6.1.07
Sequeira Costa e um Maestro
O pianista Sequeira Costa apresentou-se ontem em concerto na Fundação Gulbenkian, hoje repete pelas 21h. Jun Märkl foi o maestro que dirigiu a Orquestra Gulbenkian.
No programa:
Modest Mussorgsky, Prelúdio do 1º Acto da ópera Khovantchina.
Sergei Rachmaninov, Concerto para Piano Nº 2, em Dó menor, op.18.
Claude Debussy: Jeux, La mer.
Devo dizer que não assisti ao concerto todo, depois de Jeux de Debussy retirei-me.
A primeira impressão negativa veio do público, ruidoso, incomodativo com tosses insuportáveis e repetitivas. As primeiras notas de Mussorgsky tiveram de ser repetidas pois mal Märkl levantou a batuta um senhor de provecta idade tirou o telemóvel do bolso e desligou-o ao som de uma musiqueta irritante... Depois a coisa continuou, da segunda vez voltou a ouvir-se um telemóvel mais para trás que já não foi motivo de paragem para a orquestra.
Se isto se passava no público o mesmo acontecia na orquestra, a entrada do primeiro trompa foi um desastre. A obra de Mussorsgsky foi o paradigma do concerto, demasiado ruído nos pontos mais exaltados (e a palavra é correcta), monotonia nas passagens mais líricas. Märkl quis mostrar tudo, a tudo estava atento, o gesto era desenhado com convição e estilo, percebe-se que o maestro até tem alguma musicalidade, mas o efeito era nulo. A orquestra esteve sempre muito descoordenada nos detalhes, desequilibrada nas sonoridades, apesar de se apresentar com uma formação nominalmente correcta, sem defeito dos violoncelos (que são sistematicamente em número muito reduzido nesta formação), mas empastada e monótona na interpretação.
O que se presentia na primeira obra revelou-se no concerto de Rachmaninoff, Sequeira Costa - que deixei de escutar voluntariamente durante muitos anos - tem ainda a chama, a subtileza, a capacidade técnica, a capacidade de dar cor, que fazem dele um dos grandes pianistas do nosso tempo, vive mesmo uma segunda juventude musical, mas não tem a potência sonora, e nesse aspecto residiu o grande problema deste concerto: Märkl abusou da violência sonora, dos paroxismos, foi pastoso e atrasou, chegando ao cúmulo de andar atrás da orquestra e abafou sistematicamente o piano, foi incapaz de finèsse, de modulação do som, se Costa vinha em piano o acompanhamento era mezzo forte, se Costa estava em pianíssimo a orquestra estava em piano, se Costa estava em fortíssimo a orquestra estava fortíssimo com quatro ffff.
O pianista está muito confortável na obra, foi praticamente irrepreensível na técnica, mas qualquer hipótese de lirismo, de trabalho de casa bem feito para trazer ao palco fica irremediavelmente comprometido por este excesso por parte do maestro que se esquece que o concerto é para piano e orquestra e não para maestro e abafador de pianos... Todo o fraseado é estropeado, toda a articulação fragmentária e imperceptível. Depois a concepção da obra, já de si algo desconexa, foi altamente fragmentária, sem ligação entre as diversas secções com interrupções (sobretudo no terceiro andamento) violentas das baterias e metais que de tempos a tempos vinham berrar qualquer coisa. Sequeira Costa fez o possível, que seria certamente excelente noutras condições, pois objectivamente o seu pianismo foi de alta qualidade nos pontos mais delicados tecnicamente e no segundo andamento onde alguns intrumentos da orquestra também brilharam, com particular destaque para o clarinete. Gostei também muito do naipe de fagotes. A impressão que ficou foi de arrastamento, pouco brilho, interpretação murcha.
E se isso se via nos compositores anteriores os Jeux de Debussy foram um descalabro, monotonia absoluta, orquestra pouco exacta, instrumentos a entrarem de forma muito imprecisa, falta de confiança no maestro por parte dos instrumentistas, ritmo descoordenado, maestro a dar o máximo a tentar dominar tudo, perdendo-se nos detalhes, que acabavam por sair contraídos e esquecendo a construção global da obra. Falta de equilíbrio sonoro. Arrastamento, falta de brilho sonoro e de elegância no som. Sobraram os gestos elegantes de Märkl e algumes belas sonoridades dos instrumentistas da Gulbenkian.
Um concerto destruído por um maestro que até poderia ser bom se não tentasse ser óptimo sem o conseguir e acabando francamente na nota negativa.
Não consegui resistir e saí para ir jantar, ouvir Debussy assim era demais para um estomago e uma alma atormentada. La Mer é um dos mais belos poemas que alguma vez se escreveram e há coisas que nunca melhoram, depois de todo um concerto a assassinar compositores variados eu não tinha estômago para mais, acabei num restaurante a celebrar La Mer em frente de um óptimo linguado: um fruto bem mais delicado do que todos os maneirismos de Märkl.
