31.5.05
London Symphony Orchestra - Antonio Pappano
Coliseu, último dia do ciclo das Grandes Orquestras Mundiais, organizado pela Gulbenkian em boa hora. Grandes orquestras, grandes obras, grandes maestros. Nem tudo foi perfeito, o Coliseu é uma sala péssima para a grande música sinfónica. Até a Reitoria da Universidade Clássica seria uma melhor opção, tendo em conta que também não tem grandes condições e está degradada, mas tudo é melhor do que o Coliseu.
Felizmente não houve grandes ruídos externos neste concerto. A Orquestra esteve muito bem, cordas coesas, afinadíssimas, sopros excelentes com destaque para os metais que são superlativos.
Bernstein a começar "On the Waterfront" uma suite explosiva para um filme deslumbrante de Elia Kazan, com recurso a toda a orquestra, exuberante o maestro mas com uma resposta que não passou muito de um brilhantismo superficial. Digamos que não arrefeceu mas que também não aqueceu muito!
O concerto nº 1 de Shostakovich para violoncelo, opus 107, por Han-Na Chang, foi outra loiça, a solista de 22 anos (!) com uma personalidade incrível, com uma sonoridade de uma densidade enorme e um carácter muito arrebatado, deu-nos uma leitura empolgante, sentida, viva, motriz, de uma obra excelente do genial russo. Chang foi o motor da orquestra e deu o mote para o fraseado, para a expressão dos restantes músicos, mais do que o maestro. Um telemóvel tocou no momento mais sensível da obra, se fosse durante a sinfonia que se seguiu teria sido um enriquecimento da peça de Rachmaninoff, neste caso foi catastrófico!...
Finalmente a 2ª sinfonia de Rachmaninoff. Uma peça incoerente, mal concebida, sem fôlego nem chama, longa, chata, sempre com o mesmo tema, aliás (quase) o único que Rachmaninoff realizou (e usou com variantes) em toda a sua longa e aborrecida carreira de romântico serôdio. Se excluirmos o Cavaleiro Avarento e mais meia dúzia de obras, onde não incluo o enjoativo vocalizo, Rachmaninoff é um imenso marasmo com excesso de notas para disfarçar a falta de ideias e de concepções. Se pensarmos que o tema recorrente desta sinfonia surge nos diversos andamentos porque o compositor não tinha ideias para mais ficamos com uma ideia clara da obra. Um tema lamechas e sentimentalão que se repete e que deixa muitos ouvintes, que Wagner não conseguiu reformar (tantos anos depois parece quase um anacronismo, mas infelizmente é verdade), encantados... o que noutro compositor poderia ter sido um rasgo de génio é apenas um bocejo de aborrecimento. Com uma obra destas a orquestra tentou, o maestro lá bateu a batuta e se contorceu no pódio mas, depois de muito espremida a sinfonia, o sumo foi pouco.
Ficou a pena de não ter escutado uma obra mais consistente. Pappano deixou-nos dúvidas, se foi ele a escolher o repertório que se repetiu em quatro concertos ibéricos a escolha foi infeliz. Por outro lado a sua visão de todas as obras pareceu muito gesticulada e pouco meditada. Outro repertório esclarecerá se tenho ou não razão.
Um concerto bom que nos deixou algo infelizes com a escolha da peça de resistência...
Felizmente não houve grandes ruídos externos neste concerto. A Orquestra esteve muito bem, cordas coesas, afinadíssimas, sopros excelentes com destaque para os metais que são superlativos.
Bernstein a começar "On the Waterfront" uma suite explosiva para um filme deslumbrante de Elia Kazan, com recurso a toda a orquestra, exuberante o maestro mas com uma resposta que não passou muito de um brilhantismo superficial. Digamos que não arrefeceu mas que também não aqueceu muito!
O concerto nº 1 de Shostakovich para violoncelo, opus 107, por Han-Na Chang, foi outra loiça, a solista de 22 anos (!) com uma personalidade incrível, com uma sonoridade de uma densidade enorme e um carácter muito arrebatado, deu-nos uma leitura empolgante, sentida, viva, motriz, de uma obra excelente do genial russo. Chang foi o motor da orquestra e deu o mote para o fraseado, para a expressão dos restantes músicos, mais do que o maestro. Um telemóvel tocou no momento mais sensível da obra, se fosse durante a sinfonia que se seguiu teria sido um enriquecimento da peça de Rachmaninoff, neste caso foi catastrófico!...
Finalmente a 2ª sinfonia de Rachmaninoff. Uma peça incoerente, mal concebida, sem fôlego nem chama, longa, chata, sempre com o mesmo tema, aliás (quase) o único que Rachmaninoff realizou (e usou com variantes) em toda a sua longa e aborrecida carreira de romântico serôdio. Se excluirmos o Cavaleiro Avarento e mais meia dúzia de obras, onde não incluo o enjoativo vocalizo, Rachmaninoff é um imenso marasmo com excesso de notas para disfarçar a falta de ideias e de concepções. Se pensarmos que o tema recorrente desta sinfonia surge nos diversos andamentos porque o compositor não tinha ideias para mais ficamos com uma ideia clara da obra. Um tema lamechas e sentimentalão que se repete e que deixa muitos ouvintes, que Wagner não conseguiu reformar (tantos anos depois parece quase um anacronismo, mas infelizmente é verdade), encantados... o que noutro compositor poderia ter sido um rasgo de génio é apenas um bocejo de aborrecimento. Com uma obra destas a orquestra tentou, o maestro lá bateu a batuta e se contorceu no pódio mas, depois de muito espremida a sinfonia, o sumo foi pouco.
Ficou a pena de não ter escutado uma obra mais consistente. Pappano deixou-nos dúvidas, se foi ele a escolher o repertório que se repetiu em quatro concertos ibéricos a escolha foi infeliz. Por outro lado a sua visão de todas as obras pareceu muito gesticulada e pouco meditada. Outro repertório esclarecerá se tenho ou não razão.
Um concerto bom que nos deixou algo infelizes com a escolha da peça de resistência...
29.5.05
Globalização e Mondovino - Tinta Roriz
Tinta roriz ou Aragonês. As cepas que se vêem aqui são enxertadas nesta casta.
Não são Merlot ou Cabernet Sauvignon. Como tal não teriam lugar na Europa da Constituição Europeia. O carvalho francês com sabor a baunilha em barricas de 225 litros como norma obrigatória não poderia ser vetado pelos 2% de influência, e votos, que Portugal terá depois da entrada em vigor de uma constituição que rejeita os Estados, os Milénios, as Culturas. Os franceses parece que perceberam, será que nós percebemos?
Será que mesmo assim poderemos vetar o carvalho francês? O Merlot e o Cabernet? Será que nos rendemos aos 225 dm3? Eu sou pessimista, como no Mondovino - um belo documentário mas algo arrastado - qualquer dia estamos todos a beber uma espécie de coca-cola dos vinhos. O preço da mundialização dos mercados, dos palatos, dos gostos, das culturas. É o liberalismo, e eu sinto-me um pobre reaccionário nacionalista (ao que isto chegou) chorando por um Barca Velha que já não tenho na adega, para comemorar o Não francês, enquanto vou bebendo uma Reserva Especial Ferreirinha. Ao menos este vinho não é uma "puta" que depois de umas impressões agradáveis, depois de uns aromas prometedores, não nos abandona de repente. Pelo contrário: pode começar de forma menos insinuante mas permanece, alonga-se, acompanha-nos no tempo, faz-nos sentir bem, lembra-nos a terra e a sua infinita generosidade. Não! Vou continuar pela roriz, pela barroca, pelo castelão...
Não são Merlot ou Cabernet Sauvignon. Como tal não teriam lugar na Europa da Constituição Europeia. O carvalho francês com sabor a baunilha em barricas de 225 litros como norma obrigatória não poderia ser vetado pelos 2% de influência, e votos, que Portugal terá depois da entrada em vigor de uma constituição que rejeita os Estados, os Milénios, as Culturas. Os franceses parece que perceberam, será que nós percebemos?
Será que mesmo assim poderemos vetar o carvalho francês? O Merlot e o Cabernet? Será que nos rendemos aos 225 dm3? Eu sou pessimista, como no Mondovino - um belo documentário mas algo arrastado - qualquer dia estamos todos a beber uma espécie de coca-cola dos vinhos. O preço da mundialização dos mercados, dos palatos, dos gostos, das culturas. É o liberalismo, e eu sinto-me um pobre reaccionário nacionalista (ao que isto chegou) chorando por um Barca Velha que já não tenho na adega, para comemorar o Não francês, enquanto vou bebendo uma Reserva Especial Ferreirinha. Ao menos este vinho não é uma "puta" que depois de umas impressões agradáveis, depois de uns aromas prometedores, não nos abandona de repente. Pelo contrário: pode começar de forma menos insinuante mas permanece, alonga-se, acompanha-nos no tempo, faz-nos sentir bem, lembra-nos a terra e a sua infinita generosidade. Não! Vou continuar pela roriz, pela barroca, pelo castelão...
Não é Não!
Não, significa sim!
Não significa, sim!
Não significa não!
Ou será que sim?
São Nim?
P.S. São Nim o padroeiro dos políticos!...
Não significa, sim!
Não significa não!
Ou será que sim?
São Nim?
P.S. São Nim o padroeiro dos políticos!...
O Cão Raivoso - Cartoons
Lembram-se de João Paulo II com um preservativo no nariz?
Neste sábado saiu isto
Que além de falta de imaginação, já tinha andado a circular na net uma coisa parecida, denota que este senhor
continua um cão raivoso e ofensivo.
Neste sábado saiu isto
Que além de falta de imaginação, já tinha andado a circular na net uma coisa parecida, denota que este senhor
continua um cão raivoso e ofensivo.
26.5.05
Pinnock e Sokolov
Casa da Música, 23 de Maio:
Trevor Pinnock - direcção musical
Grigori Sokolov - piano
Daniel Sepec - violino
Programa
1ª Parte:
CPE Bach
Sinfonia Nr1, H.663 em Ré Maior
W. A. Mozart
Concerto para Piano No.23 K 488
2ª Parte:
W. A. Mozart
Rondo para Violino e Orquestra em Dó Maior K373
Joseph Haydn
Sinfonia No.99
Um CFE Bach tocado em género aquecimento, mas mesmo assim muito bem interpretado por Pinnock e uma orquestra de câmara em que os únicos instrumentos que tentavam ser réplicas dos originais eram as trompas naturais e os trompetes naturais.
Apesar da agressividade sonora da afinação a 441, temperada por igual e dos instrumentos modernos, muito menos doces que os originais, a orquestra de Bremen conseguiu ser estilisticamente compacta, incisiva, equilibrada dinamicamente, ritmada e muito pronta na resposta às solicitações do maestro. Muito vivo o presto final.
Sokolov entrou no seu passo grande, concentrado, sentou-se ao piano e atacou os tutti tal como Mozart escreveu na parte de piano. Segundo Pinnock o pianista gosta muito de realizar a parte tal como está escrita pelo compositor. Uma lição para inúmeros pianistas de trazer por casa que apenas fazem as partes em que o piano está a solo.
Respeito pela música e pelo compositor. Creio que o segredo de Sokolov começa aí, o pianista é apenas o veículo do que o compositor tinha na cabeça. A música acima de tudo. E foi a música que esteve acima de tudo, a cor da orquestra com o piano subjacente na realização da harmonia foi imediatamente a nota dominante da introdução temática do concerto em Lá maior.
A concepção de Sokolov foi de uma contenção sonora notável, parecia estarmos em frente de um pianoforte do tempo de Mozart mas com uma paleta de cores muito variada. Um jogo tímbrico notável, tantas vezes assinalado neste pianista, mas que por ser parte de uma verdade insofismável é necessário referenciar sempre que se escreve sobre a arte de Sokolov. Uma transparência impossível, uma digitação perfeita, a articulação das frases feita com uma correcção estilística arrepiante fizeram o ouvinte esquecer os detalhes analíticos e mergulhar profundamente na música, a música acima de tudo! Depois de uma ausência de erros absoluta, sobra espaço para a maestria do tempo, para a sensibilidade, para o deleite do jogo entre o pianista os músicos da orquestra e o maestro, sobra finalmente espaço para a arte feita prazer puro. Não sei se estou a ser hedonista, mas a arte levada a este extremo é prazer puro.
E caímos no segundo andamento, o adagio. Em conversa posterior, entre amigos, discutimos o objectivo que Mozart teria em vista com a escrita de um trecho de música tão profundo, tão subtil, tão pungente. Talvez o facto de estar sem dinheiro para uns copos? O significado profundo da vida? Bem, alguma coisa seria, mas não interessa nada a quem ouve Sokolov. As razões básicas por detrás da criação transcendem-se, transformam-se pela arte pura e pela sua recriação, a impressão, a emoção, geram-se no receptor, neste caso após uma interpretação extraordinária. Nada que Wagner não soubesse e não tivesse já escrito há mais de cem anos...
Digamos que este andamento, no meu entender do mais belo que Mozart alguma vez escreveu, foi tocado como se estivéssemos no paraíso, as palavras faltam e sobra apenas espaço para escutar, uma interacção total entre orquestra e pianista. Uma sintonia tão grande que deixou comovidos os que ouviam Mozart na belíssima sala 1 da Casa da Música. O drama, a beleza infinita de uma música que atravessa os séculos para nos tocar tantos anos depois da morte de Mozart... Não ficámos indiferentes. As madeiras deram com os seus solos agonizantes temas que o piano retomou de forma magistral, as cordas em pizzicato marcaram o fim dos discurso com um sublinhado doloroso, o clarinete, que Mozart tão bem escolheu aqui, contracenou com o piano num jogo delicado de sons, de sombras e luzes em encantamento.
