29.3.07
Seabra volta
Concordo inteiramente com a referência ao último Wozzeck, obra prima da literatura operática, feita com grande dignidade musical por um grande director e encenada de forma subtil e profunda por um, verdadeiramente, grande encenador. Para mim este Wozzeck foi talvez a melhor realização dos anos Pinamonti, muito acima da espectacular (e pouco referida por Seabra) encenação centrada em torno do ego de Vick da primeira metade da Tetralogia; que está muitos furos furos abaixo da encenação do mesmo Vick para o Werther, outra das grandes realizações dos anos Pinamonti.
O espaço público está amordaçado pela pesada modorra política, pelo domínio dos bonzos opinativos habituais e pela estupidez e anti cultura que grassam nos chamados jornais de referência com "O Público" cada vez mais desastroso, o Diário de Notícias a degradar-se cada dia que passa com mais uma direcção e o Expresso que, apesar da espessura, dedica cada vez menos espaço à cultura. É necessário recriar novos espaços públicos e formas de reflexão crítica sobre a arte e sociedade. O Site da culturgest abre um espaço que é necessário mas muito mais tem de ser feito.
Etiquetas: Augusto M. Seabra, Culturgest, ópera, Pinamonti, S. Carlos, Stéphane Braunschweig, Vick, Wozzeck
À atenção do secretário de Estado
Aqui está uma ideia para o Sr. Hermenêutica implementar com o coro e orquestra do S. Carlos, texto na língua local, "cantora jovem" local, um modelo directamente importado da Europa de Leste, referência última neste género de "revolução cutural". Populariza-se a coisa para o povo e as crianças e os turistas vão delirar. Melhora-se a música do Verdi e torna-se a coisa mais tragável pela populaça que também vai ao futebol. O vestido da cantora vai inspirar a nova geração de estilistas portugueses que passarão a realizar a "verdadeira obra de arte total", uma hermenêutica pré-compreensão desta nova perspectiva vai libertar-nos dos velhos complexos burgueses: este é o caminho.
Genial, senhoras e senhores, o verdadeiro desígnio nacional do TNSC em perspectiva. Este tem de ser o novo conceito. Aprecie o leitor a qualidade e bom gosto destas novas ideias.
Etiquetas: Humor, S. Carlos, Schopenhauer, Sr. Hermenêutica
28.3.07
Um anão português
O Salazarito que há em ti,
Anão português em pose mundana,
É míngua de honra e cobiça de fama.
Bácoro invejoso que não ri:
Mesquinho e vil sacana
Todos abordas em pose de cama.
Foste formatado pelo teu herói
Em anos e anos de escravidão.
Julgas libertar-te da servidão
Batendo nos outros onde te dói,
Sargento hierárquico que não ama,
Tu, que apenas existes de bastão.
Não vês que és um galo capão,
Ao qual a engorda das vaidades
Te sai pelo cu em vacuidades?!
Leite de Faria - 1957
Jantar de Amizade com Paolo Pinamonti
Dos discursos de Rui Vieira Nery, Jorge Calado e Augusto Seabra, destaco obviamente o último pela análise certeira e reflexão intelectual profunda que Seabra fez da questão, simplesmente brilhante num conjunto muito interessante de discursos. Jorge Calado foi emotivo, falou dos anos de Pinamonti, falou do seu gosto pela ópera, falou das capacidades de Pinamonti, falou com a história de ir à ópera há sessenta e seis anos, também caiu um pouco no seu exagero proveniente da paixão que põe nas coisas, o que é belo mas também pode ser injusto para outros.
Rui Nery, mais como vice-presidente dos Amigos do S. Carlos e menos como antigo crítico, dissertou sobre os feitos de Pinamonti ao longo destes seis anos, elencou maestros, encenadores, obras, falou da amizade e da forma de realizar de Paolo Pinamonti, incomparável na sua capacidade de realizar e fazer com meios de grande escassez. Falou da miséria em que a cultura em geral e a ópera em particular cairam nos últimos anos e a forma como Pinamonti foi enfrentando as dificuldades crescentes cada dia que passou até à sua grosseira demissão pela tutela actual.
Finalmente Augusto M. Seabra radiografou toda a situação de forma profunda, acusou quem devia e da forma como devia, com coragem e sentido de oportunidade, sem ser agressivo ou maçador, construiu uma peça de retórica de grande qualidade que deveria ser publicada, criticou o Opart e a sua criação, dissertou sobre o não cumprimento por parte da tutela da cultura do programa de governo, analisou os motivos deste afastamento. Explicou como se faz uma substituição destas nos países civilizados, com políticos inteligentes e capazes, citanto o recente caso de Paris e a sua transição cuidada e pensada, deu pistas para acção no futuro. Inteligente e conciso Seabra surpreendeu-me pela sua análise breve e completa.
Saramago enviou mensagem de solidariedade e amizade, Jorge Sampaio fez o mesmo e lamentou não poder participar no jantar por se encontrar em África. Devido à rapidez da marcação deste jantar muitos outros não puderam estar presentes mas enviaram mensagens.
Foi um jantar de amigos, Pinamonti anunciou que continua disponível para gerir o Teatro até o final da temporada, como lhe foi pedido pela tutela muito recentemente, que antes tinha afirmado ser obrigação de Pinamonti ficar até vir o novo director (!!), para ajudar na transição e porque deve respeito ao teatro e aos portugueses. Porque acha que é o seu dever para com Portugal que o acolheu tão afectuosamente e que aprendeu a gostar: "As pessoas passam mas o teatro de S. Carlos está lá há muitos anos". Leu-nos ainda uma carta de uma jovem de 16 anos (que ele não conhece), que lhe enviou um ramo de flores, e que dizia que tinha descoberto a magia da ópera e do teatro com as produções que o italiano nos trouxe.
Comoveu e comoveu-se: Bravo Pinamonti.
Etiquetas: Augusto M. Seabra, Jorge Calado, Pinamonti, Rui Nery, S. Carlos
27.3.07
O Salazarito que há em nós
Não, não é impune o medo de viver, o medo de existir. Não é impune a cólera surda da ignorância e da humilhação nos anões do Portugal de hoje.
Os Portugueses são senhores de um poder que não existe, num país de faz de conta, fugaz alucinação de esperança logo submersa pela inveja lamacenta e viscosa. Portugal é o paraíso da inveja: senhores de uma inveja notável os portugueses afundam-se uns aos outros e a quem cai na alçada dos detentores do poder imaginário, um poder que, se usado para servir os outros, ainda poderia ter alguma utilidade mas que apenas é usado para destruir e destruir e destruir.
A grande obra de arte deste Portugal de hoje é a mesquinha incapacidade de fazer e a inveja de quem pouco faz. Portugal que, mesmo assim, vai conseguindo subsistir milagrosamente como país de pedintes choramingas em negociações internacionais. Medíocres incapazes ou corruptos cúpidos, os portugueses são o espelho da miséria mesquinha de quem os governou durante séculos, são o barro moldado pelo rotativismo, pela primeira república, pelo salazarismo e pela incompetência e corrupção democráticas. Dá cá o meu, o primeiro lema, não sei e tenho raiva a quem sabe, o segundo lema de todo o "bom português". Todo lusito age e reage, sobretudo reage, por estes bons e consagrados lemas. Quem ousa pensar, sair do esquema, está perdido, condenado.
A hierarquia vinda dos tempos do Salazar, onde vigora o princípio da não discussão das ordens dos sargentos de segunda que nos têm governado, e que vão pisando, de acordo com as suas frustações, quem pensa pela sua cabeça, é a instituição mais sagrada. Não importa se uma discussão é válida, se as ideias dos outros são boas, se os governantes têm decidido a favor do Estado e dos cidadãos ou contra. Cidadãos esses que, bem seja dito, também se estão nas tintas para a maior parte das decisões.
O que se passa em Portugal é simples, os salazaritos de terceira decidem: "fomos eleitos para isso" e "ninguém deve discutir".
Quem sabe mais dos assuntos e quer analisar, discutir, informar o público das "ordens superiores" deve antes de tudo calar o bico, senão está a pôr em causa a "hierarquia" e a "desautorizar os chefes". Não se pode mexer na ordem podre desta gente medíocre que não tem coragem de dizer o que quer, e como quer, a quem lhes paga os ordenados do dinheiro dos impostos, porque não tem coragem para explicar o nada, nem tem autoridade moral e intelectual para discutir, com argumentos válidos, o que quer que seja.
Na cultura a única autoridade, com 0.1% do PIB nas mãos, é para destruir, não existe capacidade objectiva (e subjectiva, como se tem visto) de fazer.
Paolo Pinamonti foi corrido de forma grosseira do teatro Nacional de S. Carlos, estando o italiano disponível para continuar após seis anos a provar ter altas capacidades para o cargo, apenas porque discutiu as "ordens" dos tais senhores da hierarquia. Quem o descartou lesou gravemente o Estado e os cidadãos em termos da qualidade e referência internacional mas também em termos financeiros objectivos: Pinamonti estava na sua produtividade máxima e em tempo integral em Lisboa, Dammann vem em part-time a ganhar o mesmo.
Finalmente, quem decide assim lesa-se a si próprio e não é capaz de o enxergar. Será que os especialistas na utilização da palavra "hermenêutica" serão os piores a interpretar a expressão "balde do lixo da história"?
Compreendo perfeitamente porque Salazar ganhou o concurso do Maior Português. Salazar é o grande modelo dos portugueses: uns admitem, outros imitam. Creio que são preferíveis os assumidos aos recalcados. Apesar de merecida a sua vitória (ele é o modelo de todo um país), também não deixo de incluir António de Oliveira Salazar no "Grande Balde do Lixo da História Portuguesa", tem o prémio de ter conseguido deixar o país destruído e atrasado mais de cem anos e foi, obviamente uma grande figura a fazê-lo. As figuras ainda menos meritórias de Mário Vieira de Carvalho, julgando que tudo sabe, ou Isabel Pires de Lima, que anda a leste de tudo o que não acontece num raio de três quilómetros do Bolhão, não passam de figurinhas transitórias e ficam no "pequeníssimo balde do lixo da história portuguesa". Serão notas de notas de rodapé, ficarão apenas conhecidos pelas asneiras. Serão figuras incontroversas (ao contrário de Salazar) da calinada. Quem era aquele secretário de Estado que demitiu Pinamonti, o melhor director do S. Carlos no início do século XXI?
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Três poemas de O'Neill
O medo vai ter tudo
pernas
ambulâncias
e o luxo blindado
de alguns automóveis
Vai ter olhos onde ninguém o veja
mãozinhas cautelosas
enredos quase inocentes
ouvidos não só nas paredes
mas também no chão
no tecto
no murmúrio dos esgotos
e talvez até (cautela!)
ouvidos nos teus ouvidos
O medo vai ter tudo
fantasmas na ópera
sessões contínuas de espiritismo
milagres
cortejos
frases corajosas
meninas exemplares
seguras casas de penhor
maliciosas casas de passe
conferências várias
congressos muitos
óptimos empregos
poemas originais
e poemas como este
projectos altamente porcos
heróis
(o medo vai ter heróis!)
costureiras reais e irreais
operários
(assim assim)
escriturários
(muitos)
intelectuais
(o que se sabe)
a tua voz talvez
talvez a minha
com a certeza a deles
Vai ter capitais
países
suspeitas como toda a gente
muitíssimos amigos
beijos
namorados esverdeados
amantes silenciosos
ardentes
e angustiados
Ah o medo vai ter tudo
tudo
(Penso no que o medo vai ter
e tenho medo
que é justamente
o que o medo quer)
O medo vai ter tudo
quase tudo
e cada um por seu caminho
havemos todos de chegar
quase todos
a ratos
Alexandre O'Neill
Perfilados de Medo
Perfilados de medo, agradecemos
o medo que nos salva da loucura.
