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28.3.09

Poesia de Tomás de Oliveira Marques 


“Por tua culpa” (in ostinato)



Por tua culpa
Tomo a música
No espírito em sangue
E voo prostrado.
................................................................................................................

Por tua culpa
Dói a valer
O que é secreto
Na voz do Silêncio
Ao ser cantado.

Por tua culpa
A noite é mais funda
No tormento que faz
Perder o cuidado.

Por tua culpa
Olho para trás
Em busca das chaves
Do tempo perdido
(E não as encontro),
Sei-me cercado.

Por tua culpa
Não abro a boca
Com medo de calar
O Silêncio clamado.

Por tua culpa,
Se fundo cantas
As dores do mundo,
Da turba surda
Sinto-me culpado.

Por tua culpa
O facies doloroso
Da música profunda
É obnubilado.

Por tua culpa
Pela voz primordial
Como o pão e o vinho
E Sede de Infinito
Arfo acossado.

Por tua culpa
A Terra agora
Já não é redonda
Nem roda constante,
Dilui-se densa
Do coração humano
Ao firmamento,
Onde canta o indizível
Crucificado.


07/03/2009
Tomás de Oliveira Marques



Nota: Dedicado a Maria Cristina Kiehr, pelo seu admirável e dionisíaco percurso no mundo da Música Antiga e, em particular, pela poderosa abordagem à ária “Scherza infida”, de Handel, lado a lado com o Divino Sospiro, dirigido por Chiara Banchini, no CCB/Lisboa, em 07/03/2009.

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28.2.09

Poesia de Tomás de Oliveira Marques 

MFA

(4 esquissos sobre masculino/feminino/angelogonia)





I.


Do homem e da mulher
Das diferenças a haver
O Diabo foi-se, já não se vem:
Seja o que Deus quiser.



II.


O que é o amor do homem
Para a mulher e vice-versa?

Para ele, é passar a pata
Ao que nela há de longilíneo:
O tensor de fáscia lata.

Para ela, que continue
O parceiro sobretudo primata.

Assim é o amor prazenteiro.



III.


Da igualdade tomada in vitro
Na dicotomia homem/mulher
Para o Diabo é já igual ao litro:
Seja o que Deus quiser.




IV.


Busco a fêmea
Insinuante da promessa
Enquanto macho
Tíbio na efectivação.

Digam lá
Deste meu desígnio,
É frouxo ou ígneo? ,
E no que dá
O que é sabido
Carcomido
D’antemão.



Nota: na glosa do meu velho artigo sobre trovadores, datado de 1992, onde caracterizo a democracia como o péssimo convívio entre a fêmea insinuante da promessa e o macho tíbio da efectivação.





25/02/2009
Tomás de Oliveira Marques




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20.2.09

Poesia de Tomás de Oliveira Marques 

PH

(procriação e homofobia)



Risquemos então um fósforo
para se rever na História
homos e procriação:
Goebbels fez seis filhos
num buraco soterrado
com veneno os amou;
Michelangelo nem um só,
nem um doou à multidão.
Goebbels pariu Auschwitz
pela Besta fecundado;
Michelangelo a Sistina
David e a Pietà
em auto-superação.

Decididamente, sou
a favor da castração
do ego desabrido
que se multiplica malsão
e contra o casamento
do nazi danado
com um mestre da Criação.



17/02/2009
Tomás de Oliveira Marques



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19.2.09

Poesia de Tomás de Oliveira Marques III 

PC

(pão e circo)


Palhaço, o 1º Ministro?
Bem, a haver circo,
Então somos nós, “todos”,
Quem arma a tenda
Quem paga bilhete
Quem apupa entre palmas
Enfim, quem salta trampolins
Ao sabor do chicote
(sabem de quem?)
Que vem de antanho
E só há-de parar talvez
Daqui a mil anos.


P.S.: com que então palhaço!
o chip para os carros
pode ser tudo
menos uma palhaçada.


