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19.3.07

O Lobby dos Hermeneutas 

Eduardo Pitta sai da Literatura e resolve dissertar sobre Pinamonti. Existe neste fenómeno a notória incapacidade de certos críticos de ficarem restringidos ao que julgam que sabem e resolverem dissertar sobre o que, notoriamente, não sabem, E. Pitta nunca reflectiu sobre música, a sua cronologia não refere a música uma única vez e nunca criticou qualquer evento musical.
Tenho visto o Eduardo Pitta, crítico literário, a confraternizar em inúmeros lançamentos de livros e em diversos saraus. Nunca vi o E. Pitta no S. Carlos, não é manifestamente um conhecedor do fenómeno musical e do que o rodeia.
Ao ler os textos de E. Pitta, e são já vários, sobre Pinamonti e a recente dispensa do italiano de director do TNSC, apesar deste ter manifestado disponibilidade para ficar, fica a impressão que E. Pitta acha Pinamonti um a espécie de incapaz, um troca tintas que escreve uma coisa e faz outra, ou alguém que não conseguiu endireitar os vícios do Teatro Nacional de S. Carlos. E. Pitta não entende o essencial: as qualidades profundas do ainda director do S. Carlos que deveriam ser aproveitadas em vez de desbaratadas, num gravíssimo malbaratar de um património colectivo que os senhores da tutela da cultura deveriam preservar e valorizar em vez de procurem pretextos para destruir. É este o cerne da questão e não questiúnculas formais do diz que disse, afinal o que parece ser o ponto mais importante na hermenêutica da treta de alguém habituado à crítica literária para públicos ínfimos.
Defende E. Pitta com unhas e dentes uma tutela titubeante e incapaz, que utiliza truques de baixa política, sem peso dentro do governo, incapaz de obter receitas no orçamento de Estado e incapaz de ter imaginação para as criar graças a esforço próprio aproveitando mecenato e parcerias com os privados. Uma tutela que o próprio E. Pitta já em tempos achou desnecessária. No mínimo estranho este lobby hermenêutico na área da cultura, ou será que E. Pitta da sua olímpica cegueira queira apenas criar polémica com os faits divers das suas bocas sobre o assunto? De qualquer modo é grave: E. Pitta tem ainda alguns leitores que o levam a sério e falar sem saber é, no mínimo, irresponsável.
Acha E. Pitta que o assunto diz apenas respeito a um grupo muito restrito "talvez duzentas pessoas", se pensarmos que E. Pitta, justa ou injustamente, poderá ter um número de leitores "talvez" da mesma ordem de grandeza, "talvez" possamos dar um maior significado a este número. O que eu não percebo é o interesse do crítico literário E. Pitta sobre este assunto, talvez seja um problema de hermenêutica pós-compreensão, por oposição à "hermenêutica pré-compreensão", que Vieira hermeneuta aplicou a Paolo Pinamonti.
Embora graves, e podendo levar leitores a um erro que importa desmontar, acho as reflexões de E. Pitta inúteis. Primeiro, porque o conhecimento dele sobre o assunto é praticamente nulo: é falso que sete récitas esgotadas da Walküre sejam as 600 pessoas que refere como público do S. Carlos, é falso que os milhares que encheram o largo do S. Carlos nos dias em que a ópera foi transmitida para o exterior sejam as tais 600 pessoas pessoas que E. Pitta refere, o que reflecte logo à partida a credibilidade que quem faz essas afirmações. É mentira que cada récita de ópera custe 400 euros, serão 350 se dividirmos todos os custos pelas récitas, mas se retirarmos a orquestra sinfónica portuguesa que faz concertos o número reduz-se drasticamente, mais hermenêutica da treta directamente vinda da Ajuda, se dotássemos o S. Carlos de mais um milhão de euros para produções (somados aos actuais 13 milhões) o preço por récita passaria a ser um dos mais baixos da Europa, é que os tais 350 por récita resultam de custos fixos e não das produções propriamente ditas. Por outro lado a execução orçamental de Pinamonti é de um rigor extremo, nunca gastou um cêntimo a mais do que o orçamentado, nunca contraiu uma dívida. Parece impossível para Portugal, era bom demais. Era mas acabou-se por causa de mesquinhas embirrações e conflitos de personalidade.
Em segundo lugar o que E. Pitta refere é inútil porque não passa de um ignorante sobre o assunto: é consensual entre toda a crítica musical, à qual E. Pitta não pertence, o excelente trabalho de Pinamonti. Todos os especialistas do assunto concordam sobre Paolo Pinamonti, mas isso deve ser indiferente ao E. Pitta, que sendo crítico literário julga poder opinar sobre tudo. Para mim o que o E. Pitta diz sobre o Pinamonti é igual às barbaridades que um taxista do Porto me disse sobre o Pedro Burmester. Eu perguntei ao tal taxista se tinha entrado alguma vez na Casa da Música e ele disse-me que não. A umas perguntas básicas o que dirá E. Pitta: qual a tonalidade que abre a Valquíria? Quantos actos tem o Orfeo de Monteverdi? Qual a ópera ou óperas que Teresa Stich Randall fez no S. Carlos em 1970? Pitta parece que passou nos anos setenta pelo S. Carlos. Muita coisa mudou entretanto, a ópera está esgotada, a ópera vai ao CCB, e não foi mais por causa do prof. Fraústo. O Wozzeck, uma das melhores produções de todos os tempos do S. Carlos foi ao CCB para três récitas. Vá lá ler uns livritos para responder e documente-se melhor E. Pitta, é fácil cair-se na asneira e na mentira, mesmo involuntária, quando se ignora o assunto.
