31.5.04
Apagou-se o blog. Nasceu o livro
O Pedro Mexia apagou o blog e lançou o livro ”Fora do mundo e outros textos da blogosfera”.
E agora vamos reler, em livro, os textos que em tempos foram posts. Acabou-se a procura. A indiscrição. O afã da telenovela. A pincelada do momento. A notícia em primeira mão. O teatro quotidiano desse personagem Pedro M., as ocupações com que o blogger finge viver a vida, têm já o eco de um tempo e não de um instante. O registo em papel é um registo para o tempo, não porque resista mais que o néon, mas porque obriga ao tempo da leitura e a cortar com o tempo do quotidiano, da vertigem e da vida.
Agora como leitores do papel, e não do néon, menos ávidos, menos impacientes, podemos deter-nos no cuidado que sempre esteve nessa escrita e noutros ingredientes de intemporalidade que o autor ali plantou com o secreto plano ou aspiração de converter o blog em livro, como nos revelou Pedro Lomba. O que foi escrito sobre o efémero e tinha as marcas do efémero: datas, links, metabloguismo é, portanto, suprimido. O livro respeita apenas a ordem cronológica dos posts.
O livro acaba por não destoar dentro da tradição literária fragmentária do século XX, como bem notou Abel Barros Baptista. Uma série de gavetas, uma série de entradas a partir das quais se poderiam arrumar os então posts, agora textos: a música pop, a vida sexual de Pedro M., o quotidiano, o nada, o novo livro do Desassossego.
O eco do tempo vem deste livro que mais ou menos conhecémos detrás para a frente. Ressoa o ano áureo da blogosfera, precisamente há um ano, entre Maio e Outubro de 2003: meses de posts torrenciais e que nem com o calor de Agosto abrandaram mas apenas com a rentrée.
E como os blogues se confundem com a vida, aqui estão as caras que reconheço e que estiveram presentes: País Relativo, falecido Desejo Casar, Fora do Mundo, a Bomba, Complot, Picuinhices, Praia, My Moleskine, No Quinto dos Impérios. Há um ano ninguém se conhecia e agora todos os que interessa conhecer, se conhecem. Não foi o futebol. Foi a blogosfera. Qualquer coisa tão profunda- quanto esses laços clubísticos- de quem recorda, não vitórias ou derrotas, mas posts e tudo o que passou depressa demais e que graças à memória da escrita conseguimos aprisionar um tempo mais.
Este livro é já o olhar do tempo. É a sobreposição/justaposição de olhares: do simples leitor sobre o olhar primordial do leitor de blogues. É a transição da galeria de espelhos e espelhos e espelhos que o blogger Pedro Mexia lia, atravessando-os, em delirium tremens, para recuperar a sua identidade una e salvifica para um olhar mais sereno e passivo, o olhar que os leitores lhe devolverão. Através deste livro, há uma coisa rara por precisamente termos acompanhado a sua gestação, se é possível apropriarmo-nos da vida de alguém só porque a “espiámos”, é que podemos entrar, juntamente com o autor, no tempo da confirmação e da invenção. Confirmação que vivemos aquele tempo, invenção de quem fomos. É preciso um club ou um grupo para fazer isto bem feito e são precisas balizas, como este livro, para a memória.
Clara
E agora vamos reler, em livro, os textos que em tempos foram posts. Acabou-se a procura. A indiscrição. O afã da telenovela. A pincelada do momento. A notícia em primeira mão. O teatro quotidiano desse personagem Pedro M., as ocupações com que o blogger finge viver a vida, têm já o eco de um tempo e não de um instante. O registo em papel é um registo para o tempo, não porque resista mais que o néon, mas porque obriga ao tempo da leitura e a cortar com o tempo do quotidiano, da vertigem e da vida.
Agora como leitores do papel, e não do néon, menos ávidos, menos impacientes, podemos deter-nos no cuidado que sempre esteve nessa escrita e noutros ingredientes de intemporalidade que o autor ali plantou com o secreto plano ou aspiração de converter o blog em livro, como nos revelou Pedro Lomba. O que foi escrito sobre o efémero e tinha as marcas do efémero: datas, links, metabloguismo é, portanto, suprimido. O livro respeita apenas a ordem cronológica dos posts.
O livro acaba por não destoar dentro da tradição literária fragmentária do século XX, como bem notou Abel Barros Baptista. Uma série de gavetas, uma série de entradas a partir das quais se poderiam arrumar os então posts, agora textos: a música pop, a vida sexual de Pedro M., o quotidiano, o nada, o novo livro do Desassossego.
O eco do tempo vem deste livro que mais ou menos conhecémos detrás para a frente. Ressoa o ano áureo da blogosfera, precisamente há um ano, entre Maio e Outubro de 2003: meses de posts torrenciais e que nem com o calor de Agosto abrandaram mas apenas com a rentrée.
E como os blogues se confundem com a vida, aqui estão as caras que reconheço e que estiveram presentes: País Relativo, falecido Desejo Casar, Fora do Mundo, a Bomba, Complot, Picuinhices, Praia, My Moleskine, No Quinto dos Impérios. Há um ano ninguém se conhecia e agora todos os que interessa conhecer, se conhecem. Não foi o futebol. Foi a blogosfera. Qualquer coisa tão profunda- quanto esses laços clubísticos- de quem recorda, não vitórias ou derrotas, mas posts e tudo o que passou depressa demais e que graças à memória da escrita conseguimos aprisionar um tempo mais.
Este livro é já o olhar do tempo. É a sobreposição/justaposição de olhares: do simples leitor sobre o olhar primordial do leitor de blogues. É a transição da galeria de espelhos e espelhos e espelhos que o blogger Pedro Mexia lia, atravessando-os, em delirium tremens, para recuperar a sua identidade una e salvifica para um olhar mais sereno e passivo, o olhar que os leitores lhe devolverão. Através deste livro, há uma coisa rara por precisamente termos acompanhado a sua gestação, se é possível apropriarmo-nos da vida de alguém só porque a “espiámos”, é que podemos entrar, juntamente com o autor, no tempo da confirmação e da invenção. Confirmação que vivemos aquele tempo, invenção de quem fomos. É preciso um club ou um grupo para fazer isto bem feito e são precisas balizas, como este livro, para a memória.
Clara
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