10.3.11
Da Casa dos Mortos
Henrique Silveira – crítico
Ópera com música e libreto de Leos Janácek – Segundo o livro de Dostoievski. Fundação Gulbenkian a três quartos no dia 6 de Janeiro. Orquestra Gulbenkian. Coro (masculino) Gulbenkian. Direcção de Esa-Peka Salonen.
Esta última ópera, e obra, de Janacek é um harmonioso encontro de desequilíbrios. Uma orquestração estranha, um coro masculino, apenas uma mulher em nove cantores e um texto traduzido do russo para checo pelo compositor. São sucessões de experiências, narrativas pessoais, episódios e até teatro dentro do teatro, com as peças representadas pelos presos na cadeia siberiana. A experiência da prisão na Sibéria é colocada de forma áspera por vozes cantando no ritmo métrico da linguagem falada e por uma orquestração agreste. Como a obra não foi acabada pelo compositor a partitura sofreu diversas agressões “completantes”. Infelizmente foi uma versão para orquestra alargada e não a ideia original de Janacek que nos foi dada.
Semi-encenada esta versão de concerto teve projecção vídeo e cantores com figurinos estilizados como prisioneiros e guardas russos e movimento cénico em frente da orquestra. O coro acotovelava-se do lado esquerdo do palco e a orquestra vestida com camisas pretas, grande demais para o espaço, dava uma impressão desconfortável de ajuntamento desordenado debaixo de telões de projecção brancos.
A direcção exuberante e muita atenta aos cantores de Esa-Pekka Salonen não foi suficiente para dar coesão ao tecido musical na abertura e primeiro acto, de grande complexidade rítmica, e notaram-se descordenações dentro da orquestra ao nível das entradas de instrumentos e na coesão dos intrumentos com as vozes.
A produção vinha do Festival de Helsínquia dirigido anteriormente por Risto Nieminen, novel director do serviço de música da Gulbenkian. Veio, pois, uma armada nórdica de cantores: Esa Ruuttunen, barítono, com a voz um pouco cansada mas eficaz no alter ego de Dostoievski, Gorjanchikov; Eric Stolossa, tenor, excelente e sensível em Aljeja; Stefan Margita, tenor, impressionante na sua força eslava; Gordon Gietz, tenor, muito consistente; o baixo barítono Pavlo Hunka foi notável na sua expressividade no relato de Chiskov; Hannu Niemelä, Baixo-barítono, esteve em alto nível nos seus desdobramentos de personagens, nove no total; e muito bem os tenores Dan Karlström e Petri Bäkström; muito bela o soprano Anna Danik, num brevíssimo relance de uma prostituta.
A direcção multimédia de Kristiina Helin recorreu ao Nosferatu de Murnau, ao Lot em Sodoma de Watson e ao documentário finlandês O mundo dos Ladrões, com ressonâncias tarkovskianas, sobre uma prisão na ilha de Ognyi. Preferi as projecções de fotografias contemporâneas dos anos da composição por Janacek e a forma como Helin reforçou a importância da figura matriarcal na psique dos prisioneiros. Penso que a utilização dos Nosferatu é um cliché estafado que se deve justificar apenas pela admiração que Nelin nutre pelo cinema de Murnau. O desenho de luzes foi eficaz.
O nível musical foi subindo e as descoordenações iniciais foram passando gradualmente acabando a orquestra e o coro por se adaptarem a pouco e pouco aos gestos vigorosos de Salonen. A leitura foi mesmo assim algo enfática e primária, sublinhando pouco os momentos mais densos do ponto de vista psicológico, no entanto, este encontro de Salonen com a Gulbenkian é um excelente prenúncio para futuras colaborações.
***
o - Mau, * - sofrível, ** - interessante, *** - bom, **** - excepcional
Ópera com música e libreto de Leos Janácek – Segundo o livro de Dostoievski. Fundação Gulbenkian a três quartos no dia 6 de Janeiro. Orquestra Gulbenkian. Coro (masculino) Gulbenkian. Direcção de Esa-Peka Salonen.
Esta última ópera, e obra, de Janacek é um harmonioso encontro de desequilíbrios. Uma orquestração estranha, um coro masculino, apenas uma mulher em nove cantores e um texto traduzido do russo para checo pelo compositor. São sucessões de experiências, narrativas pessoais, episódios e até teatro dentro do teatro, com as peças representadas pelos presos na cadeia siberiana. A experiência da prisão na Sibéria é colocada de forma áspera por vozes cantando no ritmo métrico da linguagem falada e por uma orquestração agreste. Como a obra não foi acabada pelo compositor a partitura sofreu diversas agressões “completantes”. Infelizmente foi uma versão para orquestra alargada e não a ideia original de Janacek que nos foi dada.
Semi-encenada esta versão de concerto teve projecção vídeo e cantores com figurinos estilizados como prisioneiros e guardas russos e movimento cénico em frente da orquestra. O coro acotovelava-se do lado esquerdo do palco e a orquestra vestida com camisas pretas, grande demais para o espaço, dava uma impressão desconfortável de ajuntamento desordenado debaixo de telões de projecção brancos.
A direcção exuberante e muita atenta aos cantores de Esa-Pekka Salonen não foi suficiente para dar coesão ao tecido musical na abertura e primeiro acto, de grande complexidade rítmica, e notaram-se descordenações dentro da orquestra ao nível das entradas de instrumentos e na coesão dos intrumentos com as vozes.
A produção vinha do Festival de Helsínquia dirigido anteriormente por Risto Nieminen, novel director do serviço de música da Gulbenkian. Veio, pois, uma armada nórdica de cantores: Esa Ruuttunen, barítono, com a voz um pouco cansada mas eficaz no alter ego de Dostoievski, Gorjanchikov; Eric Stolossa, tenor, excelente e sensível em Aljeja; Stefan Margita, tenor, impressionante na sua força eslava; Gordon Gietz, tenor, muito consistente; o baixo barítono Pavlo Hunka foi notável na sua expressividade no relato de Chiskov; Hannu Niemelä, Baixo-barítono, esteve em alto nível nos seus desdobramentos de personagens, nove no total; e muito bem os tenores Dan Karlström e Petri Bäkström; muito bela o soprano Anna Danik, num brevíssimo relance de uma prostituta.
A direcção multimédia de Kristiina Helin recorreu ao Nosferatu de Murnau, ao Lot em Sodoma de Watson e ao documentário finlandês O mundo dos Ladrões, com ressonâncias tarkovskianas, sobre uma prisão na ilha de Ognyi. Preferi as projecções de fotografias contemporâneas dos anos da composição por Janacek e a forma como Helin reforçou a importância da figura matriarcal na psique dos prisioneiros. Penso que a utilização dos Nosferatu é um cliché estafado que se deve justificar apenas pela admiração que Nelin nutre pelo cinema de Murnau. O desenho de luzes foi eficaz.
O nível musical foi subindo e as descoordenações iniciais foram passando gradualmente acabando a orquestra e o coro por se adaptarem a pouco e pouco aos gestos vigorosos de Salonen. A leitura foi mesmo assim algo enfática e primária, sublinhando pouco os momentos mais densos do ponto de vista psicológico, no entanto, este encontro de Salonen com a Gulbenkian é um excelente prenúncio para futuras colaborações.
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o - Mau, * - sofrível, ** - interessante, *** - bom, **** - excepcional
Etiquetas: Coro Gulbenkian, Crítica de Ópera, Esa-Pekka Salonen, Gulbenkian, Orquestra Gulbenkian
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