No rondo final conseguimos espaço para meditar no trabalho das articulações, tão patente nas sucessivas imitações que o andamento comporta, trompas naturais em grande forma a marcar os tutti. Pensámos aqui na utilização da mão esquerda de Sokolov, na subtil dose de pedais, na exploração das ressonâncias, na combinação dos harmónicos dos sopros com as ressonâncias das cordas novas do Steinway na sua caixa negra.
Quem somos nós para criticar Sokolov e Pinnock? Ninguém! Depois de ouvir um clarinete em tercinas ser imitado pela mão esquerda de Sokolov a dar, ilusão sonora, o timbre escuro do clarinete no seu registo grave, abandonámos qualquer meditação crítica e mergulhámos totalmente no prazer da música...
O rondo de Mozart foi correcto, mas depois de Sokolov tocar a solo é ingrato tocar a solo. Gostámos do violinista, concertino da orquestra, muito sério do ponto de vista estilístico, com uma bela sonoridade. Pena a desafinação na última nota...
A sinfonia de Haydn mostrou uma concepção notável e um sentido musical profundo de Pinnock. Haydn é um compositor de grande génio, inovador. A sua obra é de altíssima qualidade, a imaginação harmónica do compositor a par da sua criatividade melódica não poderiam ser mais patentes do que nesta sinfonia 99 que é também uma viagem de modulações e excursões às mais variadas tonalidades. Toda a orquestra contribuiu para dar uma leitura vigorosa e apaixonada desta música, uma visão alegre e muito viva de uma obra grande e cheia de sentido de humor. Humor que Haydn já tinha usado e que Pinnock tão bem realçou. O falso final com suspensão na pausa (mas fora da tónica) deu azo a palmas! Pinnock malicioso esperou por essas mesmas palmas para dar o ataque à coda da obra! Olhou para trás e com um jeito intraduzível por palavras deu a entender que Haydn, e ele próprio, tinham enganado o público!
No extra em que repetiu o último andamento o público já tinha aprendido a lição e não bateu palmas! Pinnock voltou-se, de novo com ar maroto, e acenou afirmativamente para o público como a dizer: “vejo que já aprenderam!”
O triunfo não se fez esperar e as palmas choveram.
A acústica da Casa da Música pareceu-me um pouco seca e muito transparente, mas muito compacta e uniforme, o som escuta-se muito bem em todos os pontos.
Resumo: Uma visão pessoal e extraordinária de Sokolov perante a música e a obra, como nos disse Trevor Pinnock no final do concerto. Um trabalho de equipa notável entre Pinnock, a orquestra e Sokolov. A Música acima de tudo.
Sala quase cheia.
Trevor Pinnock - direcção musical
Grigori Sokolov - piano
Daniel Sepec - violino
Programa
1ª Parte:
CPE Bach
Sinfonia Nr1, H.663 em Ré Maior
W. A. Mozart
Concerto para Piano No.23 K 488
2ª Parte:
W. A. Mozart
Rondo para Violino e Orquestra em Dó Maior K373
Joseph Haydn
Sinfonia No.99
Um CFE Bach tocado em género aquecimento, mas mesmo assim muito bem interpretado por Pinnock e uma orquestra de câmara em que os únicos instrumentos que tentavam ser réplicas dos originais eram as trompas naturais e os trompetes naturais.
Apesar da agressividade sonora da afinação a 441, temperada por igual e dos instrumentos modernos, muito menos doces que os originais, a orquestra de Bremen conseguiu ser estilisticamente compacta, incisiva, equilibrada dinamicamente, ritmada e muito pronta na resposta às solicitações do maestro. Muito vivo o presto final.
Sokolov entrou no seu passo grande, concentrado, sentou-se ao piano e atacou os tutti tal como Mozart escreveu na parte de piano. Segundo Pinnock o pianista gosta muito de realizar a parte tal como está escrita pelo compositor. Uma lição para inúmeros pianistas de trazer por casa que apenas fazem as partes em que o piano está a solo.
Respeito pela música e pelo compositor. Creio que o segredo de Sokolov começa aí, o pianista é apenas o veículo do que o compositor tinha na cabeça. A música acima de tudo. E foi a música que esteve acima de tudo, a cor da orquestra com o piano subjacente na realização da harmonia foi imediatamente a nota dominante da introdução temática do concerto em Lá maior.
A concepção de Sokolov foi de uma contenção sonora notável, parecia estarmos em frente de um pianoforte do tempo de Mozart mas com uma paleta de cores muito variada. Um jogo tímbrico notável, tantas vezes assinalado neste pianista, mas que por ser parte de uma verdade insofismável é necessário referenciar sempre que se escreve sobre a arte de Sokolov. Uma transparência impossível, uma digitação perfeita, a articulação das frases feita com uma correcção estilística arrepiante fizeram o ouvinte esquecer os detalhes analíticos e mergulhar profundamente na música, a música acima de tudo! Depois de uma ausência de erros absoluta, sobra espaço para a maestria do tempo, para a sensibilidade, para o deleite do jogo entre o pianista os músicos da orquestra e o maestro, sobra finalmente espaço para a arte feita prazer puro. Não sei se estou a ser hedonista, mas a arte levada a este extremo é prazer puro.
E caímos no segundo andamento, o adagio. Em conversa posterior, entre amigos, discutimos o objectivo que Mozart teria em vista com a escrita de um trecho de música tão profundo, tão subtil, tão pungente. Talvez o facto de estar sem dinheiro para uns copos? O significado profundo da vida? Bem, alguma coisa seria, mas não interessa nada a quem ouve Sokolov. As razões básicas por detrás da criação transcendem-se, transformam-se pela arte pura e pela sua recriação, a impressão, a emoção, geram-se no receptor, neste caso após uma interpretação extraordinária. Nada que Wagner não soubesse e não tivesse já escrito há mais de cem anos...
Digamos que este andamento, no meu entender do mais belo que Mozart alguma vez escreveu, foi tocado como se estivéssemos no paraíso, as palavras faltam e sobra apenas espaço para escutar, uma interacção total entre orquestra e pianista. Uma sintonia tão grande que deixou comovidos os que ouviam Mozart na belíssima sala 1 da Casa da Música. O drama, a beleza infinita de uma música que atravessa os séculos para nos tocar tantos anos depois da morte de Mozart... Não ficámos indiferentes. As madeiras deram com os seus solos agonizantes temas que o piano retomou de forma magistral, as cordas em pizzicato marcaram o fim dos discurso com um sublinhado doloroso, o clarinete, que Mozart tão bem escolheu aqui, contracenou com o piano num jogo delicado de sons, de sombras e luzes em encantamento.
No rondo final conseguimos espaço para meditar no trabalho das articulações, tão patente nas sucessivas imitações que o andamento comporta, trompas naturais em grande forma a marcar os tutti. Pensámos aqui na utilização da mão esquerda de Sokolov, na subtil dose de pedais, na exploração das ressonâncias, na combinação dos harmónicos dos sopros com as ressonâncias das cordas novas do Steinway na sua caixa negra.
Quem somos nós para criticar Sokolov e Pinnock? Ninguém! Depois de ouvir um clarinete em tercinas ser imitado pela mão esquerda de Sokolov a dar, ilusão sonora, o timbre escuro do clarinete no seu registo grave, abandonámos qualquer meditação crítica e mergulhámos totalmente no prazer da música...
O rondo de Mozart foi correcto, mas depois de Sokolov tocar a solo é ingrato tocar a solo. Gostámos do violinista, concertino da orquestra, muito sério do ponto de vista estilístico, com uma bela sonoridade. Pena a desafinação na última nota...
A sinfonia de Haydn mostrou uma concepção notável e um sentido musical profundo de Pinnock. Haydn é um compositor de grande génio, inovador. A sua obra é de altíssima qualidade, a imaginação harmónica do compositor a par da sua criatividade melódica não poderiam ser mais patentes do que nesta sinfonia 99 que é também uma viagem de modulações e excursões às mais variadas tonalidades. Toda a orquestra contribuiu para dar uma leitura vigorosa e apaixonada desta música, uma visão alegre e muito viva de uma obra grande e cheia de sentido de humor. Humor que Haydn já tinha usado e que Pinnock tão bem realçou. O falso final com suspensão na pausa (mas fora da tónica) deu azo a palmas! Pinnock malicioso esperou por essas mesmas palmas para dar o ataque à coda da obra! Olhou para trás e com um jeito intraduzível por palavras deu a entender que Haydn, e ele próprio, tinham enganado o público!
No extra em que repetiu o último andamento o público já tinha aprendido a lição e não bateu palmas! Pinnock voltou-se, de novo com ar maroto, e acenou afirmativamente para o público como a dizer: “vejo que já aprenderam!”
O triunfo não se fez esperar e as palmas choveram.
A acústica da Casa da Música pareceu-me um pouco seca e muito transparente, mas muito compacta e uniforme, o som escuta-se muito bem em todos os pontos.
Resumo: Uma visão pessoal e extraordinária de Sokolov perante a música e a obra, como nos disse Trevor Pinnock no final do concerto. Um trabalho de equipa notável entre Pinnock, a orquestra e Sokolov. A Música acima de tudo.
Sala quase cheia.
Nada Novo - Tudo Novo
Sokolov foi extraordinário no concerto 23 de Mozart. Trevor Pinock além de se ter entendido de forma notável com Sokolov dirigiu admiravelmente a orquestra de Câmara de Bremen. Esta foi incisiva, dinâmica, assertiva e confiante. Talvez tenha sido excessivamente brilhante e muito técnica nos seus instrumentos modernos.
A Casa da Música é uma maravilha, e não fossem as tralhas pós modernas, v.g. orgãos falsos a decorar as paredes da Sala 1, seria quase perfeita.
O Reino do Vibrato
A London Symphony Orchestra no Coliseu de Lisboa sob a direcção de Antonio Pappano esteve também quase perfeita e a solista em violoncelo (Han-Na Chang) esteve em grande plano no concerto op. 107 de Shostakovich. Pena a sinfonia algo duvidosa do Rachmaninov ter sido escolhida para o final deste ciclo da Fundação Gulbenkian. Que desperdício, uma orquestra tão boa com uma obra destas, mas a programação de uma tournée ibérica assim o deve exigir...
Para amanhã textos mais desenvolvidos sobre ambos os assuntos.
H.S.
A Casa da Música é uma maravilha, e não fossem as tralhas pós modernas, v.g. orgãos falsos a decorar as paredes da Sala 1, seria quase perfeita.
O Reino do Vibrato
A London Symphony Orchestra no Coliseu de Lisboa sob a direcção de Antonio Pappano esteve também quase perfeita e a solista em violoncelo (Han-Na Chang) esteve em grande plano no concerto op. 107 de Shostakovich. Pena a sinfonia algo duvidosa do Rachmaninov ter sido escolhida para o final deste ciclo da Fundação Gulbenkian. Que desperdício, uma orquestra tão boa com uma obra destas, mas a programação de uma tournée ibérica assim o deve exigir...
Para amanhã textos mais desenvolvidos sobre ambos os assuntos.
H.S.
25.5.05
Mistérios
Durão Barroso à frente da Comissão Europeia e António Guterres nomeado para o cargo de Alto Comissário para os Refugiados das Nações Unidas. Porque é que supostamente eles só são bons lá fora? Hmmmmmmmmmm???
Será a velha história?…
Será a velha história?…
23.5.05
Um concerto que promete
Sabe-se da minha desconfiança relativamente a "fenómenos". O caso Sokolov não escapava a esta reserva, gravações de alto nível ao vivo não limparam essa imagem negativa que Sokolov me inspirava. Fruto de uma abordagem de Bach muito pessoal e, para mim, pouco correcta. Lembrava-me também de um recital em que a sua actuação roçou o autismo, perante um público que tinha ocorrido em massa para o escutar, numa sala de concerto que o pianista exigiu manter em condições infernais, recusando-se a abrir as janelas do palácio de Queluz em pleno calor estival.
Um recital extraordinário em Lisboa na Fundação Gulbenkian dissipou estas dúvidas.
Amanhã, na Casa da Música, Sokolov vai estar de novo perante o público português, desta feita no Porto, num concerto que se afigura algo estranho. Mozart, kv 488 por Sokolov com Die Deutsche Kammerphilharmonie Bremen e Trevor Pinock na direcção, o restante programa inclui C.P.E. Bach e Haydn (sinfonia 99).
A palavra chave para este concerto é espectativa e curiosidade. Se tudo correr bem poderá ser um concerto memorável. Se algo emperrar pode ser um desastre. Não acredito num concerto morno, meias tintas, meramente correcto, pelo menos no concerto 23 de Mozart. Um choque de personalidades e de abordagens, uma fusão?
O resto também me deixa na dúvida, Pinock fora das suas águas habituais (pelo menos até algum tempo atrás que agora está a ficar na moda o período clássico).
Um concerto que terá aqui a crítica merecida, tratam-se de intérpretes de craveira mundial e como prometido merecerá comentários aqui mesmo.
A Casa da Música será também analisada.
H.S.
P.S. Soube agora, 23h, que ainda há bilhetes para este concerto! Em qualquer sala da Europa, a este preço (25€), este seria um concerto completamente esgotado. Com os bilhetes muito mais caros, só com uma sorte incrível consegui uma desistência numa aldeia perdida do Voralberg como Schwarzenberger para escutar Peter Scheier no Verão do ano passado!