Decisão e coragem valem menos
e a vida sem viver é mais segura.
Aventureiros já sem aventura,
perfilados de medo combatemos
irónicos fantasmas à procura
do que não fomos, do que não seremos.
Perfilados de medo, sem mais voz,
o coração nos dentes oprimido,
os loucos, os fantasmas somos nós.
Rebanho pelo medo perseguido,
já vivemos tão juntos e tão sós
que da vida perdemos o sentido...
Alexandre O'neill
Adeus Português
Nos teus olhos altamente perigosos
vigora ainda o mais rigoroso amor
a luz de ombros puros e a sombra
de uma angústia já purificada
Não tu não podias ficar presa comigo
à roda em que apodreço
apodrecemos
a esta pata ensanguentada que vacila
quase medita
e avança mugindo pelo túnel
de uma velha dor
Não podias ficar nesta cadeira
onde passo o dia burocrático
o dia-a-dia da miséria
que sobe aos olhos vem às mãos
aos sorrisos
ao amor mal soletrado
à estupidez ao desespero sem boca
ao medo perfilado
à alegria sonâmbula à vírgula maníaca
do modo funcionário de viver
Não podias ficar nesta cama comigo
em trânsito mortal até ao dia sórdido
canino
policial
até ao dia que não vem da promessa
puríssima da madrugada
mas da miséria de uma noite gerada
por um dia igual
Não podias ficar presa comigo
à pequena dor que cada um de nós
traz docemente pela mão
a esta pequena dor à portuguesa
tão mansa quase vegetal
Não tu não mereces esta cidade não mereces
esta roda de náusea em que giramos
até à idiotia
esta pequena morte
e o seu minucioso e porco ritual
esta nossa razão absurda de ser
Não tu és da cidade aventureira
da cidade onde o amor encontra as suas ruas
e o cemitério ardente
da sua morte
tu és da cidade onde vives por um fio
de puro acaso
onde morres ou vives não de asfixia
mas às mãos de uma aventura de um comércio puro
sem a moeda falsa do bem e do mal
Nesta curva tão terna e lancinante
que vai ser que já é o teu desaparecimento
digo-te adeus
e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti.
Alexandre O'Neill
Etiquetas: Alexandre O'Neill, Poesia
24.3.07
Um novo modelo de crítico descoberto em Lisboa
Há quem ache que "a terra tremeu" e dê cinco estrelitas, cinco, senhoras e senhores, ao Pollini, algo que só se deveria dar a recitais ou concertos excepcionais. É evidente que se cada nota esmagada fizesse tremer a terra teria mesmo sido um terramoto na Kreisleriana.
É a banalização do "fantástico", da palma de pé, do bravo e bravíssimo a torto e a direito à espera da Bagatela como extra, Bagatela que nem se refere na crítica. Aqui este vosso servidor daria três estrelas por ser o Pollini e nos merecer um enorme respeito. Não conseguiriamos dar duas porque sabemos que Pollini já fez muitíssimo mais.
Segue a crítica tonta (não sei arranjar links com o novo sistema do "O Público") para o leitor poder apreciar de forma agradável e disfrutar da hermêutica variada (a escola é indesmentível) do crítico imberbe em processo de formação e deslumbramento. Já tivemos o policrítico, o crítico fã, o crítico sorridente, o crítico duvidoso, o crítico inseguro, o crítico céptico, o crítico confessional, o crítico que não se compromete, o crítico com pedra no sapato, o crítico que só ama o Emmannuell NNunnes, agora temos o Crítico Imberbe. Ser "crítico imberbe" não tem a ver com a idade ou as barbas, é uma espécie nova de crítico que gosta de fazer umas flores e umas figuras de estilo nos textos mas falha redondamente na apreciação do que ouviu e viu, algo que resulta elegantemente mas que nada tem a ver com a realidade objectiva dos factos, critica quase sempre pelos currículos; é uma subvariante do Crítico Acéfalo, um dos mais frequentes a nível mundial. As suas características principais são: está em tirocínio, é igual ao público que vai atrás do nome, não ouve nem julga objectivamente com o seu cérebro e as suas escassas referências e manda umas bocas de acordo com a história dos criticados e a fama dos nomes.
Segue prova
A terra tremeu
23.03.2007
"Sou afectado por tudo o que se passa no mundo", dizia Robert Schumann, por volta de 1838. Na passada quarta-feira, Maurizio Pollini deu um sentido especial a esta frase. Schumann não fazia música apenas com notas, mas com tudo o que ele considerava extraordinário na vida e com tudo o que lhe interessava verdadeiramente. A dificuldade da sua música é precisamente o facto de ela se ligar, em cada fragmento, a qualquer coisa vivida. E foi isso que Pollini fez no Grande Auditório da Gulbenkian - deu uma lição de vida.
Começou por escolher um programa de uma coerência surpreendente, pondo lado a lado duas peças para piano de Stockhausen (Klavierstücke VII e VIII) dos anos 50 do século XX, o ciclo para piano louco e sonhador que é a Kreisleriana de Schumann (1838) e uma sonata de Beethoven capaz de provocar um terramoto, a Hammerklavier, op. 106.
Depois as mãos e os pés de Pollini. Ele toca com os pés. Nunca só com cabeça, nunca só com mãos. Com o corpo todo, ele mergulhou na música para revelar os timbres escondidos, as notas decisivas, descobrir os acentos certos, as articulações precisas. Por vezes está tudo ligado, quase a embrulhar-se, mas, de súbito, um acorde que pára o mundo, ou uma pequena fractura, um brilho que revela uma coisa pequena mas essencial. Pollini foi descobrindo as feridas que a música abre.
Stockhausen deixou de ser difícil: pareciam fáceis de seguir, como melodias, as cores e os diferentes ataques e dinâmicas do piano. (Nota: Pollini repetiu uma das peças. Segundo percebi, houve um engano do rapaz que passava as páginas. Coisas que acontecem.) As Klavierstücke pareciam simples, comparadas, por exemplo, com a extraordinária Kreisleriana de Schumann, onde fervilha o amor por Clara Wieck tanto como a sua paixão pela literatura (Kreisler é uma personagem de uma obra de E.T.A. Hoffmann). Fervilham vidas, a de Pollini, a de Schumann, e a do público, que era muito (até se acrescentaram cadeiras nas partes laterais do palco, ali quase em cima de Pollini).
E depois a sonata de Beethoven, que parte o mundo em dois, como alguém disse. Sobe às estrelas e desce ao fundo da terra. Pelo caminho, toma a liberdade de pôr em causa as formas em que pega, de romper radicalmente com elas (por exemplo a fuga con alcune licenze, ou seja, como bem me apetecer porque eu sou Beethoven...). A Hammerklavier é assim. Antes de compor esta sonata, em 1817 Beethoven desesperava, não via saída: "Aprendo em cada dia, sem música, a aproximar-me do túmulo". Com a opus 106, voltou a compor e a ter esperança, mas já não era o mesmo. Pollini mostrou a ruptura de Beethoven com uma clareza tal, raivosa e lírica em cada pormenor, e ao mesmo tempo permitindo-nos ouvir a totalidade, todas (se fosse possível) as promessas e os conflitos que ressoam naquela sonata. E ressoaram mesmo, não é só metáfora. Mas essa música, de há quase 200 anos, ainda sobrevive, ainda serve para alguma coisa? - ouvi mais tarde esta pergunta. Não sei para que é que serve. Mas Maurizio Pollini provou que ela ainda faz tremer o mundo.
Pedro Boléo
Etiquetas: Crítica aos críticos, Crítica de Concertos, Pollini
Águas Furtadas
Nos Espaços JUP, Rua Miguel Bombarda, 187, Porto.
APRESENTAÇÃO DA AGUASFURTADAS 10.
10 CONVIDADOS ESCOLHEM 10 OBRAS PUBLICADAS NOS 10 NÚMEROS DA REVISTAAGUASFURTADAS. Com a participação de Carlos Guedes, Daniel Pedrosa, Jorge Palinhos, Luís Trigo, Nelson d'Aires, Nelson Quinhones, Nuno F. Santos, Pedro Carreira de Jesus, Rui Dias, Rui Lage, Rui Penha, Samuel Silva, Sérgio Couto e Virgínia Pinho.
Eu não posso ir, se estivesse no Porto dava lá um pulo.
Etiquetas: Águas Furtadas
22.3.07
Manifesto de Apoio a Pinamonti
Os signatários, exercendo ou tendo exercido a actividade de críticos musicais, seguiram com particular atenção ao longo de seis anos a programação do Teatro Nacional de São Carlos sob a direcção de Paolo Pinamonti. Como críticos, têm os signatários opiniões diferenciadas sobre as propostas artísticas dessa direcção e suas realizações. Mas nunca os signatários se haviam reunido como o fizeram para prestar o seu reconhecimento a Paolo Pinamonti, no momento em que vêem interrompida a continuidade de uma direcção que, face a repetidos constrangimentos orçamentais, tinha manifestado um esforço e uma imaginação continuadas em tentar responder às missões de um teatro nacional de ópera e aos níveis artísticos desejáveis.
Mais entendem os signatários não só não serem compreensíveis os termos expeditos com que a tutela dispensou quem tanto tinha prestigiado o São Carlos, como observam com preocupação que um exercício de arbitrariedade política possa interromper a continuidade de trabalhos artísticos, para mais constatando que os responsáveis do Ministério da Cultura procederam ao contrário do disposto no programa do governo, no sentido da existência de "direcções artísticas menos dependentes da lógica de nomeação governamental".
Nestas circunstâncias gravosas, entendem os signatários que é devida uma pública homenagem a Paolo Pinamonti, pelo que convidam todos os que se queiram associar para um jantar que terá lugar na próxima segunda-feira, dia 26, no Hotel Vila Galé Ópera (Travessa do Conde da Ponte, junto ao edifício da Orquestra Metropolitana de Lisboa), pelas 20h30. As inscrições e confirmações poderão ser feitas através do mail: bravopinamonti@gmail.com , ou por sms para 969534172 até ao próximo sábado, às 20h00. O pagamento, no valor de 26,5 euros, será efectuado à entrada.
Alexandre Delgado
Ana Rocha
Augusto M. Seabra
Bernardo Mariano
Cristina Fernandes
Henrique Silveira
João Paes
Jorge Calado
Maria Augusta Gonçalves
Rui Vieira Nery
Teresa Cascudo
Vanda de Sá
Etiquetas: Pinamonti, S. Carlos
Primavera traz alergia a Pollini
Karlheinz Stockhausen: Klavierstücke VII, Klavierstücke VIII.
Robert Schumann: Kreisleriana, op.16.
Ludwig van Beethoven: Sonata Nº 29, em Si bemol maior, op.106, Hammerklavier.
Um progama fantástico em perspectiva, um pianista de eleição. Um resultado final decepcionante, e apenas decepcionante porque Pollini na segunda parte conseguiu redimir-se do desastre da primeira parte.