No programa:
Modest Mussorgsky, Prelúdio do 1º Acto da ópera Khovantchina.
Sergei Rachmaninov, Concerto para Piano Nº 2, em Dó menor, op.18.
Claude Debussy: Jeux, La mer.
Devo dizer que não assisti ao concerto todo, depois de Jeux de Debussy retirei-me.
A primeira impressão negativa veio do público, ruidoso, incomodativo com tosses insuportáveis e repetitivas. As primeiras notas de Mussorgsky tiveram de ser repetidas pois mal Märkl levantou a batuta um senhor de provecta idade tirou o telemóvel do bolso e desligou-o ao som de uma musiqueta irritante... Depois a coisa continuou, da segunda vez voltou a ouvir-se um telemóvel mais para trás que já não foi motivo de paragem para a orquestra.
Se isto se passava no público o mesmo acontecia na orquestra, a entrada do primeiro trompa foi um desastre. A obra de Mussorsgsky foi o paradigma do concerto, demasiado ruído nos pontos mais exaltados (e a palavra é correcta), monotonia nas passagens mais líricas. Märkl quis mostrar tudo, a tudo estava atento, o gesto era desenhado com convição e estilo, percebe-se que o maestro até tem alguma musicalidade, mas o efeito era nulo. A orquestra esteve sempre muito descoordenada nos detalhes, desequilibrada nas sonoridades, apesar de se apresentar com uma formação nominalmente correcta, sem defeito dos violoncelos (que são sistematicamente em número muito reduzido nesta formação), mas empastada e monótona na interpretação.
O que se presentia na primeira obra revelou-se no concerto de Rachmaninoff, Sequeira Costa - que deixei de escutar voluntariamente durante muitos anos - tem ainda a chama, a subtileza, a capacidade técnica, a capacidade de dar cor, que fazem dele um dos grandes pianistas do nosso tempo, vive mesmo uma segunda juventude musical, mas não tem a potência sonora, e nesse aspecto residiu o grande problema deste concerto: Märkl abusou da violência sonora, dos paroxismos, foi pastoso e atrasou, chegando ao cúmulo de andar atrás da orquestra e abafou sistematicamente o piano, foi incapaz de finèsse, de modulação do som, se Costa vinha em piano o acompanhamento era mezzo forte, se Costa estava em pianíssimo a orquestra estava em piano, se Costa estava em fortíssimo a orquestra estava fortíssimo com quatro ffff.
O pianista está muito confortável na obra, foi praticamente irrepreensível na técnica, mas qualquer hipótese de lirismo, de trabalho de casa bem feito para trazer ao palco fica irremediavelmente comprometido por este excesso por parte do maestro que se esquece que o concerto é para piano e orquestra e não para maestro e abafador de pianos... Todo o fraseado é estropeado, toda a articulação fragmentária e imperceptível. Depois a concepção da obra, já de si algo desconexa, foi altamente fragmentária, sem ligação entre as diversas secções com interrupções (sobretudo no terceiro andamento) violentas das baterias e metais que de tempos a tempos vinham berrar qualquer coisa. Sequeira Costa fez o possível, que seria certamente excelente noutras condições, pois objectivamente o seu pianismo foi de alta qualidade nos pontos mais delicados tecnicamente e no segundo andamento onde alguns intrumentos da orquestra também brilharam, com particular destaque para o clarinete. Gostei também muito do naipe de fagotes. A impressão que ficou foi de arrastamento, pouco brilho, interpretação murcha.
E se isso se via nos compositores anteriores os Jeux de Debussy foram um descalabro, monotonia absoluta, orquestra pouco exacta, instrumentos a entrarem de forma muito imprecisa, falta de confiança no maestro por parte dos instrumentistas, ritmo descoordenado, maestro a dar o máximo a tentar dominar tudo, perdendo-se nos detalhes, que acabavam por sair contraídos e esquecendo a construção global da obra. Falta de equilíbrio sonoro. Arrastamento, falta de brilho sonoro e de elegância no som. Sobraram os gestos elegantes de Märkl e algumes belas sonoridades dos instrumentistas da Gulbenkian.
Um concerto destruído por um maestro que até poderia ser bom se não tentasse ser óptimo sem o conseguir e acabando francamente na nota negativa.
Não consegui resistir e saí para ir jantar, ouvir Debussy assim era demais para um estomago e uma alma atormentada. La Mer é um dos mais belos poemas que alguma vez se escreveram e há coisas que nunca melhoram, depois de todo um concerto a assassinar compositores variados eu não tinha estômago para mais, acabei num restaurante a celebrar La Mer em frente de um óptimo linguado: um fruto bem mais delicado do que todos os maneirismos de Märkl.
Etiquetas: Crítica de Concertos, Gulbenkian, Jun Märkl, Sequeira Costa
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