Angelika-Kauffmann-Saal onde escutámos Peter Schreier
Um recital extraordinário em Lisboa na Fundação Gulbenkian dissipou estas dúvidas.
Amanhã, na Casa da Música, Sokolov vai estar de novo perante o público português, desta feita no Porto, num concerto que se afigura algo estranho. Mozart, kv 488 por Sokolov com Die Deutsche Kammerphilharmonie Bremen e Trevor Pinock na direcção, o restante programa inclui C.P.E. Bach e Haydn (sinfonia 99).
A palavra chave para este concerto é espectativa e curiosidade. Se tudo correr bem poderá ser um concerto memorável. Se algo emperrar pode ser um desastre. Não acredito num concerto morno, meias tintas, meramente correcto, pelo menos no concerto 23 de Mozart. Um choque de personalidades e de abordagens, uma fusão?
O resto também me deixa na dúvida, Pinock fora das suas águas habituais (pelo menos até algum tempo atrás que agora está a ficar na moda o período clássico).
Um concerto que terá aqui a crítica merecida, tratam-se de intérpretes de craveira mundial e como prometido merecerá comentários aqui mesmo.
A Casa da Música será também analisada.
H.S.
P.S. Soube agora, 23h, que ainda há bilhetes para este concerto! Em qualquer sala da Europa, a este preço (25€), este seria um concerto completamente esgotado. Com os bilhetes muito mais caros, só com uma sorte incrível consegui uma desistência numa aldeia perdida do Voralberg como Schwarzenberger para escutar Peter Scheier no Verão do ano passado!
Angelika-Kauffmann-Saal onde escutámos Peter Schreier
20.5.05
20 de Maio
Usurpação de Olivença, 1801. A Crimeia declarou-se independente da Ucrânia, 1994. Timor Leste ganhou a independência, 2001. Otelo Saraiva de Carvalho foi declarado culpado dos crimes relacionados com as FP 25 de Abril e condenado a 15 anos de cadeia, 1987...
Calor
Faz calor. Quando o calor aperta lembro-me sempre do longo mês de Agosto passado todos os anos na quinta com a avó.
Das escapadelas à hora da sesta, em que não tinha “autorização” para sair de casa, para me sentar à sombra da nespereira à conversa com o Senhor Miguel. Aquelas sim, eram histórias diferentes, eram verdadeiras e ao vivo. Sentado sempre no mesmo banquinho aguardava a minha presença para me contar verdadeiros segredos, enquanto preparava as réstias de cebola e de alho que me insistia em ensinar a fazer. Um verdadeiro mistério.
Lembro-me do cheiro da fruta madura disposta na palha estendida no chão da casa das alfaias agrícolas e de sair ao fim do dia para apanhar os abrunhos que a avó tanto gostava e que só Ela sabia escolher.
Da tia Odete que passava as tardes sentada no sofá a tricotar gorros de lã, em pleno mês de Agosto! Gorros de lã iguais àqueles que picavam no pescoço e que a mãe nos obrigava a pôr nas manhãs frias de Inverno quando saíamos para o colégio.
Da senhora Amélia, sempre vestida de preto e com o seu carrapito, a rodopiar de um lado para o outro para dar conta do recado. Do cheiro do sabão azul e branco e da cal fresca.
Do som das badaladas do relógio da sala que as quatro horas nos davam autorização para irmos a banhos, bem como da aflição da avó que não sabia nadar.
Das andorinhas.
De tanta coisa mais…
E por isso é sempre bom fugir para lá mesmo que faça calor!
Das escapadelas à hora da sesta, em que não tinha “autorização” para sair de casa, para me sentar à sombra da nespereira à conversa com o Senhor Miguel. Aquelas sim, eram histórias diferentes, eram verdadeiras e ao vivo. Sentado sempre no mesmo banquinho aguardava a minha presença para me contar verdadeiros segredos, enquanto preparava as réstias de cebola e de alho que me insistia em ensinar a fazer. Um verdadeiro mistério.
Lembro-me do cheiro da fruta madura disposta na palha estendida no chão da casa das alfaias agrícolas e de sair ao fim do dia para apanhar os abrunhos que a avó tanto gostava e que só Ela sabia escolher.
Da tia Odete que passava as tardes sentada no sofá a tricotar gorros de lã, em pleno mês de Agosto! Gorros de lã iguais àqueles que picavam no pescoço e que a mãe nos obrigava a pôr nas manhãs frias de Inverno quando saíamos para o colégio.
Da senhora Amélia, sempre vestida de preto e com o seu carrapito, a rodopiar de um lado para o outro para dar conta do recado. Do cheiro do sabão azul e branco e da cal fresca.
Do som das badaladas do relógio da sala que as quatro horas nos davam autorização para irmos a banhos, bem como da aflição da avó que não sabia nadar.
Das andorinhas.
De tanta coisa mais…
E por isso é sempre bom fugir para lá mesmo que faça calor!
19.5.05
Música Francesa do Século XVII e XVIII no Rossio!
Hoje, quinta feira, teremos música francesa no Teatro Nacional.
Udite Amanti com Ana Mafalda Castro (cravo e direcção), Orlanda Velez Isidro e Magna Ferreira (sopranos), Iskrena Yordanova (violino), Sofia Diniz (gamba) e Joana Amorim (traverso).
O programa contém:
Monteclair - Morte de Didon, Marin Marais - Les sonneries de Ste Geneviève de Paris, Campra - Cantata Arion, Couperin - Chacone.
Um belo programa para acabar a tarde no Rossio pelas 18h no Teatro Nacional de Dona Maria.
Udite Amanti com Ana Mafalda Castro (cravo e direcção), Orlanda Velez Isidro e Magna Ferreira (sopranos), Iskrena Yordanova (violino), Sofia Diniz (gamba) e Joana Amorim (traverso).
O programa contém:
Monteclair - Morte de Didon, Marin Marais - Les sonneries de Ste Geneviève de Paris, Campra - Cantata Arion, Couperin - Chacone.
Um belo programa para acabar a tarde no Rossio pelas 18h no Teatro Nacional de Dona Maria.
Agressão sonora
Somos vítimas diariamente de violentas agressões sonoras, hoje entro no Metro, ruído muito intenso e agressivo de aviso de fecho de portas, aviso da próxima estação também num nível fortíssimo. Ruído muito agressivo nas estações com publicidade e uma pseudo música a acompanhar imagens de um miúdo a andar de skate... Depois andam uns pedintes aos berros no interior das carruagens, um acordeonista, não lhe bastando o próprio instrumento como também uma instalação sonora de carrinho, com amplificador e tudo! Ontem apanhei um clarinetista com a mesma parafernália. Saio no Saldanha e como com as obras do alargamento da estação com mais martelos pneumáticos em cima e rebarbadoras com ele. O Metro já faz uma chiadeira nas curvas que é de arrepiar. Nos elevadores como com mais "música", nas salas de espera, lá está a televisão, que ninguém vê a debitar decibeis. Nos cafés e esplanadas lá estão as cornetas acústicas a debitar lixo sonoro, e agressivo, não solicitado, indesejado, infernal, doloroso, causador de stress e doenças. Um inferno. É certo que alguns compositores contemporâneos conseguem ser ainda mais incomodativos, mas isso não me dá consolo, antes pelo contrário...
Será que não há ecologistas para estas causas?
Será que não há ecologistas para estas causas?
Dois anos na blogosfera - Parabens atrasados!
Após algumas esporádicas colaborações com o Crítico, os meus afazeres profissionais mantêm-me afastado há alguns meses, mas a data justifica um breve regresso para aqui deixar os meus sinceros parabéns ao Henrique (ainda que com dois dias de atraso). É porém com algum pesar que leio que o meu grande amigo vai deixar de fazer crítica (ou vai pelo menos restringi-la situações excepcionais…) e que também deixará de ser o Crítico dos Críticos. E agora, quem vai criticar o Seabra? O crítico-sociólogo-“tudólogo” vai sentir-se desamparado, desorientado!… Pode tornar-se perigoso. Irá resistir a este abandono?).
Mas também tenho a certeza que o Henrique irá saber manter a qualidade e o interesse do blog, que nos continuará a cativar sempre com novas descobertas e reflexões, com o seu entusiasmo e o seu sentido de humor, que continuará a ter uma postura crítica e interventiva.
Muitos músicos estarão a regozijar de júbilo, mas nós vamos ter muitas saudades do crítico acutilante, por vezes temperamental e desmesurado, mas sempre conhecedor, apaixonado, corajoso e honesto consigo próprio. Nem todos compreenderam sempre a sua ironia subtil ou o seu humor corrosivo. Muitos viram más intenções no que não passava de uma simples provocação espontânea ou de uma caricatura delirante. Mas foram esses traços de ousadia descomplexada que o ajudaram a afirmar um estilo inconfundível. Se estes não fossem apenas uma ornamentação exuberante a decorar uma estrutura mais sólida e um conteúdo mais profundo (como numa peça de música barroca), o Crítico não seria hoje uma das referências da blogosfera portuguesa.
Vasco Garrido
18.5.05
Mundo cinza
Um mundo sem livros, de um futuro sombrio, de um "Big Brother" ou de um "Brazil" algures no fim do mundo.
Um mundo com ecrãs e botões, um mundo branco, vazio, ou cinzento da cor do betão russo, é igual.
Um mundo em que se têm de decorar os livros como no "Fahrenheit 451", mas onde já nem sequer se escrevem livros. A réstia de esperança na eternidade é a única centelha que resta, o presente é cinzento, nevoeiro. Estamos já no fahrenheit e não damos por isso...
Um mundo com ecrãs e botões, um mundo branco, vazio, ou cinzento da cor do betão russo, é igual.
Um mundo em que se têm de decorar os livros como no "Fahrenheit 451", mas onde já nem sequer se escrevem livros. A réstia de esperança na eternidade é a única centelha que resta, o presente é cinzento, nevoeiro. Estamos já no fahrenheit e não damos por isso...
17.5.05
Dois anos
Acompanha o tempo
a música das esferas,
angústias e esperas...
Tenho pena de correr
ao correr da pena.
As minhas poesias
apenas jogos de palavras,
são absolutos nadas.
E sobre os comentários ou a sua ausência:
Aos diários pessoais
não interessam comentários,
sentenças banais.
Soube agora
Fizémos dois anos de Blogue hoje! Só me recordei ao ler o Ideias Soltas! Um muito obrigado ao Carlos A. Alves pelos parabéns que nos deu.
Aproveito para dizer que, embora a decisão se tenha passado há algum tempo, a partir de hoje deixa de se fazer crítica, por mim próprio, a agrupamentos portugueses, ou com base em Portugal ou a intérpretes solistas portugueses! Acabam as críticas de ópera do S. Carlos no que diz respeito à OSP e ao Coro. Continuarei a falar sobre a qualidade musical das obras, das encenações e de alguns cantores (não residentes no burgo) desde que mereçam referência.
A partir de hoje deixo também de criticar os críticos portugueses neste blogue. Acabou um tempo, começa outro. Criticarei concertos de agrupamentos estrangeiros de topo (quando vierem a Portugal), solistas de carreira internacional e concertos e ópera realizados no estrangeiro. Criticarei discos de agrupamentos de craveira internacional. Falarei de história da música e aspectos teóricos relacionados com a matemática e a música mas deixarei a crítica do que se passa no burgo intramuros para quem quiser.
Publicarei textos de poesia, de estética, de política cultural e sobre tudo o que me apetecer em cada momento, até cinema e teatro. Até o serviço público (que me perdoe o próprio) de denunciar as críticas musicais do A.M.Seabra deixarei de fazer. Apenas comentarei o que o policrítico do Público escrever como cronista cultural.
Talvez daqui a uns tempos regresse a uma posição mais activa, mas será num futuro mais ou menos distante.
Isto não significa perda de acutilância ou de intervenção. Talvez signifique precisamente o contrário.
Henrique Silveira
P.S. Parabéns ao Almocreve, que sendo irmão gémeo tem dito muito mais do que nós neste tempo todo que na blogosfera são os dois anos que agora dobramos.
Aproveito para dizer que, embora a decisão se tenha passado há algum tempo, a partir de hoje deixa de se fazer crítica, por mim próprio, a agrupamentos portugueses, ou com base em Portugal ou a intérpretes solistas portugueses! Acabam as críticas de ópera do S. Carlos no que diz respeito à OSP e ao Coro. Continuarei a falar sobre a qualidade musical das obras, das encenações e de alguns cantores (não residentes no burgo) desde que mereçam referência.
A partir de hoje deixo também de criticar os críticos portugueses neste blogue. Acabou um tempo, começa outro. Criticarei concertos de agrupamentos estrangeiros de topo (quando vierem a Portugal), solistas de carreira internacional e concertos e ópera realizados no estrangeiro. Criticarei discos de agrupamentos de craveira internacional. Falarei de história da música e aspectos teóricos relacionados com a matemática e a música mas deixarei a crítica do que se passa no burgo intramuros para quem quiser.
Publicarei textos de poesia, de estética, de política cultural e sobre tudo o que me apetecer em cada momento, até cinema e teatro. Até o serviço público (que me perdoe o próprio) de denunciar as críticas musicais do A.M.Seabra deixarei de fazer. Apenas comentarei o que o policrítico do Público escrever como cronista cultural.