Stockhausen é o que é, as obras de cariz vincadamente experimental e muito datadas, obras para ler e para ouvir de forma curiosa e intelectual, com zero de emoção. Como para as interpretar basta despachá-las de forma técnica, sobretudo a primeira, lá as escutámos com alguma condescendência enquanto nos preparávamos para a Kreisleriana que se seguiu.
Aqui começou uma Kreisleriana fria, trapalhona, cheia de erros técnicos (notas esmagadas por todo o lado) e sem a menor chama ou alma, feita a despachar. Escaparam a terceira e a sétima peças, feitas com um pouco mais de clareza. Notou-se, como sempre em Pollini, uma grande igualdade de mãos e de equilíbrio de vozes o que foi altamente insuficiente. Uma interpretação que certamente corresponde ao ideal estético de Pollini, mas que resultou num ideal estático (apesar de velocidade), desapaixonado e desinteressante. Os andamentos lentos foram gélidos, os rápidos foram atabalhoados. A única explicação é que Pollini estaria em dia não.
A sonata Hammerklavier é, no meu entender, uma obra genial de Beethoven, um tour de force imenso e violentíssimo para o pianista de técnica e concentração, com um andamento lento pelo meio que é também uma dos maiores invenções criativas da história da arte e um clímax absoluto do que o génio humano é capaz. Pollini nas partes técnicas esteve notável, "martelou" muito bem o primeiro andamento, uma igualdade e capacidade sonoras alucimantes, uma concentração espantosa, dir-se-ia outro pianista regressado da primeira parte. O Scherzo já foi menos interessante, demasiado banal da acentuação foi feito um pouco a despachar e de novo demasiado depressa (menos de 2 minutos), e veio o tremendo adagio, e de nova a desilusão: Pollini demasiado artificial usou um espectro agógico sempre demasiado rápido em meu entender, não se espraiou nas frases, não fez sentir o lado profundamente trágico e emocional desta música que banalizou sem, felizmente, vandalizar. Artificial na forma de encarar o fraseado e o rubatto, acabou por despachar o andamento em pouco mais de dez minutos! É inacreditável como foi tão impessoal na forma de abordar o ponto central e mais estranho na pouco convencional forma desta sonata onde alguns pianistas chegam aos vinte minutos. A fuga final foi notável na sua técnica e na equivalência de todas as linhas do texto e de novo o Pollini técnico brilhou.
A sensação que fica é a de um Ferrari em excesso de velocidade: capacidades fenomenais e estética agressiva mas algo desagradável: experiências nos bancos de ensaios de Darmstadt, motor demasiado pesado para as estradas românticas das florestas da Saxónia (derrapando em todas curvas) e deslumbramento excessivo com a velocidade nas rectas das autoestradas que ligam Bona a Viena.
Nota 1 - O título não é da minha autoria.
Etiquetas: Crítica de Recitais, Piano, Pollini
Ensaios na Casa da Música
Penso que se perdeu uma oportunidade de ouro para a orquestra portuguesa atingir um elevado nível interpretativo, que se percebeu perfeitamente estar ao seu alcance. A ONP poderia ser facilmente uma razoável orquestra no panorama internacional e está alguns furos acima do que tenho ouvido ultimamente à irregularíssima Orquestra Sinfónica Portuguesa que nasceu de forma muito torta, muito por culpa dos pecados originais de Álvaro Cassuto, e que muito tarde, ou nunca, se virá a endireitar.
Orquestras como a do Concertegebouw, que toca esta sinfonia há praticamente um século, ainda têm problemas com a obra quando não fazem uma preparação cuidada. Estranho muito que uma organização como a da Casa da Música não programe um trabalho sério para montar uma obra capital da história da música e de uma complexidade transcendente. Fazer seis ensaios para uma obra destas e com uma orquestra que não tem a obra no repertório é andar a brincar à música e desrespeitar o público, o que assiste e o que paga dos seus impostos.
É mesmo escandaloso e irresponsável que se trabalhe assim: ter uma bitola que nivela por baixo e de forma medíocre desde os concertos da treta até às obras mais importantes e complexas do repertório universal. É também andar a brincar com o dinheiro dos contribuintes.
Por outro lado a tão "gabada" (pelos próprios elementos locais) acústica da Casa da Música é desastrosa para uma orquestra sinfónica. O som das cordas é frio, seco, pouco ressonante, disperso de forma incoerente e decai espacialmente. A acústica é desigual no espectro sonoro e provoca gravíssimos desequilíbrios. Bola preta para a "acústica melhor da Europa" e rebéu-béu-béu, nem sequer é a melhor do Porto. Talvez seja a melhor acústica da Boavista.
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20.3.07
O drama de um maestro maior do que o tempo
As montanhas que esta sinfonia evoca sempre que a ouvimos são também as montanhas de um Tempo que já não volta, a Morte levou Mahler, as suas filhas, a sua mulher, levou as suas angústias e as suas superstições, o tempo do relógio eliminou a terceira pancada no último andamento, vítima ela também de outro Tempo, esse que Mahler queria suspender. Montanhas dos Alpes para onde partirei dentro de pouco tempo para passeios pelos degelos da Primavera, para música e para mergulhar, eu também, no Tempo que me é dado pressentir através das prquenas alucinações da Eternidade que Mahler nos deixou, como diria outro senhor do Tempo: "Eternidade, essa palavra terrível"...
Zilm é um grande maestro, ele próprio é fisicamente enorme. Zilm gosta dos grandes arcos sinfónicos: Mahler é, para ele, o elemento onde se sente em casa, e a Trágica, sinfonia mais do tempo que do espaço, uma das formas de tocar a eternidade e o sagrado, suspendendo por instantes o tal Tempo que Mahler queria suspender também na sua vida, fugindo da morte quando caminhava demasiado conscientemente na sua direcção.
Realizando uma concepção sombria, num fluxo contínuo paradoxalmente recheado das hesitações inerentes ao sofrimento, Zilm transportou-nos por uma viagem para além do tempo. Regressando sempre às origens, relendo os manuscritos e as notas originais de Mengelberg e de Walther, Zilm estuda até à exaustão a obra antes de entrar em contacto com uma orquestra.
Desta feita o encontro decorreu nos seis dias de ensaio que teve com a Orquestra Nacional do Porto, reforçada de muitos elementos para abordar Mahler na Casa da Música, Sábado passado. Eu pergunto aos programadores e aos directores: será que seis míseros dias são suficientes para preparar uma obra maior do que o Tempo?
Zilm fez o possível, fez até o impossível, a Nacional do Porto correspondeu com o possível. Seis dias para montar uma obra que é uma peça de resistência do repertório máximo de uma orquestra, provavelmente pela primeira vez, exigiriam mais da orquestra, até pela dimensão sagrada da obra que transcende um trabalho vulgar de funcionário, exigindo a dimensão máxima de um artista: o lado trágico; no fundo a dimensão máxima do que significa o Tempo para os mortais.
O resultado foi bom, poderia ter sido excelente se o tempo fosse outro. A acústica pobre e muito fria da Casa da Música, que engole as cordas da orquestra ao nível de um poço sem fundo, poderia e deveria ser muito mais trabalhada para o equilíbrio ser maior. O andamento lento, com uma das mais belas melodias de todos os tempos foi a maior vítima desse tempo escasso que fez perder o sentido do Tempo que Mahler nos queria transmitir.
Que belas ideias destruídas por falta de concentração e de categoria nos violinos distraídos nas entradas a dar notas erradas em passagens fáceis onde se notou de forma aguda o pouco tempo de ensaio da obra que, se é difícil para uma orquestra de nível mundial, será transcendente para a ONP com meia dúzia de ensaios.
O resto até foi bom, algumas vezes muito bom. Acentuações muito belas na entrada incisiva no primeiro andamento. Coerência dos metais, com um belíssimo naipe de trompas olimpicamente dirigido por um solista brilhante e empenhado. Madeiras quase perfeitas, com uma ou outra excepção e com umas poucas distracções no primeiro clarinete. Percussão magistral nos tímpanos mas golpes de martelo pífios devido ao instrumento ridículo empregue que mais parecia um martelinho de S. João do que um percutor de força telúrica que esmaga e destrói ("um som poderoso e curto de grande volume, não ressonante e não metálico"), que faz parar o coração. Chocalhos fora da sala a conferir um efeito mágico. Uma obra que quase soçobrava por um primeiro trompete desastroso que, mesmo quando não errava, era vulgar.
Notou-se que a ONP tem carisma, tem corpo, tem força para voos mais altos, mas o tempo foi o grande inimigo da obra, o mesquinho tempo do relógio que não concedeu mais ensaios e forçou Zilm a atacar apenas os pontos cruciais da obra nos ensaios, descurando obrigatoriamente as passagens mais fáceis que, paradoxalmente ou talvez não, resultaram sempre pior.
Zilm, mercê da sua géstica sóbria que é eficaz e sugestiva na sua economia de movimentos, mercê também da sua atenção ao conjunto e ao detalhe, aglutinou tudo, o que estava perfeito e o que resultava imperfeito. Zilm foi conseguindo produzir um som coerente que culminou nas passagens dos solos de trompa na belíssima cantilena do andante: que poesia, que legato, que brilho sonoro obtido pelo solista.
Um concerto que no seu momento mais trágico, o desolado final funéreo, não teve o respeito pelo tempo necessário para a meditação transcendente do silêncio final, interrompido, este também, por espúrias palmas precipitadas, fora de tempo e fora do Tempo.
Um concerto que, apesar do pouco tempo de preparação, acabou por ser um concerto fora do nosso Tempo, um concerto cheio de imperfeições mas também muito belo pela concepção sempre sombria, trágica e muito poética de Zilm. Saí a pensar: este maestro é muito maior do que o tempo que lhe deram.
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Prémio Verde e Preto
Não acho que E. Pitta seja pateta, como ele me chama a mim, naquilo que, vindo de quem vem, não passa de um bom elogio, mas tenho a certeza que é mentiroso, que distorce os factos e que não conhece aquilo sobre o que discute: a demissão de Pinamonti do TNSC. Nunca um assunto de natureza objectiva será transformado numa vulgar troca de insultos, como E. Pitta faz. É inútil esconder a ignorância do assunto e as suas falácias com o manto roto da arrogância despeitada de freira púdica, caro E. Pitta, os factos falam por si.
Pitta entrelaça-se em contradições: apesar de dizer que não defende a tutela com unhas e dentes afirma que fala assim porque o assunto é político e não técnico! De facto a soez intriga contra Pinamonti é política mas o cargo dele é artístico, sublime contradição, obrigado E. Pitta pela confirmação. Onde deveria surgir a avaliação pura de competência técnica, passa a valer a traulitada e a mixórdia da política. Não se trata do preço fixo dos livros que se discute, trata-se da avaliação técnica de alguém que dá provas públicas num domínio complexo e artístico, que poderia até ser muito controverso. Acontece, porém, que toda a crítica musical, sem excepção, avalia, incontroversamente, Pinamonti entre o muito bom e o excelente. E. Pitta pensa que estamos todos no lobby do Pinamonti, mesmo aqueles que desde a primeira hora o criticaram fortemente, como eu, e que se foram rendendo à sua capacidade de realização e à sua inteligência. Como seria possível Jorge Calado, Alexandre Delgado, Augusto Seabra, João Paes, Rui Vieira Nery a fazer lobby por Pinamonti? E. Pitta será o único inteligente cá do burgo que nos quer fazer a todos de patetas? Ele, E. Pitta, parece ter ido a Glyndbourne, será que o Seabra também não terá ido? E o Nery? E eu terei andado por onde quando E. Pitta escrevia livros para muito menos pessoas do que aquelas para as quais interessa a tal demissão de Pinamonti? "Talvez" 200 ou serão afinal "600", números mágicos que parecem ser a sua bitola, porque não 531 ou 141, para números inventados quaisquer serviriam, será que 600 é o maior número para Pitta? Uma tiragem recorde de um microlivro a preço fixo?
