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31.5.04

Apagou-se o blog. Nasceu o livro 

O Pedro Mexia apagou o blog e lançou o livro ”Fora do mundo e outros textos da blogosfera”.
E agora vamos reler, em livro, os textos que em tempos foram posts. Acabou-se a procura. A indiscrição. O afã da telenovela. A pincelada do momento. A notícia em primeira mão. O teatro quotidiano desse personagem Pedro M., as ocupações com que o blogger finge viver a vida, têm já o eco de um tempo e não de um instante. O registo em papel é um registo para o tempo, não porque resista mais que o néon, mas porque obriga ao tempo da leitura e a cortar com o tempo do quotidiano, da vertigem e da vida.
Agora como leitores do papel, e não do néon, menos ávidos, menos impacientes, podemos deter-nos no cuidado que sempre esteve nessa escrita e noutros ingredientes de intemporalidade que o autor ali plantou com o secreto plano ou aspiração de converter o blog em livro, como nos revelou Pedro Lomba. O que foi escrito sobre o efémero e tinha as marcas do efémero: datas, links, metabloguismo é, portanto, suprimido. O livro respeita apenas a ordem cronológica dos posts.
O livro acaba por não destoar dentro da tradição literária fragmentária do século XX, como bem notou Abel Barros Baptista. Uma série de gavetas, uma série de entradas a partir das quais se poderiam arrumar os então posts, agora textos: a música pop, a vida sexual de Pedro M., o quotidiano, o nada, o novo livro do Desassossego.
O eco do tempo vem deste livro que mais ou menos conhecémos detrás para a frente. Ressoa o ano áureo da blogosfera, precisamente há um ano, entre Maio e Outubro de 2003: meses de posts torrenciais e que nem com o calor de Agosto abrandaram mas apenas com a rentrée.
E como os blogues se confundem com a vida, aqui estão as caras que reconheço e que estiveram presentes: País Relativo, falecido Desejo Casar, Fora do Mundo, a Bomba, Complot, Picuinhices, Praia, My Moleskine, No Quinto dos Impérios. Há um ano ninguém se conhecia e agora todos os que interessa conhecer, se conhecem. Não foi o futebol. Foi a blogosfera. Qualquer coisa tão profunda- quanto esses laços clubísticos- de quem recorda, não vitórias ou derrotas, mas posts e tudo o que passou depressa demais e que graças à memória da escrita conseguimos aprisionar um tempo mais.
Este livro é já o olhar do tempo. É a sobreposição/justaposição de olhares: do simples leitor sobre o olhar primordial do leitor de blogues. É a transição da galeria de espelhos e espelhos e espelhos que o blogger Pedro Mexia lia, atravessando-os, em delirium tremens, para recuperar a sua identidade una e salvifica para um olhar mais sereno e passivo, o olhar que os leitores lhe devolverão. Através deste livro, há uma coisa rara por precisamente termos acompanhado a sua gestação, se é possível apropriarmo-nos da vida de alguém só porque a “espiámos”, é que podemos entrar, juntamente com o autor, no tempo da confirmação e da invenção. Confirmação que vivemos aquele tempo, invenção de quem fomos. É preciso um club ou um grupo para fazer isto bem feito e são precisas balizas, como este livro, para a memória.
Clara

29.5.04

Óperas de Verdi a propósito de Stiffelio - estreada em 1850 a 16ª ópera de Verdi 

Oberto Conte di San Bonifacio
(17.11.1839 Teatro alla Scala, Milão), Temistocle Solera.

Un Giorno di Regno
(5.9.1840 Teatro alla Scala, Milão) Melodramma giocoso em 2 actos, Felice Romani, a partir de Alexandre Vincent Pineu-Duval.

Nabucodonosor
(9.3.1842 Teatro alla Scala, Milão), Temistocle Solera, baseado na peça de Anicet-Bourgeois e Francis Cornue.

I Lombardi alla Prima Crociata
(11.2.1843 Teatro alla Scala, Milão), 4 actos, Temistocle Solera, baseado no poema de Tommaso Grossi.

Ernani
(9.3.1844 Teatro la Fenice, Veneza) 4 actos, Francesco Maria Piave, a partir de Hernani de Victor Hugo.

I Due Foscari
(3.11.1844 Teatro Argentina, Roma) 3 actos, Francesco Maria Piave, a partir de Lord Byron.

Giovanna d'Arco
(15.2.1845 Teatro alla Scala, Milão) prólogo e 3 actos, Temistocle Solera, a partir de Schiller, Die Jungfrau von Orleans.

Alzira
(12.8.1845 Teatro San Carlo, Nápoles) prólogo e 2 actos, Salvatore Cammarano, a partir de Voltaire's, a tragédia "Alzire, ou les Américains".

Attila
(17.3.1846 Teatro la Fenice, Veneza) prólogo e 3 actos, Temistocle Solera (e Francesco Maria Piave), a partir de Attila, König der Hunnen de Zacharias Werner.

Macbeth
(14.3.1847 Teatro della Pergola, Florença) 4 actos, Francesco Maria Piave, Shakespeare.

I Masnadieri
(22.7.1847 Her Majesty's Theatre, Londres) 4 actos, Andrea Maffei, do drama de Schiller: Die Räuber.

Jérusalem (rev. de I Lombardi)
(26.11.1847 Académie Royale de Musique, Paris) 4 actos, Alphonse Royer e Gustave Vaëz.

Il Corsaro
(25.10.1848 Teatro Grande, Trieste) 3 actos, Francesco Maria Piave, a partir do poema de Lord Byron.

La Battaglia di Legnano
(27.1.1849 Teatro Argentina, Roma) 4 actos, Salvatore Cammarano, a partir de Joseph Méry.

Luisa Miller
(8.12.1849 Teatro San Carlo, Nápoles) 3 actos, Salvatore Cammarano, baseado em Schiller: Kabale und Liebe.

Stiffelio
(16.11.1850 Teatro Grande, Trieste) 3 actos, Francesco Maria Piave, segundo a peça "Le Pasteur, ou L'Évangile et le Foyer" de Émile Souvestre e Eugène Bourgeois.

Rigoletto
(11.3.1850 Teatro la Fenice, Veneza) 3 actos, Francesco Maria Piave, segundo o drama Le "Roi s'amuse" de Victor Hugo.

Il Trovatore
(19.1.1853 Teatro Apollo, Roma) 4 actos, Salvatore Cammarano (e Leone Emanuele Bardare), peça "El Trovador" por Antonio García Gutiérrez.

La Traviata
(6.3.1853 Teatro la Fenice, Veneza) 4 partes, Francesco Maria Piave, "La Dame aux camélias" por Alexandre Dumas fils.

Les Vêpres Siciliennes
(13.6.1855 Académie Impériale de Musique, Paris) 5 actos, Augustin Eugène Scribe e Charles Duveyrier.

Giovanna de Guzman (I vespri siciliani)
(26.12.1855 Teatro Regio, Parma - Scribe e Eugenio Caimi)

Simon Boccanegra
(12.3.1857 Teatro la Fenice, Veneza) prólogo e 3 actos, Francesco Maria Piave (e Giuseppe Montanelli), peça Simon Bocanegra por Antonio García Gutiérrez.

Aroldo
(rev. do Stiffelio) (16.8.1857 Teatro Nuovo, Rimini) 4 partes, Francesco Maria Piave

Un Ballo in maschera
(17.2.1859 Teatro Apollo, Roma) 3 actos, Antonio Somma, segundo o libreto de Scribe: Gustave III.

La Forza del destino
(10.11.1862 Teatro Bolshoi, S. Petersburgo) 4 actos, Francesco Maria Piave, (e Andrea Maffei) peça "Don Alvaro, o La Fuerza del sino" por Angel de Saavedra, duque de Rivas, e o drama de Schiller "Wallensteins Lager".