Talvez daqui a uns tempos regresse a uma posição mais activa, mas será num futuro mais ou menos distante.
Isto não significa perda de acutilância ou de intervenção. Talvez signifique precisamente o contrário.
Henrique Silveira
P.S. Parabéns ao Almocreve, que sendo irmão gémeo tem dito muito mais do que nós neste tempo todo que na blogosfera são os dois anos que agora dobramos.
Seabra tem razão!
Leio a coluna de domingo do Augusto Manuel Seabra, Público. Reparo que no ponto 4 se fala de uma encomenda feita pelo museu de Viseu por Maria João Correia (directora interina) a dois artistas Alexandre Sampaio e Luís Mendes para a noite dos museus.
A novel directora, uma tal de Ana Paula Abrantes, não gostou da intervenção que versava a intolerância, que não seria alheia à homofobia que hoje em dia grassa em Viseu, cidade à qual me ligam laços afectivos e familiares e que periodicamente me desgosta com a tacanhez do "povo beirão" e dos seus dirigentes, com raras e honrosas excepções.
Enfim, o museu e o Estado tinham-se comprometido perante os artistas a aceitar a obra. A criatura que assumiu o comando das operações no Museu Grão Vasco parece que não gostou da mesma, e num acto de censura inqualificável recusou a encomenda e cancelou tudo, noite dos museus inclusivé. Em Viseu voltou-se ao estado habitual, não acontece nada, não há nada, há apenas umas senhoras tipo professoras primárias do antigamente, muito primárias, que não gostam de ver corpos. Faz lembrar, mal comparado, aquele pintor que andou a cobrir as "pilinhas" nas pinturas da Capela Sistina a mando de um inquisidor. Provavelmente os artistas ainda não chegaram ao nível do Miguel Ângelo, mas o inquisidores são sempre iguais... Têm medo. E instauram a política do medo. Não têm medo da censura, não têm medo de tornar, por seu intermédio, o Estado pessoa de mal em lugar de pessoa de bem. A ética não diz nada aos tacanhos, conhecem apenas a ética dos cobardes que afinal é a ética da estupidez ou seja, a sua ausência.
E a ignomínia do acto fica sem eco, no silêncio dos cobardes e dos que tapam os olhos e no peso das estruturas que deveriam repor um mínimo de dignidade à coisa.
Em resumo, mais um sintoma do estado da nação.
A novel directora, uma tal de Ana Paula Abrantes, não gostou da intervenção que versava a intolerância, que não seria alheia à homofobia que hoje em dia grassa em Viseu, cidade à qual me ligam laços afectivos e familiares e que periodicamente me desgosta com a tacanhez do "povo beirão" e dos seus dirigentes, com raras e honrosas excepções.
Enfim, o museu e o Estado tinham-se comprometido perante os artistas a aceitar a obra. A criatura que assumiu o comando das operações no Museu Grão Vasco parece que não gostou da mesma, e num acto de censura inqualificável recusou a encomenda e cancelou tudo, noite dos museus inclusivé. Em Viseu voltou-se ao estado habitual, não acontece nada, não há nada, há apenas umas senhoras tipo professoras primárias do antigamente, muito primárias, que não gostam de ver corpos. Faz lembrar, mal comparado, aquele pintor que andou a cobrir as "pilinhas" nas pinturas da Capela Sistina a mando de um inquisidor. Provavelmente os artistas ainda não chegaram ao nível do Miguel Ângelo, mas o inquisidores são sempre iguais... Têm medo. E instauram a política do medo. Não têm medo da censura, não têm medo de tornar, por seu intermédio, o Estado pessoa de mal em lugar de pessoa de bem. A ética não diz nada aos tacanhos, conhecem apenas a ética dos cobardes que afinal é a ética da estupidez ou seja, a sua ausência.
E a ignomínia do acto fica sem eco, no silêncio dos cobardes e dos que tapam os olhos e no peso das estruturas que deveriam repor um mínimo de dignidade à coisa.
Em resumo, mais um sintoma do estado da nação.
Festa da Música no CCB - Notas de audição 10 - últimos momentos
A Festa da Música no CCB encerrou-se há mais de quinze dias, é tempo de encerrar estas notas. Apenas a falta de tempo para escrever aqui motivou este arrastar de comentários. O que é certo é que inúmeros concertos foram difíceis de digerir, pensar, a overdose de música às vezes é prejudicial a uma compreensão exacta, a uma absorção mais saboreada e interiorizada da música.
O prazer de escutar música, e trata-se de um prazer de facto, não se pode esconder: ninguém vai a um concerto à espera de ser torturado, quere-se longo, preparado, sobretudo se se conhece o material que se vai ouvir. As obras que se vão escutar devem ser preparadas, as notas de programa lidas. A história refrescada, se temos as partituras devemos estudá-las, a riqueza do conteúdo musical e a nossa absorção só ganham com esta meticulosa preparação. Pelo contrário se vamos escutar algo novo é também interessante avançar sem qualquer leitura, sem saber mesmo do que se trata, pois assim a surpresa poderá ser um factor de choque que leva a uma descoberta mais profunda. Ou não seja o homem um caçador que se emociona com o inesperado.
Mas que longa dissertação para acabar com estas notas de audição. Passemos aos últimos concertos de domingo. Ainda não discutimos o quarteto Aviv, ainda por cima nos opus 95 e 135 de Beethoven. Trata-se de um quarteto ainda jovem, pouco maduro, pouco meditado. Isso notou-se na falta de riqueza musical da sua leitura. Uma leitura certinha mas sem qualquer traço de carácter, banal, enfadonha mesmo sem passar as repetições que vêm na partitura e apesar do aparente entusiasmo nos andamentos rápidos, que afinal não trouxeram grande substância. Será que este quarteto tem margem de progressão? Veremos, estou em crer que não, afinal já tocam juntos há quase dez anos.
Alexander Melnikov surpreendeu-nos pelo seu toque subtil e pela sua energia. Bavouzet já foi comentado aqui na sua Hammerklavier opus 106. Não tivemos paciência para escutar o Burmester antes do concerto de encerramento e fomos beber um copo com o Jean-Efflam depois do seu recital e antes do concerto de encerramento.
Nikolai Luganski mais a Sinfonia Varsóvia dirigida por Peter Csaba trouxeram até nós o extraordinário concerto nº 4 de Beethoven, em que a transparência e a qualidade sonora de Luganski voltaram a sentir-se. No entanto a interpretação no concerto foi um pouco a puxar para o frio. A sua grande qualidade é o manuseamento do tempo, a magia do rubato imperceptível, no caso de um concerto com orquestra é necessário muito trabalho de ensaio para atingir o ponto exacto. Quando falta esse ponto e se é absolutamente correcto parece que estamos em presença de um cristal mas sem o brilho do diamante. Luganski no seu recital foi diamante no concerto com orquestra foi quartzo.
Acabou tudo em grande festa com a Fantasia para piano coro e orquestra op. 80. A maestrina Laurence Équilbey dirigiu, melhor o coro pior a orquestra, e Melnikov tocou de forma entusiástica mas muito a arriscar a parte de piano. Tivemos a nossa dose de notas esmagadas (talvez fruto do trabalho do pianista com o teclado mais pequeno do seu habitual pianoforte), mas a pujança da interpretação compensou esses erros. Nada a ver com o desastre Beresovsky algumas horas antes. Melnikov dominou a partitura e não se deixou dominar por esta, mesmo quando esmagou notas.
Acabou em apoteose com o coro Acentus em grande força a encher de júbilo a sala do grande auditório do CCB.
Para o ano haverá mais...
O prazer de escutar música, e trata-se de um prazer de facto, não se pode esconder: ninguém vai a um concerto à espera de ser torturado, quere-se longo, preparado, sobretudo se se conhece o material que se vai ouvir. As obras que se vão escutar devem ser preparadas, as notas de programa lidas. A história refrescada, se temos as partituras devemos estudá-las, a riqueza do conteúdo musical e a nossa absorção só ganham com esta meticulosa preparação. Pelo contrário se vamos escutar algo novo é também interessante avançar sem qualquer leitura, sem saber mesmo do que se trata, pois assim a surpresa poderá ser um factor de choque que leva a uma descoberta mais profunda. Ou não seja o homem um caçador que se emociona com o inesperado.
Mas que longa dissertação para acabar com estas notas de audição. Passemos aos últimos concertos de domingo. Ainda não discutimos o quarteto Aviv, ainda por cima nos opus 95 e 135 de Beethoven. Trata-se de um quarteto ainda jovem, pouco maduro, pouco meditado. Isso notou-se na falta de riqueza musical da sua leitura. Uma leitura certinha mas sem qualquer traço de carácter, banal, enfadonha mesmo sem passar as repetições que vêm na partitura e apesar do aparente entusiasmo nos andamentos rápidos, que afinal não trouxeram grande substância. Será que este quarteto tem margem de progressão? Veremos, estou em crer que não, afinal já tocam juntos há quase dez anos.
Alexander Melnikov surpreendeu-nos pelo seu toque subtil e pela sua energia. Bavouzet já foi comentado aqui na sua Hammerklavier opus 106. Não tivemos paciência para escutar o Burmester antes do concerto de encerramento e fomos beber um copo com o Jean-Efflam depois do seu recital e antes do concerto de encerramento.
Nikolai Luganski mais a Sinfonia Varsóvia dirigida por Peter Csaba trouxeram até nós o extraordinário concerto nº 4 de Beethoven, em que a transparência e a qualidade sonora de Luganski voltaram a sentir-se. No entanto a interpretação no concerto foi um pouco a puxar para o frio. A sua grande qualidade é o manuseamento do tempo, a magia do rubato imperceptível, no caso de um concerto com orquestra é necessário muito trabalho de ensaio para atingir o ponto exacto. Quando falta esse ponto e se é absolutamente correcto parece que estamos em presença de um cristal mas sem o brilho do diamante. Luganski no seu recital foi diamante no concerto com orquestra foi quartzo.
Acabou tudo em grande festa com a Fantasia para piano coro e orquestra op. 80. A maestrina Laurence Équilbey dirigiu, melhor o coro pior a orquestra, e Melnikov tocou de forma entusiástica mas muito a arriscar a parte de piano. Tivemos a nossa dose de notas esmagadas (talvez fruto do trabalho do pianista com o teclado mais pequeno do seu habitual pianoforte), mas a pujança da interpretação compensou esses erros. Nada a ver com o desastre Beresovsky algumas horas antes. Melnikov dominou a partitura e não se deixou dominar por esta, mesmo quando esmagou notas.
Acabou em apoteose com o coro Acentus em grande força a encher de júbilo a sala do grande auditório do CCB.
Para o ano haverá mais...
O problema Boulez - II e um site muito interessante
Saiu a Wagnermania de Maio.
Neste artigo de Miguel Gonzalez Bárrio, pode-se constatar que também há reservas a Boulez como maestro. Cito o irónico: "Há que ser moderno!" e o delicioso "O discurso de Boulez é como a água, inodoro, incolor e insípido, deslavado e incoerente." Esquecendo-se do habitual "cristalino e transparente" lugar comum. Continuo à espera, pacientemente, do final de Julho para tirar a limpo a leitura de Boulez ao vivo neste mesmo Parsifal. Um Boulez mais maduro do que nos anos sessenta e com a realização totalmente amadurecida pelas performances do ano passado. Espero pelo sofrimento de Anfortas e pelos delírios de Klingsor para saber se sai água ou sangue da ferida do rei que sofre e se água da fonte é mesmo insípida ou mágica.
Uma análise muito interessante dos tempos em Hans Knappertsbusch. No entanto penso que o autor se centra demasiado no factor tempo...
Neste artigo de Miguel Gonzalez Bárrio, pode-se constatar que também há reservas a Boulez como maestro. Cito o irónico: "Há que ser moderno!" e o delicioso "O discurso de Boulez é como a água, inodoro, incolor e insípido, deslavado e incoerente." Esquecendo-se do habitual "cristalino e transparente" lugar comum. Continuo à espera, pacientemente, do final de Julho para tirar a limpo a leitura de Boulez ao vivo neste mesmo Parsifal. Um Boulez mais maduro do que nos anos sessenta e com a realização totalmente amadurecida pelas performances do ano passado. Espero pelo sofrimento de Anfortas e pelos delírios de Klingsor para saber se sai água ou sangue da ferida do rei que sofre e se água da fonte é mesmo insípida ou mágica.
Uma análise muito interessante dos tempos em Hans Knappertsbusch. No entanto penso que o autor se centra demasiado no factor tempo...
16.5.05
O problema Boulez
Os ecos das conferências de Pinho Vargas continuam, o compositor Sérgio Azevedo fala do assunto no seu blogue. O que me traz hoje é, no entanto, o Blogue Ideia Soltas de Carlos Araújo Alves que tem publicado um texto sobre Boulez e um excerto de uma entrevista ao "mestre".
Devo dizer que considero Boulez uma personalidade imensa e complexa, longe de mim fazer de Boulez uma espécie de ser menor. O problema da história e do lugar deste ou daquele naquela (esta série resultou abstrusa!) não é problema que me aflija. Na economia da ciência os problemas que ainda não se põem são desinteressantes.
