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27.4.11

O mini mercado 

Publicado originalmente no Jornal "O Diabo"

Henrique Silveira – crítico

O supermercado da música, como era chamada à Festa da Música, desapareceu. Hoje os Dias da Música no CCB passaram a ser uma espécie de minimercado. Felizmente algum do espírito manteve-se e o público continua a acorrer, em menor número do que nos velhos tempos, mas continua generoso com os artistas.

O público é um dos aspectos mais fascinantes deste evento: a acrescentar ao clássico ruído dos sacos plásticos, das tosses e das crianças aos gritos, temos agora a novidade das cavalgaduras a mandar mensagens escritas. Enfim: o trivial.

Fica a crítica à contratação de uma orquestra checa, vinda de Brno, que não mostrou ter qualidade suficiente em cotejo com as orquestras portuguesas e que terá sido um dos números mais elevados na coluna das despesas. Se a mesma tivesse sido eliminada do programa sobraria muito dinheiro para contratar mais e melhores solistas.

Passamos em revista os cinco concertos a que assistimos após selecção prévia daquilo que pensámos ser o mais interessante e de maior qualidade musical

1. Concerto de Estreia – Orquestra Filarmónica de Brno

Sexta-feira, dia 15, 21h. Paraísos artificiais de Luís de Freitas Branco, Rapsódia em Blue de George Gershwin e Sinfonia do Novo Mundo de Antonin Dvorjak. Solista em piano Jorge Moyano e direcção de Svárovský. Sala quase cheia.

A leitura do poema sinfónico de Freitas Branco foi básica, alguma cor inicial depressa se desvaneceu caindo a interpretação numa mediania que deixou a obra morrer. Uma leitura quase à primeira vista que não dignificou a orquestra.

Seguiu-se uma pesada Rapsódia em Blue com um surpreendente, pelo swing e flexibilidade, Jorge Moyano que mostrou grande musicalidade.

Finalmente uma fraca nona sinfonia de Dvorjak em que os melhores instrumentistas foram o timpaneiro e o corne inglês. Toda a orquestra fraquejou: som grosseiro nos metais, primeiro violino com vibrato caprino, clarinete rachado, trompas graves num absoluto descalabro, falta de equilíbrio e despautério sonoro, sem planos de cor, enfim uma pobre imagem do que uma orquestra checa faria com uma obra tão emblemática do seu património musical. Uma desilusão.

*

2. Concerto a dois Pianos

Sábado, dia 16, 16h, Marta Zabaleta e Miguel Borges Coelho, pianos, em Visions de l’Amen, de Olivier Messiaen. Sala quase cheia.

As visões do místico e católico Olivier Messiaen para dois pianos são pequenas obras primas de metafísica.

Os pianistas tocaram de forma plenamente conseguida, com uma coesão estilística e dando o sentido do sublime que há nesta obra. Densos e dramáticos nas sonoridades que explorara as ressonâncias e os harmónicos dos pianos, atingiram a perfeição no “Amen do desejo”, no “Amen do Juízo final” e no “Amen da consumação”.

Apenas a sala desadequada ao som majestoso dos dois pianos de concerto, com um pé-direito baixíssimo e muito acanhada, destruiu a fruição do concerto. É miserável dar aos pianistas e ao público semelhantes condições.

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3. Quarteto Prazak

E este quarteto checo tocou a Suite lírica de Alban Berg e “Cartas íntimas”, o quarteto de cordas nº 2 de Janácek.

Este quarteto é um pouco rústico na sua sonoridade mas é capaz de momentos de grande transcendência e paixão na sua abordagem vigorosa da interpretação.

Na Suite Lírica destaco os brilhantes allegro misterioso e o presto delirando, verdadeiros ícones da produção do compositor e tocados de forma notável pelo quarteto.

Já o quarteto de Janácek teve o constante problema da desafinação do primeiro violino, o que deu algum ácido ao andamento final. Provavelmente calor excessivo na sala e cansaço contribuíram para este lado menos bom. No entanto no moderato, terceiro andamento, atingiu-se a paixão e sentiu-se o profundo amor de Janácek.