É necessário reforçar que apesar das observações do E. Pitta, toda a crítica musical portuguesa (que trilha os mais diversos universos, escolas e metodologias) reconhece que Pinamonti foi um dos melhores directores do Teatro de S. Carlos, posso prová-lo de forma muito fácil citando textos de Augusto Seabra, Bernardo Mariano, Cristina Fernandes, Jorge Calado, Ana Rocha, Luciana Leiderfarb, Rui Vieira Nery, Teresa Cascudo, através de manifestações de solidariedade de João Paes ou de Alexandre Delgado, e de outras personalidades do mundo da cultura e da música que não ficaram pela estagnação desfasada da realidade dos universos oníricos da literatura para meia dúzia de leitores. Pinamonti foi muito bom sob condicionalismos terríveis em termos orçamentais. É verdade que Pinamonti não resolveu tudo mas Pinamonti pacificou, integrou-se, foi resolvendo de forma muito pragmática usando todos os sábios recursos de diplomacia da cultura mediterrânica. Foi-se livrando do joio de um maestro titular (Peskó) e promoveu João Paulo Santos, impossível de jogar borda fora por motivos contratuais, para um lugar inócuo. Eliminou um inenarrável concertino da orquestra. Tentou o impossível ao programar concertos sinfónicos com alguns dos melhores maestros do mundo, especialistas desde o classicismo ao contemporâneo. Contratou um maestro de coro e um assistente que resolveram parcialmente um dos maiores cancros do teatro: a péssima qualidade do Coro do TNSC. Algumas das vezes teve os maiores sucessos artísticos, como com Inbal, outras vezes com resultados entre o positivo e o desastroso, como com Letonja. Mas como o Pitta sabe melhor do que ninguém, na arte nada é seguro, é no balanço final que Pinamonti foi um valor muito seguro, foi mesmo um director excelente em face das dificuldades. O S. Carlos é hoje um teatro muito melhor do que era há seis anos, e Pinamonti conseguiu-o sem dinheiro.
O período de adaptação foi ultrapassado, após seis anos de trabalho Pinamonti conhecia a cultura portuguesa e integrado conseguia extrair o melhor que nós conseguimos dar com as nossas estranhas peculiaridades e os nossos maus e bons hábitos. O TNSC afirmava-se como motivo de orgulho internacional para Portugal, algo que só um bronco sem a menor noção do que está a comentar pode desvalorizar. Shirley Althorp, crítica do Financial Times (e de todo o grupo Blomberg), vem sempre a Lisboa para ver as produções do nosso teatro de ópera fazendo críticas que ecoam por todo o mundo, nunca cá teria vindo sem Pinamonti. Todos os grandes órgãos de comunicação deslocam os seus críticos ao nosso teatro, o El Pais, o Le Monde, O The Times, a BBC, a lista é interminável. A ópera de Corghi e Saramago, no meu entender péssima, foi referenciada por toda a imprensa mundial com apreciações muito diversas, desde o entusiasmo ao cepticismo. Dei uma entrevista à Deutsche Welle sobre o assunto, onde apesar de criticar duramente a obra de arte, elogiei o trabalho do director como notável. Pinamonti deu entrevistas a todas as estações que importam a nível internacional. A encenação do Ring de Vick, goste-se ou não, é um marco a nível internacional. O Wozzeck de Braunschweig e Inbal foi um acontecimento notável, uma das melhores encenações, um dos melhores naipes de cantores a nível mundial e uma orquestra a superar-se de forma quase impossível para quem conhece a Sinfónica Portuguesa.
Com um orçamento de 13 milhões de euros, um número ridículo em termos europeus, mesmo para um teatro de província, Pinamonti consegue produzir mais de 120 espectáculos onde figuram 43 récitas de ópera por ano e não, outra das mentiras do Sr. E. Pitta, as "talvez" vinte vezes por ano. Christoph Dammann, que vem em part-time de Colónia, tem 36 milhões de euros para gerir o seu teatrinho local, Mannheim (uma cidade de 200.000 habitantes) tem 25 milhões de euros.
É precisamente este capital de experiência, de realização e de adaptação à nossa realidade que o sr. hermenêutica e a sra. ministra desvalorizam e o Sr. E. Pitta, agora também membro do lobby hermenêutico e, além do mais, mentiroso, também desvaloriza. No caso de Pitta a grosseria das suas incorrecções, ou manipulações, é tão evidente que qualquer observação sua sobre o assunto está imediatamente descredibilizada. Quem precisa de manipular os factos para argumentar não merece crédito, é a desilusão de ver um "exemplar" crítico literário usando argumentos à taxista.
É o prestígio de um país que se mede por estas coisas mas nunca para um "portuga" mediano. É evidente que para o E. Pitta o assunto tem pouco interesse, é um "fait divers": Ópera, o que é isso? Só tenho a lamentar a santa ignorância de certos "intelectuais" que se fecham na sua área e se esquecem que a cultura é universo e não é medida pelos antolhos de miséria em que se formataram os filhos de um país de analfabetos e de aldrabões.

Ler ainda o João Gonçalves no Ponto Final do Portugal dos Pequeninos, o Carlos Araújo Alves em un fait divers e a Teresa Cascudo em Mais do Mesmo

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