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17.4.11

Dias da música - Portugueses 

Curiosamente o melhor que escutei este ano veio de intérpretes portugueses. É certo que apenas escutei cinco concertos e que hoje estou cuidar do jardim durante o dia e sem paciência para me encafuar em salas escuras a apanhar overdoses de música, poca sed matura. Logo à noite a Gulbenkian espera por mim... Amanhã uma Paixão Segundo S. João preparará o resto da quaresma até à Sexta-Feira Santa com o seu encanto mágico de Bach a Wagner.

A crítica aos conco concertos sairá neste blog dentro de uma semana, depois de sair na terça feira no jornal.

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10.3.11

A Fúria Criadora 

Crítica a CD

Henrique Silveira – crítico

Johann Sebastian Bach – Passio Secundum Johannem, La Chapelle Rhénane com direcção de Benoit Haller. Zig Zag Territoires.
Bach chegou a Leipzig em 1723, é certo que em 1724 dirigiu a sua primeira Paixão, segundo S. João, nesta cidade. Era então um homem maduro, com 38 anos, com um domínio técnico total da sua arte e com uma fúria criativa verdadeiramente notável.
A Paixão segundo S. João terá provavelmente grande parte do seu texto da própria lavra de Bach, seguindo ainda o Evangelho de João. Bach utiliza o recitativo e os coros de forma extremamente viva para nos dar, de forma dramática, a narração da Paixão de Cristo, os coros são o retrato da multidão. Os corais (não confundir com os coros) luteranos e as árias comentam, de forma apaixonada, os eventos que se sucedem. O coro inicial é um fresco notável da Fé de Bach na persistência do Sol grave repetido até à exaustão pelos contrabaixos e pelo órgão gerando uma harmonia de grande complexidade que se renova sistematicamente sobre o tal sol grave, representando a renovação da Fé. O sofrimento de Cristo, os espinhos e aos pregos, são representados nas desconfortáveis notas agudas em oboés e flautas, e pelo fluxo interminável do tempo, em notas ondulantes das cordas, enquanto o coro arrasa pelos gritos de Senhor, Senhor, Nosso Senhor, o teu Nome é glorificado em todos as naçõe. Pela tua Paixão mostraste que és o verdadeiro Filho de Deus, para todos os tempos,e mesmo na maior humilhação foste glorificado!
É uma obra de amor exaltado que Benoit Haller nos traz, e é essa visão é também verdadeiramente o aspecto musical mais impressionante desta gravação que recorda a versão de 1725 com algumas árias para nós desconhecidas nas versões habituais da obra.
As vozes de Nenoit Arnoult em Jesus, Dominik Wörner em Pedro e Pilatos, Tanya Aspelmeier, Salomé Haller, Julien Freymuth, Pascal Bertin, Michael Feyfar, Philippe Froeliger e, sobretudo Julien Prégardien num evangelista tocante de uma voz colorida, jovem e rica, são jovens e vibrantes e fazem um coro de apenas oito vozes, de um brilho e uma força sem par.
A orquestra da Capela Renana com um poderoso órgão, e não um anémico positivo, enriquecida com um contrafagote e duas violas da gamba, dá uma sonoridade belíssima e cheia, com um baixo contínuo de um vigor irreprensível. O coro inicial, sobre o qual toda a obra irradia, é simplesmente arrasador na construção natural de um contraponto que serve apenas uma fianalidade: “Apenas a Glória de Deus”.
Simplesmente brilhante.
****

o - Mau, * - sofrível, ** - interessante, *** - bom, **** - excepcional

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Monteverdi e Bach na Gulbenkian 