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4. Orquestra Sinfónica Metropolitana

Erich Korngold, concerto para violino op. 35, Kurt Weill, Suite da Ópera dos Três Vinténs para orquestra de sopros. Solista em violino: Jack Liebeck, maestro Cesário Costa. Sala meia.

Um solista com um belíssimo som e um grande lirismo, sem cair no mau gosto no ultra-romântico concerto de Korngold. Bom acompanhamento da orquestra, com boa definição de planos sonoros e de cores, pelo maestro Cesário Costa.

Seguiu-se uma interessante suite de Weill, belíssima música tocada com interesse e muito cuidado pela orquestra onde brilharam clarinetes e saxofones e onde todos os músicos estiveram bem. Não é propriamente uma linguagem fácil, a do modernismo erudito com laivos do cabaré. O seu balanço muito especial foi sendo encontrado ao longo do concerto.

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5. Quarteto Brodsky

Andamento para quarteto de Webern, 1905, três peças para quarteto de cordas de Stravinsky e quarteto de Ravel. Sala quase cheia.

Sonoridade grosseira, excesso de som e vibrato agressivo do primeiro violino. Falta de refinamento em Ravel e virtuosismo fácil foram a tónica deste concerto, em que escapou um pouco o andamento lento de Ravel. As notas foram tocadas, os tempos eram os certos mas foi faltando a este quarteto um primeiro violino que se fundisse no grupo. Quando isto acontece está tudo dito, em vez de um quarteto temos um trio mais um.

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o - Mau, * - sofrível, ** - interessante, *** - bom, **** - muito bom, ***** - excepcional.

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17.4.11

Dias da música - Portugueses 

Curiosamente o melhor que escutei este ano veio de intérpretes portugueses. É certo que apenas escutei cinco concertos e que hoje estou cuidar do jardim durante o dia e sem paciência para me encafuar em salas escuras a apanhar overdoses de música, poca sed matura. Logo à noite a Gulbenkian espera por mim... Amanhã uma Paixão Segundo S. João preparará o resto da quaresma até à Sexta-Feira Santa com o seu encanto mágico de Bach a Wagner.

A crítica aos conco concertos sairá neste blog dentro de uma semana, depois de sair na terça feira no jornal.

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16.4.11

Nota sobre concerto de abertura dos dias da música 

Veio ao CCB, para os dias da música e em tempo de grave crise, uma orquestra completa de Brno. Infelizmente o resultado no concerto de abertura foi fraco.
A orquestra até tem boa fama local, na República Checa, mas a forma como se apresentou foi a roçar o lamentável.
Penso que a direcção do CCB deve indicar à direcção da formação checa que está muito insatisfeita com os resultados e que isso deve ser comunicado aos músicos, de forma a que não tenham um comportamento menos profissional nos concertos que se seguem.

Portugal não pode ser visto como uma colónia de férias paga com dinheiro do FMI em que se dão umas notas esborrachadas e se bebem uns copos e se apanha sol e já está!... o público português merece ainda respeito.

Isto mesmo que o público não se dê ao respeito e aplauda com bravos e de pé quem esteve a gozar com o pagode durante hora e meia.

Escapou Jorge Moyano que esteve ao seu melhor nível numa brilhante rapsódia em Blue de Gershwin.