Macbeth
(19.4.1865 Théâtre Lyrique, Paris)

Don Carlos
(13.6.1855 Académie Impériale de Musique, Paris) 5 actos, Joseph Méry e Camille du Locle, poema dramático de Schiller: "Don Carlos, Infant von Spanien".

Aida
(24.12.1871 Opera House, Cairo) 4 actos, Antonio Ghislanzoni, após Auguste Mariette.

Don Carlo
(1872, Nápoles), tradução de Achille de Lauzières.

Simon Boccanegra
(rev.) (24.3.1881 Teatro alla Scala, Milão) Adições ao libreto e modificações de Arrigo Boito.

La Force du destin (rev. de La Forza del destino)
(14.3.1883, Antuérpia) Libreto traduzido e adaptado por Charles Nuitter e Camille du Locle.

Otello
(5.2.1887 Teatro alla Scala, Milão) Opera em 4 actos, Arrigo Boito, Shakespeare.

Falstaff
(9.2.1893 Teatro alla Scala, Milão) 3 actos, Arrigo Boito, das peças de Shakespeare: Falstaff e Henry IV.


28.5.04

O Homem a música e a guerra  

Nasceu em Breslau, quando esta cidade era alemã, 1940. A mãe morreu quando era bebé. O pai, anti-nazi, foi enviado para morrer na frente russa. A sua avó foi buscá-lo a Breslau em 1945, quando regressava ao norte da Alemanha morreu de tifo enquanto o mantinha nos seus braços num campo de refugiados. Um postal salvou-o da morte pela doença, a avó tinha contado a uns primos que o iria buscar, estranhando a sua longa ausência estes foram resgatá-lo ao tifo e ao campo de refugiados onde tinha encontro marcado com a morte. Esteve um ano sem conseguir falar.

A música salvou-o, desde pequenino que a sua mãe de adopção tocava para ele. Deu-lhe as primeiras lições, aprendeu violino e tocava orgão na Igreja da pequena cidade do Holstein onde residia. Depois é o que se sabe, mestre do piano, maestro reputado. Uma carreira internacional que só parará quando morrer como ele próprio afirma.

É por isso que dá tanto valor à música, ao Homem, à Paz. É por isso que dedicou o tema da temporada da orquestra onde é titular, desde 2003, ao Homem e ao humanismo.

É por isso que ontem ouvi Christoph Eschenbach com outros ouvidos, por isso não me espantei com a seriedade com que assumiu a partitura da sinfonia no 1 de Mahler, com a plástica que imprimiu à Orquestra de Filadélfia.

Nunca ouvi uma sinfonia de Mahler tocada com tanta concentração e retenção de energias. digamos: com tanta energia reprimida.
Parece impossível numa orquestra americana escutar tanta subtileza sonora que se chegou a confundir com rigidez. A forma como o maestro refreou a orquestra, como imprimiu um ritmo preciso, quase quadrado, hirto, foi levada ao extremo, mas o fim estava lá, lógico, as fanfarras da abertura aparecendo libertadoras no final, o ciclo de uma tensão infinita a quebrar-se depois de um arco cerrado de constrangimento e contracção. Três andamentos iniciais muito crispados, uma visão desanimadora para alguns. Mas o triunfo do homem afirmou-se no andamento final, sublime de energia vital que culminou o exercíco de paixão contida que a leitura de Eschenbach revelou.
De facto os elementos de recalcamento profundo emergem na elegância gélida de Eschenbach. Uma loucura mitigada pelo esquecimento, pela sublimação. Uma loucura que seria destrutiva não fossem os mecanismos do recalcamento, do esquecimento, do desvio, da transferência. Mecanismos tão fortes em Mahler como neste homem elegante e sério que dirigiu com um rigor inapelável e uma técnica perfeita. Um maestro de arquitectura de grande escala, de tensão, de arco dramático e não de detalhe local. Não que não o saiba explorar, como mostrou tão bem na noite transfigurada de Schönberg. A leitura cósmica em Mahler destruiu a exploração dos mil e um microcosmos da partitura.



A orquestra de Filadélfia tocou esta sinfonia umas dez vezes nos últimos quinze dias, atingiu assim um automatismo técnico quase perfeito em que se notam alguns sinais de saturação, falhanço dos trompetes na primeira intervenção por exemplo, mas que ainda não destruiu a libertação sonhadora.
Defeitos? Sim, muitos, mas também muita música e dois homens: Mahler e Eschenbach.
Na orquestra gostámos sobretudo da sonoridade impressionante do primeiro e do terceiro clarinetes (este com a parte muito exposta dos solos do clarinete em mib), das cordas, sobretudo das violas e da precisão impressionante da percussão.

P.S. Cristoph Eschenbach é ainda titular da orquestra de Paris.
Concerto no Coliseu de Lisboa, dia 27 de Maio de 2004. Digressão da Orquestra de Filadélfia pela Europa. Primeira digressão com Eschembach. Orquestra de Filadélfia nasceu em 1903, teve apenas sete maestros titulares.

26.5.04

Navegar é preciso, viver não é preciso 

Rosa Montero esteve ontem na Feira do Livro, onde foi entrevistada por Ana Sousa Dias.
Acabou por falar mais da sua actividade como romancista do que como periodista (do El País).
Com imaginação solta, desprendida do seu cabelo ruivo, graça, auto-ironia, verbo fácil a despenhar-nos, desde a primeira frase, no teatro com que entrançou a sua vida e obra, condensou o sentido de escrever e o que, quanto a ela, distingue a personalidade do escritor das demais.
Falou dos múltiplos que existem em todos nós, em como o romancista é pródigo e mais consciente dessa dissociação, a raiar a esquizofrenia e de que talvez isso explique como 50% dos escritores que entrevistou destoam dos livros que escreveram. A escrita oferece a quem cria, viverem-se outras vidas, escapar ao inferno da vida única. Tal como a leitura. E qualquer escritor é um leitor compulsivo.
Falou da loucura que é estar enfiado em casa dois anos a escrever coisas que não existem e a conviver com personagens de sonho.
De como molda personagens o mais distantes de si, precisamente para lhe proporcionarem outras vidas, se bem que em todas elas deposite o seu quinhão de experiência, medos, obsessões, fantasmas.
De como pesquisa pouco para não espartilhar a imaginação, de como cria personagens em ambientes dos quais desconhece quase tudo e de como, para dar exemplo, depois de trabalhar um publicitário, lhe vêm dizer: olha é mesmo assim que as coisas se passam. Não digam já que é mentira, pois já se surpreendeu a ler coisas escritas pelo seu punho que, de facto, não sabia ( ou não sabia que sabia, pois não as aprendeu em lado algum) como se a escrita a conduzisse a desvendar um oculto, ou desbastasse a ignorância que há em nós.
De como, na fase final, dos romances entra numa fase nublada em que vida e romance se misturam, a ponto de escrever sobre um personagem com um golpe na cara e deparar-se na rua com alguém de carne e osso que traz a cara golpeada, ou de encontrar no momento em que escrevia “ O coração do tártaro”, numa revista de consultório, um artigo sobre o tártaro, a região grega, o lugar tenebroso dos castigos.
Da experiência traumática por que tem, obrigatoriamente, de passar o escritor na infância (no seu caso, uma tuberculose que a agarrou à cama dos cinco aos nove anos), da consciência precoce que tem da decadência das coisas e da consciência dolorosa que tem da passagem do tempo, mais forte do que no comum dos mortais. Do constante rumor que agita a sua cabeça, porque a escrita trava-se primeiro na cabeça e só depois se incorpora no papel. E da criança que permanece em todos os escritores, no seu caso, não a larga mesmo porque não viveu a infância na altura certa, daí a sua fixação em anões, eternas crianças e julgar-se uma liliputiana da segunda guerra, um fantasma que identificou num documentário da T.V alemã.
Da abolição da morte que proporciona o acto de escrita, pois tudo se resume a escrever contra a morte, a par da paixão-amor e de como isso é motivo mais que suficiente para uma vida de consagração. De como a salvação não vem de escrevermos mas de sermos lidos e de como tantos escritores entraram em manicómios, precisamente porque nunca ninguém os leu.
Enfim, reflexões de toda uma vida dedicada à escrita e de uma mulher que nasceu pobre, começou a escrever com cinco anos por força de uma tuberculose e acabou consagrada no seu país e já com cinco livros traduzidos para português (a maioria, na Presença) o último dos quais: “ A louca da casa” terminologia que Santa Teresa d’Ávila aplicava à própria imaginação de que Rosa Montero, tanto se serve para continuar viva e de boa saúde: “ Pois se convives com a louca da casa e a louca da casa não é a dona da casa, tudo vai bem. Mas se a dona da casa se torna na louca, então tudo passa a estar mal”.