15/02/2009
Tomás de Oliveira Marques



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9.2.09

Poesia de Tomás de Oliveira Marques 

Recebi por email mais uma séries de poemas do meu amigo Tomás de Oliveira Marques. Parece que é desta que se prepara um livro que já fazia falta. E mais uma vez publico com prazer o material recebido.


PPL
(para a próxima legislatura)


I. “Que a Verdade não seja mentira”

Em prol do casamento
Entre almas (e corpos!) do mesmo sexo
Tomemos exemplar o caso
Da mentira e da verdade,
Lésbicas desde os primórdios,
Delas nem uma só ponta
De tédio a tolher a relação.

Animais milenares
Nos braços um do outro
Hão-de, desde já aposto,
Até ao final dos tempos
Dar-se terrivelmente bem.

Mentira e Verdade,
Com linhagem desmedida
Desde o Verbo até ao fim
Dos séculos e dos séculos. Ámen.
..............................................................................................................................

Verdade e Mentira,
Duas fêmeas insondáveis
Pela masculinidade
Do que as diferencia,
Tão difícil de dissecar,
À noite a porem à roda
A cabeça do filósofo
Sem deixarem de afiar
As facas da Teologia.

Mentira e Verdade,
Ambas fora do alcance
Da fina antropologia:
Frígidas no seio da Moral
Sensuais diante da Razão
Furtivas a qualquer medida,
Casadas havemos julgá-las
De facto, de corpo e alma,
Pela e para toda a vida.






II. “PSSU”


Pelo Santo Sexo Único
Deixemo-nos de vãs unções:
A dignidade, a haver,
Faz na mente o seu ninho
Ao sabor amargo dos tempos,
Não em vulvas, falos e c......

Deus não tem sexo
E o Diabo também não.
Era bom que Igreja, “Nobreza”
E Povo de vez deixassem
De colmatar a existência chata
Só com vulvas, falos e c......

Deixemos portanto em paz
Sem se querer ordenar
O Caos que jaz aos trambolhões:
Quando for grande hei-de deixar
Aos mortais conselhos isentos
De vulvas, falos e c......





III. “Marinheiro de mar alto”

Para se poder chegar
A salvo a porto livre
É preciso mesmo pagar
Depois um preço alto
A quem baixo alvitre.



IV. “Lavrador de lágrimas”

Lavrador de lágrimas
Perdidas no rosto
Da turba a sofrer,

Depois de bem secá-las
De enxada enxuta
Volta a casa o Poder.


V. “3 haiku de marcenaria”

Vai pró céu depois
De aplainar infernos
A Mão do Poder
***
É-se no Poder
Pagador de promessas
Para esquecer.
***
Quem se mete com
Quem não se deve meter,
Leva!... Se bater.
(Em tributo a Jorge Coelho)


(por outras palavras)

Quem se mete com
Quem não se deve meter,
Está fodido.


VI. “3 ou 5 haikai em contínuo sobre Direitos”

O cidadão na posse
Dos seus plenos defeitos

Tem por norma exigir
Sem nada dar em troca

Tudo o que deseja.
Eis a pá do insano!

(Caro leitor)

Vê nesta parábola
A trama dos Direitos.

Ou então, se és cristão,
O Demo dos Direitos.



VII. “666”

É próprio da turba
Haja o que houver
Pedir sempre sangue.

Daí os cordeiros
Que não têm culpa
Alguma (ou terão?)

Serem os chamados
À faca no altar
Duro dos costumes.




VIII. “3 haikai em contínuo sobre o Poder”

A vida é o que dá
Pó do pó, isso mesmo,

Até deixar de haver
Ardor autofágico

Em nós, nas mil gavetas
Do armário do poder.




IX. “VINDE A MIM A INOCÊNCIA”

Esmaguei no outro dia
Entre os dedos uma formiga
Sem haver qualquer razão.