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10.3.11

Sofia – A Hora da Alma 

Henrique Silveira – crítico

Sofia Gubaidolina, a grande compositora russa nascida em 1931 na cidade tártara de Chistopol, esteve em Lisboa. O programa da sua visita foi preparado por Filipe Pinto Ribeiro, pianista que estudou em Moscovo e profundo conhecedor da música russa fundador do Schostakovich Ensemble, e incluiu quatro concertos, a projecção de um documentário e um encontro com a compositora.
Todos estes eventos tiveram lugar no Centro Cultural de Belém. Em particular assistimos ao “... Para Gubaidulina” um concerto de câmara no dia 9 de Fevereiro no Pequeno Auditório esgotado. Escutámos o Schostakovich Ensemble nas seis bagatelas de Webern, tocadas com precisão e alma.
Já o quinteto de Schostakovich op. 57, teve uma interpretação muito vigorosa, talvez excessivamente pesada, sobretudo no som das cordas, por vezes em desequilíbrio numa tentativa de puxar pelo som, um pouco dentro da escola russa actual de cordas. Penso que teria sido mais interessante uma leitura mais irónica e menos densa.
O prato forte, porque todos esperavamos, era a segunda parte do concerto com abras da compositora russa. Depois do notável exercício sobre a última fuga de Bach, excelente tocada, mais uma vez com precisão e alma, tivemos uma notabilíssima execução do “funânbulo” para piano e violino. Tatiana Samouil esteve notável no violino e Filipe Pinto Ribeiro foi magistral na forma como criou sonoridades sombrias e misteriosas com um copo de água a roçar a cordas do piano e na forma como tocou o final da obra ao teclado. A incisão e o lado obsessivo do violino, estranhamente evocativo, lembraram um quadro de Chagall, simplesmente notável a obra e a execução.
A obra mais exigente veio finalmente com a presença de sete violoncelos em palco, um solista: Nicolas Alstaedt, membro do Schostakovich ensemble e seis convidados: V. Bartikian, R. Reis, J. Lake, T. V. Pereira e M. Kiska. A própria compositora e Filipe Pinto Ribeiro tocaram aquafones, instrumentos com varetas de metal e um ressoador com água accionados por arcos. Faltou precisão aos tutti dos violoncelos mas percebeu-se a notável e etérea construção de Gubaidolina onde o tema do Dies Irae se vai insinuando de forma persistente até à dissolução final. Apesar de algumas pequenas falhas um excelente concerto. Público em delírio. Foi a Hora da Alma.
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Vésperas de Monteverdi no CCB 

Henrique Silveira - crítico

Depois de em 2008 Marco Mencoboni nos ter apresentado umas Vésperas de Monteverdi (1567-1643) na Sé Patriarcal de Lisboa, esta obra rara surge em duas versões diferentes com uma semana de intervalo. É caso para dizer que não há fome que não dê em fartura. Neste caso tivemos Claudio Cavina com a sua “La Venexiana” no grande auditório do Centro Cultural de Belém em Lisboa, a 8 de Dezembro, isto após a interpretação da semana passada na Gulbenkian.
Editadas em 1610, serviam para a celebração da liturgia das Vésperas de Nossa Senhora, incluindo os Salmos habituais da liturgia mariana e ainda “concertos” que Monteverdi intercalou na liturgia habitual com excertos dos Cânticos dos Cânticos e de Isaias, integrando ainda uma sonata sobre o “cantus firmus” Sancta Maria ora pro nobis e culminando num dos dois possíveis Magnificat que escreveu para esta obra. Se nos salmos e Magnificat é geralmente jocundo e jubilatório, nas outras secções é subtil e intimista. Uma obra destinada a impressioar o Papa feita por um Monteverdi de saída da Mântua dos Gonzagas e em demanda de um novo posto. Uma colecção do melhor que teria composto, no capítulo religioso, até então. Infelizmente o Papa não acusou a recepção da obra e Monteverdi acabou por ir para Veneza onde teve um tratamento à altura do seu génio.
Foi esta dualidade que Claudio Cavina, que foi um excelente contratenor mas cuja voz dá sinais evidentes de consaço, não conseguiu atingir. Procurou em demasia o madrigalismo a que está ligado pelo seu currículo mesmo quando a obra exige mais força vital e, sobretudo, uma retórica de pergunta e resposta, de diálogos e de ressonâncias ligadas aos lugar onde a obra foi criada, a Basílica de Santa Bárbara em Mântua, com a disposição de diversas tribunas, para além da do órgão, onde se poderiam alojar quatro dispositivos corais e instrumentais.
Acabou por ser uma interpretação frouxa e monocórdica e onde a superficialidade da leitura de Cavina nunca conseguiu atingir o âmago da partitura. Os responsórios em canto gregoriano foram pouco impressivos e a sua interpretação instável, mas valia a sua eliminação por não adiantarem nada a uma interpretação sem sentido litúrgico. Mais uma vez se procurou uma ideia de “suposta perfeição” intimista mas onde se falhou na direcção pouco consistente de Cavina que acabou por levar a uma sucessão de lugares comuns pouco ensaiados e de fraca coesão musical. Salvou-se a música belíssima do mestre italiano.
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14.9.07

