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28.5.04

O Homem a música e a guerra  

Nasceu em Breslau, quando esta cidade era alemã, 1940. A mãe morreu quando era bebé. O pai, anti-nazi, foi enviado para morrer na frente russa. A sua avó foi buscá-lo a Breslau em 1945, quando regressava ao norte da Alemanha morreu de tifo enquanto o mantinha nos seus braços num campo de refugiados. Um postal salvou-o da morte pela doença, a avó tinha contado a uns primos que o iria buscar, estranhando a sua longa ausência estes foram resgatá-lo ao tifo e ao campo de refugiados onde tinha encontro marcado com a morte. Esteve um ano sem conseguir falar.

A música salvou-o, desde pequenino que a sua mãe de adopção tocava para ele. Deu-lhe as primeiras lições, aprendeu violino e tocava orgão na Igreja da pequena cidade do Holstein onde residia. Depois é o que se sabe, mestre do piano, maestro reputado. Uma carreira internacional que só parará quando morrer como ele próprio afirma.

É por isso que dá tanto valor à música, ao Homem, à Paz. É por isso que dedicou o tema da temporada da orquestra onde é titular, desde 2003, ao Homem e ao humanismo.

É por isso que ontem ouvi Christoph Eschenbach com outros ouvidos, por isso não me espantei com a seriedade com que assumiu a partitura da sinfonia no 1 de Mahler, com a plástica que imprimiu à Orquestra de Filadélfia.

Nunca ouvi uma sinfonia de Mahler tocada com tanta concentração e retenção de energias. digamos: com tanta energia reprimida.
Parece impossível numa orquestra americana escutar tanta subtileza sonora que se chegou a confundir com rigidez. A forma como o maestro refreou a orquestra, como imprimiu um ritmo preciso, quase quadrado, hirto, foi levada ao extremo, mas o fim estava lá, lógico, as fanfarras da abertura aparecendo libertadoras no final, o ciclo de uma tensão infinita a quebrar-se depois de um arco cerrado de constrangimento e contracção. Três andamentos iniciais muito crispados, uma visão desanimadora para alguns. Mas o triunfo do homem afirmou-se no andamento final, sublime de energia vital que culminou o exercíco de paixão contida que a leitura de Eschenbach revelou.
De facto os elementos de recalcamento profundo emergem na elegância gélida de Eschenbach. Uma loucura mitigada pelo esquecimento, pela sublimação. Uma loucura que seria destrutiva não fossem os mecanismos do recalcamento, do esquecimento, do desvio, da transferência. Mecanismos tão fortes em Mahler como neste homem elegante e sério que dirigiu com um rigor inapelável e uma técnica perfeita. Um maestro de arquitectura de grande escala, de tensão, de arco dramático e não de detalhe local. Não que não o saiba explorar, como mostrou tão bem na noite transfigurada de Schönberg. A leitura cósmica em Mahler destruiu a exploração dos mil e um microcosmos da partitura.



A orquestra de Filadélfia tocou esta sinfonia umas dez vezes nos últimos quinze dias, atingiu assim um automatismo técnico quase perfeito em que se notam alguns sinais de saturação, falhanço dos trompetes na primeira intervenção por exemplo, mas que ainda não destruiu a libertação sonhadora.
Defeitos? Sim, muitos, mas também muita música e dois homens: Mahler e Eschenbach.
Na orquestra gostámos sobretudo da sonoridade impressionante do primeiro e do terceiro clarinetes (este com a parte muito exposta dos solos do clarinete em mib), das cordas, sobretudo das violas e da precisão impressionante da percussão.

P.S. Cristoph Eschenbach é ainda titular da orquestra de Paris.
Concerto no Coliseu de Lisboa, dia 27 de Maio de 2004. Digressão da Orquestra de Filadélfia pela Europa. Primeira digressão com Eschembach. Orquestra de Filadélfia nasceu em 1903, teve apenas sete maestros titulares.

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