Clara

25.5.04

O pequeno burguês faz um ano! 

Ele é mais novo do que nós!!
Julgávamos o JCD um pouco mais velho do que nós, mas era um equívoco. Às vezes penso que é uma pena tê-lo conhecido, era divertido o despique. O epiteto de "pequeno burguês" vem desses tempos. O meu gozo com a mentalidade de taxista que quer deixar de pagar impostos, o género de rapaz que mora fora de Lisboa mas que se irrita nas filas de trânsito e dá imenso valor ao assunto. O espicaçar com o género de provinciano cujo sonho é ir à Serra Nevada fazer esqui e trazer umas fotos para impressionar o pessoal da terrinha. Ele e mais quinhentos milhões de macacos pequeno-burgueses portugueses que aspiram a ser de classe alta e se tornaram recentemente liberais, porque trabalham que nem cães num banco, numa corretora ou numa empresa de consultadoria e está na moda.
Eles compram revistas onde se vê que é isso que a " malta da classe alta" faz nos tempos livres! O que nega, à partida, o conceito "classe alta".
Enfim, é uma pena não termos mais estes despiques divertidos. Creio que perceberam: o Jaquinzinhos faz anos. Parabéns João, e que continues com o teu sentido de humor e que deixes de ser tão, tão, tão, classe baixa quando tentas mostrar que não és! Espero que esta te deixe encarnado de raiva, mas sei que não o que é pena, e um grande abraço.
Henrique

P.S. E gozar com o Boaventura paga direitos de autor!!!


Preços dos CD's: o escândalo! 

É inacreditável o nível de preços a que chegaram os CD's, a discoteca Roma em Lisboa chega ao nível do absurdo. A Decca lançou em 1991 um disco com os quartetos de Ravel e de Debussy, um excelente disco do quarteto Ysaÿe. Um disco fora de catálogo da Decca e que devia estar na discoteca Roma há anos e anos.
Preço 21.5€, como se o disco tivesse saído ontem. O mesmo programa pelo Quarteto Italiano, numa edição da mesma editora já nos anos 2000 custa na Amazon 11.86. Já tinha reparado que os preços da Discoteca Roma batem todos os records, mas isto é demais.
Outro exemplo: um disco da Alpha custa na Roma mais 8 ou 9 euros do que na FNAC. Existem abusos das editoras, abusos das distribuidoras e do vendedor final. Neste caso a soma dos abusos faz o preço chegar ao escândalo.
Creio que aqui o desaforo de preços provém do facto de as pessoas que compram música na discoteca Roma, e em geral na música dita clássica, terem elevado poder de compra e não discutirem os preços.

Recomendo aos consumidores uma criteriosa escolha dos preços. Comparações do mesmo produto em várias lojas e recurso alargado a pesquisas na net.

Entre a especulação do mercado discográfico e a descarada pirataria qual o abuso maior?

Henrique Silveira

24.5.04

Últimos concertos - breves referências - O violino do concertino da Gulbenkian 

Richard Goode, piano, Terça, 11 Mai 2004, 19:00 - Grande Auditório. Ludwig van Beethoven, Seis Bagatelas, op.126. Franz Schubert, Sonata Nº18, em Lá menor, D.845. Robert Schumann, Davidsbündlertänze, op.6. Numa sala obscura Richard Goode foi brilhante, senhor de um fraseado e de um domínio do teclado quase perfeito acabou por nos dar bagatelas de Beethoven de uma suavidade sem precedentes, uma sonata de Schubert onírica e um Schumann de uma grande intensidade emocional, mas de uma contenção sonora notável. Concerto para 17 valores.

Na Sexta, 14 Mai 2004, 19:00 - Grande Auditório, Claudio Scimone dirigiu a Orquestra Gulbenkian. Domenico Cimarosa, Abertura da ópera Il Matrimonio Secreto, Muzio Clementi Sinfonia Nº 1, em Dó Maior, Wo32. Giacomo Puccini, Prelúdio Sinfónico. Gioacchino Rossini, Abertura da ópera Maometto II. Arrigo Boito, Sinfonia em Lá Maior.
Um programa italiano dirigido pelo "velho" titular da Gulbenkian e agora "maestro honorário". Um homem divertido mas pouco preciso, já algo fora de prazo em termos interpretativos e em domínio da orquestra. Um programa, desconhecido por mim, abominável, escapou o Cimarrosa e o Rossini, o resto foi de fugir. Um exercício paupérrimo de um estudante de nome Puccini, uma sinfonia banalíssima do mais aborrecido autor de peças para piano e que afastou gerações de bons músicos do instrumento: Clementi. Scimone não foi clemente e aplicou-nos ainda com uma sinfonia de uma banalidade extrema de Boito, creio que a escreveu para a Banda da Carris. Escapou ainda o Rossini, mas muito mal tocado, sem energia. Um concerto desgastante pela monotonia e pela falta de qualidade musical, quer da orquestra, quer do maestro, quer das obras. Concerto para 8 valores.

Passei a charopada das valsas pelo pianista Lortie, se algum dos colaboradores deste blogue lá esteve as críticas são bem vindas... Nesse dia fui ao concerto do Divino Sospiro que não critico porque estive envolvido no mesmo. Jantámos com o Massimo Mazzeo e o Enrico Onofri depois do concerto e guardei uma frases muito belas do maestro e violinista que usarei um dia. Único comentário: foi a primeira vez que ouvi uma orquestra portuguesa de instrumentos originais com um som coerente e mais não digo.

Depois veio o Vengerov no violino: Quinta, 20 Mai 2004, 21:00 - Grande Auditório, Orquestra Gulbenkian, Cristian Mandeal (maestro). Georges Enesco, Intermezzo, op.12. Benjamin Britten, Concerto Nº 2, para Violino e Orquestra, op.15. Franz Schubert, Abertura Alfonso und Estrella, Sinfonia Nº 6, em Dó Maior, D.589.

O violinista, menos exuberante do que no concerto com piano, mostrou mais cuidados neste concerto de Britten do que anteriormente com Bach e Brahms. Tocou com sentimento mas com muita exuberância géstica. De repente a catástrofe, um corda partida, creio que a segunda, a corda do ré, mas não estou certo. Pede violino ao concertino auxiliar, que nem o Rowlands nem o Bin Chao lá estavam. E inacreditável, quando mete o arco para dar um acorde de quatro cordas ouve-se a desafinação inenarrável do violino do concertino! Que vergonha, meteu dó. É este o profissionalismo do rapaz que figura na primeira estante, será que tem algum esquema estranho para afinar o violino com cordas scordatas? Algum segredo dos violinistas da Transcaucásia? Depois disto Gareguine Arouthounian ainda destrona Devries do lugar de lanterna vermelha dos concertinos em Portugal...
O extra foi uma peça que nem sequer devia ser considerada música: a meditação de Thaïs da ópera de Massenet, parece que o Vengerov toca a obra sempre que pode. O mau gosto é algo do qual é difícil de se livrar. A sinfonia de Schubert a terminar o concerto foi muito mediana em termos interpretativos. Concerto para média de 12. Vengerov com 15 valores, o concertino a ser chumbado com nota 0 que é quem leva quando nem sequer se sabe afinar o instrumento. Os metais estiveram mais uma vez imprecisos nas entradas.