Responsabilidade 

Fui ontem assistir a um concerto de uma jovem orquestra, a Orquestra de Câmara Portuguesa, dirigida por Pedro Carneiro.

Muitas orquestras começaram assim, uma reunião de jovens estudantes cheios de entusiasmo que desde muito cedo se reuniram para fazer música. Não conheço a orgânica da orquestra, nem o seu estatuto jurídico, mas a sua génese lembra-me a associação livre de jovens que produziu a Akademie für Alte Musik de Berlim. O Quarteto Lindsay é outro exemplo de excelência da reunião de jovens que depois prosseguiram carreiras de alto nível por longuíssimo tempo.

Tenho de dar os meus parabéns à nova orquestra, aos seus membros, ao CCB que deu esta oportunidade a estes músicos, cumprindo na plenitude o serviço público, produzindo cultura, dando condições a novos intérpretes, e servindo esse produto ao público em condições máximas de dignidade. Dou por fim ao autor da ideia, Pedro Carneiro, os parabéns, foi capaz de iniciar algo num país onde todos invejam e suspeitam dos que têm ideias e as concretizam. Bem haja ao Pedro Carneiro que fez aquilo que nem privados, nem Estado souberam fazer. Felizmente há gente que ainda acredita.

Era para mim um acto de responsabilidade assistir a este concerto. Os jovens merecem audiência, e merecem crítica. É o que farei neste espaço e posteriormente na rádio.

Será que se pode fazer crítica a uma orquestra de jovens, tal como se faz a uma formação já constituída e sedimentada pelo tempo e pela história?
Existem duas visões, a de que aos jovens tudo se deve perdoar, tudo deve servir para incentivar e, por outro lado, a visão estrita de que a partir do momento em que uma formação se apresenta em concerto público, cobrando bilhetes, num local prestigiado e a abrir uma temporada, após um excelente trabalho de divulgação e promoção, terá de ser submetida a um escrutínio rigoroso, ouvindo apenas o som como se tratasse de outra qualquer formação.

Creio que a primeira filosofia é absolutamente errada, tudo perdoar, tudo incentivar, é ser paternalista, é ser acéfalo, penso que essa visão pode contribuir para visões narcísicas de omnipotência que depois de confrontadas com a realidade nua e crua só levam à desilução e desmotivação. Não será a atitude certa e é prejudicial aos próprios jovens.

Por outro lado ser exegeta leva, por outro lado, à incapacidade de tolerar erros normais próprios de uma formação nova constituída por jovens a quem se negaram oportunidades anteriormente, cheios de entusiasmo e de dedicação, num país tão falho de iniciativa.

A responsabilidade do crítico é ser equilibrado e manter uma posição tolerante mas pedagógica. É nesse contexto que depois do concerto de ontem tenho algumas propostas críticas à orquestra.

Programa:
Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791)
Abertura “Der Schauspieldirektor“, KV 486

Franz Schubert (1797-1828)
Sinfonia n.º 6 em Dó Maior, D 589
I. Adagio - Allegro
II. Andante
III. Scherzo (Presto)
IV. Allegro Moderato

Igor Stravinski (1882-1971): “Pulcinella”, Suite de Ballet
I. Sinfonia (Abertura)
II. Serenata
III. Scherzino - Allegro - Andantino
IV. Tarantella
V. Toccata
VI. Gavotta con due Variazioni
VII. Vivo
VIII. Minuetto
IX. Finale

Gostei da abertura do "empresário" de Mozart. Estilisticamente gostaria de menos vibrato nos violinos e de mais peso nos graves, mas a interpretação cheia de entusiasmo e de musicalidade compensou largamente alguns erros de detalhe (notas erradas, pequenas desafinações, entradas disjuntas). Notou-se um trabalho muito rigoroso na construção do movimento, no gesto da arcada, penso que o contrabaixista da Gulbenkian Erlich Oliva terá tido aqui um papel importante como ensaiador das cordas. Foi um aspecto bem cuidado mas que terá de ser consolidado no futuro.

