27.4.11
O mini mercado
Publicado originalmente no Jornal "O Diabo"
Henrique Silveira – crítico
O supermercado da música, como era chamada à Festa da Música, desapareceu. Hoje os Dias da Música no CCB passaram a ser uma espécie de minimercado. Felizmente algum do espírito manteve-se e o público continua a acorrer, em menor número do que nos velhos tempos, mas continua generoso com os artistas.
O público é um dos aspectos mais fascinantes deste evento: a acrescentar ao clássico ruído dos sacos plásticos, das tosses e das crianças aos gritos, temos agora a novidade das cavalgaduras a mandar mensagens escritas. Enfim: o trivial.
Fica a crítica à contratação de uma orquestra checa, vinda de Brno, que não mostrou ter qualidade suficiente em cotejo com as orquestras portuguesas e que terá sido um dos números mais elevados na coluna das despesas. Se a mesma tivesse sido eliminada do programa sobraria muito dinheiro para contratar mais e melhores solistas.
Passamos em revista os cinco concertos a que assistimos após selecção prévia daquilo que pensámos ser o mais interessante e de maior qualidade musical
1. Concerto de Estreia – Orquestra Filarmónica de Brno
Sexta-feira, dia 15, 21h. Paraísos artificiais de Luís de Freitas Branco, Rapsódia em Blue de George Gershwin e Sinfonia do Novo Mundo de Antonin Dvorjak. Solista em piano Jorge Moyano e direcção de Svárovský. Sala quase cheia.
A leitura do poema sinfónico de Freitas Branco foi básica, alguma cor inicial depressa se desvaneceu caindo a interpretação numa mediania que deixou a obra morrer. Uma leitura quase à primeira vista que não dignificou a orquestra.
Seguiu-se uma pesada Rapsódia em Blue com um surpreendente, pelo swing e flexibilidade, Jorge Moyano que mostrou grande musicalidade.
Finalmente uma fraca nona sinfonia de Dvorjak em que os melhores instrumentistas foram o timpaneiro e o corne inglês. Toda a orquestra fraquejou: som grosseiro nos metais, primeiro violino com vibrato caprino, clarinete rachado, trompas graves num absoluto descalabro, falta de equilíbrio e despautério sonoro, sem planos de cor, enfim uma pobre imagem do que uma orquestra checa faria com uma obra tão emblemática do seu património musical. Uma desilusão.
*
2. Concerto a dois Pianos
Sábado, dia 16, 16h, Marta Zabaleta e Miguel Borges Coelho, pianos, em Visions de l’Amen, de Olivier Messiaen. Sala quase cheia.
As visões do místico e católico Olivier Messiaen para dois pianos são pequenas obras primas de metafísica.
Os pianistas tocaram de forma plenamente conseguida, com uma coesão estilística e dando o sentido do sublime que há nesta obra. Densos e dramáticos nas sonoridades que explorara as ressonâncias e os harmónicos dos pianos, atingiram a perfeição no “Amen do desejo”, no “Amen do Juízo final” e no “Amen da consumação”.
Apenas a sala desadequada ao som majestoso dos dois pianos de concerto, com um pé-direito baixíssimo e muito acanhada, destruiu a fruição do concerto. É miserável dar aos pianistas e ao público semelhantes condições.
****
3. Quarteto Prazak
E este quarteto checo tocou a Suite lírica de Alban Berg e “Cartas íntimas”, o quarteto de cordas nº 2 de Janácek.
Este quarteto é um pouco rústico na sua sonoridade mas é capaz de momentos de grande transcendência e paixão na sua abordagem vigorosa da interpretação.
Na Suite Lírica destaco os brilhantes allegro misterioso e o presto delirando, verdadeiros ícones da produção do compositor e tocados de forma notável pelo quarteto.
Já o quarteto de Janácek teve o constante problema da desafinação do primeiro violino, o que deu algum ácido ao andamento final. Provavelmente calor excessivo na sala e cansaço contribuíram para este lado menos bom. No entanto no moderato, terceiro andamento, atingiu-se a paixão e sentiu-se o profundo amor de Janácek.
***
4. Orquestra Sinfónica Metropolitana
Erich Korngold, concerto para violino op. 35, Kurt Weill, Suite da Ópera dos Três Vinténs para orquestra de sopros. Solista em violino: Jack Liebeck, maestro Cesário Costa. Sala meia.