Henrique Silveira

23.5.04

Um aniversário e um bolo de anos  

23 de Maio de 2004

“Sou um judeu que não é realmente um humanista (a palavra perde o sentido para um leitor, mesmo o menos versado, do Maharal de Praga ou do Gaon de Vilna), mas sou consciente de um judaísmo que me faz responsável pelos outros, o seu guardador – um judaísmo que se define, assim, como uma ética e define esta ética como aquela que é estabelecida quando eu resolvo fazer de mim não o igual mas o refém do meu semelhante e que vejo, sobre o meu “eu”, um “Ele” que me domina das sagradas alturas”.
Bernard-Henri Lévy filósofo, escritor, jornalista e ensaísta francês. Retirado do livro “I Am Jewish: Personal Reflections Inspired by the Last Words of Daniel Pearl”, 2004, extraído de Rua da Judiaria.
Neste dia em que a minha amiga Lulu a quem eu chamo de avó faz anos há uma história que ela me contou e que gostaria de aqui contar.

Em 1944, depois de três meses em Auschwitz ela foi deportada para Fallarslebben, um campo de trabalho na Alemanha, numa altura, em que os alemães já estavam a perder a guerra e precisavam de mão de obra barata para esta e outras fábricas de armamento. Mengel seleccionou-a porque, apesar de ter apenas dezassete anos, era alta e larga como a maioria das mulheres dos Balcãs.
Falarslleben não se destinava ao extermínio e as condições de vida eram um bocadinho melhores que em Auschwitz, não chovia nas camaratas, recebia-se mais comida e não fazia tanto frio.
A Lulu trabalhava no final de uma linha de montagem dos V2, colocando o detonador. Um alemão estava lá sempre a vigiar o trabalho, a gritar-lhes “sabotage” enquanto com o polegar fazia o gesto de cortar a garganta.
De uma vez que chegaram ao campo mulheres norueguesas da resistência e como uma se recusasse a fazer as bombas, quando a obrigaram, mutilou-se, cortando o braço numa das máquinas. Mas não era esta a história que eu ia contar.
Ao fim de algum tempo a minha amiga já tinha um grupo de amigas, eram dez. E uma delas ia fazer anos. Então decidiram poupar um pouco de pão que recebiam todos os dias, mais um bocado de geleia para fazer um bolo-surpresa. Passaram um pouco mais de fome do que o costume. Quando chegou o dia de anos, as dez fizeram o bolo de fatias de bolo barradas com geleia umas em cima das outras. Depois a Lulu que tinha jeito de mãos fez umas flores de papel que pintou e pôs em volta do bolo. Puseram o prato do bolo em cima de uma toalha branca no colo de uma das dez. E as mulheres da camarata fizeram uma fila para tirarem uma fatia de bolo, sob o olhar das S.S.
Isto já se passou no fim da guerra. Com os bombardeamentos diários muito próximos da fábrica, os alemães a pressentirem que a guerra estava perdida e elas sabendo um pouco mais dos avanços pelos prisioneiros que iam chegando de dia para dia.
Uma das S. S falava muito com as prisioneiras, a ponto de uma noite em que desceram à cave para se protegerem dos bombardeamentos lhes ter dito: “Vocês ainda hão-de contar isto aos vossos netos, mas eu não”. E é isso que acaba de acontecer.

Clara

21.5.04

O pulso da auto-estima  

57- Ama apenas o que te sucede, o que forma a trama da tua vida. Que haverá que mais te convenha?
58-… Aplica somente a tua atenção e vontade em merecer a tua própria estima (Marco Aurélio, Pensamentos para mim próprio, Livro VII)

Resultados da sondagem:
O que mais desgosta os portugueses é o atraso económico e que os processos da justiça não cheguem ao fim e, correpondentemente, o que mais desejam:
- 65%: a recuperação económica
- 15%: conclusão do caso Casa Pia
- 13% vitória do Euro 2004
Os heróis nacionais: Camões, Amália, Figo.
Parece que orgulho de ser português não falta a mais de metade dos portugueses, mas 51% considera que temos pouca auto-estima. Por isso, o problema é ao nível da percepção da auto-estima.
Resumo das participações femininas: Clara Ferreira Alves (CFA) e Inês Pedrosa (IP), já que não cheguei a horas de ouvir Vasco Pulido Valente.
CFA: Para retomar uma frase de Eduardo Lourenço: ”Os portugueses oscilam permanentemente entre dois polos e ao fazê-lo afastam-se da realidade”, diria que os portugueses oscilam entre a megalomania e a depressão, que tão depressa acham a nossa cultura a melhor do mundo, como caem na reles complacência.
Durante 13 anos, este país viveu uma guerra colonial e travou-a com coragem, não vou discutir os resultados. Certo é que apagámos a guerra colonial da memória. Os americanos não esquecem as suas guerras.
Viajei há pouco tempo até Dublin que ao pé de Lisboa ou Porto me pareceu provinciano e até à Bélgica, país culto, civilizado, que com todos os problemas de identidade nacional e de pedofilia e uma costa de 65 Km (quando Portugal tem 800km) e sem uma história trágico-marítima comparável, investiu agora 1 milhão de euros para semear poesia nessas estâncias balneárias frequentadas por Stephen Zweig e John le Carré. O mote era escrever poesia na areia e no mar e gravaram-se palavras de Joyce, Brel, Brodsky, e a Ode Marítima de Pessoa. É preciso tratar mais dos portugueses e menos da imagem exterior e criarmos uma classe média educada e culta que sustente as atribulações do poder. É preciso atalharmos o fosso entre ricos e pobres e a invisibilidade das mulheres em Portugal: essa lista dos heróis nacionais, só faz referência à Amália, não estão presentes uma Sophya, Natália Correia ou uma Vieira da Silva.

I.P- A propósito da intervenção de Vasco Pulido Valente comentou: Quanto mais futuramos negativamente, mais a realidade nos confirmará e mais inteligentes pareceremos. Porque as coisas negras sempre se passarão, apenas não se sabiam e hoje sabem-se. Todos os dias de manhã digo “obrigada à vida por não ter nascido num país árabe”(palmas da assistência). E também não queria ter nascido em Espanha, onde vejo o problema da identidade nacional e do terrorismo. “Na minha língua vê-se o mar” como dizia Pessoa e se o Brasil pôs calor na nossa língua, a África não tem recebido a estima que nos merecia, como já disse a CFA.
O medo atávico e o espírito de desespero criam as ditaduras e impedem-nos de crescer. Reparo isso nos hospitais, pessoas que não se queixam por medo de poderem ser maltratadas em represália.
Gastamos mais tempo a pensar naquilo que não conseguimos fazer do que naquilo que conseguimos fazer. Já conseguimos fazer muito, se pensarmos em como este país foi miserável e deu um salto extraordinário do ensino elitista para um ensino maciço, através de uma revolução pacífica, tranquila e linda.
Clara


20.5.04

Independência de Timor 

Celebram-se hoje dois anos da independência de Timor-Leste. Respeito todos os timorenses que ao longo de mais de 20 anos lutaram por preservar a sua identidade, sujeitando-se a crueldades e massacres que a “nós” nem levemente nos passam pela cabeça. Cicatrizes heróicas de um povo que não desistiu de lutar pela sua autodeterminação e que até conseguiu unir Portugal, de norte a sul, mobilizando de forma ímpar a sociedade portuguesa. Parabéns a este primeiro país do século XXI!!!


Portugal Positivo 

Vamos lá ouvir o que estes senhores nos têm a dizer sobre a falta de
auto-estima dos portugueses.
A partir das 15h00 no Pavilhão de Portugal.

Reflexões para o dia: 

1088- Mas qual será a tua obrigação? O que cada dia te impõe.
1119- É transitório tudo aquilo que nos liberta o espírito sem nos dar o domínio sobre nós próprios.
(Máximas e Reflexões de Goethe, Relógio d’Água)

Olivença 

um símbolo do espírito pusilânime dos políticos portugueses dos últimos 203 anos.
Olivença foi ocupada faz hoje 203 anos: 1801, 20 de Maio. Continua lá para nos mostrar aquilo de que somos realmente capazes.