Depois, fui à loja da esquina
Fazer compras e encontrei-me
Só, reduzido a multidão.

É por estas e por outras
Que não espero mais de mim
Do que dos outros – uma desilusão!

(Atenção! O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente...
Que está cheio de si, até mais não.)


X. “2 haikai em contínuo sobreo o verbo crer”

O bisturi que trata
Na lógica do poder

Em sangue se retrata
A sós com o verbo crer.



XI. “Epílogo” (em grande, por terras de liliput)

Porventura mais
Do que verdade e mentira,
A Inocência e a Culpa,
Também lésbicas por natura,
Estão entre si ligadas
Por um elo indissolúvel,
De santa ignorância
Na perfídia do costume,
A tornar trágico
O riso escarninho
De quem bastardo se vê
Nas malhas da sua Cultura.


XII. “P.S.” (2 haiku post-scriptum)

Haja aquele
Que atire primeiro
A pedra cega

E possa ver-se
Diante do espelho
Nu, por inteiro.


02/02/2009
Tomás de Oliveira Marques





Nota: A quem interessar, haikai e haiku são formas poéticas curtas, de factura japonesa, com o intuito de sugerir uma ideia, um facto, uma impressão fugitiva, de modo a provocar no leitor/auditor uma reflexão sobre o significado profundo das palavras no poema: no haiku, composto de 3 versos com 17 sílabas (em ordenação 5,7,5, na versão mais clássica); no haikai, composto de 2 versos com 7 sílabas, cada.
Como se pode verificar, esta minha abordagem aos haikai e haiku é, como não pode deixar de ser, substancialmente ocidentalizada e, porque não dizê-lo, abusivamente livre. Não deixa, no entanto, de fazer bem ao nosso espírito atordoado pelo ruído do presente, o qual não é nada comparado com o que há-de vir.



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9.1.09

Johnny Guitar 

Haiku "Bénard vindo da Costa"

Teu Livro é cinema
da Sá da Costa à Bénard
Um café e cigarro...

"There's only two things in this world that a 'real man' needs: a cup of coffee and a good smoke."

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4.5.07

Maio Maduro Maio por Tomás de Oliveira Marques 

“MAIO MADURO MAIO”


Mise en scène do mundo a correr
para o abismo, sem a turba cuidar
do Pintor em nós estar a morrer


coerência paradoxal…!
num antro aberto em pecado
o 1º de Maio em flagrante apanhado,
precisamente, no centro comercial………………………




I. “Do Colectivo”

A pulular de galho em galho a piar
Adentro o verde rubro arvoredo
A passarada há-de sem fim dissertar
Para o boneco, bonito a pairar no ar,
O que torna sombrio seu raso enredo.

Sem dúvida que grassa frio de rachar
Na razão das leis que regem o medo
Coberto de penas a fim de poder voar
A salvo dos que atiram sempre a matar
Quem à frente lhes passa a planar ledo.

Mas como é sabido do dito milenar
«Quem tarde acorda, há-de morrer cedo»
De pouco vale o fim cantado a chorar:
O que no fundo conta é de vez acabar
Com a ilusão de se poder voar quedo.



… honi soit… languir me fault……………………………………………………….




II. “Do singular, nas trovas que (se) passam”

Acerca dos trovadores, muito em ruído se disse
E pouco se sabe do cerne dos seus amores.
Uma coisa é certa de Zeca, Ibañez, Ventadorn:
Para bem esconjurar e forte vir a terreiro
É vital pugnar pela tinta do seu tinteiro,
Não basta cantar alto a cinza dos seus ardores.




… piano, pianíssimo………………………………………………………..



III. “Da força dos factos (acerca da luz no ramo de uma oliveira)”

Diz-se do 13, o número do azar
De Maio, o mês do cio nos gatos.
O que me vale da força da superstição
É só guiar-me pela ficção dos factos.




