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26.5.04
Navegar é preciso, viver não é preciso
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Acabou por falar mais da sua actividade como romancista do que como periodista (do El País).
Com imaginação solta, desprendida do seu cabelo ruivo, graça, auto-ironia, verbo fácil a despenhar-nos, desde a primeira frase, no teatro com que entrançou a sua vida e obra, condensou o sentido de escrever e o que, quanto a ela, distingue a personalidade do escritor das demais.
Falou dos múltiplos que existem em todos nós, em como o romancista é pródigo e mais consciente dessa dissociação, a raiar a esquizofrenia e de que talvez isso explique como 50% dos escritores que entrevistou destoam dos livros que escreveram. A escrita oferece a quem cria, viverem-se outras vidas, escapar ao inferno da vida única. Tal como a leitura. E qualquer escritor é um leitor compulsivo.
Falou da loucura que é estar enfiado em casa dois anos a escrever coisas que não existem e a conviver com personagens de sonho.
De como molda personagens o mais distantes de si, precisamente para lhe proporcionarem outras vidas, se bem que em todas elas deposite o seu quinhão de experiência, medos, obsessões, fantasmas.
De como pesquisa pouco para não espartilhar a imaginação, de como cria personagens em ambientes dos quais desconhece quase tudo e de como, para dar exemplo, depois de trabalhar um publicitário, lhe vêm dizer: olha é mesmo assim que as coisas se passam. Não digam já que é mentira, pois já se surpreendeu a ler coisas escritas pelo seu punho que, de facto, não sabia ( ou não sabia que sabia, pois não as aprendeu em lado algum) como se a escrita a conduzisse a desvendar um oculto, ou desbastasse a ignorância que há em nós.
De como, na fase final, dos romances entra numa fase nublada em que vida e romance se misturam, a ponto de escrever sobre um personagem com um golpe na cara e deparar-se na rua com alguém de carne e osso que traz a cara golpeada, ou de encontrar no momento em que escrevia “ O coração do tártaro”, numa revista de consultório, um artigo sobre o tártaro, a região grega, o lugar tenebroso dos castigos.
Da experiência traumática por que tem, obrigatoriamente, de passar o escritor na infância (no seu caso, uma tuberculose que a agarrou à cama dos cinco aos nove anos), da consciência precoce que tem da decadência das coisas e da consciência dolorosa que tem da passagem do tempo, mais forte do que no comum dos mortais. Do constante rumor que agita a sua cabeça, porque a escrita trava-se primeiro na cabeça e só depois se incorpora no papel. E da criança que permanece em todos os escritores, no seu caso, não a larga mesmo porque não viveu a infância na altura certa, daí a sua fixação em anões, eternas crianças e julgar-se uma liliputiana da segunda guerra, um fantasma que identificou num documentário da T.V alemã.
Da abolição da morte que proporciona o acto de escrita, pois tudo se resume a escrever contra a morte, a par da paixão-amor e de como isso é motivo mais que suficiente para uma vida de consagração. De como a salvação não vem de escrevermos mas de sermos lidos e de como tantos escritores entraram em manicómios, precisamente porque nunca ninguém os leu.
Enfim, reflexões de toda uma vida dedicada à escrita e de uma mulher que nasceu pobre, começou a escrever com cinco anos por força de uma tuberculose e acabou consagrada no seu país e já com cinco livros traduzidos para português (a maioria, na Presença) o último dos quais: “ A louca da casa” terminologia que Santa Teresa d’Ávila aplicava à própria imaginação de que Rosa Montero, tanto se serve para continuar viva e de boa saúde: “ Pois se convives com a louca da casa e a louca da casa não é a dona da casa, tudo vai bem. Mas se a dona da casa se torna na louca, então tudo passa a estar mal”.
Clara
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