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22.3.07

Primavera traz alergia a Pollini 

Concerto ontem na Fundação Gulbenkian com o programa:

Karlheinz Stockhausen: Klavierstücke VII, Klavierstücke VIII.
Robert Schumann: Kreisleriana, op.16.
Ludwig van Beethoven: Sonata Nº 29, em Si bemol maior, op.106, Hammerklavier.

Um progama fantástico em perspectiva, um pianista de eleição. Um resultado final decepcionante, e apenas decepcionante porque Pollini na segunda parte conseguiu redimir-se do desastre da primeira parte.
Stockhausen é o que é, as obras de cariz vincadamente experimental e muito datadas, obras para ler e para ouvir de forma curiosa e intelectual, com zero de emoção. Como para as interpretar basta despachá-las de forma técnica, sobretudo a primeira, lá as escutámos com alguma condescendência enquanto nos preparávamos para a Kreisleriana que se seguiu.
Aqui começou uma Kreisleriana fria, trapalhona, cheia de erros técnicos (notas esmagadas por todo o lado) e sem a menor chama ou alma, feita a despachar. Escaparam a terceira e a sétima peças, feitas com um pouco mais de clareza. Notou-se, como sempre em Pollini, uma grande igualdade de mãos e de equilíbrio de vozes o que foi altamente insuficiente. Uma interpretação que certamente corresponde ao ideal estético de Pollini, mas que resultou num ideal estático (apesar de velocidade), desapaixonado e desinteressante. Os andamentos lentos foram gélidos, os rápidos foram atabalhoados. A única explicação é que Pollini estaria em dia não.

A sonata Hammerklavier é, no meu entender, uma obra genial de Beethoven, um tour de force imenso e violentíssimo para o pianista de técnica e concentração, com um andamento lento pelo meio que é também uma dos maiores invenções criativas da história da arte e um clímax absoluto do que o génio humano é capaz. Pollini nas partes técnicas esteve notável, "martelou" muito bem o primeiro andamento, uma igualdade e capacidade sonoras alucimantes, uma concentração espantosa, dir-se-ia outro pianista regressado da primeira parte. O Scherzo já foi menos interessante, demasiado banal da acentuação foi feito um pouco a despachar e de novo demasiado depressa (menos de 2 minutos), e veio o tremendo adagio, e de nova a desilusão: Pollini demasiado artificial usou um espectro agógico sempre demasiado rápido em meu entender, não se espraiou nas frases, não fez sentir o lado profundamente trágico e emocional desta música que banalizou sem, felizmente, vandalizar. Artificial na forma de encarar o fraseado e o rubatto, acabou por despachar o andamento em pouco mais de dez minutos! É inacreditável como foi tão impessoal na forma de abordar o ponto central e mais estranho na pouco convencional forma desta sonata onde alguns pianistas chegam aos vinte minutos. A fuga final foi notável na sua técnica e na equivalência de todas as linhas do texto e de novo o Pollini técnico brilhou.

A sensação que fica é a de um Ferrari em excesso de velocidade: capacidades fenomenais e estética agressiva mas algo desagradável: experiências nos bancos de ensaios de Darmstadt, motor demasiado pesado para as estradas românticas das florestas da Saxónia (derrapando em todas curvas) e deslumbramento excessivo com a velocidade nas rectas das autoestradas que ligam Bona a Viena.

Nota 1 - O título não é da minha autoria.

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