Mas será que Glyndbourne interessa aqui nesta questão? E porque não discutir o uso pijamas de seda como o Wagner? Será que interessa a pedantice de E. Pitta a gabar-se de ir a Glyndbourne a propósito do S. Carlos? O que interessa nesta questão é o S. Carlos, onde o E. Pitta não pisa, e não o desprezo que E. Pitta vota ao teatro nacional de ópera. É claro que eu também não vi o Sr. E. Pitta em muitos lados, como Munique, Viena, Praga, Aix, Bayreuth, nos Proms, Paris, Innsbruck, Salzburg ou Frankfurt numa lista interminável e inesgotável de lugares onde encontro amigos portugueses com frequência. Não levo a minha proverbial patetice, caro E. Pitta, a andar de máquina fotográfica em punho fotografando os teatros por onde passo. Também não me interessa fazer alarde disso, o provincianismo de exibir as viagens a Glyndbourne é típico de alguns personagens do Eça que não tinham passado muito para além da Porcalhota, fica o assunto ao cuidado de Isabel Pires de Lima.
Apenas o E. Pitta, da literatura, acha bem que o Vieira hermeneuta despeça Pinamonti. O que é certo é que E. Pitta agora "crítico político" não põe os pés no S. Carlos, como o próprio alardeia com alacridade e uma ponta daquele orgulho luso de ser ignorante e ter "raiva a quem sabe", ele que até conhece o nome de Glyndebourne pode dar-se ao luxo de ignorar o "San Carlos". Mas alguém que fale do preço fixo dos livros tem de saber o que é um livro! E. Pitta nem sabe o que é o teatro de S. Carlos de hoje. Os porteiros do S. Carlos estão bem mais à vontade para dissertar sobre o assunto do que alguém que voluntariamente põe antolhos na sua visão já de si estreita e nos presenteia com esses antolhos como se fossem a oitava maravilha do mundo. O que o E. Pitta diz vale o que vale. Para mim o que ele diz não vale nada e afirmei-o frontalmente. Escrevi isso mesmo para não deixar impune a distorção dos factos sem um reparo, e um registo, neste espaço público. Pelo contrário o E. Pitta acha que sabe muito do assunto e pode mandar umas postas de pescada. Acho bem e respeito as postas do Pitta, estamos num país livre, eu comento apenas as incorrecções e as falsidades; os Pittas deste mundo não me intimidam. Como o país é livre também tenho o direito de chamar mentiroso a quem quiser, se provar o que digo. O E. Pitta prefere chamar-me de pateta. É assim que funciona o mundo. Acho imensa graça e dou uma boa gargalhada. O E. Pitta irrita-se e chama pateta a quem tem a ousadia de contrariar o seu pedantismo ignorante; eu volto a dar uma gargalhada, ainda maior.
O leitor que julgue, mas julgue sabendo que E. Pitta afirma uma série de mentiras com que pretende confundir e manipular os factos da demissão de Pinamonti para desvalorizar objectivamente o que este tem feito de brilhante no S. Carlos.
É claro que, tentando colocar o assunto na esfera política, para E. Pitta deixam de valer argumentos críticos, ponderações de factos, análises. A aldrabice, a manipulação da realidade e a ficção mesquinha do quotidiano passam a ter lugar de excelência neste universo supostamente político, e o Sr. E. Pitta usa a ferramenta abundantemente. O facto é político, logo pode-se atacar o resto do mundo usando a grosseria e chamar pateta aos outros. Felizmente o Sr. E. Pitta responde a quente mostrando a face política do assunto e o verdadeiro lobby a que pertence.
Mentiras objectivas de E. Pitta
O Teatro não abre "talvez" vinte vezes por ano, abre mais de 120 vezes. As récitas de ópera são 43 no último ano, segundo Pinamonti afirmou em entrevista que me concedeu e pelos números oficiais do teatro. A história das 43 récitas não é assunto de discussão, é um facto. Não estou para discutir isso, se o E. Pitta estivesse informado, em vez de andar a pavonear-se de máquina fotográfica em punho para depois exibir as fotos, em Glyndbourne ou noutro lugar qualquer, nem precisaria de perguntar. O tal livreco do preço fixo tem páginas? Pitta que se documente e verifique quantas foram as récitas e os espectáculos realmente efectuados e desampare a loja depois de pintar a cara de preto.
Não há talvez "600" pessoas no público de ópera, o teatro tem cerca de 950 lugares e tem uma ocupação superior a 90 por cento. No caso da Valquíria esgotou as sete récitas e mobilizou milhares de pessoas no largo de S. Carlos que seguiram a ópera em ecrã gigante.
O assunto da demissão de Pinamonti não interessa apenas a 200 pessoas, como é público e notório.
Os bilhetes da ópera não custam 400 euros por espectador ao Estado. É falso: se juntarmos todas as colaborações e os concertos da OSP, os recitais e os concertos de outros agrupamentos, como a Orquestra do Século XVIII, o Divino Sospiro entre tantos outros, um espectáculo custa ao Estado 120 euros por espectador. Isto se não contarmos com as receitas dos bilhetes que não entram directamente nos cofres do S. Carlos mas sim nos das Finanças! Se retirarmos a OSP, orquestra sinfónica do Estado português e que existiria com ou sem ópera, o preço desce para 60 euros por evento, um dos valores mais baixos da Europa.
Pinamonti não podia aceitar um convite não feito formalmente.
Ficam os reparos e posso afirmar ainda que o Sr. Pitta pode ser mentiroso e mal informado mas não é pateta. Pitta, no entanto, tem razão ao chamar-me pateta: sou mesmo pateta por "gastar cera com tão vis defuntos".
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19.3.07
O Lobby dos Hermeneutas
Tenho visto o Eduardo Pitta, crítico literário, a confraternizar em inúmeros lançamentos de livros e em diversos saraus. Nunca vi o E. Pitta no S. Carlos, não é manifestamente um conhecedor do fenómeno musical e do que o rodeia.
Ao ler os textos de E. Pitta, e são já vários, sobre Pinamonti e a recente dispensa do italiano de director do TNSC, apesar deste ter manifestado disponibilidade para ficar, fica a impressão que E. Pitta acha Pinamonti um a espécie de incapaz, um troca tintas que escreve uma coisa e faz outra, ou alguém que não conseguiu endireitar os vícios do Teatro Nacional de S. Carlos. E. Pitta não entende o essencial: as qualidades profundas do ainda director do S. Carlos que deveriam ser aproveitadas em vez de desbaratadas, num gravíssimo malbaratar de um património colectivo que os senhores da tutela da cultura deveriam preservar e valorizar em vez de procurem pretextos para destruir. É este o cerne da questão e não questiúnculas formais do diz que disse, afinal o que parece ser o ponto mais importante na hermenêutica da treta de alguém habituado à crítica literária para públicos ínfimos.
Defende E. Pitta com unhas e dentes uma tutela titubeante e incapaz, que utiliza truques de baixa política, sem peso dentro do governo, incapaz de obter receitas no orçamento de Estado e incapaz de ter imaginação para as criar graças a esforço próprio aproveitando mecenato e parcerias com os privados. Uma tutela que o próprio E. Pitta já em tempos achou desnecessária. No mínimo estranho este lobby hermenêutico na área da cultura, ou será que E. Pitta da sua olímpica cegueira queira apenas criar polémica com os faits divers das suas bocas sobre o assunto? De qualquer modo é grave: E. Pitta tem ainda alguns leitores que o levam a sério e falar sem saber é, no mínimo, irresponsável.
Acha E. Pitta que o assunto diz apenas respeito a um grupo muito restrito "talvez duzentas pessoas", se pensarmos que E. Pitta, justa ou injustamente, poderá ter um número de leitores "talvez" da mesma ordem de grandeza, "talvez" possamos dar um maior significado a este número. O que eu não percebo é o interesse do crítico literário E. Pitta sobre este assunto, talvez seja um problema de hermenêutica pós-compreensão, por oposição à "hermenêutica pré-compreensão", que Vieira hermeneuta aplicou a Paolo Pinamonti.
Embora graves, e podendo levar leitores a um erro que importa desmontar, acho as reflexões de E. Pitta inúteis. Primeiro, porque o conhecimento dele sobre o assunto é praticamente nulo: é falso que sete récitas esgotadas da Walküre sejam as 600 pessoas que refere como público do S. Carlos, é falso que os milhares que encheram o largo do S. Carlos nos dias em que a ópera foi transmitida para o exterior sejam as tais 600 pessoas pessoas que E. Pitta refere, o que reflecte logo à partida a credibilidade que quem faz essas afirmações. É mentira que cada récita de ópera custe 400 euros, serão 350 se dividirmos todos os custos pelas récitas, mas se retirarmos a orquestra sinfónica portuguesa que faz concertos o número reduz-se drasticamente, mais hermenêutica da treta directamente vinda da Ajuda, se dotássemos o S. Carlos de mais um milhão de euros para produções (somados aos actuais 13 milhões) o preço por récita passaria a ser um dos mais baixos da Europa, é que os tais 350 por récita resultam de custos fixos e não das produções propriamente ditas. Por outro lado a execução orçamental de Pinamonti é de um rigor extremo, nunca gastou um cêntimo a mais do que o orçamentado, nunca contraiu uma dívida. Parece impossível para Portugal, era bom demais. Era mas acabou-se por causa de mesquinhas embirrações e conflitos de personalidade.
Em segundo lugar o que E. Pitta refere é inútil porque não passa de um ignorante sobre o assunto: é consensual entre toda a crítica musical, à qual E. Pitta não pertence, o excelente trabalho de Pinamonti. Todos os especialistas do assunto concordam sobre Paolo Pinamonti, mas isso deve ser indiferente ao E. Pitta, que sendo crítico literário julga poder opinar sobre tudo. Para mim o que o E. Pitta diz sobre o Pinamonti é igual às barbaridades que um taxista do Porto me disse sobre o Pedro Burmester. Eu perguntei ao tal taxista se tinha entrado alguma vez na Casa da Música e ele disse-me que não. A umas perguntas básicas o que dirá E. Pitta: qual a tonalidade que abre a Valquíria? Quantos actos tem o Orfeo de Monteverdi? Qual a ópera ou óperas que Teresa Stich Randall fez no S. Carlos em 1970? Pitta parece que passou nos anos setenta pelo S. Carlos. Muita coisa mudou entretanto, a ópera está esgotada, a ópera vai ao CCB, e não foi mais por causa do prof. Fraústo. O Wozzeck, uma das melhores produções de todos os tempos do S. Carlos foi ao CCB para três récitas. Vá lá ler uns livritos para responder e documente-se melhor E. Pitta, é fácil cair-se na asneira e na mentira, mesmo involuntária, quando se ignora o assunto.
