16.5.05
O problema Boulez
Os ecos das conferências de Pinho Vargas continuam, o compositor Sérgio Azevedo fala do assunto no seu blogue. O que me traz hoje é, no entanto, o Blogue Ideia Soltas de Carlos Araújo Alves que tem publicado um texto sobre Boulez e um excerto de uma entrevista ao "mestre".
Devo dizer que considero Boulez uma personalidade imensa e complexa, longe de mim fazer de Boulez uma espécie de ser menor. O problema da história e do lugar deste ou daquele naquela (esta série resultou abstrusa!) não é problema que me aflija. Na economia da ciência os problemas que ainda não se põem são desinteressantes.
O problema de Boulez face ao facilitismo é esse mesmo, a criação de um neo-facilitismo, cuja expressão máxima seria um serialismo integral (que entretanto abandonou). Dada a série e meia dúzia de regras básicas, que ao ouvinte desatento parecem complexíssimas, está feita a obra. Difícil de aprender, claro, é toda uma neo-escolástica que deve estar alicerçada na técnica antiga, de modo a evitar precisamente os "erros" dessa técnica. Deve-se conhecer a teoria clássica para evitar o sacrilégio de a utilizar. O tonal foi banido, não há centros, não se pode cair em tentação com a utilização de grupos mais fortes de agregados musicais, como acordes oriundos da harmonia clássica. Não, agora não é permitido um acorde maior perfeito, seria a última profanação! É preciso estudar muito para a rejeição ser completa. É preciso ter as novas regras na cabeça, uns truques e... perlimpimpim!... nasce mais uma porcaria que ninguém ouve e ninguém quer ouvir a não ser o próprio compositor e mais meia dúzia de amigos que acenam com a cabeça e dizem que sim e vão para casa escutar Brahms às escondidas... O que é importante dizer é que este tipo de pensamento leva a uma estética por rejeição, por ruptura ostensiva, por negação. Eu duvido de estética cujo fundamento é precisamente uma cega negação que acaba por ser igual ao objecto negado, uma espécie de um negativo estético comportando exactamente a mesma informação.
Claro que estou a simplificar, claro que Boulez conseguiu, curiosamente violando algumas das regras e teorias, que ele próprio seguia em cada tempo e queria impor em cada tempo, criar obras notáveis. Boulez foi seguindo fechado numa tremenda cadeia de complexos, de traumas, de teorias que entraram em decadência pouco tempo após o seu enunciado. Boulez criou uma teia de formalismos, um neo-academismo francês e resta saber se daqui a quinhentos anos será mais ouvido do que os academistas franceses do século XIX, e isso é independente do que Boulez diz na sua vertente de erudito e supremo elocubrador. Dá a impressão mesmo que Boulez consegue enumerar a cada passo uma nova teoria e reapontar conceitos, fazendo da sua migração constante o seu lema vital. Em Boulez afinal nada é estável, apenas o Boulez ele mesmo agora na sua pose de génio. Uma explicação constante do que vai fazendo acaba por ser o lema do Boulez em pose mediática, mas contida. Sabe-se que é muito difícil obter entrevistas com Boulez, mas que ele as dá, em grande número, dá! É como as bruxas...
E não basta o Marteau sans Maître para redimir Boulez de toda a panóplia ditatorial que impôs a uma geração de músicos. Pior, na entrevista Boulez cita Stalin, parece-me que é o complexo de culpa a falar. Boulez também ditou quem podia rir. O facilitismo ou a sua ausência não passam pela castração da imaginação que Boulez efectua como ditador estético. O facilitismo pós moderno é-me mais repugnante que o academismo reaccionário de Boulez. O facilitismo rompe-se pelo trabalho e pela própria imaginação.
Sobra um Boulez, o maestro, um maestro que mais uma vez vou admirar no próximo Julho em Bayreuth e esse não me deixa de encantar. O outro, o "génio", o "compositor visionário", o ditador estético, apesar do seu imenso brilho intelectual desperta-me dúvidas. Não será esse mesmo o papel do génio?
O que é certo é que estas questões, infelizmente, já não incomodam ninguém, os pós modernos dedicam-se a criar lixo do pior, muito pior que o muito lixo* que saiu do IRCAM (!) independemente das regras e das teorias de Boulez e da parafernália da escola de Darmstadt.