……………………………………………………………………………………………


IV. “Interlúdio”

Um pouco de pudor, por favor
E de razão em busca dos outros
Que remam impotentes a miséria
E à dor pagam duro tributo
A soprar cego as velas içadas
Ao absurdo, que inerte navega
Sem fé e fito o mar dissoluto.

Um pouco de pudor e ardor
Deante de quem demasiado paga
Apartado de uma réstea de retorno
Em bruto que seja dos pés pesados
Que isentos do mar em si levitam
Calejados e sabidos a frio moldar
Informe, o fundo deste raso mundo.


… pela noite adentro, do 28 de Maio, em força e já……………………………………..


V. “Dos ratos”

Da humanidade, pouco ou nada
Mais há por aí além a tratar.

Ela é o que é, etérea matéria
Chã de si mesma esfaimada
Do sabor a carne
Do cheiro a queimado
De incenso enviesado
À altura da sua morada.

Ela é o que é, inventiva
Na razão de tudo querer
E não poder senão o pino fazer,
Acrobacias, ao longo das laudas
Que se arrastam incautas para o alto.

Ela é o que é, selectiva
Nos caninos longos e sedentos
Do vazio que vem do ventre
A pingar compaixão, cruel
O brilho que a moral neles esfrega
Todos os dias ao sair de casa.

Ela é o que é e não ilude
Autofágica e prenhe em similitude
Do que tende a fundo à individualidade,
A marcar passo do ardor outrora perdido
Para sempre o uníssono afogado em nada.
De braços abertos ao cenho cerrado
Ela é o que é e não mais ilude
Mesmo e sobretudo ao ser cantada.

Basta olhar o teu olhar
Conspícuo e negro
O modo de pousares a mão
No meu braço curto e dorido.

Ela é mesmo o que parece
No passo lento do fito de que carece
E disso padece ao sair à rua
Nua e por demais pintada.

Ela é o que é, vil matéria
Inventiva, selectiva, ogre que vai
E vem ao sabor do logro no labor
Cego o saber sórdido todo ao dispor
Do culto da lacuna no empenho
- De nada a valer cerzir o cenho;
E não ilude, é o que parece
Para além da voz de que carece;
Ela é o que é, poço fundo cheio
De anátemas indexados à prece
Pedra, gelo, promessas, nevoeiro
A dar forma à derradeira saída,
Por demais que se tome por leonina,
Exangue na sua condição de sendeiro.

Que a ilusão seja connosco
Tal qual a direcção dos ratos
Ao longo do barco que se afunda.


Dezembro de 2006



............ para acabar em beleza…………….




VI. “Un regalo para usted”

1, 13, 28, os números mágicos
Para em Maio se poder ganhar
Juízo e não fátuos milhões,
Que de resto ao longo dos anos
Na tola e bolsa ir-nos-ão faltar
A par do facto de já não termos …….


03/05/2007
Tomás de Oliveira Marques

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30.4.07

"NO DIVà COM SATÔ de Tomás de Oliveira Marques 

"NO DIVà COM SATÔ

Composição ditirâmbica
À vista da Torre de Belém
Com o fito mefistofélico
Dos meninos se portarem bem



I. “Mea Culpa”

Santana, pelo túnel perdoa
Ataquei-te ao mínimo cabelo.
Agora, quando saio de Lisboa,
Sinto que fui já Velho do Restelo.

Tal qual o pudico Centro de Belém
Face à barbárie apodei de Comercial,
Ao deixares o poleiro deixei por bem
O que o Mosteiro ladeia de achar mal.

Pois é, isto de ser a sério intelectual
De esquerda que para o centro corre
Tem que se lhe diga, faz rir, sobretudo
No mundo onde o siso dorme e julga mal
O jugo do qual a banalidade incorre
Em erro para afinal “acertar” em tudo.

Eis-me por fim deitado no divã
Do resto da vida a ouvir Josquin **
Preso ao medo de estar por um fio
Trocar a música que tolhe Satã
Pela de “Passa por mim no Rossio”.