O problema de Boulez face ao facilitismo é esse mesmo, a criação de um neo-facilitismo, cuja expressão máxima seria um serialismo integral (que entretanto abandonou). Dada a série e meia dúzia de regras básicas, que ao ouvinte desatento parecem complexíssimas, está feita a obra. Difícil de aprender, claro, é toda uma neo-escolástica que deve estar alicerçada na técnica antiga, de modo a evitar precisamente os "erros" dessa técnica. Deve-se conhecer a teoria clássica para evitar o sacrilégio de a utilizar. O tonal foi banido, não há centros, não se pode cair em tentação com a utilização de grupos mais fortes de agregados musicais, como acordes oriundos da harmonia clássica. Não, agora não é permitido um acorde maior perfeito, seria a última profanação! É preciso estudar muito para a rejeição ser completa. É preciso ter as novas regras na cabeça, uns truques e... perlimpimpim!... nasce mais uma porcaria que ninguém ouve e ninguém quer ouvir a não ser o próprio compositor e mais meia dúzia de amigos que acenam com a cabeça e dizem que sim e vão para casa escutar Brahms às escondidas... O que é importante dizer é que este tipo de pensamento leva a uma estética por rejeição, por ruptura ostensiva, por negação. Eu duvido de estética cujo fundamento é precisamente uma cega negação que acaba por ser igual ao objecto negado, uma espécie de um negativo estético comportando exactamente a mesma informação.
Claro que estou a simplificar, claro que Boulez conseguiu, curiosamente violando algumas das regras e teorias, que ele próprio seguia em cada tempo e queria impor em cada tempo, criar obras notáveis. Boulez foi seguindo fechado numa tremenda cadeia de complexos, de traumas, de teorias que entraram em decadência pouco tempo após o seu enunciado. Boulez criou uma teia de formalismos, um neo-academismo francês e resta saber se daqui a quinhentos anos será mais ouvido do que os academistas franceses do século XIX, e isso é independente do que Boulez diz na sua vertente de erudito e supremo elocubrador. Dá a impressão mesmo que Boulez consegue enumerar a cada passo uma nova teoria e reapontar conceitos, fazendo da sua migração constante o seu lema vital. Em Boulez afinal nada é estável, apenas o Boulez ele mesmo agora na sua pose de génio. Uma explicação constante do que vai fazendo acaba por ser o lema do Boulez em pose mediática, mas contida. Sabe-se que é muito difícil obter entrevistas com Boulez, mas que ele as dá, em grande número, dá! É como as bruxas...
E não basta o Marteau sans Maître para redimir Boulez de toda a panóplia ditatorial que impôs a uma geração de músicos. Pior, na entrevista Boulez cita Stalin, parece-me que é o complexo de culpa a falar. Boulez também ditou quem podia rir. O facilitismo ou a sua ausência não passam pela castração da imaginação que Boulez efectua como ditador estético. O facilitismo pós moderno é-me mais repugnante que o academismo reaccionário de Boulez. O facilitismo rompe-se pelo trabalho e pela própria imaginação.
Sobra um Boulez, o maestro, um maestro que mais uma vez vou admirar no próximo Julho em Bayreuth e esse não me deixa de encantar. O outro, o "génio", o "compositor visionário", o ditador estético, apesar do seu imenso brilho intelectual desperta-me dúvidas. Não será esse mesmo o papel do génio?
O que é certo é que estas questões, infelizmente, já não incomodam ninguém, os pós modernos dedicam-se a criar lixo do pior, muito pior que o muito lixo* que saiu do IRCAM (!) independemente das regras e das teorias de Boulez e da parafernália da escola de Darmstadt.
* - A par do muito bom que também de lá saiu.
Devo dizer que considero Boulez uma personalidade imensa e complexa, longe de mim fazer de Boulez uma espécie de ser menor. O problema da história e do lugar deste ou daquele naquela (esta série resultou abstrusa!) não é problema que me aflija. Na economia da ciência os problemas que ainda não se põem são desinteressantes.
O problema de Boulez face ao facilitismo é esse mesmo, a criação de um neo-facilitismo, cuja expressão máxima seria um serialismo integral (que entretanto abandonou). Dada a série e meia dúzia de regras básicas, que ao ouvinte desatento parecem complexíssimas, está feita a obra. Difícil de aprender, claro, é toda uma neo-escolástica que deve estar alicerçada na técnica antiga, de modo a evitar precisamente os "erros" dessa técnica. Deve-se conhecer a teoria clássica para evitar o sacrilégio de a utilizar. O tonal foi banido, não há centros, não se pode cair em tentação com a utilização de grupos mais fortes de agregados musicais, como acordes oriundos da harmonia clássica. Não, agora não é permitido um acorde maior perfeito, seria a última profanação! É preciso estudar muito para a rejeição ser completa. É preciso ter as novas regras na cabeça, uns truques e... perlimpimpim!... nasce mais uma porcaria que ninguém ouve e ninguém quer ouvir a não ser o próprio compositor e mais meia dúzia de amigos que acenam com a cabeça e dizem que sim e vão para casa escutar Brahms às escondidas... O que é importante dizer é que este tipo de pensamento leva a uma estética por rejeição, por ruptura ostensiva, por negação. Eu duvido de estética cujo fundamento é precisamente uma cega negação que acaba por ser igual ao objecto negado, uma espécie de um negativo estético comportando exactamente a mesma informação.
Claro que estou a simplificar, claro que Boulez conseguiu, curiosamente violando algumas das regras e teorias, que ele próprio seguia em cada tempo e queria impor em cada tempo, criar obras notáveis. Boulez foi seguindo fechado numa tremenda cadeia de complexos, de traumas, de teorias que entraram em decadência pouco tempo após o seu enunciado. Boulez criou uma teia de formalismos, um neo-academismo francês e resta saber se daqui a quinhentos anos será mais ouvido do que os academistas franceses do século XIX, e isso é independente do que Boulez diz na sua vertente de erudito e supremo elocubrador. Dá a impressão mesmo que Boulez consegue enumerar a cada passo uma nova teoria e reapontar conceitos, fazendo da sua migração constante o seu lema vital. Em Boulez afinal nada é estável, apenas o Boulez ele mesmo agora na sua pose de génio. Uma explicação constante do que vai fazendo acaba por ser o lema do Boulez em pose mediática, mas contida. Sabe-se que é muito difícil obter entrevistas com Boulez, mas que ele as dá, em grande número, dá! É como as bruxas...
E não basta o Marteau sans Maître para redimir Boulez de toda a panóplia ditatorial que impôs a uma geração de músicos. Pior, na entrevista Boulez cita Stalin, parece-me que é o complexo de culpa a falar. Boulez também ditou quem podia rir. O facilitismo ou a sua ausência não passam pela castração da imaginação que Boulez efectua como ditador estético. O facilitismo pós moderno é-me mais repugnante que o academismo reaccionário de Boulez. O facilitismo rompe-se pelo trabalho e pela própria imaginação.
Sobra um Boulez, o maestro, um maestro que mais uma vez vou admirar no próximo Julho em Bayreuth e esse não me deixa de encantar. O outro, o "génio", o "compositor visionário", o ditador estético, apesar do seu imenso brilho intelectual desperta-me dúvidas. Não será esse mesmo o papel do génio?
O que é certo é que estas questões, infelizmente, já não incomodam ninguém, os pós modernos dedicam-se a criar lixo do pior, muito pior que o muito lixo* que saiu do IRCAM (!) independemente das regras e das teorias de Boulez e da parafernália da escola de Darmstadt.
* - A par do muito bom que também de lá saiu.
13.5.05
Notas de Audição 9 - Manhã e início de tarde no CCB no último dia da Festa da Música
A Grande Ilusão
Uma manhã divina com o Quarteto Ysaÿe no opus 132 de Beethoven a tocar de forma sublime.
A orquestra de Câmara de Basileia seguiu-se (milagrosamente consegui entrar depois de uma corrida e antes do início da sinfonia), com instrumentos modernos misturados com metais naturais, dirigida por David Stern que nos deu uma sinfonia opus 21, a primeira, de Beethoven, com uma energia, sentido rítmico e vitalidade espantosas.
Imediatamente a seguir o Prazák deu-nos os quartetos Opus 74 e opus 95 de Beethoven. Mais um concerto excelente, já falámos tanto do quarteto Prazák que repetir os verbalismos para classificar esta interpretação seria redundante. O encanto de uma manhã mágica fechava-se assim.
A Grande Desilusão
Boris Berezovsky apresentou-se com a Orquestra Filarmónica de Varsóvia sob a direcção de Antoni Witt no último dia da Festa da música no CCB, 14h30m, logo após um almoço apressado. Foi com grande expectativa que nos dirigimos as este concerto, Boris Berezovsky tinha-nos encantado no ano passado, sobretudo com os Estudos de Execução Transcendente de Liszt.
A desilusão não poderia ser maior, uma interpretação envergonhada, pouco fluente, cheia de erros básicos, escalas pouco limpas, notas e mais notas esmagadas e trocadas, aflição do músico afogado num mar de suor para conseguir tocar as notas todas.
Toda a hipótese de expressão esmagada pelo horrível tormento do cansaço e do desregramento. Confrangedor. Um dos piores momentos que presenciei nesta Festa da Música. Excesso de concertos? Cansaço? O que é certo é que a actuação de Berezovsky não foi ponderada, um exagero de concertos em pouco tempo, repertório demasiado diversificado, pouco tempo de repouso e de concentração. Berezovsky é humano, o erro de abusar das suas capacidades vem dele próprio e de uma programação que acreditou que Berezovsky era ilimitado. Em ocasiões futuras exige-se um Berezovsky ao seu melhor nível, em forma e mais repousado.
Comentário de um amigo que ainda não tinha ouvido Berezovsky: "e dizias tu que este concerto era a não perder, este pianista é banalíssimo, fracote..."
Uma manhã divina com o Quarteto Ysaÿe no opus 132 de Beethoven a tocar de forma sublime.
A orquestra de Câmara de Basileia seguiu-se (milagrosamente consegui entrar depois de uma corrida e antes do início da sinfonia), com instrumentos modernos misturados com metais naturais, dirigida por David Stern que nos deu uma sinfonia opus 21, a primeira, de Beethoven, com uma energia, sentido rítmico e vitalidade espantosas.
Imediatamente a seguir o Prazák deu-nos os quartetos Opus 74 e opus 95 de Beethoven. Mais um concerto excelente, já falámos tanto do quarteto Prazák que repetir os verbalismos para classificar esta interpretação seria redundante. O encanto de uma manhã mágica fechava-se assim.
A Grande Desilusão
Boris Berezovsky apresentou-se com a Orquestra Filarmónica de Varsóvia sob a direcção de Antoni Witt no último dia da Festa da música no CCB, 14h30m, logo após um almoço apressado. Foi com grande expectativa que nos dirigimos as este concerto, Boris Berezovsky tinha-nos encantado no ano passado, sobretudo com os Estudos de Execução Transcendente de Liszt.
A desilusão não poderia ser maior, uma interpretação envergonhada, pouco fluente, cheia de erros básicos, escalas pouco limpas, notas e mais notas esmagadas e trocadas, aflição do músico afogado num mar de suor para conseguir tocar as notas todas.
Toda a hipótese de expressão esmagada pelo horrível tormento do cansaço e do desregramento. Confrangedor. Um dos piores momentos que presenciei nesta Festa da Música. Excesso de concertos? Cansaço? O que é certo é que a actuação de Berezovsky não foi ponderada, um exagero de concertos em pouco tempo, repertório demasiado diversificado, pouco tempo de repouso e de concentração. Berezovsky é humano, o erro de abusar das suas capacidades vem dele próprio e de uma programação que acreditou que Berezovsky era ilimitado. Em ocasiões futuras exige-se um Berezovsky ao seu melhor nível, em forma e mais repousado.
Comentário de um amigo que ainda não tinha ouvido Berezovsky: "e dizias tu que este concerto era a não perder, este pianista é banalíssimo, fracote..."
12.5.05
Dois Anos
Com um livro, a sair...
Sem site meter, bem escrito, confessional. Despreocupada com o mundo, e com quem a lê, ela e o seu mundo...
Dois anos com shakespeare de início. Segue assim o nº66 como prenda. Que ela não me leve a mal pelo tom triste do amor e da morte em Shakespeare.
Tired with all these for restful death I cry,
As to behold desert a beggar born,
And needy nothing trimmed in jollity,
And purest faith unhappily forsworn,
And gilded honour shamefully misplaced,
And maiden virtue rudely strumpeted,
And right perfection wrongfully disgraced,
And strength by limping sway disabled
And art made tongue-tied by authority,
And folly (doctor-like) controlling skill,
And simple truth miscalled simplicity,
And captive good attending captain ill.
Tired with all these, from these would I be gone,
Save that to die, I leave my love alone.
Sem site meter, bem escrito, confessional. Despreocupada com o mundo, e com quem a lê, ela e o seu mundo...
Dois anos com shakespeare de início. Segue assim o nº66 como prenda. Que ela não me leve a mal pelo tom triste do amor e da morte em Shakespeare.
Tired with all these for restful death I cry,
As to behold desert a beggar born,
And needy nothing trimmed in jollity,
And purest faith unhappily forsworn,
And gilded honour shamefully misplaced,
And maiden virtue rudely strumpeted,
And right perfection wrongfully disgraced,
And strength by limping sway disabled
And art made tongue-tied by authority,
And folly (doctor-like) controlling skill,
And simple truth miscalled simplicity,
And captive good attending captain ill.
Tired with all these, from these would I be gone,
Save that to die, I leave my love alone.
O Quarteto Takács
Terça, 10 de Maio, 19h00, Fundação Calouste Gulbenkian.