O programa foi exigente, a sinfonia no. 6 de Schubert foi escrita contra o estilo do compositor e claramente inspirada em Rossini. Contém em si detalhes muito complexos de execução de conjunto. A obra é desigual. Creio que faltou dar a esta obra uma visão de conjunto (que requere uma leitura musical muito profunda apesar da sua aparente simplicidade) e, sobretudo, notou-se falta de convicção no último andamento, demasiado arrastado, o moderado do allegro final, foi mais arrastado do que moderato. Allegro moderato não significa andante ou mesmo allegretto, significa que não se deve exagerar na velocidade do Allegro. Ao tocar de forma arrastada e empastelada este andamento Pedro Carneiro perdeu, no meu entender, a substância orgânica da sinfonia. Erros menores em entradas no Scherzo não retiraram brilho a estas páginas cheia de vigor, no entanto o trio pecou por demasiado constratante em termos de tempo, ganharia brilho e cor se fosse tocado apenas um pouco mais lento do que o início do scherzo. Faltou, no meu entender, uma visão de conjunto.
Pedro Carneiro como maestro esteve tecnicamente em cima do assunto, demonstrou que conhecia as partituras, provou ser músico.
Creio que ainda lhe falta técnica de direcção e isso foi óbvio na utilização do braço esquerdo, demasiado parado e contraído nas instruções que dava.
Apreciei de forma muito significativa a sonoridade expressiva do primeiro clarinete e o entusiasmo dos músicos, concentrados e profissionais.

A suite de Stravinsky é muito delicada no balanço orquestral, aqui a nova OCP esteve de novo, e numa apreciação global, bem. Os solos foram executados com técnica e poesia, destaco: violoncelo, viola, violino, flauta, oboé, fagote, trombone, contrabaixo de cordas, trompete. As trompas podem ainda crescer, o instrumento é de grande dificuldade e creio que tanto em termos de sonoridade como em termos técnicos subirão de forma com o tempo.
A suite é uma obra mais complexa e delicada no jogo orquestral do que a sinfonia de Schubert, mas acaba por ser mais simples de interpretar na sua sequência de quadros de dança que exigem sobretudo sentido de humor, capacidade de tocar em conjunto e alguma expressividade. Apenas no minuetto notei algum arrastamento excessivo. A sonoridade da orquestra é coerente e nota-se um profundo trabalho de ensaio. Pedro Carneiro esteve mais à vontade como director, deu entradas na medida certa, marcou o ritmo de forma rigorosa mas continuei a notar uma certa tendência para deixar amolecer a obra. A suite de bailado Pulcinella necessita de muita incisão e de propulsão, foi neste ponto que este concerto me deixa mais insatisfeito.

O balanço é francamente bom, mas antes de Pedro Carneiro querer dirigir muitas mais vezes "a sua" orquestra, seria extremamente produtivo, pois o material de base é muito sensível a ideias novas e capaz de uma progressão muito rápida, convidar alguns directores de alto nível internacional para moldar o som da orquestra, para trabalhar com os jovens músicos como se cada concerto fosse uma nova etapa de progressão e de evolução em direcção à excelência, isto será também extremamente útil para Pedro Carneiro, pois poderá ter oportunidade de trabalhar com maestros de alto nível. Não me parece particularmente útil para estes jovens terem sempre à sua frente um jovem e inexperiente maestro, mesmo tendo em conta a sua musicalidade inata. É evidente que seguir uma política deste tipo acarreta custos de investimento que não serão exagerados tendo em conta os possíveis benefícios.