** (É isso mesmo: Josquin, sec. XV, e não Chopin)

27/04/2007
Tomás de Oliveira Marques



II. “Do direito à vida”

Até Quinhentos, a mulher não existia
Não tinha alma, antes de Trento.
Depois, mesmo sem a ecografia,
Talvez por milagre, a Igreja teve tento.

Tento tolhido na estulta tentação
Dos loyolas em “cogito lingus” com o poder.
Vai daí, sopra supra a Inquisição
Foi p’rá queima o direito de viver.

Repete-se agora a triste história
Com bolor, passado meio milénio.
Há textos, ecografias, falta memória
Da treta a tratar-se por quinquénio.

Fica então o direito à vida assente
Por cálculo ou cegueira por quinquénio.
Mas, face à trela da tecnologia, o crente
Tropeça agora tal qual há meio milénio.

30/11/2006
10/02/2007
Tomás de Oliveira Marques


III. “IVG”

Crescei e multiplicai-vos
Em prol de uma prole de trela
A encher o planeta de fedelhos
Apenas para parir conselhos
Sobre isto e aquilo sem parar
De pensar no sexo a solução
Do tempo, d’abjurar e abortar
Tendo em conta na alma os pintelhos
Da subtil arte da proliferação
Perdida à partida a favor dos coelhos.

08/02/2007
10/02/2007
Tomás de Oliveira Marques



IV. “Discernimento I”

Deus existe.
Vi-O há tempos, atrás
De uma moita moído
A esconder-se condoído
Dos seus mais ferozes
Publicita-dores.

2005
Tomás de Oliveira Marques



V. “Discernimento II”

De pés juntos e sonhos
Para a frente esticados.

Na barriga, como os defuntos,
Os dedos para sempre cruzados.

Assim apontamos o futuro
Ao vê-lo de olhos fechados.

Ah, como sabe bem o chão duro
Ao batermos as asas nele deitados.

10/04/2007
Tomás de Oliveira Marques



VI. “NO DIVÃ COM SATÃ - Epílogo”

Satã, até à próxima
Hás-de de novo voltar
Dos vãos trabalhos de parto
Na senda do cerne da Dor
A este divã tuas penas partilhar
Desta vez contigo, angélico leitor.

29/04/2007
Tomás de Oliveira Marques

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24.4.07

"O Ouro do Tejo" de Tomás de Oliveira Marques 


O OURO DO TEJO


TETRALOGIA sob o triste e trôpego mote
“Lá vamos cantando e rindo”

Três nocturnos para despertar

I. “Portugal 2007-2009”

José Sócrates querem-te imolar
Por medo talvez ao que aí vem.

Do teu carácter a fundo nada sei
Mas por alto a solidez não custa imaginar.

O que eu sei destas “miudezas” são as razões
Dos talhantes não serem lá muito de fiar.


II. “Portugal 2005-2009”

José Sócrates querem-te imolar
No altar do medo ao que aí vem.

Do teu carácter a fundo pouco sei
Mas por alto a mal não fica bem julgar;
Ou melhor: por alto o que é baixo
Não habita em ti de modo larvar;
Ou melhor, ainda: por alto aposto em ti
A virtude em surdina com baton a bailar.

Pecados da juventude? Quem os não tem.
Estigma da portugalidade? Isso passa com a idade.
Seja o que for, para nós, nunca um santo a governar.

Enfim, tenho dúvidas e espreito o sexo
Das insinuações lançadas para te tramar.
O que eu sei destas “miudezas” é a razão
Do talhante não ser lá muito de fiar.


III. “Portugal 1143-2009”

Desconfio do homem sem um vício sequer
Da moral que sai à rua toda tapada.
E haja cuidado com o diabo nos que rezam
Em prol de um santinho a governar.