Porque não alinho em "Óperas para o Povo"? 

Pela mesma razão porque não alinho em futebóis.
Duvido muito de conceitos como "ópera para o povo", com elencos remediados, orquestras de qualidade duvidosa, maestros ... (digo, não digo?), encenações pouco trabalhadas, pouco pensadas, cenografias pobres, tudo reunido à pressa poucos dias antes do evento. Pelas mesmas razões não acredito em quartetos reunidos para fazer um concerto. Não acredito em agrupamentos, como a Capela Real, que fazem meia dúzia de ensaios (desculpem, perdão: dois ou três com sorte) se alguém paga um concerto e tocam para onde estão virados. Isto com os músicos que estão disponíveis no dia do concerto.
O povo merece mais do que "óperas para o povo" à portuguesa, "concertos para o povo" à lusitana, "quartetos para o povo" à moda de Rio Maior e mais outras porcarias do género que para quem é bacalhau basta!
Não vou mas não tenho raiva a quem vai. Tal como me estou nas tintas para os futebóis, desde que não me aborreçam com as buzinadelas...
Mas os futebóis, mesmo o nosso manhoso futebol de trazer por casa, têm uma diferença: muito mais treinos, muito mais trabalho de base. O povo não é parvo e percebe a diferença.

Espero que percam todos. Espero que um dia o trabalho sério acabe com esta "arte de furtar" que, há quem o diga, já foi teorizada pelo bom padre António Vieira...

Henrique Silveira

P.S. Em vez de "ópera para o povo" prefiro dar umas boas gargalhadas com os "erros para o povo" de um texto pedante, prolixo e recursivo. Wagner nunca parodiou Beckmesser, Wagner parodiou Hanslick, o célebre e azedo crítico, amigo de Brahms, criando o personagem Beckmesser. Um texto digno da pena do único crítico do mundo que consegue criticar enquanto dorme, feito notável.

18.5.04

To Music 

E como hoje há um belíssimo concerto na Sociedade de Geografia a partir das 21h00 para o qual desafiamos os nossos leitores aqui fica um aceno

To Music

O blessed art, how often in dark hours,
When the savage ring of life tightens round me,
Have you kindled warm love in my heart,
Have transported me to a better world!

Often a sigh has escaped from your harp,
A sweet, sacred harmony of yours
Has opened up the heavens to better times for me.
O blessed art, I thank you for that!


Poema An die Musik de Franz von Schober (1796 – 1882), traduzido por William Mann ( 1985)
e adaptado por Franz Schubert no Lied homónimo D 547 de 1817

Clara

Concerto em Lisboa 

Hoje o extraordinário Enrico Onofri, violinista, tenor e maestro, dirige o Divino Sospiro, na Sociedade de Geografia de Lisboa, pelas 21h.
Onofri foi durante anos o concertino do Giardino Armonico. O programa do concerto promete:

PROGRAMA

J.B. Lully (Florença 1632, Paris 1687)
Excertos da suite “Le Bourgeois Gentilhomme”
Ouverture
Marcha da cerimonia dos Turcos
Chaconne

J.P. Telemann ( Magdeburg 1681, Hamburg 1767)
Suite “Les Nations”
Ouverture
Menuet I e II
Les Allemands anciens
Les Allemands modernes
Les Suédois anciens
Les Suédois modernes
Les Danois ancies
Les Danois modernes
Les vieilles femmes

H. Purcell (Londres 1659 – 1695)
“The Fairy Queen”
First and second music
Prelude
Hornpipe
Aire
Rondeau

A. Vivaldi (Venezia 1678, Viena 1741)
Concerto para cordas em do maior RV 117
Allegro alla Francese
Adagio
Presto

F.S. Geminiani ( Lucca 1687, Dublin 1762)
La Follia

J.B. Lully: Danse de Neptune

Notícia relacionada, com entrevista a Onofri.


17.5.04

Aniversário 


É bom olhar para trás e sentir que ao longo deste último ano muito do que aqui foi escrito e deixado nas entrelinhas não passou ao lado dos que com (des)interesse leram este espaço. Reflectiu-se em curiosidade e prazer para uns e, no bom sentido, em alertas e angústias para outros. Sobretudo mostrou que espaços como este fazem falta em Portugal, que são possíveis e que podem mudar muita coisa, Parabéns Henrique, conhecendo-te como te conheço sei que ainda podes fazer muito mais... é só quereres!

O pequeno mundo faz um ano! 

Parabéns ao Henrique por este trajecto de longo curso feito, em grande parte, sozinho, como ele gosta e ao seu estilo. O estilo de quem rabisca no joelho, em segundos, o post monumental que fará jus ao espectáculo. De quem nos ouve, pensando triliões de coisas ao mesmo tempo. De quem resolve equações enquanto devora cd’s, d.v.d’s, compõe o meu carrossel, escreve poesia, ajuda a montar um concerto, desentranha um mecenas, toca música, tira dúvidas e dá aulas aos alunos, marca e adia entrevistas.
Que o próximo ano te dê a mesma dose de entusiasmo, iniciativa, disputas, músicos e críticos q.b. a quem conhecer, estimular ou desfazer.


Clara

15.5.04

Eleições na Eufonia 

Partidos candidatos às eleições europeias e respectivos slogans.


Partido da Nova Democracia dos Metais - "Metais ao poder na orquestra, abafem-se as cordas!"
Partido Popular das Madeiras - "Nós somos a poesia, vota em nós, prometemos moderar os fagotes!"
Partido Nacional Renovador das Bandas - "Se todas as orquestras tocam como nós, porque não termos o poder?"
"Força Pianistas" - "Afinal todos somos pianistas, porque não termos mais deputados?"
Bloco dos Estridentes - "Somos a maioria, votem em nós!"
Partido Democrático da Corda - "Cá estamos na corda, nem precisamos dos outros!"
Partido do Lied - "Somos líricos mas acabaremos por vencer..."
Coligação Democrática Orquestral - "A orquestra é quem manda, explorada por maestros liberais que nos exigem trabalho de escravo, abaixo os reaccionários maestros..."
Partido Comunista dos Trabalhadores do Coro do S. Carlos "Queremos mais dias de férias, mais horas extraordinárias e cantar menos, se isso fosse possível, abaixo os fascistas que nos querem pôr a cantar!"
Partido Socialista da Ópera para o Povo - "Ópera para o povo. No estádio da Luz, já!"
Partido Humanista dos Cromos Melómanos - "Nós é que pagamos, nós queremos borlas!"
Movimento de apoio ao Músico Doente - "Todo o músico é um doente, deprimido, apagado, arrastado, cada desafinação, cada nota trocada: um comprimido para ajudar Portugal a vencer!"
Partido da Música de Câmara - "Tudo se decide na câmara!"
Partido Operário de Unidade da Orquestra Sinfónica Portuguesa - "Todos dizem mal de nós, mas nós somos fortes, vamos triunfar: Desafinar, desafinar, desafinar!"
Coligação dos Músicos do Porto Apoiantes de Pereira de Sousa - "O Gesto é Tudo!"
Partido das Cantoras Portuguesas - "Nós é que pesamos!"


Concertos na Gulbenkian 

Sexta, 7 Mai 2004, 19:00 - Grande Auditório
ORQUESTRA GULBENKIAN
MOSHE ATZMON (maestro)
SHARON ISBIN (guitarra)
Gioacchino Rossini, Abertura da ópera Guilherme Tell. Antonio Vivaldi, Concerto para Guitarra e Orquestra de Cordas em Ré Maior, RV 93. Joaquín Rodrigo, Concerto de Aranjuez para Guitarra e Orquestra. Franz Schubert, Sinfonia Nº 8, em Si bemol Maior, D.759, Incompleta. Richard Strauss, Don Juan, op.20.