Pedro Carneiro por outro lado deve optar claramente pela via que quer seguir: ser um solista de alto nível na percussão ou ser um director de orquestra a tempo inteiro. Penso que tem qualidades para ambas as coisas e já demonstrou ser um persussionista de qualidade, mas é acima de tudo um bom músico e isso é o fundamental, mas é bom fazer as coisas com os pés bem assentes. Como maestro tem ainda um longo caminho a percorrer e não me convenceu ainda da sua maturidade neste domínio.

Desejo um longo futuro a esta orquestra e ao seu director, algo que me parece bem possível.

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22.6.07

Mega Programador 


A programação do CCB tem sido muito melhor. Deve ser reconhecido esse mérito a António Taurino Mega Ferreira.

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30.1.07

Um texo de António Mega Ferreira 

Que reproduzo com a devida vénia:

FESTA DA MÚSICA 2006

"A HARMONIA DAS NAÇÕES

A EUROPA BARROCA"

21, 22 e 23 de Abril - Centro Cultural de Belém Direcção Artística René Martin

"É indiscutível que um dos problemas que se põem ao acesso do grande público à música erudita tem que ver com a “sacralização” dessa música e dos lugares onde ela habitualmente se faz. Ora, a Festa da Música propõe uma aproximação inversa: é possível fazer música em espaços diversos, de maneira informal mas rigorosa, e num ambiente de festa que acaba por contagiar toda a gente. A música – como a cultura, em geral – não é uma prova de esforço, mas uma manifestação da alegria que vai associada à criatividade. O número de “clientes” da Festa da Música tem vindo a aumentar, de ano para ano. E, como nestas coisas não há coincidências, o dos patrocinadores também. É um sinal de que a Festa está a ficar crescidinha: afinal de contas, já tem sete anos de idade…

Para esta sétima edição, René Martin, que desde o princípio é o director artístico do projecto e mais uma vez está connosco, escolheu “A Harmonia das Nações”, ou seja, uma viagem musical pela Europa barroca. Música do período que medeia entre 1600 e 1750, num programa que inclui Bach, Handel, Telemann, Purcell, Vivaldi, Carlos Seixas e Francisco António Almeida. Aqui vão estar alguns dos maiores intérpretes mundiais de música barroca, numa sucessão de oportunidades de ouvir exemplos dos diversos barrocos musicais europeus. E, além disso, é o ambiente de festa, que se estende a todo o vasto espaço do CCB, o que torna este acontecimento um momento único da oferta cultural da cidade de Lisboa, todos os anos, na Primavera.

Possivelmente porque a Festa da Música é um “bom amigo” da cidade de Lisboa e de Portugal, o “clube dos amigos” da Festa da Música tem vindo a crescer. A edição deste ano conta com dois novos patrocinadores de monta: a Câmara Municipal de Lisboa, que aceitou a nossa proposta de se tornar Parceiro Institucional da Festa, assinando para o efeito um protocolo com a duração de três anos, e assegurando assim uma parte do suporte financeiro para garantir a continuidade da Festa; e a Unicer, que contribui com um significativo patrocínio. Mas também o Metropolitano de Lisboa, a companhia de seguros Allianz, a Siemens, a Citroën, a TMN e a ANA são parceiros que, pela constância da sua presença connosco, já se tornaram “da casa”. O que este ano atingimos permite-nos, assim, dar uma boa notícia: a sustentabilidade da Festa da Música para os próximos três anos está assegurada."

António Mega Ferreira

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Experimente a Guta com o dinheiro dela 

A Experimenta design não se vai realizar. A câmara de Lisboa não tem dinheiro, 500.000€, para pagar os luxos experimentais da santanete Guta Moura Guedes. A câmara pode dar apoio logístico mas não dá notas... Num evento que chegou a estar orçamentado em 2.6 milhões de euros. A mesma câmara que não tem dinheiro para varrer as ruas, tratar dos jardins, ou para mandar cantar um cego. A mesma câmara onde a corrupção grassa a olhos vistos e o professor Carmona vai demonstrando uma incrível apatia e incompetência a toda a prova.
Finalmente é bom não haver dinheiro, é que sem dinheiro não há palhaços. Segundo a organização da Experimenta (a tal Guta e a sua empresa) vai haver um grande prejuízo. Qual? Pergunta o leitor, a resposta é simples, informa a "organização": para já o dos 500.000€ com que estávamos a contar! O dinheiro dos cidadãos é mesmo como se fosse deles não é? Não há limites para o descaramento e a falta de vergonha. E porque não fazer a coisa com os 2.1 milhões que sobram e o apoio logístico da câmara?