É necessário reforçar que apesar das observações do E. Pitta, toda a crítica musical portuguesa (que trilha os mais diversos universos, escolas e metodologias) reconhece que Pinamonti foi um dos melhores directores do Teatro de S. Carlos, posso prová-lo de forma muito fácil citando textos de Augusto Seabra, Bernardo Mariano, Cristina Fernandes, Jorge Calado, Ana Rocha, Luciana Leiderfarb, Rui Vieira Nery, Teresa Cascudo, através de manifestações de solidariedade de João Paes ou de Alexandre Delgado, e de outras personalidades do mundo da cultura e da música que não ficaram pela estagnação desfasada da realidade dos universos oníricos da literatura para meia dúzia de leitores. Pinamonti foi muito bom sob condicionalismos terríveis em termos orçamentais. É verdade que Pinamonti não resolveu tudo mas Pinamonti pacificou, integrou-se, foi resolvendo de forma muito pragmática usando todos os sábios recursos de diplomacia da cultura mediterrânica. Foi-se livrando do joio de um maestro titular (Peskó) e promoveu João Paulo Santos, impossível de jogar borda fora por motivos contratuais, para um lugar inócuo. Eliminou um inenarrável concertino da orquestra. Tentou o impossível ao programar concertos sinfónicos com alguns dos melhores maestros do mundo, especialistas desde o classicismo ao contemporâneo. Contratou um maestro de coro e um assistente que resolveram parcialmente um dos maiores cancros do teatro: a péssima qualidade do Coro do TNSC. Algumas das vezes teve os maiores sucessos artísticos, como com Inbal, outras vezes com resultados entre o positivo e o desastroso, como com Letonja. Mas como o Pitta sabe melhor do que ninguém, na arte nada é seguro, é no balanço final que Pinamonti foi um valor muito seguro, foi mesmo um director excelente em face das dificuldades. O S. Carlos é hoje um teatro muito melhor do que era há seis anos, e Pinamonti conseguiu-o sem dinheiro.
O período de adaptação foi ultrapassado, após seis anos de trabalho Pinamonti conhecia a cultura portuguesa e integrado conseguia extrair o melhor que nós conseguimos dar com as nossas estranhas peculiaridades e os nossos maus e bons hábitos. O TNSC afirmava-se como motivo de orgulho internacional para Portugal, algo que só um bronco sem a menor noção do que está a comentar pode desvalorizar. Shirley Althorp, crítica do Financial Times (e de todo o grupo Blomberg), vem sempre a Lisboa para ver as produções do nosso teatro de ópera fazendo críticas que ecoam por todo o mundo, nunca cá teria vindo sem Pinamonti. Todos os grandes órgãos de comunicação deslocam os seus críticos ao nosso teatro, o El Pais, o Le Monde, O The Times, a BBC, a lista é interminável. A ópera de Corghi e Saramago, no meu entender péssima, foi referenciada por toda a imprensa mundial com apreciações muito diversas, desde o entusiasmo ao cepticismo. Dei uma entrevista à Deutsche Welle sobre o assunto, onde apesar de criticar duramente a obra de arte, elogiei o trabalho do director como notável. Pinamonti deu entrevistas a todas as estações que importam a nível internacional. A encenação do Ring de Vick, goste-se ou não, é um marco a nível internacional. O Wozzeck de Braunschweig e Inbal foi um acontecimento notável, uma das melhores encenações, um dos melhores naipes de cantores a nível mundial e uma orquestra a superar-se de forma quase impossível para quem conhece a Sinfónica Portuguesa.
Com um orçamento de 13 milhões de euros, um número ridículo em termos europeus, mesmo para um teatro de província, Pinamonti consegue produzir mais de 120 espectáculos onde figuram 43 récitas de ópera por ano e não, outra das mentiras do Sr. E. Pitta, as "talvez" vinte vezes por ano. Christoph Dammann, que vem em part-time de Colónia, tem 36 milhões de euros para gerir o seu teatrinho local, Mannheim (uma cidade de 200.000 habitantes) tem 25 milhões de euros.
É precisamente este capital de experiência, de realização e de adaptação à nossa realidade que o sr. hermenêutica e a sra. ministra desvalorizam e o Sr. E. Pitta, agora também membro do lobby hermenêutico e, além do mais, mentiroso, também desvaloriza. No caso de Pitta a grosseria das suas incorrecções, ou manipulações, é tão evidente que qualquer observação sua sobre o assunto está imediatamente descredibilizada. Quem precisa de manipular os factos para argumentar não merece crédito, é a desilusão de ver um "exemplar" crítico literário usando argumentos à taxista.
É o prestígio de um país que se mede por estas coisas mas nunca para um "portuga" mediano. É evidente que para o E. Pitta o assunto tem pouco interesse, é um "fait divers": Ópera, o que é isso? Só tenho a lamentar a santa ignorância de certos "intelectuais" que se fecham na sua área e se esquecem que a cultura é universo e não é medida pelos antolhos de miséria em que se formataram os filhos de um país de analfabetos e de aldrabões.
Ler ainda o João Gonçalves no Ponto Final do Portugal dos Pequeninos, o Carlos Araújo Alves em un fait divers e a Teresa Cascudo em Mais do Mesmo
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15.3.07
Cultura - como gerir um teatro de ópera
Anunciar a fusão entre companhia de Bailado e Ópera sem dizer nada sobre o assunto.
Fazê-lo sem estudos prévios e sem consultar os interessados.
Anunciar que já está feito sem nada se ter feito.
Dar entrevistas em que não se diz nada a não ser treta política de segunda misturada com paleio pseudo intelectual.
Repetir termos como "hermenêutica pré-compreensão" sempre que necessário, como se o público tivesse como modelo alunos imberbes da Universidade Nova que ficariam aparvalhados com tanta sapiência e calados perante o Divino Mestre sem conseguir objectar.
Tornar-se chacota nos intervalos dos concertos e da ópera precisamente por causa da hermenêutica.
Não falar nunca com o director do Teatro de Ópera, nem a propósito de tudo, nem a propósito de nada.
Arranjar um orçamento que só dá para meia dúzia de récitas à espera que o director se demita, fazer cortes orçamentais a meio da temporada e, pelo contrário, ver Pinamonti a multiplicar os pães e conseguir fazer 43 récitas entre mais de 120 eventos performativos como concertos e recitais, sem contar com conferências e outras sessões.
Anunciar que há despesismo e que a ópera fica muito cara por espectador.
Dar a maior fatia do orçamento para custos fixos, restando uma fatia ínfima para produções, e depois vir acusar o director actual de fazer produções caras, porque divide a massa global por récita de ópera.
Exigir um salto qualitativo, querendo fazê-lo com cantores portugueses que nunca pisaram um palco de ópera!
Comparar entretanto o S. Carlos com os magníficos modelos de Paris, Viena ou Nova Iorque! Que aliás são popularíssimos porque os cantores que lá cantam são portugueses que nunca pisaram um palco de ópera e porque os bilhetes devem custar muito menos do que em Lisboa!
Queixar-se que o Teatro de S. Carlos tem sempre os bilhetes esgotados!
Agradecer no seu livrinho à secção internacional do PCP, e agora virar capitalista liberal primário, considerando que a ópera portuguesa sai cara ao Estado. Realmente é melhor o S. Carlos não esgotar e passar os bilhetes para os 250 euros, pelo menos...
Querer servir ópera ao turista ocasional que vem a Lisboa, como se isso fizesse sentido. O turista da ópera que se desloca de propósito a Lisboa para ver um cantor português que nunca pisou o palco ou o turista americano a mascar pastilha elástica e de bermudas e camisa havaiana, de máquina fotográfica em punho no meio de uma representação do Wozzeck em português! Genial raciocínio do camarada liberal capitalista estalinista hermeneuta.
Contratar à socapa do público e do director actual um Intendente da Ópera de Colónia, quase à beira de ser crucificado no seu país, que não se contrata em dois dias, para vir fazer um part time em Lisboa.
Não preparar a transição e não apresentar os directores com antecedência.
Fazer uma conferência de imprensa de apresentação do novo director quando o anterior ainda está em funções, tipo jogador de futebol. Será que lhe vai vestir uma camisola da selecção hoje à tarde?
Não pedir ao actual director que continue à frente da casa enquanto a temporada ainda não acabou, mesmo que a título transitório, quando o novo director nem sequer sabe onde fica o S. Carlos.
Pagar ao novo director dez mil euros por mês por um part-time. Bem pago hem? E a ópera está cara, demasiado cara para o Estado.
Dizer nas conferências de imprensa que convidou o Pinamonti para ficar e que este não aceitou!
Preparar-se para ser o próprio a mandar naquilo enquanto o outro estiver a perfurmar-se com água de colónia.
É um artista português formado na escola estalinista da RDA e chama-se Mário Vieira de Carvalho, conhecido em toda a lisboa melómana por hermeneuta ou como Sr. Hermenêutica.
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Amigos do S. Carlos apelam a Sócrates
Os aparatchniks da Ajuda estão livres para fazerem o que quiserem no capítulo destruição do que existe, porque construir, caros leitores, isso só com dinheiro. E o Sócrates e o Teixeira dos Santos para a cultura não dão (nem para a Educação dão).
Do mal o menos, o Santos ainda tem currículo académico e sabe-se onde tirou os cursos, é aluno de Salazar no qual se especializou academicamente, e não esconde as suas doutrinas e a origem das suas políticas financeiras, mas desprezando o exemplo de mandar dar o cachet à Guilhermina Suggia. Sobra a Casa da Música, que por ser no Porto, recebe a fatia maior do Orçamento da cultura para piorar escandalosamente a sua programação, e veremos o que o futuro nos reserva, mas começo a duvidar de uma programação melhor a longo prazo e a uma apresentação atempada da mesma.
Por agora teremos que ficar com o Dammann, que tem tido críticas muito fortes em Colónia e que veria a sua renovação em risco nesta cidade, a fazer um part-time em Lisboa até 2008 segundo umas fontes e 2009 segundo outrs, ganhando um vencimento de 10.000 euros por mês. Hoje saberemos mais detalhes na conferência de imprensa de apresentação.
Segue notícia do Expresso Online.
Afastamento de Pinamonti em causa
Amigos do São Carlos apelam ao primeiro-ministro
Luciana Leiderfarb
Descontente com processo de afastamento de Paolo Pinamonti da direcção artística do São Carlos, a direcção da associação de amigos do teatro lisboeta apela à intervenção de José Sócrates.
Amigos do São Carlos apelam ao primeiro-ministro
Nuno Botelho
O afastamento de Paolo Pinamonti está a preocupar os Amigos do São Carlos
18:21 | quarta-feira, 14 MAR 07
A direcção dos Amigos do São Carlos qualificou de "abrupta e desrespeitosa" a forma como se processou o afastamento de Paolo Pinamonti da direcção daquele Teatro e apelou a uma "intervenção pessoal do primeiro-ministro".
Num comunicado à imprensa, assinado pelo musicólogo Rui Vieira Nery, manifesta-se preocupação pelo "vazio de poder agora criado no São Carlos, com o anúncio da contratação de um director ausente, que pouco mais poderá assegurar do que uma função de programador itinerante". A esta situação soma-se o facto de o vazio acontecer "num momento crucial da fusão do teatro com a Companhia Nacional de Bailado no quadro do novo figurino orgânico da Opart (Organismo de Produção Artística), cujas linhas gerais ainda se desconhecem".
No mesmo documento, os Amigos do São Carlos confessam-se "apreensivos" no que toca às linhas gerais esboçadas pelo Ministério da Cultura para o futuro do único teatro lírico do país: "Os objectivos de um teatro nacional português integrado na rede europeia de produção operática não podem confundir-se com a missão específica de um espaço de formação avançada e profissionalização para jovens intérpretes".
