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3.5.04

A condição de tia 

Sai! É uma ordem que ela me dá muito, empurrando-me com a sua mão incipiente. Não é original. É uma predisposição que encontro noutras crianças da mesma idade. Igualmente mimadas, igualmente filhas únicas.
Ou, então, esta resposta pronta à minha pergunta: não tens saudades minhas?
Sim, mas eu tenho é saudades da minha mamã.
É assim o primeiro amor: uma quase fusão com aqueles que nos protegem, alimentam, ocupam a nossa esfera ocular. De quem bebemos cheiros, sons, paladares. E a vontade de ficarmos a sós com eles. Com a exclusividade da mãe e/ou do pai.
Justo ou retributivo? Pouco. Ser pai é dar. Ser filho é pedir. A balança só se equilibra, quando chega a vez de darmos aos filhos, o que os pais nos deram.
Primeiro amor. Possessivo, exigente, despótico, canino, como de um animal de um só dono. Não serão todos assim?
E depois há a condição de tia, demasiado próxima da mãe para até ser confundida com ela. Para até poder beneficiar dessa proximidade. E a condição de todos os que se situam nas imediações do sangue: a quem uma pequena cabeça de dois anos e meio reconhece, saúda, com quem palra.
Lançamo-nos na sua conquista, palmo a palmo, em terreno movediço. Em luta contra a fragilidade da memória. Em tropelias e patetices, ordens e contra-ordens, feitas para merecer o amor, migalhas de breve alegria, ternura, ilusão. Como se merece o amor da criança, como se merece o amor do adulto? Através do tempo, em longa espera do que um dia chegará, ou talvez não.

Clara



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