30.3.11
A Luta de Vasco e Nuno
Ópera Banksters em estreia absoluta no S. Carlos
Henrique Silveira – crítico
Estreia a 18 de Março de 2011 com sala pouco mais de meia. Direcção musical de Lawrence Renes com Orquestra Sinfónica Portuguesa e Coro do Teatro Nacional de S. Carlos. Obra do compositor Nuno Côrte-Real com libreto de Vasco Graça Moura.
É célebre a imagem de Jacob lutando durante a noite com um ser, nunca nomeado mas interpretado como um anjo, nas pinturas de Rembrandt, Delacroix ou na gravura de Doré. Essa imagem vai percorrer a encenação de João Botelho: a luta constante entre esse estranho ser, enviado de um paraíso fiscal, Angelino Rigoleto, tenor Musa Nkuna, e o banqueiro Santiago Malpago, barítono Jorge Vaz de Carvalho. O denso texto original de José Régio, Jacob e o Anjo, que se aplicava a D. Afonso VI é desmontado e reconstruído por Graça Moura que cria um libreto em rima de um finíssimo sentido de humor e musicalidade, misturando alguns elementos brejeiros com uma refinada erudição. A obra original de Régio serve de prancha de salto para a história de um banqueiro, visitado por um ser estranho que precipita a acção. O banqueiro é traído pela mulher, Mimi Kitsch, soprano Sara Braga Simões, e pelo Accionista irmão de Santiago, barítono Diogo Oliveira.
A música de Côrte-Real não acompanha o sentido de humor de Vasco Graça Moura, criando-se assim o principal equívoco desta obra. Côrte-Real sabe utilizar a prosódia e o português resulta muito legível mas aquilo que seria, à partida, uma tragicomédia resulta, através da música, num produto muito enfático, continuamente sobrecarregado na orquestração com uso e abuso dos metais, muito denso de graves, muito repetitivo na exploração do material temático e no abuso da marcação pelos tímpanos, quase sempre em fortíssimo, de ritmos assumidamente brutais, como o do “malhão malhão” dos Zés Pereiras, que deixam o auditor num sufoco de tensão que nunca distende, acabando tudo em ambiente de tragédia pura e dura.
A música é sempre ofegante. As citações contínuas de outros trechos musicais, assumidas ou inconscientes, como o cliché dos violoncelos após um momento mais pungente, acabam por perder o efeito e são mais uma máscara que se confunde com a realidade. Os momentos de grande beleza musical banalizam-se pela sua exploração exaustiva onde falta a concisão. A constante divagação estilística de Crte-Real é uma espécie de barroquismo pós-moderno que, de tão assumido, se torna num pastiche que nem sequer consegue ser reaccionário. Após uma muito interessante e fresca Oratória Popular, estreada recentemente em Torres Vedras, esta ópera é, para mim, uma desilusão.
A encenação de Botelho é primorosa, resultando muito visual e evocativa e muito bem coadjuvado por todos os elementos da equipa cénica.
O maestro não conseguiu dar coesão ao todo e o coro foi a habitual abominável colecção de cromos aos gritos. Grande dignidade na representação e canto de Vaz de Carvalho, com bela dicção, e uma muito interessante Sara Braga Simões [teatralmente] com Diogo Oliveira a cumprir bem, Musa Nkuna foi fraco e Chelsey Chill foi excessiva, o resto dos cantores primou por uma fraca mediania.
**
o - Mau, * - sofrível, ** - interessante, *** - bom, **** - excepcional
Nota -Este texto curto de cerca de 3000 caracteres não me satisfaz. As necessidades jornalísticas forçam-me a uma concisão que, apesar da disciplina que impõe, é castradora e deixa a crítica sempre incompleta. Mas são as regras do jogo.
Etiquetas: Crítica de Ópera, Nuno Côrte-Real, ópera, Orquestra Sinfónica Portuguesa, S. Carlos
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