Entretanto a Casa da Música do Porto contratou a mesma santanete para "renovar a sua imagem", ou qualquer coisa que o valha. Casa da Música, a instituição portuense que viu o seu orçamento reforçado em 7%, ao contrário do S. Carlos e do CCB, que viram os seus orçamentos cortados numa fatia próxima dos 7%. A mesma Casa da Música que classificou o recital de Murray Perhaia nos "outros"a par da Banda Marcial de Fermentelos, e não em "piano", no seu site.
Grande Banda a de Fermentelos, que é a grande novidade deste 2007 na Casa da Música. Pelo menos deve ser muito melhor do que certas orquestras que andam por aí.
A mesma instituição, Casa da Música, que apresentou uma programação miserável, agora da autoria de Burmester, o "gestor querido de Pires de Lima", incomparavelmente inferior à realizada por Anthony Withworth Jones, anterior director artístico, para este início de 2007 e que esbanja mais uns larguíssimos milhares de euros com a tal Guta para, supostamente, animar a coisa em termos de imagem! Esta mulher deve ter algo. Uma espécie de poder oculto que não descortino: é que chamar a Guta para animar o projecto do Rem Koolhaas é obra.

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22.1.07

Wozzeck arrasador 

A ópera de Alban Berg foi levada à cena no CCB pelo Teatro Nacional de S. Carlos.
Em brevíssimas palavras:
Encenação perfeita, inteligente e sóbria de Stéphane Braunschweig.
Naipe de cantores/actores excelente, sem excepção, um pequeno erro de casting com Lefebvre, o tenor francês que fez de capitão, mas o que faltou em voz sobrou em caracterização e representação.
A Marie de Brigitte Pinter foi simplemente notável, cada vez mais a aproximar-se do registo de soprano dramático e a afastar-se do mezzo. Notável a dicção, notável o pensamento e a arte do sprechstimme, notável a facilidade de articulação de um papel que vai do mib grave ao dó# agudo, com frases que se articulam em duas oitavas e meia, caso da frase em que contempla o pedaço de espelho, escrito "molto legero" e foi realmente molto legero, a facilidade de articulação e representação de Pinter demonstram um profissionalismo e entrega seríssima ao trabalho.
Também o excelente Wozzeck de Dietrich Henschel foi notável: foi um Wozzeck frágil, atormentado, psicogicamente debilitado, com uma voz seca e áspera, no limite da voz e no limite da representação, sem exceder a fronteira da contenção necessária à verosimilhança do papel. Interpretação musical notável, encarnou Wozzeck no topo do imaginável.
Todo o elenco foi de alto nível, a representação foi muito boa. Uma nota para o texto: foi sempre dito e cantado de forma claríssima, mesmo os portugueses a italiana o checo e o francês, estiveram todos excelentes.
Sobre o elenco pouco mais há a dizer: Margita foi imperioso no tambor-Mor, Johann Werner Prein foi um excepcional Médico, um papel pequeno servido por um enorme cantor, Carlos Guilherme em Andres esteve muitíssimo bom, qualidade a que nos tem habituado desde há muito tempo e que nos deu tão bem no Nariz, Claudia Nicole Bandera foi uma Margret convincente num papel ingrato pela sua presença constante em palco quase sem cantar, Andreas Macco foi um bom Primeiro Trabalhador e Luís Rodrigues foi também um óptimo Segundo Trabalhador, finalmente o Marco Alves dos Santos foi um belíssimo "O Idiota", representando com sentido histriónico um papel como todos os outros bem difícil. Não há facilidades nesta partitura.
Os meninos do coro da Academia dos Amadores de Música foram também perfeitos com destaque para o que fez de filho de Marie.
Direcção precisa, trabalhada, sem agressividade (tão vista nesta ópera em tantas direcções e tão desnecessária) de Eliahu Inbal. Orquestra quase perfeita, apenas o interlúdio orquestral (falta de coesão nas entradas) antes do final e um solo de trompete com uma nota errada mancharam o belíssimo trabalho da orquestra na récita de sexta feira. No domingo voltou a notar-se falta de coesão na entrada da orquestra depois do harpejo da harpa no início do interlúdio orquestral, de resto esteve perfeita e ainda melhor do que na récita anterior.
Sem excessos sonoros, com subtileza, a Orquestra Sinfónica Portuguesa não parecia a formação que tem aparecido ultimamente. Solos da viola cheios de poesia e tensão, metais magníficos em geral, os trombones foram superlativos, trompas perfeitas, tubas (contando com a de palco) muitíssimo bem. De resto: violoncelo solista muito bom, oboés precisos, fagotes e contrafagote em belo plano, clarinetes incisivos, harpa, celesta, xilofone, percussão, tudo exacto e de qualidade elevadíssima. Cordas em bom plano de conjunto.
Coro fracote como sempre, mas sem destruir...