Um solista com um belíssimo som e um grande lirismo, sem cair no mau gosto no ultra-romântico concerto de Korngold. Bom acompanhamento da orquestra, com boa definição de planos sonoros e de cores, pelo maestro Cesário Costa.
Seguiu-se uma interessante suite de Weill, belíssima música tocada com interesse e muito cuidado pela orquestra onde brilharam clarinetes e saxofones e onde todos os músicos estiveram bem. Não é propriamente uma linguagem fácil, a do modernismo erudito com laivos do cabaré. O seu balanço muito especial foi sendo encontrado ao longo do concerto.
****
5. Quarteto Brodsky
Andamento para quarteto de Webern, 1905, três peças para quarteto de cordas de Stravinsky e quarteto de Ravel. Sala quase cheia.
Sonoridade grosseira, excesso de som e vibrato agressivo do primeiro violino. Falta de refinamento em Ravel e virtuosismo fácil foram a tónica deste concerto, em que escapou um pouco o andamento lento de Ravel. As notas foram tocadas, os tempos eram os certos mas foi faltando a este quarteto um primeiro violino que se fundisse no grupo. Quando isto acontece está tudo dito, em vez de um quarteto temos um trio mais um.
**
o - Mau, * - sofrível, ** - interessante, *** - bom, **** - muito bom, ***** - excepcional.
Henrique Silveira – crítico
O supermercado da música, como era chamada à Festa da Música, desapareceu. Hoje os Dias da Música no CCB passaram a ser uma espécie de minimercado. Felizmente algum do espírito manteve-se e o público continua a acorrer, em menor número do que nos velhos tempos, mas continua generoso com os artistas.
O público é um dos aspectos mais fascinantes deste evento: a acrescentar ao clássico ruído dos sacos plásticos, das tosses e das crianças aos gritos, temos agora a novidade das cavalgaduras a mandar mensagens escritas. Enfim: o trivial.
Fica a crítica à contratação de uma orquestra checa, vinda de Brno, que não mostrou ter qualidade suficiente em cotejo com as orquestras portuguesas e que terá sido um dos números mais elevados na coluna das despesas. Se a mesma tivesse sido eliminada do programa sobraria muito dinheiro para contratar mais e melhores solistas.
Passamos em revista os cinco concertos a que assistimos após selecção prévia daquilo que pensámos ser o mais interessante e de maior qualidade musical
1. Concerto de Estreia – Orquestra Filarmónica de Brno
Sexta-feira, dia 15, 21h. Paraísos artificiais de Luís de Freitas Branco, Rapsódia em Blue de George Gershwin e Sinfonia do Novo Mundo de Antonin Dvorjak. Solista em piano Jorge Moyano e direcção de Svárovský. Sala quase cheia.
A leitura do poema sinfónico de Freitas Branco foi básica, alguma cor inicial depressa se desvaneceu caindo a interpretação numa mediania que deixou a obra morrer. Uma leitura quase à primeira vista que não dignificou a orquestra.
Seguiu-se uma pesada Rapsódia em Blue com um surpreendente, pelo swing e flexibilidade, Jorge Moyano que mostrou grande musicalidade.
Finalmente uma fraca nona sinfonia de Dvorjak em que os melhores instrumentistas foram o timpaneiro e o corne inglês. Toda a orquestra fraquejou: som grosseiro nos metais, primeiro violino com vibrato caprino, clarinete rachado, trompas graves num absoluto descalabro, falta de equilíbrio e despautério sonoro, sem planos de cor, enfim uma pobre imagem do que uma orquestra checa faria com uma obra tão emblemática do seu património musical. Uma desilusão.
*
2. Concerto a dois Pianos
Sábado, dia 16, 16h, Marta Zabaleta e Miguel Borges Coelho, pianos, em Visions de l’Amen, de Olivier Messiaen. Sala quase cheia.
As visões do místico e católico Olivier Messiaen para dois pianos são pequenas obras primas de metafísica.
Os pianistas tocaram de forma plenamente conseguida, com uma coesão estilística e dando o sentido do sublime que há nesta obra. Densos e dramáticos nas sonoridades que explorara as ressonâncias e os harmónicos dos pianos, atingiram a perfeição no “Amen do desejo”, no “Amen do Juízo final” e no “Amen da consumação”.