P.S.: Um santo a governar! Dado toda a regra parir uma excepção, já agora a RTP podia confirmar junto dos contribuintes (chamadas mais IVA, não esquecer) se, em matéria de santidade na governação ao longo dos nossos oito séculos desgovernados, a excepção foi, de facto, o santinho do Salazar:
Lisboa 12/04/2007
Tomás de Oliveira Marques



MAS OUTROS MAIS ALTOS VALORES SE LEVANTAM…

“Três Nocturnos em memória de Carlos Paredes”

I.

Pintar a fundo
O fundo que bordeja
As dores do seu país…

Foi o que fizeste, mestre
Sempre, só e sem medrar
Ao esgar no rosto latente
Dos que muito dão e nada
Hão-de cobrar às vidas servis.

Das tuas penas, quantos os “pátrios”
De lado as olharam e agora que te foste,
A eito já se prestam a bífidas loas.
De vergonha emudeço e a avalancha
Desses teus imensos dedos contraponho
Ao sonho cavo das línguas vis.


II.

Pintar a fundo o fundo
Da distância do âmago de si
Ao alheio que gera e cerca e bordeja
A dor de quem a sério ao espelho
Dos outros, dele mesmo por fim ri.


III.

Caminhar lesto para longe
Muito longe do ruído de fundo
No rosto estampado dos tempos que correm…

E levar connosco um punhado de notas
Raras, a dar voz ao Silêncio do Mundo
Algures na humanidade agachada
A música dos que O vivem e sofrem.

Lisboa 2005
Tomás de Oliveira Marques





… E VALORES MAIS ALTOS AINDA, ATÉ AO INFINITO…



“Das Sete Palavras na Cruz”


Nas Tuas Mãos os dados
Estão lançados, o grifo
Dos danos e a dolência
A fulgir do abismo,
Onde a Sede de Si
Por si consumar-se-á.

(Dedicado ao Quarteto Divino Sospiro, aquando da execução do sublime quarteto de Haydn, no CCB, em 03/04/2007)

Lisboa 03/04/2007
Tomás de Oliveira Marques



… MAS, HUMANO, DEMASIADO HUMANO,
LÁ TENHO QUE RETROCEDER AO QUOTIDIANO …


“From América with love”

Deixará um dia de ser permitido
O porte d’arma nas mentes embebido
Da fé – olaré – de poder à vontade matar.
Mas nem tudo está ainda perdido
Continuará a ser, por sorte, proibido
Nos “campus”, salões, na hora da morte fumar.


Ai Portugal, Portugal que bates às portas
Dos ricos e, andrajoso, não te importas
Desse filão o veio estar já inquinado;
Se daqui não te pões a pau e cuidado
Não tomas com o que às cegas importas
Aí sim, irás passar um mau bocado.


Lisboa, num Domingo
de Abril de 2007
Tomás de Oliveira Marques


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27.3.07

Três poemas de O'Neill 

Poema pouco original do medo

O medo vai ter tudo
pernas
ambulâncias
e o luxo blindado
de alguns automóveis
Vai ter olhos onde ninguém o veja
mãozinhas cautelosas
enredos quase inocentes
ouvidos não só nas paredes
mas também no chão
no tecto
no murmúrio dos esgotos
e talvez até (cautela!)
ouvidos nos teus ouvidos

O medo vai ter tudo
fantasmas na ópera
sessões contínuas de espiritismo
milagres
cortejos
frases corajosas
meninas exemplares
seguras casas de penhor
maliciosas casas de passe
conferências várias
congressos muitos
óptimos empregos
poemas originais
e poemas como este
projectos altamente porcos
heróis
(o medo vai ter heróis!)
costureiras reais e irreais
operários
(assim assim)
escriturários
(muitos)
intelectuais
(o que se sabe)
a tua voz talvez
talvez a minha
com a certeza a deles

