<$BlogRSDUrl$>

10.5.05

Festa da Música - Notas de Audição 8 - Missa Solene de Beethoven 

Sábado, sala Waldstein, grande auditório do CCB, 22h30m. RIAS-Kammerchor, Capela Amsterdam, Concerto Köln. Daniel Reuss na direcção, Claudia Barainsky - soprano, Elisabeth Jansson - contralto, Daniel Kiech - tenor e Nicolas Testé - Baixo.
Missa Solene em ré maior opus 123.

A formação apresentada pelo concerto Köln foi de 8 primeiros violinos, 6 segundos, 5 violas, 4 violoncelos e 3 contrabaixos, uma formação muito semelhante nas cordas ao Collegium Cartusianum. Madeiras e metais clássicos, tímbales. Instrumentos originais ou réplicas de originais.

A entrada (e o final da obra!) começou por ser um pouco esborrachada, o que é algo desmotivador para quem escuta, mas a sonoridade dos metais naturais acabou a pouco e pouco por compensar os primeiros erros acabando por marcar de forma incisiva o início da obra. A cor, apesar da entrada, acabou por ser o elemento dominante do Kyrie.
O Gloria foi escutado de forma empolgante, gostei muito do trabalho dos tímbales. O Credo, parte central na Missa, teve belíssimos momentos de exaltação e sonoridades muito belas com a utilização sábia de Beethoven dos timbres das madeiras (flautas, oboés, clarinetes e fagotes). A presença do contrafagote neste tipo de formação orquestral pequena (e com instrumentos originais) é particularmente notada e dá uma profundidade extraordinária à base da estrutura harmónica, muito evidente no Credo. De súbito!... A Ressurreição irrompe, a meio do Credo com um brilho e um fôlego infinito, a fazer lembrar a prosódia e a retórica de Bach. Um momento muitíssimo bem explanado pela orquestra.
Os momentos de suspensão, em que a música pára para se deixar ouvir a harmonia, os acordes, as ressonâncias, são quase mágicos em Beethoven, neste caso um pouco estragados pelo coro que não teve a contenção sonora suficiente para deixar escutar todo o tecido musical, sobrepondo uma intensidade sonora demasiado agressiva aos restantes elementos em presença talvez com excepção dos trombones. Creio que estes momentos foram um dos lados menos conseguidos desta interpretação.
Um Sanctus realizado de forma notável por Reuss, com um momento de arrepiar logo antes de um solo de violino. O solo, feito pelo concertino do Concerto Köln, foi outro grande momento, uma sonoridade muito pura e expressiva, sem recurso a vibrato, facto que deve ter deixado alguns ouvintes, menos adaptados a uma interpretação historicamente informada, algo desconcertados. De facto a interpretação deste solo conta como um dos pontos mais belos desta Missa Solene, Benedictus!
O Agnus Dei foi realizado de forma notável pela dialéctica entre invocação humana e a tensão do transcendente, tão presente nesta obra de Beethoven.

A posição do maestro Reuss face aos solistas foi algo inapropriada, ficando muito dentro da orquestra dominava pouco a colocação dos solistas puxados para a boca de cena, creio que essa posição avançada contribuiu para alguns desacertos em entradas dos solistas.
Em comparação com o Collegium Cartusianum (Missa em dó maior) achei a sonoridade do Concerto Köln menos suave e agreste. Nos fortíssimos os metais rasgavam demasiado.

O coro teve alguns problemas de desafinação e cantou com exagero dinâmico. Um coro com problemas de dicção no latim. Um "pacem" muito mal enunciado foi quase lamentável em termos de pronúncia, com um sotaque alemão tão carregado que faz parecer Bento XVI um italiano de boa cepa!

Os solistas medianos (com excepção para o baixo), com timbres razoáveis mas com vozes pequenas. O baixo a vibrar de forma muito agressiva, quando retirava o vibrato da voz (a lembrar o zurrar do burro) a desafinação era atroz. Um baixo que se destacou pela baixa qualidade relativamente ao valor mediano dos restantes solistas dos quais não destaco nenhum.

O maestro Reuss é um excepcional maestro de vozes, dirigiu com enorme convicção o coro e os solistas, esquecendo-se um pouco da orquestra. A sua direcção teve desequilíbrios sonoros pontuais entre os diversos elementos em presença. No entanto a sua visão da obra, a oscilação entre o divino e o humano, entre o exaltante e o extático resulta de uma grande compreensão do texto da partitura e do espírito de Beethoven nesta obra quase gémea da sinfonia em ré menor. Uma visão algo arcaizante do texto que leva a uma abordagem da obra orientada para as raízes de Beethoven e para o passado, o século XVIII com Haydn e Mozart, o que demonstra a invulgar estranheza do génio do compositor que, apesar destas raízes, projecta a sua obra no futuro, para fora do tempo, digamos. O mérito de Reuss esteve nesta capacidade de enquadramento, com uma orquestra com instrumentos originais, solistas baratos, coros com ensaios provavelmente em número reduzido, acabando por produzir uma interpretação com cabeça, tronco e membros.

Um bom concerto apesar de alguns desacertos.


Arquivos

This page is powered by Blogger. Isn't yours?