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9.2.09

Poesia de Tomás de Oliveira Marques 

Recebi por email mais uma séries de poemas do meu amigo Tomás de Oliveira Marques. Parece que é desta que se prepara um livro que já fazia falta. E mais uma vez publico com prazer o material recebido.


PPL
(para a próxima legislatura)


I. “Que a Verdade não seja mentira”

Em prol do casamento
Entre almas (e corpos!) do mesmo sexo
Tomemos exemplar o caso
Da mentira e da verdade,
Lésbicas desde os primórdios,
Delas nem uma só ponta
De tédio a tolher a relação.

Animais milenares
Nos braços um do outro
Hão-de, desde já aposto,
Até ao final dos tempos
Dar-se terrivelmente bem.

Mentira e Verdade,
Com linhagem desmedida
Desde o Verbo até ao fim
Dos séculos e dos séculos. Ámen.
..............................................................................................................................

Verdade e Mentira,
Duas fêmeas insondáveis
Pela masculinidade
Do que as diferencia,
Tão difícil de dissecar,
À noite a porem à roda
A cabeça do filósofo
Sem deixarem de afiar
As facas da Teologia.

Mentira e Verdade,
Ambas fora do alcance
Da fina antropologia:
Frígidas no seio da Moral
Sensuais diante da Razão
Furtivas a qualquer medida,
Casadas havemos julgá-las
De facto, de corpo e alma,
Pela e para toda a vida.






II. “PSSU”


Pelo Santo Sexo Único
Deixemo-nos de vãs unções:
A dignidade, a haver,
Faz na mente o seu ninho
Ao sabor amargo dos tempos,
Não em vulvas, falos e c......

Deus não tem sexo
E o Diabo também não.
Era bom que Igreja, “Nobreza”
E Povo de vez deixassem
De colmatar a existência chata
Só com vulvas, falos e c......

Deixemos portanto em paz
Sem se querer ordenar
O Caos que jaz aos trambolhões:
Quando for grande hei-de deixar
Aos mortais conselhos isentos
De vulvas, falos e c......





III. “Marinheiro de mar alto”

Para se poder chegar
A salvo a porto livre
É preciso mesmo pagar
Depois um preço alto
A quem baixo alvitre.



IV. “Lavrador de lágrimas”

Lavrador de lágrimas
Perdidas no rosto
Da turba a sofrer,

Depois de bem secá-las
De enxada enxuta
Volta a casa o Poder.


V. “3 haiku de marcenaria”

Vai pró céu depois
De aplainar infernos
A Mão do Poder
***
É-se no Poder
Pagador de promessas
Para esquecer.
***
Quem se mete com
Quem não se deve meter,
Leva!... Se bater.
(Em tributo a Jorge Coelho)


(por outras palavras)

Quem se mete com
Quem não se deve meter,
Está fodido.


VI. “3 ou 5 haikai em contínuo sobre Direitos”

O cidadão na posse
Dos seus plenos defeitos

Tem por norma exigir
Sem nada dar em troca

Tudo o que deseja.
Eis a pá do insano!

(Caro leitor)

Vê nesta parábola
A trama dos Direitos.

Ou então, se és cristão,
O Demo dos Direitos.



VII. “666”

É próprio da turba
Haja o que houver
Pedir sempre sangue.

Daí os cordeiros
Que não têm culpa
Alguma (ou terão?)

Serem os chamados
À faca no altar
Duro dos costumes.




VIII. “3 haikai em contínuo sobre o Poder”

A vida é o que dá
Pó do pó, isso mesmo,

Até deixar de haver
Ardor autofágico

Em nós, nas mil gavetas
Do armário do poder.




IX. “VINDE A MIM A INOCÊNCIA”

Esmaguei no outro dia
Entre os dedos uma formiga
Sem haver qualquer razão.

Depois, fui à loja da esquina
Fazer compras e encontrei-me
Só, reduzido a multidão.

É por estas e por outras
Que não espero mais de mim
Do que dos outros – uma desilusão!

(Atenção! O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente...
Que está cheio de si, até mais não.)


X. “2 haikai em contínuo sobreo o verbo crer”

O bisturi que trata
Na lógica do poder

Em sangue se retrata
A sós com o verbo crer.



XI. “Epílogo” (em grande, por terras de liliput)

Porventura mais
Do que verdade e mentira,
A Inocência e a Culpa,
Também lésbicas por natura,
Estão entre si ligadas
Por um elo indissolúvel,
De santa ignorância
Na perfídia do costume,
A tornar trágico
O riso escarninho
De quem bastardo se vê
Nas malhas da sua Cultura.


XII. “P.S.” (2 haiku post-scriptum)

Haja aquele
Que atire primeiro
A pedra cega

E possa ver-se
Diante do espelho
Nu, por inteiro.


02/02/2009
Tomás de Oliveira Marques





Nota: A quem interessar, haikai e haiku são formas poéticas curtas, de factura japonesa, com o intuito de sugerir uma ideia, um facto, uma impressão fugitiva, de modo a provocar no leitor/auditor uma reflexão sobre o significado profundo das palavras no poema: no haiku, composto de 3 versos com 17 sílabas (em ordenação 5,7,5, na versão mais clássica); no haikai, composto de 2 versos com 7 sílabas, cada.
Como se pode verificar, esta minha abordagem aos haikai e haiku é, como não pode deixar de ser, substancialmente ocidentalizada e, porque não dizê-lo, abusivamente livre. Não deixa, no entanto, de fazer bem ao nosso espírito atordoado pelo ruído do presente, o qual não é nada comparado com o que há-de vir.



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