Uma guitarrista que deu prémio à Gulbenkian, muito correcta e pouco mais. Depois tivemos de levar com um extra sobre o 11 de Setembro, uma pecita qualquer da música pop israelita, num arranjo da própria guitarrista. Uma tristeza musical e um impingir de conceitos não miscíveis com o aspecto estético de um concerto. A música, se for boa, transmite sentimentos do mais profundo que existem. Se for má, e foi o caso, não transmite nada, apenas má propaganda.
Segunda parte fraquita, com demasiados defeitos na orquestra, v.g. trompas horríveis, para se poder fruir do prazer da música em condições. Maestro banalíssimo.

Domingo, 9 Mai 2004, 19:00 - Grande Auditório
LES TALENS LYRIQUES
CHRISTOPHE ROUSSET (direcção)
JAËL AZZARETTI (soprano)
SALOMÉ HALLER (soprano)
CYRIL AUVITY (tenor)
ATUSHI SAKAÏ (viola da gamba)

Marc-Antoine Charpentier, Leçons de Ténèbres.

As fantásticas Lições das trevas de Charpentier. Ao contrário do que muita gente disse, erradamente no meu entender, o tenor era realmente correctíssimo. Bem colocado, com um timbre bonito, num papel de agudos terríveis para um homem cantar com voz natural. A sua potência não é enorme, o que é quase impossível quando se canta neste registo terrífico. O papel era destinado a voz de mulher, numa tessitura também muito difícil de encontrar numa cantora, uma freira. O registo vem algumas vezes bem abaixo do contralto normal, uma espécie de "taille" feminina que traduziríamos, talvez, como tenor feminino.
Ouvimos beleza vocal, compreensão do estilo barroco francês, utilização criteriosa das sonoridades do cravo, nas passagens mais de bravura e de revolta, e do orgão, nas passagens mais meditativas. A beleza e fusão vocal dos sopranos foram de nota. Alguns defeitos: algumas notas ao lado; alguma desafinação pontual; alguma preocupação com a técnica, sem libertar a paixão; fizeram deste acontecimento um concerto apenas bom, quase muito bom. A música de Charpentier sugeria um concerto superlativo. Nota final: 17.

Um aspecto que contribuiu para o lado menos conseguido do concerto foi a afinação. O lá estava afinado a 392Hz, como se faria na Igreja ao tempo de Charpentier, o que está correcto, mas o uso de um temperamento muito igual, talvez Valotti ou algo que o valha, tirou cor à música do mestre francês. Às vezes, para facilitar a vida aos cantores, perde-se a lindíssima cor de temperamentos claramente desiguais. E se Charpentier sabia tirar proveito da desigualdade do temperamento! Basta ler as suas notas de composição, destinadas ao duque de Guise, em que explica as diferenças de cada tonalidade.
Bibliografia: Catherine Cessac, Marc Antoine Charpentier, Fayard - Paris.
Escreverei mais sobre o assunto.

Os meus próximos posts:
1. Festivais, Alcobaça e Leiria.
2. Vozes do Turco em Itália, balanço final.
3. Concerto de Goode na Gulbenkian. Nota 18.
4. Concerto de Claudio Scimone na Gulbenkian. Trompas de novo em péssimo plano. "Provavelmente um dos piores naipes de trompas da Europa"...
5. Próximo concerto do Divino Sospiro, com o célebre Enrico Onofri, na Sociedade de Geografia, dia 18 de Maio às 21h.
6. Porque não alinho em "óperas para o povo".
7. Início do Curso de Teoria do Som online aqui, no crítico.

Henrique Silveira

13.5.04

Modus Vivendi 

É um Modus vivendi que perpassa por todos os que têm o prazer de beber as suas palavras. Um ano e dois dias. Sem parabéns e sem desculpas, que o atraso é indesculpável. Liberta da escravatura do tempo e do espaço continua a escrever, com breves e dolorosas (para quem se habituou à sua leitura) intermitências. Um dos melhores blogues que conheço. Desde o primeiro dia.

Henrique

12.5.04

A encenação do Turco em Itália 

Tem-se escrito muito sobre encenação de ópera cómica italiana, buffa enfim. Creio que o objectivo, hoje, será fruir com humor de obras teatrais datadas. Discursos, na maior parte dos casos, paupérrimos do ponto de vista literário, obras de consumo imediato no tempo em que foram escritas, como as telenovelas de hoje. Versificações banalíssimas tipo: amor - cor (esta aparece umas dez vezes no "Turco...") - favore - signore - spozo - prezioso.
Creio que o Turco em Itália, de Felice Romani, não será nem melhor nem pior que a maioria dos textos do género. Bem sei que muita gente acha aquilo bom, engraçado, divertido. Foi dito e escrito que a presença em cena de um poeta que vai criando, ou tentando criar, a acção dramática é um achado de génio. Um Deus Ex Machina, disparate que vem, inclusivamente, em livros e enciclopédias altamente conceituados. Este poeta em cena não me parece um achado de génio, creio mesmo que é um recurso imaginativo, nunca genial, para salvar um complexo dramatúrgico banal, sem nexo, e destinado apenas a gerar situações divertidas, com encontros e desencontros dos personagens com um final moralista típico e espectável. Esta ópera buffa não é comparável a Pirandello. Se quisermos referentes temporais próximos podemos dizer que está em plano absolutamente inferior às obras de Lorenzo Da Ponte. Mas funciona em termos de humor? Claramente que sim, se tivermos um Rossini a compor.

Assim a encenação será sempre um complemento da música, subverter, intelectualizar, modernizar a cena será cair numa asneira de pedantismo intelectual incompatível com o texto.
Nesse aspecto o S. Carlos está de parabéns, a encenação da obra resulta em pleno acordo com o texto, contextualiza, reforça, é bem humorada. Guido de Monticelli submeteu-se à música e fez bem. Um encenador que gosta de música o que parece ser, paradoxalmente, raro!

A produção já vinha do Rossini Opera Festival de Pesaro, e foi competente em todos os sentidos cénicos, figurinos eficazes, trabalho de luzes muito bom, cenografia de Paolo Bregni estilizada mas poética sem ser demasiadamente cara, um dos aspectos cada vez mais importantes na produção operática a nível mundial. Interessantíssima a taberna, belas janelas no alto do palco, plataforma polivalente muito bem aproveitada. A cena do boudoir tem um trabalho cenográfico perfeito, 20 valores para o cenógrafo nessa cena.

10.5.04

E não se pode exterminá-las? 

O Concerto de sexta feira passada na Gulbenkian foi arruinado, mais uma vez, pelo naipe das trompas: a sinfonia nº 8 de Schubert foi "um ver se te avias" de entradas pouco limpas, de notas a fugir. O final do D. João de Richard Strauss foi uma desgraça por parte de toda a orquestra: os acordes finais que deveriam ter saído com uma exactidão perfeita, com a orquestra toda em fusão, tiveram o condão de deixar ouvir em sucessão todos os instrumentos desfasados, o destaque na barbárie vai para os sopros com as citadas trompas à cabeça. Arrepiante.
Os senhores das trompas foram razoáveis nas partes mais exigentes em termos técnicos, o que prova de que até seriam capazes de tocar música em geral. Impossíveis em tudo resto, afinação incluída. Deviam passar menos tempo a limpar a saliva do interior dos instrumentos e preocuparem-se mais em tocar concentradinhos, afinadinhos e, já agora, em estudar um pouco melhor aquilo que parece fácil...
Este naipe já aqui foi citado como estando a destruir de forma enfática e sistemática toda a tentativa de interpretar seriamente qualquer obra. Se fosse só um azar num concerto ainda escapava, mas é em todos, não é possível ter um naipe que não passa dos nove valores numa orquestra que se quer de qualidade! Começo a pensar que este é um caso perdido de desconcentração, de desatenção, de desrespeito pela música, pelos maestros, compositores e público.