Henrique Silveira - crítico

Começo esta nova colaboração no “O Diabo” com duas obras notáveis da história da música, realizadas recentemente nesse outro monumento da cultura portuguesa que é a Fundação Gulbenkian. Não é por acaso que começo com a temporada desta intituição, é sem dúvida a melhor temporada portuguesa e tem prestígio internacional, trazendo a este país o que melhor se faz no campo da música chamada erudita. Escrevo então sobre as Vésperas da Beata Virgem de Caudio Monteverdi, a 29 de novembro, e às Variações Goldberg de Bach, a 1 de Dezembro, ambos no grande auditório da Fundação.
O concerto de 29 contou com o agrupamento instrumental “Musica Fiata” com as vozes da “La Capella Ducale” com o inglês Roland Wilson a dirigir. Foi um concerto interessante (o pior que se pode afirmar numa crítica) em que Claudio Monteverdi foi interpretado de forma cuidada mas demasiado linear, sem exacerbar as paixões contidas na partitura. As dissonâncias e as pausas dramáticas foram sempre obliteradas “à inglesa” num estilo branco, planar, maçador. Alguns momentos de rara beleza, mais por virtude da composição do que pela interpretação, conseguiram fazer-se sentir, isso foi patente no Magnificat final. Entretanto a Sonata sobre Santa Maria foi uma catástrofe rítimica e interpretativa com destaque negativo para o segundo violino e o segundo corneto. As vozes oscilaram entre o medíocre dos segundos tenores e bom do soprano Monika Mauch.
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O concerto de dia 1 foi verdadeiramente extrordinário, András Schiff interpretou as Variações Goldberg ao piano com um sentido notável do tempo, com uma subtileza e uma qualidade tímbrica e uma sensibilidade verdadeiramente tocantes. Afirmou ainda uma qualidade técnica que apenas titubeou um pouco nas passagens em que das mãos se sobrepõem, resultantes da escrita original para um cravo com dois teclados que, no caso do piano, resultam quase impossíveis de resolver. Uma articulação de uma grande beleza e um ímpeto notável coroaram as variações 16 e 30, num plano verdadeiramente superlativo. Schiff nunca utilizou a pedaleira, utilizando apenas o teclado numa paleta quase infinita de recortes.


o - Mau, * - sofrível, ** - interessante, *** - bom, **** - excepcional

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4.6.07

Missa em Si menor 

Uma obra que me toca profundamente, Bach não recicla, não parodia, Bach constrói uma espécie de obra de vida. Os palimpsestos, riscados de novo para a missa, oriundos de obras pré-existentes, são seleccionados pela sua qualidade. Creio que nesta obra Bach fala para o futuro, realiza, por força das circunstâncias e dos momentos da sua vida, a obra conceptual, impossível de escutar e realizar no seu tempo pela dimensão, pelo facto se se ter tornado anacrónica no exacto momento em que foi acabada.
Nem o príncipe de Dresden, Augusto o Forte falecido em 1733, nem Frederico Augusto II, deram a Bach o valor que este sabia ter. Bach está desiludido, deprimido, insatisfeito com a sua condição social, recordo a célebre carta de 1730 em que fala da sua despromoção social ao deixar de ser Mestre de Capela em Cöthen para passar a ser um simples director da música de Igreja de Leipzig, Cantor de Leipzig. Em 1733 Bach sente-se humilhado pelas desconsiderações do conselho municipal. Escreve na carta dedicada a Augusto que tem sofrido, aqui e ali, ofensas várias em Leipzig. A obra é parcialmente executada em Dresden (1734) mas o príncipe Augusto II (Augusto III da Polónia), não comparece.
A obra só vem a concluir-se em 1748/9. Bach morre pouco depois.
Saiu uma nova interpretação desta missa pela Carus, não seria novidade se não fosse a "última interpretação". O Kammerchor Stuttgart e a Barockoechester Stuttgart sob a direcção de Frieder Bernius, trazem-nos uma interpretação incomensurável da obra. O elemento mais visível do trabalho de Bernius é um baixo contínuo de uma força telúrica. Uma subtileza no tratamento da articulação, uma respiração e uma dignidade absolutas. O som é perfeito. Estou siderado com esta interpretação da missa em si menor.
Os cantores são Mechthild Bach, Daniel Taylor, Marcus Ullmann e Raimond Nolte. Não consigo destacar nada nem ninguém, talvez o Chiste Eleison, talvez o Benedictus nos transportem a uma dimensão superior... O Ossana dedicado a Augusto, o credo com o seu vivificante baixo contínuo e na sua estrutura arcaica. Fragmentos de eternidade por Bach na interpretação última, igual poderá haver, melhor é impossível. Creio que a concepção da obra de Bernius dá a este disco uma força, uma dignidade, uma coerência e unidade que são ofuscantes.
Circulam espirais no universo formados pelas notas iniciais do Christe que nunca se fecham a não ser nas ondas de colcheias do contraponto do Dona Nobis Pacem. Cordeiro de Deus: Dona nobis pacem. Bach: dai-nos a Paz.

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