Recorde-se que o secretário de Estado da Cultura, Mário Vieira de Carvalho, referiu, numa conferência de imprensa realizada ontem em Lisboa, pretender "a captação de novos públicos" e "oportunidades para jovens artistas", apostando "nos portugueses que ainda não chegaram à ópera".
Por fim, critica-se a vontade expressa da tutela de multiplicar o número de récitas, o que "só seria possível com meios orçamentais que consabidamente o Ministério não está em condições de garantir, a não ser à custa da degradação acentuada do nível qualitativo das produções".
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14.3.07
Carlos Araújo Alves diz tudo
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A Frase mais inteligente
Apesar da mágoa de ver Pinamonti mal tratado por gente sem educação e grosseira, no meu país, consegui dar mais uma boa gargalhada com o sentido de humor e inteligência de Pinamonti. Bem haja.
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Não queremos os bilhetes esgotados!
Outra frase a reter: "Temos a ópera mais cara per capita da Europa", como se o "governante" se propusesse a mudar o estado das coisas! Mas é claro que a ópera em Portugal sai cara, por culpa dos incompetentes, hermeneutas incluídos, que passam e passaram pela cultura e pelas finanças. Será que Vieira de Carvalho é tão estúpido ou tão cínico, que não perceba que isso acontece precisamente por causa de o parco orçamento ir para os custos fixos do Teatro Nacional de S. Carlos? Resta muito pouco dinheiro para as produções, isto implica ter uma estrutura imensa com custos fixos elevados, onde o hermeneuta inclui ainda a orquestra sinfónica portuguesa, que não deveria fazer apenas ópera, e funcionários altamente bem pagos como João Paulo Santos, que nada produzem, restando um pequeníssimo orçamento para a produção operática, um número ridículo de seis títulos por ano quando João de Freitas Branco fazia mais de trinta por ano antes ainda da revolução de 1974! A propósito: João de Freitas Branco é outro dos candidatos a melhor director do S. Carlos dos últimos cem anos.
Evidentemente fica caro, a Alemanha gasta dez vezes mais do que nós face ao seu muitíssimo maior PIB per capita e a ópera fica mais barata, muito mais barata. Os políticos portugueses devem ser uns génios, conseguem ter a ópera mais cara do mundo gastando trinta vezes menos por cada português!
Explique agora o Sr. Hermenêutica como isto vai mudar com o director artístico Dammann em part time, a ganhar o mesmo que Paolo Pinamonti a tempo inteiro, o que é escandaloso, e sem aumentar o orçamento da cultura. Não sei se a hermenêutica de Mário Vieira de Carvalho chega para isso, ou se sofre de problemas pré-compreensão, mas o orçamento da cultura não depende da Ajuda e dos aparachniks ex-comunistas com peso político zero, depende dos primários Teixeira dos Santos e José Sócrates.
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13.3.07
O Camarada Hermenêutica
Entretanto deve manter-se o projecto da Tetralogia. Paradoxalmente a ópera do Nunes, a tal que "o génio" Emanuel (não confundir com o cantor pimba Emmannuel) não consegue acabar apesar de ter sido já acabada mas à qual faltam as partes vocais, num dos maiores e sublimes paradoxos pós-modernos, uma desconstrução que nem Derrida nem o falecido Baudrillard conseguiriam explicar senão pela ôntica pré-compreensão, afinal Deleuse puro, mas num universo aparente! Algo que poderia até justificar a hermenêutica pré-compreensão, se este último conceito não fosse claramente ôntico e não ontológico e claramente antagónico ao primeiro, o que nos deixa num beco sem saída hermenêutico; a não ser que um Boaventura Sousa Santos ou um qualquer catedrático Sr. Hermenêutica nos ajudem a perceber a nossa ignorância hermenêutico-ontológica-ante-compreensiva-ôntica-dualmente-ontológica.
Um Nunnnes que reinventa a ópera, apenas música instrumental e para-instrumental, orquestra e parafernália com dezenas de cantores em cena, cantores esses que não cantam(!). Reinvenção da ópera que poderá até ser representada e cantada por sopranos surdos, altos brigantinos, tenores ciciosos, mezzos sopinhas de massa e baixos mudos.
Voltando ao tema: o novel director artístico é um tal Dammann (assim mesmo com dois mm e dois nn), um senhor académico que dirige a ópera de Colónia, e que tem um currículo curto, apesar do que se afirma por aí em comunicados oficiais: "fabuloso" é o adjectivo e o meu adjectivo para tal adjectivo é "parolo". Parece que o tal senhor vem de Lübeck (da parte da DDR ou RDA), nasceu em 1964, tendo estudado na bem socialista Rostock. Parece que foi barítono e trabalhou em marketing artístico. Mais um doutorado na velha Alemanha de Leste, onde é que eu já vi isto antes?... Um camarada hermenêutico em perspectiva. É casado e tem duas filhas. Espera-se que seja simpático e que goste de Wagner, talvez sobreviva aos políticos que o colocaram no S. Carlos.
Deve ser fácil sobreviver porque parece que vai continuar em Colónia como director da ópera da cidade. Segundo julgo saber o cargo de Lisboa será em part-time! Ai as nossas poucas dezenas de milhares de euros. E se o Sr. Hermenêutica cumulasse os lugares como sugeriu o proverbial Marcelo? Não se poupavam uns cobres? Part-time por part-time... Será que a Guta Moura Guedes não poderia também fazer um bom lugar? Parece que a perninha que o camarada Dammann virá fazer a Lisboa será excelente para manter o Teatro de S. Carlos no mapa internacional. Estamos a ver o director de Colónia a abandonar o seu belo teatrinho sempre que lhe apetecerem uns banhos de Sol ao Estoril e, já agora, passar pelo S. Carlos... E enquanto o senhor sorridente das fotos não andar a estorvar, sempre fica cá em Lisboa o grupo dos aparatchniks da Ajuda.
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Aldrabões
Até na arte da mentira estes senhores são primitivos. Segue artigo no "O Público" que segue o take da Lusa.
Pinamonti diz que Governo não o convidou para continuar à frente do São Carlos
13.03.2007 - 18h37 Lusa
O actual director do São Carlos disse hoje que nunca foi formalmente convidado para continuar à frente do teatro lírico, refutando assim a justificação do Governo para a sua saída.
"Quero desmentir as declarações do secretário de Estado porque não correspondem à verdade", disse Paolo Pinamonti.
"Nunca tive um convite formal para continuar", acrescentou.
Para o director do São Carlos, "houve um aproveitamento incorrecto de uma frase" de uma carta que enviou à ministra em Setembro para justificar agora o seu afastamento.
"Essa carta foi enviada num contexto de se estarem a preparar cortes orçamentais da ordem dos 800 mil euros que eu não podia aceitar", indicou ainda o musicólogo italiano, que assumiu a direcção do Teatro Nacional de São Carlos a 1 de Abril de 2001.
Segundo Pinamonti, a ministra nunca respondeu a essa carta e antes apenas manifestara "apreço" pelo seu trabalho.
"Disseram-me genericamente que queriam que continuasse a trabalhar", indicou.
Paolo Pinamonti manifestou-se "muito amargurado com este tratamento" e disse que só meia hora antes da conferência de imprensa do secretário de Estado da Cultura, Mário Vieira de Carvalho, tomou conhecimento, por carta, da decisão do Governo em relação ao futuro do São Carlos.
"Comunicam-me que não estão reunidas as condições para me propor um novo contrato de trabalho no âmbito da OPART", adiantou, explicando que a ministra Isabel Pires de Lima lhe dissera há dias que falaria consigo esta semana.
"O meu contrato acaba a 31 de Março e não me foi feita nenhuma proposta para continuar até final da temporada (Julho)", referiu Pinamonti, que admitiu no entanto ficar em Lisboa até essa altura por motivos pessoais.
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Não acredito
É falso que se fale de um convite quando se oferecem condições inferiores às actuais, como julgo que se quiseram impor a Pinamonti para o forçar ao despedimento. Uma situação que lembra a de Serra Formigal, um medíocre que contribuiu para um declínio do S. Carlos, versus João Paes, início dos anos oitenta.
De qualquer forma: o comportamento inenarrável e rasteiro do Sr. Vieira Hermenêutica no despedimento anunciado, episódio Emanuel Nunes incluído, leva-me a não acreditar numa palavra da versão anunciada pelos políticos.
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12.3.07
Estações de Haydn
Um leve exagero histriónico de Henschel, com a voz pouco profunda para o papel, parece-me ter sido um pouco inferior aos restantes membros em cena, uma Rebecca Evans com voz um pouco fria na primeira parte, um oboé a dar uma fífia, foram elementos desgarrados que não mancharam em nada um trabalho excepcional de Gardiner.
Trompas olímpicas, restantes metais excelentes, madeiras notáveis, cordas perfeitas, coro deslumbrante, concepção dando lugar à arquitectura global e ao detalhe num equilíbrio e musicalidade sem par. Equilíbrio total entre instrumentos e vozes, sentido de humor, ritmo, música ao mesmo tempo tempestuosa e pictórica, sombria e radiosa, contrastes construídos de forma inteligentíssima por Gardiner.
Hoje tudo excelente: timbre dos instrumentos originais, pureza sonora sem vibratos lamechas, articulações lindíssimas, sonoridades utilizadas como cores de uma paleta. Que beleza a introdução do Inverno nos seus tons sombrios, que claridade no Verão! Que tempestade de Verão mais violenta e arrebatada, que caçada mais sugestiva, que bebedeira mais sumptuosa na cena do vinho.
Um tenor incrível (Gilchrist): que sobriedade, que coloração nos graves, que poder e brilho nos agudos, que caracterização poética entre o sombrio e tenebroso, com voz escura, na caminhada na neve e que alegria radiosa, ao encontrar o abrigo e o fogo. Simplesmente inesquecível.
O Coro foi perfeito. A orquestra perfeita. As solistas perfeitos mesmo nas suas imperfeições: o grão de Gilchrist só aumentou expressividade, Henschel apesar de cantar os cães a passear como se tratasse do suicídio do Werther deu muita intensidade ao papel e tem uma voz bonita, Rebecca Evans apesar de perder o timbre em pianíssimo arriscou no limite. Gardiner esteve perfeito, um pensador e um verdadeiro maestro, segurança absoluta, beleza e sobriedade do gesto, trabalho de ensaio e coordenação do conjunto impressionantes, beleza geral da concepção, tormentosa e apaixonada, subtil e pictórica, para mim o grande elemento aglutinador que construiu umas Estações que nos deram a verdadeira dimensão do enorme compositor que Haydn é.
ENGLISH BAROQUE SOLOISTS
MONTEVERDI CHOIR
SIR JOHN ELIOT GARDINER (Maestro)
REBECCA EVANS (Soprano)
JAMES GILCHRIST (Tenor)
DIETRICH HENSCHEL (Barítono)
P.S. Notas de programa: A Gulbenkian poderia apenas traduzir as páginas 362 e seguintes do Guia da Fayard da Música Sacra pós 1750. Saía com certeza mais barato e as notas teriam melhor estrutura e seriam mais completas e menos um mero resumo truncado do original francês. "Deísta", "Perfume", "cromatismos audaciosos", e mesmo frases inteiras literalmente traduzidas do francês cheiram a esturro, falta-me a paciência para cotejar, mas tendo lido uma coisa à tarde antes do concerto e as notas depois do mesmo, parece-me tudo muito semelhante, facto que não é novo e por ser repetitivo me leva a referi-lo de novo aqui. A ausência de bibliografia é notória, e deveria ser incluída em casos semelhantes; assim, pelo menos, a coisa não era tão descarada. O coordenador original dos textos do livro da Fayard é François René-Trancheford com colaboração de outros autores. Fayard, Paris, 1993.