Campo de Sant’Ana  


Esta é a minha zona. Gosto de passear por aqui: Jardim do Torel, Casa da Galicia. Há tempos fizeram obras no jardim do Campo de Sant’Ana. Muito contestadas pelo MPT (Mov. Partido da Terra) porque implicavam deitar abaixo 24 árvores para dar lugar a um parque de estacionamento. A estátua do médico santo ficou durante um ror de tempo, uma ilha, no meio de terra batida e pedras desconjuntadas. Acabaram, finalmente, as obras e o jardim está um regalo. Agora já lá podem ir as devotas do santo, pela calçada reluzente, deixar mãozinhas e perninhas em cera e placas de agradecimento por tudo e alguma coisa, até entradas na faculdade.



Aos seus alunos dizia: «quando entrardes de noite num hospital e ouvirdes algum doente gemer, aproximai-vos do seu leito, vede o que precisa o pobre enfermo e, se não tiverdes mais nada para lhe dar, dai-lhe um sorriso».

Os habituais gansos, pavões e patos tiveram os filhotes. Mas dos treze patinhos já só restam seis, sete foram roubados, mortos ou comidos por gatos, cães ou gaivotas, são as especulações de quem ali mora. E os pavões bébés desaparecem ao segundo dia.



Na Calçada de Sant’Ana, descobri uma placa que me informa que ali onde morreu de peste e de miséria Camões. Isto foi em 1579 ou 1580, será este o prédio? Deve antes ser o lugar do prédio. Em todo o caso, Camões andou por aqui. E há aqui mais prédios bem velhinhos. Ao lado fica o convento Santana que terá sucedido ao outro, do mesmo nome, onde Camões terá sido sepultado, num canto qualquer da banda de fora do cemitério.
Foge-me, pouco a pouco, a curta vida, Se por acaso é verdade que inda vivo;
(...)Choro pelo passado; e, enquanto falo, Se me passam os dias passo a passo.
Vai-se-me, enfim, a idade e fica a pena.

Descendo a Calçada vai-se desaguar à Mouraria, ao que é hoje o Hospital de S. José e já foi o antigo Hospital Real de Todos os Santos, até 1755- tendo desaparecido curiosamente no dia de Todos os Santos- e ao Martim Moniz.



9.5.04

Só se pode lamentar quem não for 

Hoje pelas 19h, Lisboa, Domingo na Fundação Gulbenkian. Uma das obras mais notáveis da música de todos os tempos: Leçons de Ténèbres de Marc Antoine Charpentier.

O concerto com melhor programa de todo o ano em Portugal. Christophe Rousset dirige, do orgão, Les Talents Lyriques.
300 anos da morte de Charpentier quase esquecidos em Portugal. Um dos maiores compositores de todos os tempos. Quem perder estas lamentações para a Semana Santa deverá lamentar-se e penitenciar-se. Para além das fronteiras entre música clássica, barroca, moderna, litúrgica, profana ou qualquer outro qualificativo; vamos escutar música simplesmente eterna.

8.5.04

O Erro do Crítico 

Mais uma pequena crítica à crítica.
Saiu no Público uma crítica ao "Turco em Itália", esta crítica peca, no meu entender, por um erro gravíssimo que tem de ser corrijido e que deve ficar registado. Fica aqui o registo neste espaço público.
O crítico do Público faz auto-citações e remissões para os próprios textos, nestes textos compara a figura do poeta, presente no Turco, a um "deus ex machina". Claro que de forma abusiva e despropositada! Em termos dramáticos, deus ex machina é uma personagem que surge inopinadamente e resolve todos os imbróglios, desata as pontas e leva a trama a um fecho rápido e decisivo. Como no Fidelio de Beethoven, ou de, forma aproximativa, no Othelo de Shakespeare com a chegada do emissário de Veneza. Nunca no Turco, mas adiante, que o erro mais grave não é esse.

O erro de palmatória é ter exigido que numa ópera buffa Fiorilla seja feita por um soprano lírico de coloratura a cantar de forma dramática convincente!!! E porque não um soprano dramático? Ou, já agora, um soprano dramático wagneriano, não? Acusa a cantora de não ter sido convincente na transição para o arrependimento. Que, aliás, dramaturgicamente é um absurdo completo e só se pode encontrar mesmo numa ópera italiana buffa. Essas exigências dramáticas seriam apropriadas se o texto não fosse o disparate que é se for visto como uma peça dramática séria e profunda, a peça funciona de forma convincente e até inspirada como argumento de ópera buffa. Comparar Pirandello ao libreto do Turco é o mesmo que comparar Pavarotti a Dino Meira, têm muito a ver mas em contextos muito diferentes! Mas se as minhas opiniões sobre a obra literária podem ser controversas o aspecto grave radica na apreciação da cantora Cinzia Forte. É precisamente no momento do arrependimento que se nota um volte-face contrastante notável: a cantora mostrou-se débil na entrada da ópera, a voz aqueceu, foi sempre ligeira na representação, como o papel exige, e revela-se no arrependimento. Este causa choque, a voz torna-se escura, a representação acentua-se no registo dramático, a coloratura encorpa-se com timbres insuspeitos e uma soprano lírico-ligeiro revela dotes inequívocos de soprano lírico, com uma coloratura notável, milagre de Rossini, que escreve de forma absolutamente mágica para a voz, milagre da cantora que consegue dar o que Rossini pede, que mutação! Que deleite para os ouvidos, um dos melhores momentos da ópera. A própria música de Rossini mostra-se neste ponto como personagem. Como pode Rossini dar à cantora páginas tão frívolas anteriormente e mudar radicalmente o registo no momento final? Simplesmente genial por parte do bem humorado italiano... Bem respondido pela cantora, que esteve a um nível elevado, com a ressalva de ter entrado demasiado fria no papel, primeiro acto.

O esquecimento do crítico do Público do tenor português Mário Alves é sintomático do estilo habitual das críticas de ópera no Público ultimamente. Susana Teixeira, fraquinha, é massacrada, Mário Alves, muito bem no papel é esquecido do rol de personagens e das citações críticas. Os leitores que tirem as conclusões,


7.5.04

Reflexões para o dia de hoje: 


1101- O dia é o território do erro e do defeito. O êxito, a realização efectiva das coisas, pertence ao fluir do tempo.

1107- A vida consiste toda ela em:
- Querer e não conseguir
- Conseguir e não querer

1118- Nunca estamos mais distantes dos nossos desejos do que no momento em que julgamos possuir o que desejamos.


Goethe, Máximas e Reflexões, Relógio d’Água.

E o fagote tocou bem 

Tocou muito bem, os terríveis stacattos de Rossini sairam limpos e com garra. Os clarinetes também estiveram bem. O resto não comento muito, coisas más demais para serem verdade. O trompete não limpou tudo, médio, mas a medo. Trompa a patinar, flautim a desafinar, sopros pouco coesos nas entradas, sempre pouco limpas. Violinos com som feio e sem coesão, notas trocadas abomináveis em momentos de grande rendilhado e delicadeza, estas notas trocadas em notas muito agudas pareciam os sons de gatos a guinchar com o rabo pisado. Simplesmente horrível, cada nota trocada uma facada em Rossini e nos nervos de quem ouve. É tempo de as notas trocadas serem meros, e raros, azares que passam bem no meio da musicalidade geral. Hoje já não é tempo de dar notas trocadas em cada meia dúzia de compassos por falta de estudo e de concentração, isso não, é inadmissível em músicos profissionais de qualquer orquestra civilizada. Houve notas trocadas para todos os gostos, nas cordas (sobretudo violinos) e nos sopros, um compositor contemporâneo poderia fazer uma nova partitura só com as notas erradas...
Rossini é difícil, requer estudo e não tocar para onde se está virado. Certo é que no tempo da estreia a coisa deveria ser muito pior de ouvir. Como seria em 1814-20?
Com orquestras formadas à pressa com instrumentistas quase amadores e instrumentos de sopro intocáveis? Com uma orquestra bem melhor, 50 anos volvidos sobre o "Turco In Italia", Wagner desistiu de levar o Tristan à cena em Viena depois de 77 ensaios!
Será que estamos demasiado exigentes com as orquestras de hoje? Creio que não, o ideal de perfeição musical hoje é mais exigente; existem termos de comparação muito elevados que provam que a qualidade é possível.
Felizmente a afinação correu melhor que o habitual nas cordas. Mas a orquestra andou toda a ópera a correr atrás dos cantores sem fazer o suporte correcto e sempre a deslizar ritmicamente.