Será que sem Pinamonti no S. Carlos teremos o prazer de ouvir esta música por estes intérpretes nestas produções e a estes custos? Será que Mário Vieira de Carvalho e os mangas de alpaca do governo socialista vão ter o desplante de despedir um director desta craveira para meter um aparatchnik no lugar de Director do Teatro Nacional de Ópera?
Será que o Teatro La Fenice de Veneza vai ter como próximo director um homem despedido por políticos portugueses?
Espero que, se isso acontecer, Pinamonti tenha os maiores sucessos num palco internacional de grande categoria, como não tenho a menor dúvida que terá. Ele merece mais do que andar a mendigar esmolas a um governo que não lhe dá valor para conseguir produzir obra de qualidade a custos baixíssimos. Para felicidade dos que tiverem o prazer de ter na sua cidade, e país, um homem da estatura de Pinamonti à frente de uma Casa de Ópera.
Como sempre parece que desdenhamos do melhor para satisfazer mesquinhos caprichos de poder. Espero que me engane...



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17.1.07

Wozzeck do S. Carlos no CCB 

Não posso deixar de recomendar o Wozzeck no Centro Cultural de Belém. Estreia hoje, o maestro é de categoria mundial, o elenco é do melhor que há. O encenador tem um dos melhores currículos e é um dos homens que mais sabe de teatro e de ópera, a sua encenação do Rheingold em Aix-en-Provence foi notável, deixando o teatro viver sem o esmagar por delírios egocênctricos.

A ópera de Berg é um exercício notável baseado numa texto original de Büchner, também ele genial, sobre o Homem, as suas angústias e sofrimentos, sobre a humilhação e o poder, a traição, o desgosto e a mais pungente miséria: a miséria como metáfora da existência, metáfora agreste e ao mesmo tempo sensível, arrebatada, das relações humanas e do seu lado mais sórdido, o lado mais presente no Homem.
Não há música mais sublime que de Berg para este Teatro do Mundo. Música sagrada na sua dessacralização de um modelo, perfeita na sua construção imperfeita. Também esta uma metáfora, até nas suas formas e tonalidades, do texto teatral.
Há oitenta anos a ópera ainda não tinha morrido, renovava-se e cheia de vigor enfrentava o século XX. Infelizmente este brilho foi sol de pouca duração, poucos, depois de Berg, conseguiram obter o mesmo resultado. Como será o século XXI? Conseguirão os compositores e os dramaturgos do nosso século renovar uma comunidade (produtora/receptora) tão conservadora que ainda considera a obra de Berg como paradigma da contemporaneidade?

Sobra uma criança no final, metáfora, mais uma, de um mundo perdido, que nunca estará ao seu alcance, um rapaz de cinco anos perdido e sem raízes, um novo Wozzeck?

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