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10.3.07
Programação ruinosa
Não comento a data da divulgação, nem vale a pena.
Comento apenas a qualidade da programação: muito má.
O leitor poderá dar um salto ao site da dita Casa da Música e avaliar por si próprio. Sobra o Sokolov, o John Elliot Gardiner e a banda da Coruña. O próprio Harry Christophers e os The Sixteen vêm para um concerto com aquela coisa esquisita que se designa por orquestra barroca...
Enfim, mais dinheiro e Guta Moura Guedes a trabalhar na nova imagem...
Em tempo oportuno farei uma análise comparativa com a programação do ano de 2006.
Ver sobre o assunto o Blogue do Carlos Araújo Alves que muito apropriadamente, e de forma que eu diria demasiado moderada, escreve sobre o assunto.
Etiquetas: Burmester, Casa da Música, Crítica, Guta Moura Guedes, Pires de Lima, Santanete, Sr. Hermenêutica
9.3.07
Jardim das Vozes
Claudio Monteverdi
Questi vaghi concenti (V Livro de Madrigais)
Io mi son giovinetta (IV Livro de Madrigais)
Biagio Marini
Passacaglia para orquestra
Claudio Monteverdi
Mentre vaga angioletta (VIII Livro de Madrigais)
Orfeu: excertos do Prólogo e Ária da Música
Giacomo Carissimi
Tra pui ripost (Cantata para 3 vozes)
Francesco Cavalli
La Callisto: «Lucidísima face»
Claudio Monteverdi
Lamento de la ninfa (VIII Livro de Madrigais)
Orfeo: «Possente Spirto»
L’incoronatione di Poppea: «Pur ti miro»
Georg Friedrich Händel
Arminio: «Ritorna nel core vezza brillante»
Deidamia: «M’hai resa infelice»
Niccolò Piccinni
La buona Figliuola: «Furia di donna irata»
Georg Friedrich Händel
Rinaldo (versão de 1711): «Vo far guerra»
Joseph Haydn
L´incontro improvviso:
- «Son quest’occhi» (dueto)
- «E in ordine la festa» (sexteto)
Desde o início do século XVII até quase ao dealbar do século XIX, o concerto foi uma sucessão de belíssimos momentos musicais. É evidente que as vozes não eram todas perfeitas, mas a alegria e o estilo dos cantores foram elementos que nos trouxeram a emoção de termos a verdadeira música entre nós. Houve momentos em que as coisas pareciam descair, como no lamento de Orfeo, mas a direcção de Christie, sempre atenta e de qualidade elevada, a extraordinária orquestra de uma coesão e densidade sonoras notáveis, serviram de amálgama que solidificaram o conjunto. E que belo baixo contínuo, com harpa, alaúde, cravo ou órgão, viola da gamba, violoncelo e violone na primeira parte, juntando-se mais três violoncelos e fagote na segunda em substituição da gamba. Um concerto quase com nota vinte na emoção artística e atendendo à juventude do elenco. Gostei muito da voz de Laura Smith, que densidade e corpo vocais extraordinários e ao mesmo tempo que agilidade e segurança nos agudos da ária de ira de Piccini.
Um extra de Rameau, Les Indes Galantes, corou de forma lindíssima um concerto inesquecível. A música antiga tem muitos cantores com estilo e promissores. Kenneth Weiss o autor da concepção do programa e emérito cravista e adjunto de longa data de Christie está de parabéns, infelizmente não esteve no cravo, mas o seu substituto no agrupamento, Benoît Hartoin, esteve brilhante nos solos que efectuou em Handel.
O conjunto era composto de
Laura Smith (Soprano)
Claire Meghnagi (Soprano) Muita musicalidade e equilíbrio vocal.
Francesca Bomcompagni (Soprano) Voz com pouco corpo para música menos antiga e um tímbre algo estridente.
Sonya Yoncheva (Soprano) Muito equilíbrio vocal.
Amaya Dominguez (Meio-Soprano) Belíssimo timbre e expressividade.
Mmichal Czerniawsky (Contratenor) Tem uma voz masculina e bonita, precisa de trabalhar mais as cenas de conjunto.
Juan Sancho (Tenor) Voz interessante, muito encorpada apesar de um físico esquelético, mas ainda muito verde.
Pascal Charboneau (Tenor) Voz bonita, mas a precisar de liamr algumas arestas em momentos mais delicados, sobretudo na ornamentação.
Nicholas Watts (Tenor) Tremeu no lamento de Orfeo, mas não caiu, uma voz com elementos baritonais que ao subir aos agudos mostrou alguma fragilidade, muita musicalidade.
Jonathan Sells (Baixo) Precisava de mais profundidade e potência no repertório mais recente, muito sólido na música mais antiga.
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7.3.07
A banalização da tragédia - II
A partitura de Wagner é também teatro, a música está escrita bem como a acção e o que devem fazer os personagens, até os momentos de abertura e fecho da cortina são explicitados e se deve ser rápida ou normalmente. Por exemplo no momento em que Hunding e Siegmund discutem, na cabana do primeiro, Wagner escreve que Sieglinde deve aproximar-se e colocar-se entre os dois. A cena da morte de Hunding é claríssima, apenas depois do segundo "Vai" de Wotan deve o corpo do bruto cair acompanhando as notas descendentes das cordas graves.
Se as notas são sagradas porque não é o teatro? O drama wagneriano é tão forte ao nível da música como ao nível da representação, a música e o teatro do mesmo autor que concebeu a obra como um todo. Ou entendemos Wagner como um grande autor que fez obras notáveis que devem ser respeitadas e gostamos do seu teatro, ou achamos que esse mesmo teatro deve ser alterado, reescrito, destruído. Vick está claramente no segundo lado.
Vejamos a queda de Hunding, Vick mata-o ao mesmo tempo de Siegmund antes de Wotan lhe dizer que deve ir ajoelhar perante Fricka como escravo, antes de Wotan dizer que a sua lança deve corrigir a humilhação feita ao seu dono e antes de lhe dizer, "Vai" duas vezes. Quando as notas descendentes medem a queda pesada e dramática emprestando uma cenografia através da música ao gesto, criando uma tensão insuportável que contribui para a densidade trágica da obra, já Hunding está por terra há dois ou três minutos. É ridículo, ineficiente dramaturgicamente, destrutivo do texto de forma gratuita, é mesmo pateta, poderia até ser confundido com ignorância grosseira se não se soubesse que Vick até conhece bem a obra. Isto contribui para a uma espécie de teatro incongruente entre o que é dito e feito. Vick banaliza ao retirar à música o seu papel simbólico e a sua força dramática. Qual a razão de destruir uma construção tão perfeita? Incompetência ou vontade autista do encenador em subverter gratuitamente uma edifício tão perfeito?
Será apenas imprimir algo de novo, uma marca Vick espúria e sem sentido, que nem sequer funciona no gesto aparente do teatro surdo à música. Junte-se aos gémeos a preto e branco, bucha e estica, já discutidos, junte-se à cena de Wotan e Fricka que discutiremos no próximo parágrafo e caminhamos para uma banalização da tragédia, uma futilização do génio, um aburguesamento acéfalo de um texto profundamente filosófico e politizado, depois daquele Ouro do Reno esta trivialização. O que será que Vick quer dizer? Veremos se Siegfried esclarece o programa de Vick.
A cena entre Fricka e Wotan, é representada por Judit Németh, uma excelente cantora e actriz, ele por um russo que serve para Gergiev, para Jorge Calado, para a minha amiga Ana Rocha, para quase toda a gente, mas que para mim não serve. Num alemão inenarrável, rosnando o papel sem o cantar verdadeiramente, (será que ninguém aprendeu com os arcos de Hotter?), mal vestido, Wotan enfrenta uma Fricka poderosa e motivada, bem vestida na sua simbologia divina, Németh é tão nobre que parece a mais bela das mulheres. Este Wotan não tem armas para ela, é um trapaceiro, tenta seduzi-la, mas a cena não tem a menor verosimilhança, dá umas tacadas no snooker de forma displicente, mas não tem jeito nenhum para aquilo e fazê-lo enquanto canta é desastroso, não funciona dramaturgicamente por inverosimilhança com o texto e a própria realidade que quer descrever. Wotan é tão pouco poderoso nesta Valquíria que nem sequer consegue acertar umas tacadas. Aliás o snooker marca o erro de Vick, aquilo faz o quê ali? Faz sentido Wotan dar tacadas, como não quer a coisa, enquanto discute o futuro do seu universo? Por acaso acho a metáfora do jogo interessante se bem realizada, ou seja: Wotan teria o poder de manipular as forças do universo como quem manipula habilmente as bolas de um jogo de snooker, o taco é um equivalente da lança; mas para esta ideia ser credível e funcionar o cantor/actor que faz de Wotan teria de ser um excelente jogador e surgir com a caracterização de alguém poderoso... em vez do "jogador trapaceiro" eu penso no jogador hábil, que a certa altura se começa a enredar no seu próprio jogo e a meter os pés pelas mãos, que é o que no fundo acontece com Wotan... não sei se era esta a ideia que Vick tinha em mente. Se era não era má, mas de facto a concretização foi banal. De facto o oposto é que aparece, um charlatão sem poder, que não acerta nas bolas. Mas se Wotan não tem poder qual o sentido disto tudo?
Uma cena de conflito emocional profundo, que reflectia profundamente o drama pessoal de Wagner com a sua mulher, é dramatizado por Vick como uma cena de uma série da britcom, ridículo. Vick quis trazer todos os diálogos como conflitos a dois, a ideia é boa, a Valquíria lida a todo o passo com o conflito entre opostos. Mas apenas se deve notar que este conflito não faz sentido, quem não tem poder não pode ter conflitos, está derrotado à partida. Se o actor/cantor é fraco tudo resulta inútil : o Das Ende de Wotan soa a rouco e a pouco e este Wotan está condenado à partida, até pelo mau gosto do seu trajar.
É óbvio que a Valquíria lida com o conflito, mas o porquê do conflito qual é? Nunca foi explicitado por Vick qual a força motriz por detrás do conflito: o poder e a sua demanda. Wotan é uma espécie de jogador, um burguês que bebe whisky manhoso e que tem uns esquemas, a Valquíria é uma viuva negra que não sabe bem o que fazer e que tem pena do mortal Siegmund, sem se perceber todo o conflito interno da revelação da emoção e da rejeição da imortalidade fria que busca apenas o poder eterno e que vai perdendo gradualmente. É evidente que A Valquíria é um drama de transição, é um drama de explicação, não se espera aqui a renúncia sábia do último Wotan. O supremo deus também está perdido no seu labirinto interior, talvez por isso Vick o tenha retratado como "burguês manhoso" um pouco perdido, que se evade bebendo whisky num bar/retiro de terceira categoria... Vick antecipa cedo demais a renúncia do poder. Parece claro que Vick quis enfraquecer a personagem de Wotan. Este sabe que tudo está perdido, Fricka explicita-o, Wotan já o sabia há muito, desde a profecia de Erda, e admite-o, mas é uma admissão involuntária, Wotan ainda espera recuperar o poder, ainda o utiliza na punição de Brünnhilde que ele sabe que virá a ser tomada pelo herói que há-de vir, e o tema de Siegfried ecoa por toda a orquestra e pelo canto da filha.