Quarteto Takács
Edward Dusinberre, Violino
Károly Schranz, Violino
Roger Tapping, Viola
András Fejér, Violoncelo
Joseph Haydn
Quarteto em Dó Maior, op.76 nº 3, Imperador (Hob.III.77)
Uma obra pouco amadurecida pelo quarteto Takács, bem tocado mas pouco interiorizado, Haydn é falsamente fácil do ponto de vista interpretativo.
São célebres as variações sobre o hino "Deus Proteja o Imperador Francisco" composto anteriormente ao quarteto por Haydn. Uma melodia que deu origem ao hino alemão dos tempos do nazismo e, com uns versos diferentes, ao actual. Os austríacos, no pós-guerra, preferiram uma melodia de Mozart que afinal, veio-se a descobrir posteriormente, era de um outro qualquer!... Tema e quatro variações expostas pelos quatro instrumentos do quarteto onde se notaram dificuldades no segundo violino, que aliás se mantiveram em todo o concerto. Nem a articulação nem o fraseado, nem a sonoridade deste violinista foram aceitáveis em Haydn. Em contrapartida a géstica era exuberante e excessiva, a contrariar com a pose bem mais discreta do primeiro violino, cuja sonoridade relativamente pouco encorpada foi contrabalançada por uma boa técnica e subtileza no fraseado. Impressionou muito favoravelmente o viola, com muita sensibilidade e uma sonoridade espessa e densa. O violoncelo também esteve num plano superior. O resultado da análise individual nestas variações estende-se aliás a quase todo o concerto.
Pode-se dizer que se o nível do concerto se ficasse pela abordagem de Haydn o concerto teria sido uma decepção. Não apreciei particularmente a leitura algo superficial deste compositor extraordinário. Penso que o quarteto Takács sub-estimou Haydn, abordando o seu quarteto como uma obra de "aquecimento".
Alexander Borodin
Quarteto Nº 2, em Ré Maior
Um compositor simples mas eficaz, um domínio muito elevado da técnica de composição para quarteto de cordas. Um nocturno de grande beleza. O quarteto Takács começou a mostrar o seu real valor com a obra do russo. Unido, coeso, amadurecido na leitura, uniforme na articulação. Sem cair na lamechice o nocturno foi lido de forma notável. O segundo violino, com problemas de personalidade, a tocar os acompanhamentos de forma demasiado incisiva e demasiado em sforzando para o meu gosto. Um segundo violino tem de ter a sábia contenção de perceber que não é o primeiro violino. De resto... quase perfeito.
Ludwig van Beethoven
Quarteto Nº 16, em Fá Maior, op.135
Uma leitura de alto nível, não fora a excessiva preponderância sonora do segundo violino e teríamos uma interpretação paradigmática. A mecânica da composição é extraordinária, as instrumentos em diálogos sucessivos vão integrando elementos basilares, como se fossem peças de um puzzle, na economia da obra. Temos presentes elementos quase gésticos, diria seriais, que somados vão gerar uma obra extraordinária na sua concisão e no seu efeito global. Um quarteto difícil que exige um grupo de quatro instrumentistas que sabem o que fazem, que não hesitam nas entradas, com a noção dos tempos apuradíssima e com grande confiança. Estes elementos misturados com a coesão estilística do quarteto Takács trouxeram ao grande auditório da Fundação Gulbenkian uma interpretação de alto nível. Pena as já referidas exuberâncias desnecessárias do segundo violino, aqui algo atenuadas relativamente ao resto do concerto, que tiraram a nota vinte ao opus 135 de Beethoven.
Um último andamento do opus 96 de Dvorjak como extra acabou com grande entusiasmo este concerto.
Quarteto Takács
Edward Dusinberre, Violino
Károly Schranz, Violino
Roger Tapping, Viola
András Fejér, Violoncelo
Joseph Haydn
Quarteto em Dó Maior, op.76 nº 3, Imperador (Hob.III.77)
Uma obra pouco amadurecida pelo quarteto Takács, bem tocado mas pouco interiorizado, Haydn é falsamente fácil do ponto de vista interpretativo.
São célebres as variações sobre o hino "Deus Proteja o Imperador Francisco" composto anteriormente ao quarteto por Haydn. Uma melodia que deu origem ao hino alemão dos tempos do nazismo e, com uns versos diferentes, ao actual. Os austríacos, no pós-guerra, preferiram uma melodia de Mozart que afinal, veio-se a descobrir posteriormente, era de um outro qualquer!... Tema e quatro variações expostas pelos quatro instrumentos do quarteto onde se notaram dificuldades no segundo violino, que aliás se mantiveram em todo o concerto. Nem a articulação nem o fraseado, nem a sonoridade deste violinista foram aceitáveis em Haydn. Em contrapartida a géstica era exuberante e excessiva, a contrariar com a pose bem mais discreta do primeiro violino, cuja sonoridade relativamente pouco encorpada foi contrabalançada por uma boa técnica e subtileza no fraseado. Impressionou muito favoravelmente o viola, com muita sensibilidade e uma sonoridade espessa e densa. O violoncelo também esteve num plano superior. O resultado da análise individual nestas variações estende-se aliás a quase todo o concerto.
Pode-se dizer que se o nível do concerto se ficasse pela abordagem de Haydn o concerto teria sido uma decepção. Não apreciei particularmente a leitura algo superficial deste compositor extraordinário. Penso que o quarteto Takács sub-estimou Haydn, abordando o seu quarteto como uma obra de "aquecimento".
Alexander Borodin
Quarteto Nº 2, em Ré Maior
Um compositor simples mas eficaz, um domínio muito elevado da técnica de composição para quarteto de cordas. Um nocturno de grande beleza. O quarteto Takács começou a mostrar o seu real valor com a obra do russo. Unido, coeso, amadurecido na leitura, uniforme na articulação. Sem cair na lamechice o nocturno foi lido de forma notável. O segundo violino, com problemas de personalidade, a tocar os acompanhamentos de forma demasiado incisiva e demasiado em sforzando para o meu gosto. Um segundo violino tem de ter a sábia contenção de perceber que não é o primeiro violino. De resto... quase perfeito.
Ludwig van Beethoven
Quarteto Nº 16, em Fá Maior, op.135
Uma leitura de alto nível, não fora a excessiva preponderância sonora do segundo violino e teríamos uma interpretação paradigmática. A mecânica da composição é extraordinária, as instrumentos em diálogos sucessivos vão integrando elementos basilares, como se fossem peças de um puzzle, na economia da obra. Temos presentes elementos quase gésticos, diria seriais, que somados vão gerar uma obra extraordinária na sua concisão e no seu efeito global. Um quarteto difícil que exige um grupo de quatro instrumentistas que sabem o que fazem, que não hesitam nas entradas, com a noção dos tempos apuradíssima e com grande confiança. Estes elementos misturados com a coesão estilística do quarteto Takács trouxeram ao grande auditório da Fundação Gulbenkian uma interpretação de alto nível. Pena as já referidas exuberâncias desnecessárias do segundo violino, aqui algo atenuadas relativamente ao resto do concerto, que tiraram a nota vinte ao opus 135 de Beethoven.
Um último andamento do opus 96 de Dvorjak como extra acabou com grande entusiasmo este concerto.
10.5.05
Festa da Música - Notas de Audição 8 - Missa Solene de Beethoven
Sábado, sala Waldstein, grande auditório do CCB, 22h30m. RIAS-Kammerchor, Capela Amsterdam, Concerto Köln. Daniel Reuss na direcção, Claudia Barainsky - soprano, Elisabeth Jansson - contralto, Daniel Kiech - tenor e Nicolas Testé - Baixo.
Missa Solene em ré maior opus 123.
A formação apresentada pelo concerto Köln foi de 8 primeiros violinos, 6 segundos, 5 violas, 4 violoncelos e 3 contrabaixos, uma formação muito semelhante nas cordas ao Collegium Cartusianum. Madeiras e metais clássicos, tímbales. Instrumentos originais ou réplicas de originais.
A entrada (e o final da obra!) começou por ser um pouco esborrachada, o que é algo desmotivador para quem escuta, mas a sonoridade dos metais naturais acabou a pouco e pouco por compensar os primeiros erros acabando por marcar de forma incisiva o início da obra. A cor, apesar da entrada, acabou por ser o elemento dominante do Kyrie.
O Gloria foi escutado de forma empolgante, gostei muito do trabalho dos tímbales. O Credo, parte central na Missa, teve belíssimos momentos de exaltação e sonoridades muito belas com a utilização sábia de Beethoven dos timbres das madeiras (flautas, oboés, clarinetes e fagotes). A presença do contrafagote neste tipo de formação orquestral pequena (e com instrumentos originais) é particularmente notada e dá uma profundidade extraordinária à base da estrutura harmónica, muito evidente no Credo. De súbito!... A Ressurreição irrompe, a meio do Credo com um brilho e um fôlego infinito, a fazer lembrar a prosódia e a retórica de Bach. Um momento muitíssimo bem explanado pela orquestra.
Os momentos de suspensão, em que a música pára para se deixar ouvir a harmonia, os acordes, as ressonâncias, são quase mágicos em Beethoven, neste caso um pouco estragados pelo coro que não teve a contenção sonora suficiente para deixar escutar todo o tecido musical, sobrepondo uma intensidade sonora demasiado agressiva aos restantes elementos em presença talvez com excepção dos trombones. Creio que estes momentos foram um dos lados menos conseguidos desta interpretação.
Um Sanctus realizado de forma notável por Reuss, com um momento de arrepiar logo antes de um solo de violino. O solo, feito pelo concertino do Concerto Köln, foi outro grande momento, uma sonoridade muito pura e expressiva, sem recurso a vibrato, facto que deve ter deixado alguns ouvintes, menos adaptados a uma interpretação historicamente informada, algo desconcertados. De facto a interpretação deste solo conta como um dos pontos mais belos desta Missa Solene, Benedictus!
O Agnus Dei foi realizado de forma notável pela dialéctica entre invocação humana e a tensão do transcendente, tão presente nesta obra de Beethoven.
A posição do maestro Reuss face aos solistas foi algo inapropriada, ficando muito dentro da orquestra dominava pouco a colocação dos solistas puxados para a boca de cena, creio que essa posição avançada contribuiu para alguns desacertos em entradas dos solistas.
Em comparação com o Collegium Cartusianum (Missa em dó maior) achei a sonoridade do Concerto Köln menos suave e agreste. Nos fortíssimos os metais rasgavam demasiado.
O coro teve alguns problemas de desafinação e cantou com exagero dinâmico. Um coro com problemas de dicção no latim. Um "pacem" muito mal enunciado foi quase lamentável em termos de pronúncia, com um sotaque alemão tão carregado que faz parecer Bento XVI um italiano de boa cepa!
Os solistas medianos (com excepção para o baixo), com timbres razoáveis mas com vozes pequenas. O baixo a vibrar de forma muito agressiva, quando retirava o vibrato da voz (a lembrar o zurrar do burro) a desafinação era atroz. Um baixo que se destacou pela baixa qualidade relativamente ao valor mediano dos restantes solistas dos quais não destaco nenhum.
O maestro Reuss é um excepcional maestro de vozes, dirigiu com enorme convicção o coro e os solistas, esquecendo-se um pouco da orquestra. A sua direcção teve desequilíbrios sonoros pontuais entre os diversos elementos em presença. No entanto a sua visão da obra, a oscilação entre o divino e o humano, entre o exaltante e o extático resulta de uma grande compreensão do texto da partitura e do espírito de Beethoven nesta obra quase gémea da sinfonia em ré menor. Uma visão algo arcaizante do texto que leva a uma abordagem da obra orientada para as raízes de Beethoven e para o passado, o século XVIII com Haydn e Mozart, o que demonstra a invulgar estranheza do génio do compositor que, apesar destas raízes, projecta a sua obra no futuro, para fora do tempo, digamos. O mérito de Reuss esteve nesta capacidade de enquadramento, com uma orquestra com instrumentos originais, solistas baratos, coros com ensaios provavelmente em número reduzido, acabando por produzir uma interpretação com cabeça, tronco e membros.
Um bom concerto apesar de alguns desacertos.
Missa Solene em ré maior opus 123.
A formação apresentada pelo concerto Köln foi de 8 primeiros violinos, 6 segundos, 5 violas, 4 violoncelos e 3 contrabaixos, uma formação muito semelhante nas cordas ao Collegium Cartusianum. Madeiras e metais clássicos, tímbales. Instrumentos originais ou réplicas de originais.
A entrada (e o final da obra!) começou por ser um pouco esborrachada, o que é algo desmotivador para quem escuta, mas a sonoridade dos metais naturais acabou a pouco e pouco por compensar os primeiros erros acabando por marcar de forma incisiva o início da obra. A cor, apesar da entrada, acabou por ser o elemento dominante do Kyrie.
O Gloria foi escutado de forma empolgante, gostei muito do trabalho dos tímbales. O Credo, parte central na Missa, teve belíssimos momentos de exaltação e sonoridades muito belas com a utilização sábia de Beethoven dos timbres das madeiras (flautas, oboés, clarinetes e fagotes). A presença do contrafagote neste tipo de formação orquestral pequena (e com instrumentos originais) é particularmente notada e dá uma profundidade extraordinária à base da estrutura harmónica, muito evidente no Credo. De súbito!... A Ressurreição irrompe, a meio do Credo com um brilho e um fôlego infinito, a fazer lembrar a prosódia e a retórica de Bach. Um momento muitíssimo bem explanado pela orquestra.
