no mínimo, rústica; serve de exemplo a utilização de “senhorio” em vez de “estalajadeiro”, simplesmente ridículo e limitado!

Com um elenco prometedor de início, tivemos um Fourcade com uma voz encorpada e correcto no papel de estalajadeiro e posteriormente no pai de Clarissa a heroína. Peter Furlong o tenor que ama Clarissa e que, por razões nebulosas, não a pode cortejar começou titubeante na entoação mas depois encontrou-se com o decorrer da obra, mostrou uma boa voz muito lírica e tipicamente alemã. A sua amada, Clarissa, aqui por Michaela Kaune, entrou muito fria e a arrastar as frases musicais, mas depois aqueceu e conseguiu corrigir algum ácido nos agudos e mostrou uma voz encorpada e densa, com musicalidade e sentido musical, pena alguma dificuldade em largar as notas a tempo. Simona Ivas, Laura criada da anterior, tem uma voz muito bonita e colocada, é musical, mas padece de potência e os agudos são pobres em harmónicos, o que não é estranho uma vez que se trata de um meio soprano e o papel vai algumas vezes a um registo desconfortável para este tipo de voz. Marius Brenciu, no papel motor da acção em Don Gaston, foi a grande desilusão, agarrado à leitura do papel, correndo atrás das notas e sem graça na interpretação, denotou uma preparação francamente insuficiente, quando tentou brilhar a voz partiu-se nos agudos e foi confrangedor ouvir gritos em vez de canto. Martin Snell, no papel cómico de Don Pinto, não teve graça nenhuma e andou também a ler o papel, não cumpriu objectivos mínimos, mesmo cantando as notas todas. Dora Rodrigues esteve muito bem no papel de Inez, lírica e musical. Job Tomé foi mais uma vez uma revelação, divertido, preparado, não se deixando dominar pela música, cantando o falsete com comicidade, foi simplesmente perfeito. A narração de Fernando Luís foi clara e precisa, representando com convicção o papel do autor que finalizou a composição e pondo em contrapondo a relação de Mahler com o neto de Weber e sua Mulher, Marion, com que teve uma relação complicada que envolveu traição, intriga e amor.

A direcção de Foster foi mais clara que o habitual e o conjunto manteve-se coeso, não percebo apenas o passar da batuta para a mão esquerda para depois andar aflito sem saber onde a colocar! A orquestra esteve a elevado nível e apenas a falta de aprumo de alguns músicos também se lamenta, não é próprio ver fivelas de cintos com as competentes banhas abdominais sobrepostas em traje de casaca, para evitar isso existem coletes brancos ou faixas brancas.

O coro preparado por Jorge Matta esteve a um elevado nível, mais uma vez foi lamentável a não inclusão do seu trabalho no programa da Gulbenkian, um erro grave e uma desconsideração imerecida para aquele que é o grande motor do coro Gulbenkian; ao contrário de todas as grandes casas, a começar pelo Festival de Bayreuth, onde o maestro de coro aparece sempre em grande destaque e com direito a importante biografia em todos os programas.

A ideia da narração foi realizada com cuidado e foi mais eficaz que os diálogos em alemão que não têm sentido na versão de concerto.