O maestro desiludiu, perfeito em entradas, quadrado na regência, tudo igual na dinâmica, tudo uniforme na agógica, sem sal, sem perceber o que é uma partitura de Rossini e o seu sentido de humor, faltou humor na direcção. Um bom estudante de regência, um maestro vulgar em compreensão musical.

Os cantores estiveram muitíssimo bem com a excepção de Susana Teixeira, Mário João Alves já nem surpreende, é um valor certo que deveria ser mais aproveitado, contou com rigor e com espírito, muito bom este tenor português. Sobre os outros deixo a apreciação para mais tarde, apenas uma nota negativa para a voz muito descolorida sem corpo, anasalada, mal emitida, de Susana Teixeira. Não se percebe como se pode deixar esta cantora cantar com Candia, Vinco, Forte, Corbelli e mesmo com Edwards e Mário Alves. Ao nível de uma cantora de coro, mas que deve evitar cantar os solos. Claramente abaixo do naipe excelente com que contracena, da primeira à última nota.

Claro, estou a escrever sobre "O Turco em Itália", uma obra pouco escutada de Rossini, por alguma razão será. Creio que, nesta récita, se percebeu a razão do esquecimento da partitura. A música genial do mestre da intuição musical acaba por entrar, nesta obra, em repetição de fórmulas. Necessitaria de uma direcção transcendente para transformar um espectáculo agradável, e até divertido, em algo que poderia ter sido muito bom.

Como a hora vai adiantada mais tarde comentarei e desenvolverei as minhas apreciações desta produção do S. Carlos, apreciação globalmente positiva, mas a corrigir defeitos, os instrumentistas devem estudar mais e evitar os erros apontados hoje. As récitas seguintes devem ser mais cuidadas para se conseguir uma melhor fruição da obra.

6.5.04

O Carrocel de Clara 

Como ela anda sempre numa roda viva, aqui vai uma pequena peça para a Clara que faz hoje anos!
Carrocel

Gratidão 


"Quando trabalho seguindo o coração, quase tudo me sai bem; quando trabalho atendendo à cabeça, não me sai praticamente nada".
Marc Chagall

Pessoas dessas não existem. Pertencem a outro mundo. São de uma dimensão à qual, por mal dos meus pecados, não posso ascender.
São: os meus amigos.

Clara

A Clara Cabral Faz Anos! 

Veio do "Desejo Casar" mas ainda não casou, escreve maravilhosamente, corrige os meus erros nos posts, escreve quando não me apetece a mim! É uma maravilha de rapariga. Linda! E faz anos hoje!

Parabéns Clara!


Crítica à crítica 

Leio estupefacto no último Expresso a propósito de um concerto com Kniazev, Makhtin e Berezovsky:

Kniazev lado a lado com Makhtin e Berezovsky no Trio, Op. 49, de Mendelssohn, proporcionaram um momento de rara magia.


Há várias leituras para esta única frase que caracteriza um concerto, creio que a mais acertada interpretação da mesma é a seguinte:

Quem escreve, Teresa Castanheira, detesta Mendelssohn e teve o prazer mágico, raro aliás, de ver três músicos, dois reputados de excelentes e um violinista fracote (independemente dos pergaminhos que lhe apontam) a arrasar completamente o Trio de Mendelssohn. Sim, um prazer mágico para quem detesta música de câmara e de Mendelssohn. Pouco mais a dizer.

Explico: ninguém percebe, com Kniazev a tocar, onde está a linha melódica e qual o acompanhamento. Cheguei a recear, no segundo andamento, que o pizzicato violentíssimo do violoncelista arrancasse as cordas do violoncelo. O instrumento deve ser um modelo extra-reforçado para aguentar os tormentos que o "massa bruta" e não a "força bruta da natureza", como é chamado carinhosamente na peça jornalística, aplica ao pobre e desgraçado violoncelo. Tudo em fortíssimo, tudo a tapar os outros instrumentos, sem nexo, sem visão da música, sem perceber o que é música de câmara, um concerto que foi, para mim, a pior experiência desta Festa da Música e onde tive de sair antes de terminar, para não ter de apupar no final...
Uma crítica sem qualquer noção de como se deve tocar Mendelssohn?
Sem gosto nem entendimento pela música de câmara?
Fascínio pelo violoncelista? Já que como solista à frente de uma orquestra é algo melhor.
Terá a crítica sido ofuscada pelos nomes e ter-se-á esquecido a objectividade da audição da música pura?
De qualquer modo: sem sentido crítico.

5.5.04

Quiz 

Responda às perguntas.
Qual o concerto em Lisboa onde poderá escutar esta obra notável?
Não comento se é ou não uma boa interpretação, espero respostas por email. Quem as quiser ver publicadas deve indicá-lo expressamente.

Peço aos membros do Quarteto S. Roque, que tão amavelmente nos enviaram um email que, por favor, repitam o envio do mesmo uma vez que, por algum misterioso desígnio, não se consegue ler.
Obrigado

Henrique Silveira

O Crepúsculo 

É no crepúsculo, neste crepúsculo vago, de humidades misturadas com a névoa, nestes fins de tarde de uma Primavera perdida que sonho.
Olho pela janela desta Lisboa entardecida e vejo os corpos reflectidos no chão brilhante de ilusões e de esperanças, mero brilho das águas que correram e já não. Águas de fim da tarde que foram e um resto de Sol, tímido, sob nuvens à espreita do seu Verão que não vem. Crepúsculo, tempo de magia que sem ser é. Crepúsculo ilimitado de um breve instante numa zona perdida entre dois tempos, entre dois mundos, dois pensamentos e não está, embora ainda esteja. Olho de novo pela janela e a magia passou, como a música, tempo de instantes que perduram eternos na memória...


3.5.04

A condição de tia 

Sai! É uma ordem que ela me dá muito, empurrando-me com a sua mão incipiente. Não é original. É uma predisposição que encontro noutras crianças da mesma idade. Igualmente mimadas, igualmente filhas únicas.
Ou, então, esta resposta pronta à minha pergunta: não tens saudades minhas?
Sim, mas eu tenho é saudades da minha mamã.
É assim o primeiro amor: uma quase fusão com aqueles que nos protegem, alimentam, ocupam a nossa esfera ocular. De quem bebemos cheiros, sons, paladares. E a vontade de ficarmos a sós com eles. Com a exclusividade da mãe e/ou do pai.
Justo ou retributivo? Pouco. Ser pai é dar. Ser filho é pedir. A balança só se equilibra, quando chega a vez de darmos aos filhos, o que os pais nos deram.
Primeiro amor. Possessivo, exigente, despótico, canino, como de um animal de um só dono. Não serão todos assim?
E depois há a condição de tia, demasiado próxima da mãe para até ser confundida com ela. Para até poder beneficiar dessa proximidade. E a condição de todos os que se situam nas imediações do sangue: a quem uma pequena cabeça de dois anos e meio reconhece, saúda, com quem palra.
Lançamo-nos na sua conquista, palmo a palmo, em terreno movediço. Em luta contra a fragilidade da memória. Em tropelias e patetices, ordens e contra-ordens, feitas para merecer o amor, migalhas de breve alegria, ternura, ilusão. Como se merece o amor da criança, como se merece o amor do adulto? Através do tempo, em longa espera do que um dia chegará, ou talvez não.

Clara



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