Os momentos de suspensão, em que a música pára para se deixar ouvir a harmonia, os acordes, as ressonâncias, são quase mágicos em Beethoven, neste caso um pouco estragados pelo coro que não teve a contenção sonora suficiente para deixar escutar todo o tecido musical, sobrepondo uma intensidade sonora demasiado agressiva aos restantes elementos em presença talvez com excepção dos trombones. Creio que estes momentos foram um dos lados menos conseguidos desta interpretação.
Um Sanctus realizado de forma notável por Reuss, com um momento de arrepiar logo antes de um solo de violino. O solo, feito pelo concertino do Concerto Köln, foi outro grande momento, uma sonoridade muito pura e expressiva, sem recurso a vibrato, facto que deve ter deixado alguns ouvintes, menos adaptados a uma interpretação historicamente informada, algo desconcertados. De facto a interpretação deste solo conta como um dos pontos mais belos desta Missa Solene, Benedictus!
O Agnus Dei foi realizado de forma notável pela dialéctica entre invocação humana e a tensão do transcendente, tão presente nesta obra de Beethoven.
A posição do maestro Reuss face aos solistas foi algo inapropriada, ficando muito dentro da orquestra dominava pouco a colocação dos solistas puxados para a boca de cena, creio que essa posição avançada contribuiu para alguns desacertos em entradas dos solistas.
Em comparação com o Collegium Cartusianum (Missa em dó maior) achei a sonoridade do Concerto Köln menos suave e agreste. Nos fortíssimos os metais rasgavam demasiado.
O coro teve alguns problemas de desafinação e cantou com exagero dinâmico. Um coro com problemas de dicção no latim. Um "pacem" muito mal enunciado foi quase lamentável em termos de pronúncia, com um sotaque alemão tão carregado que faz parecer Bento XVI um italiano de boa cepa!
Os solistas medianos (com excepção para o baixo), com timbres razoáveis mas com vozes pequenas. O baixo a vibrar de forma muito agressiva, quando retirava o vibrato da voz (a lembrar o zurrar do burro) a desafinação era atroz. Um baixo que se destacou pela baixa qualidade relativamente ao valor mediano dos restantes solistas dos quais não destaco nenhum.
O maestro Reuss é um excepcional maestro de vozes, dirigiu com enorme convicção o coro e os solistas, esquecendo-se um pouco da orquestra. A sua direcção teve desequilíbrios sonoros pontuais entre os diversos elementos em presença. No entanto a sua visão da obra, a oscilação entre o divino e o humano, entre o exaltante e o extático resulta de uma grande compreensão do texto da partitura e do espírito de Beethoven nesta obra quase gémea da sinfonia em ré menor. Uma visão algo arcaizante do texto que leva a uma abordagem da obra orientada para as raízes de Beethoven e para o passado, o século XVIII com Haydn e Mozart, o que demonstra a invulgar estranheza do génio do compositor que, apesar destas raízes, projecta a sua obra no futuro, para fora do tempo, digamos. O mérito de Reuss esteve nesta capacidade de enquadramento, com uma orquestra com instrumentos originais, solistas baratos, coros com ensaios provavelmente em número reduzido, acabando por produzir uma interpretação com cabeça, tronco e membros.
Um bom concerto apesar de alguns desacertos.
Hoje a não perder na Gulbenkian
Terça, 10 de Maio, 19h00, na FundaçãoCalouste Gulbenkian, que melhor forma de acabar uma tarde de Primavera do que a escutar o:
Quarteto Takács
Edward Dusinberre, Violino
Károly Schranz, Violino
Roger Tapping, Viola
András Fejér, Violoncelo
Joseph Haydn
Quarteto em Dó Maior, op.76 nº 3, Imperador (Hob.III.77)
Alexander Borodin
Quarteto Nº 2, em Ré Maior
Ludwig van Beethoven
Quarteto Nº 16, em Fá Maior, op.135
Quarteto Takács
Edward Dusinberre, Violino
Károly Schranz, Violino
Roger Tapping, Viola
András Fejér, Violoncelo
Joseph Haydn
Quarteto em Dó Maior, op.76 nº 3, Imperador (Hob.III.77)
Alexander Borodin
Quarteto Nº 2, em Ré Maior
Ludwig van Beethoven
Quarteto Nº 16, em Fá Maior, op.135
6.5.05
O aniversário e o Marco
Dois anos, ainda a primeira infância!
O Abrupto faz hoje dois anos. Não é tarde para dar parabéns.
O abrupto é um marco na blogosfera portuguesa, apesar de muitos blogues serem anteriores ao Abrupto, é com este blogue que se dá a viragem e a popularidade da blogosfera. Mercê do mediatismo de Pacheco Pereira? Sim, claro, mas também da sua capacidade de expressão, do interesse que as suas intervenções têm. Intrinsecamente. Ainda por cima estou bem à vontade para elogiar, pois também já critiquei e não sou de elogio fácil.
Outro marco exemplar do Abrupto foi a sua intervenção ética, a sua qualidade e a deontologia que não é alheia à blogosfera. Lembro o episódio do Muito Mentiroso, exposto e desmascarado de forma corajosa e muito inteligente por Pacheco Pereira. Outro lado notável do autor do Abrupto é o seu desprendimento relativamente à política. Pacheco Pereira não hesitou em escolher sempre o difícil caminho da crítica, mesmo dentro do seu (aparente) campo político. A questão de Santana Lopes e da pouco vergonha a que reduziu o PSD durante a sua desgovernação é um bom exemplo da crítica de Pacheco Pereira dentro do seu espectro partidário, mas talvez fora do seu campo político. Ideologicamente Santana é um vazio, de modo que, em boa propriedade, não se pode situar o denso Pacheco no mesmo campo que o nulo Santana.
O Abrupto é um local de reflexão profunda sobre a sociedade contemporânea. Embora às vezes pudesse ser mais profundo, não me é agradável por exemplo, nas muitas vezes que leio o Abrupto, ver sistematicamente o "Abrupto feito pelos seus leitores", às vezes com citações de qualidade muito duvidosa...
Um bem haja e que perdure é o meu voto. O Abrupto é necessário.
Festa da Música CCB- Notas de audição - 7 - Sábado fim de tarde e noite
Estas notas de audição são uma espécie de diário, em que vou transformando em letra de forma memórias, notas dispersas por programas e reflexões. Como tal ainda se justificam tantos dias depois de terminada a Festa da Música. Ficam como memórias e como registos. Talvez tenham o interesse adicional de comparar experiências com outros ouvintes na Festa da Música e para partilhar as minhas impressões com quem não esteve presente. Um aspecto essencial que se deve reter é o nível qualitativo (em média) da festa da Música deste ano, que apesar de críticas e questões levantadas por alguma imprensa (aqui falo do A. M. Seabra), foi muito elevado.
Jorge Moyano (piano) e Sinfonia Varsóvia dirigida por Peter Csaba
Sala Brentano (pequeno auditório do CCB) - Sábado 23 de Abril 20h15m
Criaturas de Prometeu (dó maior opus 43) e Concerto nº3 em Dó menor Opus. 37.
Dó maior, dó menor, parece Mahler, mas é apenas uma vicissitude do programa, o dó maior das criaturas de Prometeu foi menor face ao Dó Menor de Jorge Moyano (aqui utilizei maiúsculas e minúsculas com significado preciso).
A sinfonia Varsóvia atacou a abertura com convicção e método. O piano estava em cima do palco, fechado à espera do poeta. Um dos músicos, creio que um dos violetistas (a fazer jus ao facto da viola ser o instrumento mais operário da orquestra, segundo as más línguas) levantou-se e, com um misto de desenvoltura e de esforço, lá conseguiu abrir a tampa e fixar o suporte... de imediato uma tremenda salva de palmas na sala, salva de palmas que se estendeu aos elementos da orquestra que saudaram o seu companheiro: o esforçado violetista que agradeceu com uma vénia! Consequência: o pianista no seu jeito tímido e o maestro no seu jeito descontraído entraram de sorriso desfeito na sala. Estava dado o mote, estávamos bem dispostos entre amigos em ambiente de festa. Esse mote estendeu-se à música. O concerto em dó menor de Beethoven teve uma introdução orquestral de grande brilho e entusiasmo (alegria plena) e uma interpretação de Jorge Moyano notável, fluída, sensível, sem excessos de violência sonora, sempre com um touché aveludado, respeitando a partitura ao mesmo tempo que fazia poesia. Nem uma ligeira quebra de fluidez na cadência do primeiro andamento tirou brilho a uma concepção muito bela do concerto. Moyano afirma-se mais uma vez como um mestre na arte de bem tocar o piano e essa afirmação encontra raízes na sua visão do segundo andamento, o largo, que, para mim, foi o ponto de clímax na interpretação de Moyano.
A orquestra foi seguríssima e deu segurança ao pianista, longe de desastres anteriores com orquestras portuguesas.
Saímos da Sala Brentano para encontrar um Nikolaï Lugansky em duas sonatas de grande envergadura de Beethoven a opus 31 nº2 em Ré Menor (tempestade) e a batida, mas sempre espantosa, sonata nº 23 em fá menor, Apassionata, o célebre opus 57. Lugansky é um mestre na arte de suspender o tempo sem perder o fluxo imparável da obra de Beethoven. A sonata opus 31, nº 2, com as suas surpresas harmónicas, uma sonata iniciada com uma meia cadência, é um campo privilegiado para as experiências metafísicas de Luganski. A utilização subtil das paragens para escutar as ressonâncias do piano e os acordes, o uso incrível do pedal num sublinhado intenso dos momentos críticos em termos harmónicos. Um touché de grande subtileza, mesmo nos fortíssimos, sem nunca martelar ou rasgar, sendo capaz de uma sonoridade pujante e máscula sem ser a sonoridade de um estivador, características que Lugansky consegue mostrar sempre de forma natural.
A sonata opus 31 foi executada de forma notável. O andamento lento, o Adagio, foi um monumento estético.
Na Apassionata distanciei-me da análise do que o pianista ia fazendo e deixei-me interiorizar pela música pura, abandonei este mundo e regressei a Beethoven, o mérito máximo deste pianista foi esse mesmo, transformar o instante na eternidade. Supremo.
Nada neste pianista é óbvio, não há efeitos fáceis, não há artifícios, está tudo à vista (ao ouvido), mas a sua suprema arte é mesmo essa, a de conseguir dar novidade e clareza a uma obra já ouvida até ao limite. A arte do simples, do bem tocado até à perfeição. Cansa? Sim, muito, até à exaustão. Torna-se difícil, é demasiado inebriante, contagiante. A música entra em nós e perdemos o sentido analítico. O recital de piano que mais prazer estético me deu nesta festa da música.
Henrique Silveira
Jorge Moyano (piano) e Sinfonia Varsóvia dirigida por Peter Csaba
Sala Brentano (pequeno auditório do CCB) - Sábado 23 de Abril 20h15m
Criaturas de Prometeu (dó maior opus 43) e Concerto nº3 em Dó menor Opus. 37.
Dó maior, dó menor, parece Mahler, mas é apenas uma vicissitude do programa, o dó maior das criaturas de Prometeu foi menor face ao Dó Menor de Jorge Moyano (aqui utilizei maiúsculas e minúsculas com significado preciso).
A sinfonia Varsóvia atacou a abertura com convicção e método. O piano estava em cima do palco, fechado à espera do poeta. Um dos músicos, creio que um dos violetistas (a fazer jus ao facto da viola ser o instrumento mais operário da orquestra, segundo as más línguas) levantou-se e, com um misto de desenvoltura e de esforço, lá conseguiu abrir a tampa e fixar o suporte... de imediato uma tremenda salva de palmas na sala, salva de palmas que se estendeu aos elementos da orquestra que saudaram o seu companheiro: o esforçado violetista que agradeceu com uma vénia! Consequência: o pianista no seu jeito tímido e o maestro no seu jeito descontraído entraram de sorriso desfeito na sala. Estava dado o mote, estávamos bem dispostos entre amigos em ambiente de festa. Esse mote estendeu-se à música. O concerto em dó menor de Beethoven teve uma introdução orquestral de grande brilho e entusiasmo (alegria plena) e uma interpretação de Jorge Moyano notável, fluída, sensível, sem excessos de violência sonora, sempre com um touché aveludado, respeitando a partitura ao mesmo tempo que fazia poesia. Nem uma ligeira quebra de fluidez na cadência do primeiro andamento tirou brilho a uma concepção muito bela do concerto. Moyano afirma-se mais uma vez como um mestre na arte de bem tocar o piano e essa afirmação encontra raízes na sua visão do segundo andamento, o largo, que, para mim, foi o ponto de clímax na interpretação de Moyano.
A orquestra foi seguríssima e deu segurança ao pianista, longe de desastres anteriores com orquestras portuguesas.
Saímos da Sala Brentano para encontrar um Nikolaï Lugansky em duas sonatas de grande envergadura de Beethoven a opus 31 nº2 em Ré Menor (tempestade) e a batida, mas sempre espantosa, sonata nº 23 em fá menor, Apassionata, o célebre opus 57. Lugansky é um mestre na arte de suspender o tempo sem perder o fluxo imparável da obra de Beethoven. A sonata opus 31, nº 2, com as suas surpresas harmónicas, uma sonata iniciada com uma meia cadência, é um campo privilegiado para as experiências metafísicas de Luganski. A utilização subtil das paragens para escutar as ressonâncias do piano e os acordes, o uso incrível do pedal num sublinhado intenso dos momentos críticos em termos harmónicos. Um touché de grande subtileza, mesmo nos fortíssimos, sem nunca martelar ou rasgar, sendo capaz de uma sonoridade pujante e máscula sem ser a sonoridade de um estivador, características que Lugansky consegue mostrar sempre de forma natural.
