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28.5.13

Sem faca mas com alguidar 



Henrique Silveira


Crítico


Falstaff de Verdi e Arrigo Boito, Fundação Gulbenkian, dia 23 de Maio, sala meia.


Lester Lynch em sir John Falstaff, um baixo-barítono mau no papel; Igor Gnidii em Ford, barítono razoável; Fernando Guimarães em Fenton, tenor razoável; Dietmar Kerschbaum em dr. Caius, tenor medíocre; Paul Kaufmann em Bardolfo, tenor fracote; Nuno Dias em Pistola, baixo baço; Isabelle Cals em Alice Ford, soprano muito bom; Liliana Faraon em Nannetta, soprano bom; Renée Morloc em Ms. Quickly, contralto bom; Zandra McMaster em Meg Page, meio soprano que cumpriu.


Direcção Musical: Lawrence Foster, esforçado mas alheio a Verdi; Orquestra Gulbenkian, esforçados, pouco coesos e mal dirigidos, Coro Gulbenkian com maestro Pedro Teixeira, correctos apesar de se notarem poucos ensaios; Semi-encenação: Rosetta Cucchi, encenação esforçada mas indigente e figurinos fracos.


Uma plataforma por detrás da orquestra, um barril à direita e uma mesa com cadeiras à esquerda, uns cantores que entram e saem, uns que sabem o papel de cor e estão à vontade, outros nem por isso, um coro mal ensaiado que vem de papel e canta na sua posição clássica em duas filas, um sir John Falstaff que não domina o seu papel, tem voz demasiado pesada e sem agudos, é mais a puxar ao baixo rouco do que ao barítono, que não tem desenvoltura nem graça, é incapaz de representar, nem sequer solfeja bem o que está escrito, sem agilidade vocal e finalmente a cantar para dentro de um alguidar que segura no seu colo, onde deveria ter os pés metidos mas onde tem o papel escondido, fazendo rir de escárnio pelo ridículo e não pelo teatro em si, e temos um resumo das desgraças que atormentaram esta pseudo-encenação recheada de equívocos.


Se juntarmos a isto tudo um maestro brutal, que carrega com a orquestra para cima das vozes como os hunos não fizeram sobre Roma, que coloca as trompas a mais de dez metros dos cantores que têm de acompanhar, que foi incapaz de urdir bem urdido um único concertante, que não tem efervescência nem sentido de humor, que torna hunorístisco o que deveria ser humorístico, que coloca a orquestra de tal forma que os instrumentos não se ouvem uns aos outros com fagotes e trompas de um lado e trombones, violoncelos e contrabaixos no outro, condenando à partida a coesão e não compensando com mais ensaios, tudo reforçado por uma posição orquestral desastrosa a cortar o plano sonoro dos cantores e que não aproveitou o fosso da orquestra, algo que poderia ser feito se a encenação não fosse indigente, temos os ingredientes para um quase desastre musical, felizmente evitado pela qualidade, esforço de concentração e direcção interna dos músicos da Gulbenkian que, mesmo assim, não evitaram uma plenitude de pequenos erros, de falta de certeza nos ataques, e de falta de coesão entre as trompas desterradas e os cantores, com exemplos péssimos no primeiro acto de desfasamento entre cantores, já de si descoordenados, e instrumentos.


Apesar de os instrumentistas terem estado bem tecnicamente e, em particular, as trompas e cimbasso excelentes, existem aspectos que só uma direcção e trabalho detalhado podem resolver. A graça do comentário bem medido, a gargalhada que se impõe nas trompas, o fagote que sublinha sir John de forma nais histriónica, nunca tiveram o subtil exagero que só um maestro sensível à obra poderiam dar.


A encenação viveu mal com a indigência de meios que a Gulbenkian colocou à sua disposição, um cantor principal incapaz de fazer um Falstaff, por claro erro de casting e sem saber o papel, arruinou logo à partida qualquer tentativa de fazer teatro, Falstaff sem cantor principal, sem direcção e sem graça é como perdizes à convento de Alcântara mas sem perdizes nem trufas... Poderia ter usado mais as luzes mas não houve desenho de luzes e os figurinos eram de empréstimo, ou aluguer, onde teriam servido as casacas dos cantores e os vestidos das cantoras. Toda a cena foi mal feita, sobretudo quando entrava Lynch, porque tinha de estar a olhar para o barril onde tinha o papel escondido, porque tinha de estar fixo a olhar para o alguidar, onde estava o mesmo papel, ou sem conhecer o seu tour de force do primeiro acto que, apesar de ser uma peça de resistência da ópera, não mereceu o decoro de ter sido decorado.


Alguns cantores foram muito bem no seu papel, sobretudo as mulheres, com Isabelle Cals de voz muito quente e equilibrada nos registos, refinada e com graça na interpretação e mostrando grande domínio do papel, aprendido e rodado noutras paragens, que Foster aqui não ensina nada. Liliana Faraon tem a voz fresca e tem graça, a voz tem algum ácido que acrescenda cor, Renée Morloc esteve excelente e foi divertida na sua densa voz, mais de contralto do que de meio soprano.


Um bom barítono Igor Gnidii, mas resvalando para um lado um pouco grosseiro nos graves guturais, não corrigidos pelo maestro, e um bom tenor português Fernando Guimarães, com a voz algo pequena mas compensando com inteligência, trabalho, boa colocação e agudos fáceis num timbre muito bonito, foram os destaques nos homens. O resto foi mediano sem comprometer mas insuficiente para salvar a récita. A fazer assim mais vale uma pura versão de concerto com alguma dignidade musical.


Uma estrela

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