Vai ter capitais
países
suspeitas como toda a gente
muitíssimos amigos
beijos
namorados esverdeados
amantes silenciosos
ardentes
e angustiados

Ah o medo vai ter tudo
tudo
(Penso no que o medo vai ter
e tenho medo
que é justamente
o que o medo quer)

O medo vai ter tudo
quase tudo
e cada um por seu caminho
havemos todos de chegar
quase todos
a ratos

Alexandre O'Neill


Perfilados de Medo

Perfilados de medo, agradecemos
o medo que nos salva da loucura.
Decisão e coragem valem menos
e a vida sem viver é mais segura.
Aventureiros já sem aventura,
perfilados de medo combatemos
irónicos fantasmas à procura
do que não fomos, do que não seremos.
Perfilados de medo, sem mais voz,
o coração nos dentes oprimido,
os loucos, os fantasmas somos nós.
Rebanho pelo medo perseguido,
já vivemos tão juntos e tão sós
que da vida perdemos o sentido...

Alexandre O'neill


Adeus Português

Nos teus olhos altamente perigosos
vigora ainda o mais rigoroso amor
a luz de ombros puros e a sombra
de uma angústia já purificada

Não tu não podias ficar presa comigo
à roda em que apodreço
apodrecemos
a esta pata ensanguentada que vacila
quase medita
e avança mugindo pelo túnel
de uma velha dor

Não podias ficar nesta cadeira
onde passo o dia burocrático
o dia-a-dia da miséria
que sobe aos olhos vem às mãos
aos sorrisos
ao amor mal soletrado
à estupidez ao desespero sem boca
ao medo perfilado
à alegria sonâmbula à vírgula maníaca
do modo funcionário de viver

Não podias ficar nesta cama comigo
em trânsito mortal até ao dia sórdido
canino
policial
até ao dia que não vem da promessa
puríssima da madrugada
mas da miséria de uma noite gerada
por um dia igual

Não podias ficar presa comigo
à pequena dor que cada um de nós
traz docemente pela mão
a esta pequena dor à portuguesa
tão mansa quase vegetal

Não tu não mereces esta cidade não mereces
esta roda de náusea em que giramos
até à idiotia
esta pequena morte
e o seu minucioso e porco ritual
esta nossa razão absurda de ser

Não tu és da cidade aventureira
da cidade onde o amor encontra as suas ruas
e o cemitério ardente
da sua morte
tu és da cidade onde vives por um fio
de puro acaso
onde morres ou vives não de asfixia
mas às mãos de uma aventura de um comércio puro
sem a moeda falsa do bem e do mal

Nesta curva tão terna e lancinante
que vai ser que já é o teu desaparecimento
digo-te adeus
e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti.

Alexandre O'Neill


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15.1.07

Novo Podcast 0005 

Texto Base do Podcast005


Em 1692 Francesco II d’Este casa com Margherita Farnese. Francesco Antonio Mamiliano Pistocchi, compositor e cantor siciliano nascido em Palermo em 1659 (e falecido em Bologna em 1726) trabalha para Ranuccio Farnese, duque de Parma e primo de Margherita.
Os esponsais têm lugar em Modena, para as celebrações, que decorrem entre Julho e Agosto, estreia-se uma ópera no teatro Fontanelli de Modena em Julho. É o L’Ingresso Alla Gioventù de Claudio Nerone de Antonio Gianettini.
Pistocchio contracena como contralto ao lado do célebre castrato Siface.
Em Agosto de 1692 é a vez de Pistocchi estrear a sua Oratória Il Martirio de Santo Adriano, também em Modena, onde também canta o papel do Santo.
É uma Oratória em duas partes, com uma sinfonia a iniciar cada uma. Prossegue numa sucessão de recitativos e árias, sendo encerrada cada uma das partes por uma peça de conjunto: um dueto e um duplo dueto cantado intercaladamente. O tema é, bem entendido, a fidelidade conjugal e a constância da fé. A Oratória esconde alguma da mais bela música que se fazia em Itália na altura, ao melhor nível de um Bononcini.
Os intérpretes, na única gravação existente, são o soprano Patrizia Vacari em Natalia mulher do Santo, o contralto masculino Alessandro Carmignani (que se tem destacado pela tentativa de utilizar um timbre mais próximo do tenoril no seu canto) no papel que Pistocchi encarnou: o de Santo Adriano, o tenor Gianluca Ferrarini no papel de Claudio, ministro da corte de Massimiano, e amigo do Santo, e finalmente o baixo Sergio Foresti encarna o Imperador Maximiano que ordena a morte de Adriano. Adriano é um oficial romano que se converteu o catolicismo e que se recusa a abandonar a sua nova fé, mesmo quando instado a fazê-lo pelo seu amigo Claudio.
A cena decorre no século III. O libreto é do Poeta Romano Silvio Stampiglia homem da Arcádia, tão em voga na Europa do seu tempo.
Dirige Francesco Baroni. Uma gravação de 2002 que já não se encontra à venda em Portugal, vá-se saber porquê, da etiqueta SYMPHONIA.