Magníficas as palavras finais sobre a imortalidade que Wotan enuncia no final do drama, Wotan sabe que o futuro está no homem. Vick, imagino eu, também o quer mostrar, mas esquece o lado profundamente humano de Wotan que, apesar de deus, é uma representação do homem. Wotan não é apenas um fútil e oco jogador com uns esquemas, Wotan é o símbolo último da demanda pelo poder e da sua renúncia.
Não será um herói que não teme o medo, mas um herói que não teme a lança de Wotan, que atravessará as chamas mágicas. O poder só existe através da sua representação, do respeito e do medo que inspira, o poder não existe se não se recear a lança de Wotan. A lança é o símbolo último do poder enquanto a espada é o símbolo da razão, que corta e divide, a espada é analítica, a lança é brutal. A razão cortará o poder.
E que banalização desse momento decisivo da ópera, Wotan parece um pobre desgraçado, um actor mau, mal vestido, sem os estigmas do seu poder, de lança remendada, um "farroupilha" (perdoe-se-me o neologismo) que se despede da filha, balbuciando mal um alemão de porto russo, rosnando em vez de cantar, rouco, desafinado, não tão péssimo quanto o Wotan da primeira produção mas mesmo assim claramente insuficiente.
A orquestra está reduzida a uma dimensão de trazer por casa com 16 cordas a menos sobre o exigível, a tocar horrendamente, com uns violinos em que alguns até fingem que tocam com o arco por cima das cordas sem lhes tocar, os que tocam desafinam como um bando de gatos, sem chama nem glória, nem poesia, nem alma. As tubas não conseguem cantar gloriosamente o tema de Siegfried porque estão metidas num buraco de onde o som não sai e onde estão condenadas a desafinar como bodes se cantarem a plenos pulmões por causa do tecto estar a dez centímetos dos pavilhões das mesmas. As chamas, símbolo supremo do poder de Wotan, e neste caso sobre Loge, o deus do fogo, são umas letras encarnadas que desfilam rápidas à volta de Brünnhilde.
É um erro supor que Wotan já nem sequer tem o poder de mandar no fogo, Wotan perde o poder porque deixa de ser temido na sua representação que se mantém até à lança ser quebrada pelo seu neto. Se o seu poder não fosse imponente à partida, o papel de Siegfried poderia ser desempenhado por um qualquer Sr. Hermenêutica de foice e martelo em punho, em vez da espada Notung..
As letrinhas de Loge representam um adeus antecipado ao poder de Wotan: não será demasiado fácil para Siegfried atravessar aquela barreira? Se Wotan apenas consegue aquilo porque razão teremos de suportar mais de oito horas de música para se atingir o cataclimo do fogo, também ele ordenado por Wotan no seu acto final, e servido pelo mesmo leitmotif. Será que Vick nos servirá o Crepúsculo dos Deuses com estes a tomarem um banho de sol na Caparica, de facto não estaria mal pensado. Ainda estou para ver como é que ele vai descalçar essa bota! Em rigor devia deitar o fogo ao camarote real.
É evidente que esta leitura também apresenta boas ideias, as Valquírias como vampiras negras, chupando o sangue e a alma dos mortos em combate. Mas aqui esta boa ideia esbarra com o papel secundário para o drama desta cena magnífica: boa realização teatral, bons movimentos cénicos mas apenas show-off.
A cena da tempestade com a violação e o casamento forçado de Hunding com Siegliende é muito bem conseguido e funciona, apesar de Wagner não ter escrito nada disso na partitura, é aqui que o texto wagneriano pode ser enriquecido com as ideias do encenador e neste caso funcionou muitíssimo bem.
A cena das vaias a Fricka quando esta se senta no camarote real no início do terceiro acto estariam muito bem apanhadas se fossem para o maestro Letonja e a orquestra, no caso de Fricka são grosseiras e desnecessárias, a censura, a reflexão sobre o seu papel não se faz ao nível maniqueísta do bom e do mau, as vaias são redutoras, Fricka tem o seu papel no drama, é um motor. É certo que ela representa valores que os outros questionam, desprezam ou dos quais se querem libertar... talvez o próprio Wagner, mas Wagner deixa essa hermenêutica (como a palavra está na moda porque não usá-la, afinal não é exclusiva do sr. secretário) à consciência do espectador, quem não está preparado não o perceberá, não necessita de um encenador para o guiar. Os valores de Fricka são negativos ou positivos? Isso fica na consciência e no pensamento crítico do espectador, esse é um dos lados geniais de Wagner, não há personagens cem por cento certas ou erradas, não há rectidão de valores, há seres humanos. Isto apesar de alguns serem chamados de deuses. Retirar a capacidade de pensar ao espectador é mais uma vez destruir o génio de Wagner, o drama faz-se com as nossas cabeças e com as nossas emoções.
Existe uma outra interpretação: é evidente que há á uma tomada de posição do encenador mas isso também não quer dizer que o espectador a aceite; o espectador mais conservador pode até ficar do lado de Fricka... acho que a interpretação fica na mesma em aberto, mas nesse caso as vaias são desnecessárias, acessórias.
Já a presença de Fricka no primeiro acto é inteligente, a entrada de Wotan quando o amor se consuma é também inteligente. Eles são as testemunhas que debaterão depois, em conflito, o papel dos heróis, dos tratados, da essência do poder, numa discussão que é, para mim, um dos mais belos momentos da ópera wagneriana.
Os pares expostos pela sala são interessantes na aparição da Primavera, mas distraem do essencial, o dueto de amor extraordinário de Siegmund e Sieglinde. Onde estavam as harpas que não se ouviam?
Hunding, um bruto, está bem caracterizado, só falta arrotar e peidar-se, o que eu não veria com maus olhos, seria respeitar Wagner de facto: o retrato dos maridos que Wagner tão detestava.
Sieglinde também não está mal, uma mulher conformada, forçada, mas que reencontra o sonho.
As Valquírias vestidas como estão, parecem saídas de um filme do Harry Potter, mas a ideia é muito boa e funciona perfeitamente.
Siegmund é um desgraçado inverosímil: quem acredita que um homem daqueles conseguiu fugir de uma matilha de cães? Quem acredita que a arfar, a suar abundantemente e cantando de forma penosa, pelo cansaço originado pelo seu peso, tenha uma cena de amor credível?
Porque razão as mulheres dos heróis mortos em combate, estavam tão bem vestidas? Um pouco ridículo de novo se aquilo era um campo de batalha. Será para criar a tal distância crítica da qual Vick é adepto? No fundo o seu maior erro, Wagner é tudo menos Brecht, formatá-lo pelas ideias posteriores é destruir a sua mensagem. Para uns é tocar no sagrado, para outros uma leitura possível. No meu caso prefiro a magia e o transcendente em oposição à democratização tonta. Wagner democratiza pelo pensamento a que obriga e que atinge todos. Esta é uma questão estética, filosófica e política que está no cerne da paixão que Wagner suscita nos seus irredutíveis e nos seus críticos. Admito perfeitamente outras visões, trata-se de uma questão de emoções profundas, prefiro a vertente transcendente em oposição ao lado trivializante desta visão do teatro sem distância, sem transcendência, em que a música é reduzida a um papel de acompanhamento e não há segredos por revelar. Serei um conservador empedernido nesta visão?
Teatro puro, magia pura, nada de ilusões: o drama wagneriano é teatro mágico...
Falou-se bem do tronco caído, acho visualmente interessante, e bem apanhado do ponto de vista cenográfico, mas volta a ser errado deixar a árvore da vida caída e morta no chão da sala. Alguém dirá que faz sentido: tudo começou porque Wotan lhe arrancou um ramo, o primeiro atentado contra a natureza a que se seguirão muitos outros... este freixo representa o freixo primordial que sustenta o castelo dos deuses, mas estar já morto e reduzir o poder actual de Wotan ao nada é excessivo, e é afinal a mais forte mensagem de Vick.
Interessante a batalha nos destroços da sala de Wotan, finalmente uma ideia que faz sentido simbólico, aqui Wotan já admitiu o fim. Joga-se a morte do seu filho nos destroços do seu conforto burguês, gostei.
Já o sofá na cena final da montanha é acessório e sem sentido. Nem como trono de Wotan será coerente, pois Vick caracteriza-o como um trapaceiro sem poder.
Valeu a pena? Apesar de uma encenação errada na sua concepção geral e servida por personagens centrais ocos sem saberem bem o que estavam a fazer (Wotan e Brünnhilde), eliminando a magia do teatro (factor essencial para Wagner e elemento crucial do papel da música no drama) mas também não o tornando verosímil, deixando sempre margem para a distância crítica brechtiana (o que é uma visão defendida por muitos), socializando e integrando o teatro global com o público no drama (o que poderia ser defensável e positivo à partida), subalternizando a música, banalizando a tragédia, usando figurinos horríveis, luzes anónimas, abandonando o público do palco à sua triste sorte de não ouvir nada e de ver quase sempre as costas dos cantores, de deixar sempre público de fora do teatro pela impossível utilização dos 360º que deixam sempre gente de fora, acaba por ser emocionalmente atraente este Wagner de trazer por casa. Este Wagner acaba por fazer pensar.
E se Mikhail Kit em Wotan fosse melhor actor e cantor? E se o maestro Letonja fosse mais refinado e atento aos detalhes? E se a música não fosse tão sacrificada? Talvez a coisa, creio que sobretudo pela música de Wagner e pelo palco central, teria valido os inconvenientes. Assim ficou-se pelo interessante. A minha análise desta Valquíria fica-se pela minha desilusão pessoal, de estar à espera de mais de um encenador que já fez coisas muito belas e pela sucessão de erros factuais que poderiam ter arruinado globalmente o projecto e que ainda o poderão fazer.
Os lados da acústica e da subalternização da música são para mim os mais graves defeitos desta encenação que atinge uma classificação mediana para quem a vê dos camarotes e negativa para os espectadores do palco.
Os meus comentários sobre Vick são sobretudo ao nível estético, como realizador no concreto Vick sabe do seu métier. Esta encenação tem novidades, tem valor acrescentado sobre as encenações que se vêm fazendo, acaba por dar algum prazer ver como se faz e em ter Wagner em Lisboa. Uma encenação histórica. Prefiro assim do que não se fazer, apesar das críticas que fiz.
Uma palavra para a direcção do teatro: o risco corrido resultou melhor no Ouro do Reno. Na Valquíria uma repetição da utilização do palco já não trouxe as novidades do ano passado. O cast é irregular. A música é subalternizada, acusticamente existem gravíssimas falhas. O projecto no entanto tem valor e deve ser corrigido para 2008 e 2009. Vick não pode ter o poder absoluto sendo autista relativamente a estes problemas. Não acredito que este Wotan consiga em 2009 fazer uma tetralogia completa.
O projecto deve ser continuado sem sombra de dúvidas, cortá-lo seria um acto de censura. A crítica nunca deverá ser vista como um incentivo à censura, mas uma forma de reflexão, de pensamento livre. Defender o teatro e a sua direcção contra uma tutela incompetente não é incompatível com dizer-se o que se pensa das produções em concreto.
Continua com a análise em concreto das vozes, da orquestra e da concepção do maestro.
Etiquetas: Crítica de Ópera, Sr. Hermenêutica, Valquíria, Vick, Wagner, Walküre
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