***

Etiquetas: , , , , ,


10.3.11

Da Casa dos Mortos 

Henrique Silveira – crítico

Ópera com música e libreto de Leos Janácek – Segundo o livro de Dostoievski. Fundação Gulbenkian a três quartos no dia 6 de Janeiro. Orquestra Gulbenkian. Coro (masculino) Gulbenkian. Direcção de Esa-Peka Salonen.
Esta última ópera, e obra, de Janacek é um harmonioso encontro de desequilíbrios. Uma orquestração estranha, um coro masculino, apenas uma mulher em nove cantores e um texto traduzido do russo para checo pelo compositor. São sucessões de experiências, narrativas pessoais, episódios e até teatro dentro do teatro, com as peças representadas pelos presos na cadeia siberiana. A experiência da prisão na Sibéria é colocada de forma áspera por vozes cantando no ritmo métrico da linguagem falada e por uma orquestração agreste. Como a obra não foi acabada pelo compositor a partitura sofreu diversas agressões “completantes”. Infelizmente foi uma versão para orquestra alargada e não a ideia original de Janacek que nos foi dada.
Semi-encenada esta versão de concerto teve projecção vídeo e cantores com figurinos estilizados como prisioneiros e guardas russos e movimento cénico em frente da orquestra. O coro acotovelava-se do lado esquerdo do palco e a orquestra vestida com camisas pretas, grande demais para o espaço, dava uma impressão desconfortável de ajuntamento desordenado debaixo de telões de projecção brancos.
A direcção exuberante e muita atenta aos cantores de Esa-Pekka Salonen não foi suficiente para dar coesão ao tecido musical na abertura e primeiro acto, de grande complexidade rítmica, e notaram-se descordenações dentro da orquestra ao nível das entradas de instrumentos e na coesão dos intrumentos com as vozes.
A produção vinha do Festival de Helsínquia dirigido anteriormente por Risto Nieminen, novel director do serviço de música da Gulbenkian. Veio, pois, uma armada nórdica de cantores: Esa Ruuttunen, barítono, com a voz um pouco cansada mas eficaz no alter ego de Dostoievski, Gorjanchikov; Eric Stolossa, tenor, excelente e sensível em Aljeja; Stefan Margita, tenor, impressionante na sua força eslava; Gordon Gietz, tenor, muito consistente; o baixo barítono Pavlo Hunka foi notável na sua expressividade no relato de Chiskov; Hannu Niemelä, Baixo-barítono, esteve em alto nível nos seus desdobramentos de personagens, nove no total; e muito bem os tenores Dan Karlström e Petri Bäkström; muito bela o soprano Anna Danik, num brevíssimo relance de uma prostituta.
A direcção multimédia de Kristiina Helin recorreu ao Nosferatu de Murnau, ao Lot em Sodoma de Watson e ao documentário finlandês O mundo dos Ladrões, com ressonâncias tarkovskianas, sobre uma prisão na ilha de Ognyi. Preferi as projecções de fotografias contemporâneas dos anos da composição por Janacek e a forma como Helin reforçou a importância da figura matriarcal na psique dos prisioneiros. Penso que a utilização dos Nosferatu é um cliché estafado que se deve justificar apenas pela admiração que Nelin nutre pelo cinema de Murnau. O desenho de luzes foi eficaz.
O nível musical foi subindo e as descoordenações iniciais foram passando gradualmente acabando a orquestra e o coro por se adaptarem a pouco e pouco aos gestos vigorosos de Salonen. A leitura foi mesmo assim algo enfática e primária, sublinhando pouco os momentos mais densos do ponto de vista psicológico, no entanto, este encontro de Salonen com a Gulbenkian é um excelente prenúncio para futuras colaborações.
***


o - Mau, * - sofrível, ** - interessante, *** - bom, **** - excepcional

Etiquetas: , , , ,


23.7.09

Entrevista a Alessis Gregory 

Volto depois de algum tempo de descanso a este blog para uma entrevista com Alessis Gregory, fundador do Prémio Vendome.
Foi com prazer que entrevistei o homem por detrás do concurso internacional de piano que oferece o maior valor financeiro e que tanto prestígio tem obtido desde o ano da sua fundação, 2000.

A edição deste ano decorre na Fundação Gulbenkian e termina Sábado no centro Olga Cadaval de Sintra para a final com orquestra. Sexta Feira, na Gulbenkian decorrem os recitais com os finalistas.
Alessis Gregory explica como funciona um concurso de rosto humano onde os jovens são tratados como artistas e não como máquinas.


Fica um testemunho e um prazer de encontrar este senhor nascido em 1936 na Suiça, de origens russas e que partiu para os Estados Unidos em 1939 onde fez sucesso como editor e especialista em arte.

Nota: A entrevista é em inglês.



Adicionar



Etiquetas: , , ,


11.5.07

Ruído infame 

Ontem a maestrina Young e o Coro Gulbenkian, mais a orquestra Gulbenkian, no Te Deum de Verdi, deram-nos uma lição de descontrolo dinâmico, más entradas, ruído doloroso, desequilíbrio sonoro, desconexão entre orquestra e coro verdadeiramente alucinantes. No coro escutámos com supresa (ou talvez sem tanta): desafinação horrível nos sopranos, vozes masculinas desacertadas, entradas a medo. Berraria constante. Estive para sair a meio, o quarto de hora da obra pareceu-me uma eternidade. Uma primeira parte infecta, uma maestrina contorcionista em cima do pódio que gesticulava, gesticulava mas pouco ou nada...

Seguiu-se um Bruckner com um bonito scherzo mas com um andamento lento verdadeiramente arrastado, ao contrário do que diz a partitura. Esta obra de Bruckner já de si é um pastelão muito difícil de digerir e nem Young nem a orquestra Gulbenkian conseguiram dar a volta a um repasto algo indigerível, embora a coisa tenha sido bem mais segura e equilibrada do que no Te Deum.

Alguém me dizia que Bruckner e Wagner tinham o mesmo ambiente. Dizer que um dos maiores mestres do clímax, da construção da tensão orquestral, da sobriedade na exploração dos temas, nunca repetidos de forma monótona, partilha o mesmo ambiente com o "mestre" da monotonia e da repetição até à exaustão das ideias, é comparar um Barca Velha com um vinho de pacote... Lá porque Bruckner usa as tubas do seu ídolo não quer dizer que as use da mesma forma...

Etiquetas: , , ,


Arquivos

This page is powered by Blogger. Isn't yours?