* - A par do muito bom que também de lá saiu.
Devo dizer que considero Boulez uma personalidade imensa e complexa, longe de mim fazer de Boulez uma espécie de ser menor. O problema da história e do lugar deste ou daquele naquela (esta série resultou abstrusa!) não é problema que me aflija. Na economia da ciência os problemas que ainda não se põem são desinteressantes.
O problema de Boulez face ao facilitismo é esse mesmo, a criação de um neo-facilitismo, cuja expressão máxima seria um serialismo integral (que entretanto abandonou). Dada a série e meia dúzia de regras básicas, que ao ouvinte desatento parecem complexíssimas, está feita a obra. Difícil de aprender, claro, é toda uma neo-escolástica que deve estar alicerçada na técnica antiga, de modo a evitar precisamente os "erros" dessa técnica. Deve-se conhecer a teoria clássica para evitar o sacrilégio de a utilizar. O tonal foi banido, não há centros, não se pode cair em tentação com a utilização de grupos mais fortes de agregados musicais, como acordes oriundos da harmonia clássica. Não, agora não é permitido um acorde maior perfeito, seria a última profanação! É preciso estudar muito para a rejeição ser completa. É preciso ter as novas regras na cabeça, uns truques e... perlimpimpim!... nasce mais uma porcaria que ninguém ouve e ninguém quer ouvir a não ser o próprio compositor e mais meia dúzia de amigos que acenam com a cabeça e dizem que sim e vão para casa escutar Brahms às escondidas... O que é importante dizer é que este tipo de pensamento leva a uma estética por rejeição, por ruptura ostensiva, por negação. Eu duvido de estética cujo fundamento é precisamente uma cega negação que acaba por ser igual ao objecto negado, uma espécie de um negativo estético comportando exactamente a mesma informação.
Claro que estou a simplificar, claro que Boulez conseguiu, curiosamente violando algumas das regras e teorias, que ele próprio seguia em cada tempo e queria impor em cada tempo, criar obras notáveis. Boulez foi seguindo fechado numa tremenda cadeia de complexos, de traumas, de teorias que entraram em decadência pouco tempo após o seu enunciado. Boulez criou uma teia de formalismos, um neo-academismo francês e resta saber se daqui a quinhentos anos será mais ouvido do que os academistas franceses do século XIX, e isso é independente do que Boulez diz na sua vertente de erudito e supremo elocubrador. Dá a impressão mesmo que Boulez consegue enumerar a cada passo uma nova teoria e reapontar conceitos, fazendo da sua migração constante o seu lema vital. Em Boulez afinal nada é estável, apenas o Boulez ele mesmo agora na sua pose de génio. Uma explicação constante do que vai fazendo acaba por ser o lema do Boulez em pose mediática, mas contida. Sabe-se que é muito difícil obter entrevistas com Boulez, mas que ele as dá, em grande número, dá! É como as bruxas...
E não basta o Marteau sans Maître para redimir Boulez de toda a panóplia ditatorial que impôs a uma geração de músicos. Pior, na entrevista Boulez cita Stalin, parece-me que é o complexo de culpa a falar. Boulez também ditou quem podia rir. O facilitismo ou a sua ausência não passam pela castração da imaginação que Boulez efectua como ditador estético. O facilitismo pós moderno é-me mais repugnante que o academismo reaccionário de Boulez. O facilitismo rompe-se pelo trabalho e pela própria imaginação.
Sobra um Boulez, o maestro, um maestro que mais uma vez vou admirar no próximo Julho em Bayreuth e esse não me deixa de encantar. O outro, o "génio", o "compositor visionário", o ditador estético, apesar do seu imenso brilho intelectual desperta-me dúvidas. Não será esse mesmo o papel do génio?
O que é certo é que estas questões, infelizmente, já não incomodam ninguém, os pós modernos dedicam-se a criar lixo do pior, muito pior que o muito lixo* que saiu do IRCAM (!) independemente das regras e das teorias de Boulez e da parafernália da escola de Darmstadt.
* - A par do muito bom que também de lá saiu.
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