A sonata opus 31 foi executada de forma notável. O andamento lento, o Adagio, foi um monumento estético.
Na Apassionata distanciei-me da análise do que o pianista ia fazendo e deixei-me interiorizar pela música pura, abandonei este mundo e regressei a Beethoven, o mérito máximo deste pianista foi esse mesmo, transformar o instante na eternidade. Supremo.
Nada neste pianista é óbvio, não há efeitos fáceis, não há artifícios, está tudo à vista (ao ouvido), mas a sua suprema arte é mesmo essa, a de conseguir dar novidade e clareza a uma obra já ouvida até ao limite. A arte do simples, do bem tocado até à perfeição. Cansa? Sim, muito, até à exaustão. Torna-se difícil, é demasiado inebriante, contagiante. A música entra em nós e perdemos o sentido analítico. O recital de piano que mais prazer estético me deu nesta festa da música.
Henrique Silveira
Entrevista com Marco Beasley e outras actualidades
Hoje sugiro a entrevista com Marco Beasley em ResMusica.com, já lá está desde o dia 29 de Abril.
Entretanto hoje há provas de doutoramento na Nova. Segunda feira sugiro a conferência de Rossing.
Faço esta divulgação de informação para estudiosos do assunto, que se situa na física experimental, acústica, necessita de ferramentas matemáticas e se enquadra também nos estudos de musicologia.
Segue no final do post a transcrição da informação que recebi sobre o assunto.
Henrique Silveira
Conferência por Thomas Rossing na Universidade Nova (FCSH)
«2ª feira, 9 de Maio, às 17h30, no Departamento de Ciências Musicais
"Aspects of the Acoustics of Musical Instruments"
Thomas D. Rossing has been Professor of Physics at Northern Illinois University in De Kalb, Illinois, since 1971.He was affiliated with Argonne as Scientist-in-Residence from 1974 till 1976 and again from 1990 till 1998..
Professor Rossing is the author of about 350 publications (including 13 books, 9 US and 11 foreign patents), mainly in acoustics, magnetism, and physics education. His ³The Physics of Musical Instruments,² (Second Edition, Springer Verlag, 1998, ISBN 0-387-98374-0; co-authored with N. H. Fletcher of the Australian National University) is a standard reference text on the physics of musical instruments. Professor Rossing is a Fellow of the Acoustical Society of America and AAAS.
O Prof. Rossing estará também no júri das provas de doutoramento do Luís Henrique (autor de vários livros sobre instrumentos musicais e acústica) na sexta-feira, às 15h, na FCSH (não sei qual é exactamente a sala, mas calculo que seja no anfiteatro do 1º andar no edifício novo...). O tema da tese é: "Concepção e caracterização de instrumentos musicais de lâminas utilizando técnicas de modulação e optimização".»
Entretanto hoje há provas de doutoramento na Nova. Segunda feira sugiro a conferência de Rossing.
Faço esta divulgação de informação para estudiosos do assunto, que se situa na física experimental, acústica, necessita de ferramentas matemáticas e se enquadra também nos estudos de musicologia.
Segue no final do post a transcrição da informação que recebi sobre o assunto.
Henrique Silveira
Conferência por Thomas Rossing na Universidade Nova (FCSH)
«2ª feira, 9 de Maio, às 17h30, no Departamento de Ciências Musicais
"Aspects of the Acoustics of Musical Instruments"
Thomas D. Rossing has been Professor of Physics at Northern Illinois University in De Kalb, Illinois, since 1971.He was affiliated with Argonne as Scientist-in-Residence from 1974 till 1976 and again from 1990 till 1998..
Professor Rossing is the author of about 350 publications (including 13 books, 9 US and 11 foreign patents), mainly in acoustics, magnetism, and physics education. His ³The Physics of Musical Instruments,² (Second Edition, Springer Verlag, 1998, ISBN 0-387-98374-0; co-authored with N. H. Fletcher of the Australian National University) is a standard reference text on the physics of musical instruments. Professor Rossing is a Fellow of the Acoustical Society of America and AAAS.
O Prof. Rossing estará também no júri das provas de doutoramento do Luís Henrique (autor de vários livros sobre instrumentos musicais e acústica) na sexta-feira, às 15h, na FCSH (não sei qual é exactamente a sala, mas calculo que seja no anfiteatro do 1º andar no edifício novo...). O tema da tese é: "Concepção e caracterização de instrumentos musicais de lâminas utilizando técnicas de modulação e optimização".»
4.5.05
O Cargo - Esclarecimento
Fui informado por uma amiga que foi dito num blogue qualquer que eu teria dito mal da "Capela Real" e a minha retribuição, por tal favor, teria sido um "cargo" no Divino Sospiro!
Primeiro fiquei um tudo nada surpreendido pela canalhice de certos "lusitos" que vêm em tudo promoção e nunca ideal. Depois pensei que era normal e ri-me com gosto, sobretudo do termo "cargo". Como se o Secretário de uma Associação Cultural sem fins lucrativos pudesse lucrar com um "Cargo" como o que eu teria! Uma espécie de soba imperial rodeado de prebendas, luxos asiáticos no meu cargo, uma espécie de "tacho" magnífico. Um "Cargo" que seria afinal uma remuneração por ter dito o que pensava (e muito pouco) sobre a Capela Real e que é do domínio público há anos.
Esclareço que sou sócio fundador da Associação Cultural sem fins lucrativos "Divino Sospiro", com mais um grupo de amigos, e sou secretário geral da Direcção da Associação para contribuir com o meu trabalho voluntário para um projecto em que acreditava e ajudei a fundar, em conjunto com esses amigos, e espero que tenha os maiores sucessos.
Sobre cargos: está convidado quem escreveu o que escreveu a vir ter um cargo do mesmo género, a trabalhar voluntariamente numa associação do mesmo tipo, as portas estão abertas.
Nota final: E mesmo tendo este "cargo" ou outros, continuarei a dizer o que penso, de forma frontal e como quero. Quem quiser pode contrariar com factos. Sobre o Divino Sospiro, o tal blogue dizia que eu tinha feito uma crítica depois de ter prometido que não a faria! E não a fiz mesmo!
Recomendo o autor do tal blogue que verifique as assinaturas de quem escreve antes de dar vazão aos seus ódios. Este blogue não é unipessoal; alguém, que não eu, fez a tal crítica e falou dos tais agrupamentos portugueses com os tais intrumentos originais. Nada tenho a ver com o assunto lá porque escolhi o template e abri este blogue há dois anos atrás.
Incompatibilidade parece que houve, realmente, mas da parte do tal blogueiro. Uma incompatibilidade com a interpretação de dois textos diferentes assinados por autores diferentes, imaginados como um só! Uma incompatibilidade de natureza cognitiva.
Henrique Silveira
Primeiro fiquei um tudo nada surpreendido pela canalhice de certos "lusitos" que vêm em tudo promoção e nunca ideal. Depois pensei que era normal e ri-me com gosto, sobretudo do termo "cargo". Como se o Secretário de uma Associação Cultural sem fins lucrativos pudesse lucrar com um "Cargo" como o que eu teria! Uma espécie de soba imperial rodeado de prebendas, luxos asiáticos no meu cargo, uma espécie de "tacho" magnífico. Um "Cargo" que seria afinal uma remuneração por ter dito o que pensava (e muito pouco) sobre a Capela Real e que é do domínio público há anos.
Esclareço que sou sócio fundador da Associação Cultural sem fins lucrativos "Divino Sospiro", com mais um grupo de amigos, e sou secretário geral da Direcção da Associação para contribuir com o meu trabalho voluntário para um projecto em que acreditava e ajudei a fundar, em conjunto com esses amigos, e espero que tenha os maiores sucessos.
Sobre cargos: está convidado quem escreveu o que escreveu a vir ter um cargo do mesmo género, a trabalhar voluntariamente numa associação do mesmo tipo, as portas estão abertas.
Nota final: E mesmo tendo este "cargo" ou outros, continuarei a dizer o que penso, de forma frontal e como quero. Quem quiser pode contrariar com factos. Sobre o Divino Sospiro, o tal blogue dizia que eu tinha feito uma crítica depois de ter prometido que não a faria! E não a fiz mesmo!
Recomendo o autor do tal blogue que verifique as assinaturas de quem escreve antes de dar vazão aos seus ódios. Este blogue não é unipessoal; alguém, que não eu, fez a tal crítica e falou dos tais agrupamentos portugueses com os tais intrumentos originais. Nada tenho a ver com o assunto lá porque escolhi o template e abri este blogue há dois anos atrás.
Incompatibilidade parece que houve, realmente, mas da parte do tal blogueiro. Uma incompatibilidade com a interpretação de dois textos diferentes assinados por autores diferentes, imaginados como um só! Uma incompatibilidade de natureza cognitiva.
Henrique Silveira
3.5.05
Festa da Música no CCB - Notas de Audição 6 - Filipe Pinto Ribeiro
Um recital de Filipe Pinto Ribeiro, no CCB sala Holz pelas 16h45m, programa original, apenas com Beethoven, Sete Variações Sobre God Save the King, obra fora de opus 78, fantasia em sol menor opus 77 e a célebre sonata opus 57, APASSIONATA, em fá menor.
Hesitei em escrever sobre este concerto, a sala com um tecto muito baixo e um palco elevado é péssima para um recital de piano, se observarmos que o modelo de piano é um Steinway modelo 270D, uma máquina de produção de som, que enche com a sua sonoridade auditórios de milhares de lugares a única coisa que poderíamos aspirar era tentar sair da sala sem dores de cabeça.
O pianista Filipe Pinto Ribeiro lutou contra a sala, o tecto e o piano. Preparado para um recital duro, dotado de grande pujança física e uma sonoridade imperial, própria da sua escola e da sua personalidade, Filipe Pinto Ribeiro mostrou uma técnica soberba, uma capacidade de manipulação do som notável, uso do timbre variado e capacidade de renovação e de surpresa nos efeitos sonoros.
Muito interessantes as variações. A obra mais complicada em termos de fio condutor é, sem dúvida, a fantasia, que parece claramente fruto de experiência e da capacidade de improvisação do compositor. Pinto Ribeiro conseguiu manter esse fio que parecia difícil de obter. A sonata opus 57 teve claros problemas de equilíbrio sonoro e de instabilidade no som. O piano não estava equilibrado e a sala enche depressa de mais com o som que satura (em termos de ciência física) totalmente o espaço. O pianista acabou de ter de usar o pedal da surdina para conseguir conter de certa forma as dificuldades com que se deparou. Creio que a sala em questão nunca deveria ser dada a um recital com as obras em questão. Perde o pianista, perde o público, perde a música. O melhor pianista nunca conseguiria um recital perfeito numa sala destas e com um instrumento mal equilibrado em termos dinâmicos. Felicita-se Pinto Ribeiro por ter conseguido, apesar de tudo, transmitir alguma música a quem o escutava. Ficámos com pena de não o escutar no local apropriado, uma sala grande com um bom piano.
Hesitei em escrever sobre este concerto, a sala com um tecto muito baixo e um palco elevado é péssima para um recital de piano, se observarmos que o modelo de piano é um Steinway modelo 270D, uma máquina de produção de som, que enche com a sua sonoridade auditórios de milhares de lugares a única coisa que poderíamos aspirar era tentar sair da sala sem dores de cabeça.
O pianista Filipe Pinto Ribeiro lutou contra a sala, o tecto e o piano. Preparado para um recital duro, dotado de grande pujança física e uma sonoridade imperial, própria da sua escola e da sua personalidade, Filipe Pinto Ribeiro mostrou uma técnica soberba, uma capacidade de manipulação do som notável, uso do timbre variado e capacidade de renovação e de surpresa nos efeitos sonoros.
Muito interessantes as variações. A obra mais complicada em termos de fio condutor é, sem dúvida, a fantasia, que parece claramente fruto de experiência e da capacidade de improvisação do compositor. Pinto Ribeiro conseguiu manter esse fio que parecia difícil de obter. A sonata opus 57 teve claros problemas de equilíbrio sonoro e de instabilidade no som. O piano não estava equilibrado e a sala enche depressa de mais com o som que satura (em termos de ciência física) totalmente o espaço. O pianista acabou de ter de usar o pedal da surdina para conseguir conter de certa forma as dificuldades com que se deparou. Creio que a sala em questão nunca deveria ser dada a um recital com as obras em questão. Perde o pianista, perde o público, perde a música. O melhor pianista nunca conseguiria um recital perfeito numa sala destas e com um instrumento mal equilibrado em termos dinâmicos. Felicita-se Pinto Ribeiro por ter conseguido, apesar de tudo, transmitir alguma música a quem o escutava. Ficámos com pena de não o escutar no local apropriado, uma sala grande com um bom piano.
2.5.05
Os discos da minha vida
Tive o privilégio de poder escutar hoje um disco extraordinário, trata-se do volume II da música de Domenico Scarlatti por Pierre Hantaï. Contém a fuga K. 58 e as sonatas com os números de catálogo K. 239, 370, 371, 135, 215, 216, 25, 261, 262, 263, 264, 314, 259, 260 e 84; pela ordem com que surgem no disco. A interpretação de Hantaï cai entre uma absoluta contenção formal e uma explosão sonora de um vigor telúrico. Entra directamente para os meus discos de sempre.
Sem mais explicações.
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