Apenas a sala desadequada ao som majestoso dos dois pianos de concerto, com um pé-direito baixíssimo e muito acanhada, destruiu a fruição do concerto. É miserável dar aos pianistas e ao público semelhantes condições.
****
3. Quarteto Prazak
E este quarteto checo tocou a Suite lírica de Alban Berg e “Cartas íntimas”, o quarteto de cordas nº 2 de Janácek.
Este quarteto é um pouco rústico na sua sonoridade mas é capaz de momentos de grande transcendência e paixão na sua abordagem vigorosa da interpretação.
Na Suite Lírica destaco os brilhantes allegro misterioso e o presto delirando, verdadeiros ícones da produção do compositor e tocados de forma notável pelo quarteto.
Já o quarteto de Janácek teve o constante problema da desafinação do primeiro violino, o que deu algum ácido ao andamento final. Provavelmente calor excessivo na sala e cansaço contribuíram para este lado menos bom. No entanto no moderato, terceiro andamento, atingiu-se a paixão e sentiu-se o profundo amor de Janácek.
***
4. Orquestra Sinfónica Metropolitana
Erich Korngold, concerto para violino op. 35, Kurt Weill, Suite da Ópera dos Três Vinténs para orquestra de sopros. Solista em violino: Jack Liebeck, maestro Cesário Costa. Sala meia.
Um solista com um belíssimo som e um grande lirismo, sem cair no mau gosto no ultra-romântico concerto de Korngold. Bom acompanhamento da orquestra, com boa definição de planos sonoros e de cores, pelo maestro Cesário Costa.
Seguiu-se uma interessante suite de Weill, belíssima música tocada com interesse e muito cuidado pela orquestra onde brilharam clarinetes e saxofones e onde todos os músicos estiveram bem. Não é propriamente uma linguagem fácil, a do modernismo erudito com laivos do cabaré. O seu balanço muito especial foi sendo encontrado ao longo do concerto.
****
5. Quarteto Brodsky
Andamento para quarteto de Webern, 1905, três peças para quarteto de cordas de Stravinsky e quarteto de Ravel. Sala quase cheia.
Sonoridade grosseira, excesso de som e vibrato agressivo do primeiro violino. Falta de refinamento em Ravel e virtuosismo fácil foram a tónica deste concerto, em que escapou um pouco o andamento lento de Ravel. As notas foram tocadas, os tempos eram os certos mas foi faltando a este quarteto um primeiro violino que se fundisse no grupo. Quando isto acontece está tudo dito, em vez de um quarteto temos um trio mais um.
**
o - Mau, * - sofrível, ** - interessante, *** - bom, **** - muito bom, ***** - excepcional.
Etiquetas: CCB, Crítica, Crítica aos programadores, Crítica de Concertos, Crítica de Recitais, Dias da Música
Arquivos
- 11/03
- 03/04
- 04/04
- 05/04
- 06/04
- 07/04
- 08/04
- 09/04
- 10/04
- 11/04
- 12/04
- 01/05
- 02/05
- 03/05
- 04/05
- 05/05
- 06/05
- 07/05
- 08/05
- 09/05
- 10/05
- 11/05
- 12/05
- 01/06
- 02/06
- 03/06
- 04/06
- 05/06
- 06/06
- 07/06
- 08/06
- 09/06
- 10/06
- 11/06
- 12/06
- 01/07
- 02/07
- 03/07
- 04/07
- 05/07
- 06/07
- 07/07
- 09/07
- 10/07
- 11/07
- 12/07
- 01/08
- 02/08
- 03/08
- 04/08
- 05/08
- 06/08
- 07/08
- 09/08
- 10/08
- 12/08
- 01/09
- 02/09
- 03/09
- 04/09
- 07/09
- 11/09
- 02/10
- 03/10
- 03/11
- 04/11
- 05/11
- 06/11
- 09/12
- 05/13
- 06/13
- 07/13
- 08/13
- 09/13
- 10/13
- 11/13
- 12/13
- 01/14
- 02/14
- 03/14
- 04/14
- 05/14
- 06/14
- 07/14
- 09/14
- 01/15
- 05/15
- 09/15
- 10/15
- 03/16