A oratória decorre entre a cela onde Santo Adriano espera o martírio e a Sala de despacho do imperador. Nesta ária Natalia, mulher do Santo, também ela secretamente cristã, dedica-lhe toda a fé e apoio na hora díficil que atravessam... mas a sua fé triunfará sobre o tirano. Numa meditação pungente sobre a natureza do amor, Pistocchi dá-nos um fino retrato psicológico do amor que une o Santo e a sua amada mulher.
Claudio chega, o amigo do Santo tenta convencê-lo a renegar, fala-lhe na força incomensurável da Liberdade, do que se pode fazer com a mesma. A Ária Libertà é um hino que Pistocchi dedica à liberdade: Oh! Liberdade, quem não te preza!

A instrumentação desta oratória é em cinco partes, com as duas partes habituais de violino, duas partes de viola, alto e tenor, e baixo contínuo, aqui ricamente executado por dois violoncelos, dois violones, lirone, órgão, cravo (onde se senta Francesco Baroni – também o director desta produção), e duas tiorbas. O compositor utiliza ricamente esta exuberante orquestração, não só nas duas sinfonias, mas também nos recitativos, intensos e líricos, que não são apenas uma seca declamação dramática, mas antes belos trechos que tendem para o arioso, que encantam quem escuta como poucos numa obra da época. Ficamos de seguida com a sequência da segunda sinfonia, recitativo entre Claudio e Adriano e ária Como un Signo Dolente, entregue ao Santo que compara a suas dores às de um cisne que enfrenta a morte. Pistocchi constrói uma ária deslumbrante, uma obra prima de contenção e dor, que ele próprio cantou na estreia em 1692. Aqui o acompanhamento foi reduzido, os violinos calam-se e deixam dois violoncelos solistas dialogar com o Santo. Como em toda a obra, Pistocchi revela-se aqui um colorista refinado.

Como chora o cisne dolente
Quando sente,
Que o seu espírito p’ra morte caminha,
Assim geme est’alma minha;
A sua dor, a minha pena é infinda,
Mas são lágrimas de diversa sorte,
Ele chora, porque a morte é vinda,
E eu choro, porque anseio a morte.

Silvio Stampiglia 1664-1725

E o texto continua no podcast0005...


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Come Lagrima il signo dolente 


Come lagrima il Signo dolente
Quando sente,
Che il suo spirto à morire s'invia,
Così geme quest'anima mia;
Il suo duol, la mia pena è infinita,
Ma à diversa è de pianti la sorte,
Egli piange, che perde la vita,
Et io piango, che bramo la morte.

Silvio Stampiglia 1664-1725
Il martirio di S. Adriano


No próximo Podcast a oratória do mesmo nome de Francesco Antonio Pistocchi com as palavras do poeta romano.

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