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29.12.07

SG SEJAMOS GRANDES 

SG
[SEJAMOS GRANDES]

SEJAMOS GRANDES
Pela imolação
De rajada
Filtrados
Na ventilação
A saber a nada.

SEJAMOS GRANDES
Seja lá isso o que for
No mundo a beatitude
A fazer festas à Dor
Ao serviço do devido
Sentido de... Estado
Por S. Macário benzido
O nosso triste fado.




I. “SG, na imolação”

No outro dia passei
De pernas e mente para o ar
Um seráfico serão
Chez Sainte Indigence...
Felizmente,
Era proibido fumar.


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II. “SG, de rajada”

Na casa da Santa Indigência...

Pedófilos, beatas, pederastas
Jograis dos meios de comunicação
Bandidos de falinhas mansas
Chulos da imbecilidade
Limpinha do córtex cerebral
Em colares, maneiras e gravatas
E, sobretudo, na saúde soldados
Vá lá que não vá...
Desde que acólitos da religião
De cortar quem fuma aos bocados.


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III. “SG, com filtros”

Hitler, Salazar
Nero, Tamerlão
O indiscriminado muar
A par da Santa Inquisição,
Todos odiavam fumar.

Vá, seus pios democratas
Do Diabo e da Salvação
Eterna pelas vossas patas
Brutas sobre a nossa união
Ténue às estrelas a pulsar...

Dêem lá a vossa opinião
Da próxima vitima a imolar;
Juro ter-vos em consideração
Aquando da minha vez d’atirar.


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IV. “SG, ventilados”

Atirei-te à cara uma baforada
De fumo e contenção enleada
Nas palavras e feitos dos vultos
Que ao longo dos tempos lutaram
Em prol da espécie libertada.

Em troca, atendeste o telemóvel
Aos gritos na musical mixórdia
De batuques e imagens grotescos
Paridos da cloaca televisiva
Que aponta a vida civilizada.

Sejamos sinceros e honestos:
Se não fosse este alto e delicado
Índice de convívio fraternal
- o admirabile commercium
De pouco ou nada valeria negociar
Deste mundo a voz desterrada.


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V. “SG, seja lá isso o que for”

Fumar faz mal à saúde
E todos temos com o diabo lutar
Por uma velhice longa, afastada
Da mínima atenção e carinho
A que estamos mal habituados.

Por isso, deixe lá esse cigarro,
Que se lixe, já que estamos lixados.
O Estado saberá de outros impostos,
De tratar como deve nossa saúde,
Suavemente, na arte de magoar.

Uma coisa é certa: viveremos
Mais tempo e com menos espaço
Para neste mundo termos lugar
Ao que nos é querido e solitário.
Quanto à Segurança Social, “no deficit”:
A reforma virá um mês antes de zarpar.


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VI. “SG, na beatitude”

Nos campos da Holanda
Lobriguei a beatitude
Especada p’ró céu a olhar
O vazio cheio de saúde
A pôr o Diabo a fugir
Das mandíbulas a pingar
Lenta, a baba do porvir
Da esquerda para a direita
Da direita para a esquerda
Na tenra eternidade a marcar
As milhentas vacas no sorrir
Não sei de quê? talvez de maleita
Vencida sem sensação de perda
Na nobre função de engordar.

Uma coisa nas vacas reparei:
Nem uma só estava a fumar.


P.S: Em tributo a “Passos em volta”, de Herberto Hélder.


Tomás de Oliveira Marques
28/12/2007


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VII. “SG, na pedofilia de Estado”
ou melhor,
“SG, com sentido de... Estado”

Quando eu era puto
Lavadinho e todo nu
O Estado bateu-me à porta
E disse: É a tua vez, vem!
Quem, eu? – Sim, tu!


E assim fui, contrariado,
De corpo e alma tolhido
Encher mais um camuflado
Adequado à defesa da Pátria
No mundo, lá, do outro lado
Onde fiquei, para além
De muita coisa, viciado
Sobretudo no tabaco.

Disseram-me: não há problema,
Mais tarde serás subsidiado
.
Acreditei e engravidei
Na crença, como bom soldado.

Agora, sem subsídio
Pela indigência cercado
E, face ao vício, posto de lado
Chego à fatal conclusão
Que defender a Pátria
Mesmo contrariado
Leva ao vício do desperdício
De discernir por resquício
Ao que por natura é toldado,
Bem como à triste condição
De ser a Bem da Nação
Mui enganado
Logo, escorraçado.


P.S. Na glosa de: “Da Origem da Família, da Propriedade e do Estado” revisto por António Botto e Carl von Clausewitz.


Tomás de Oliveira Marques
31/12/2007


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VIII. “SG, nos ósculos de S. Macário”

Lambi ontem um cinzeiro inteiro
E hoje uma mulher que fuma
A vida com carácter e espírito
(Ninguém neste mundo é perfeito);
Ainda por cima, por debaixo
Era já beata, boa como o milho.

Sinceramente, face a Auschwitz,
O cinzeiro até nem soube mal.
Quanto à fumadora, fui logo a correr
À tabacaria, porque aceso ficou
O desejo do seu sabor a arder
Em mim, o costume em espirais de fumo.

Moral da história:
Na arte de bem oscular
Tanto o divino como a escória
Dever-se-á com critério atentar
Na mucosa que oscula por si
Em relação aos outros, modelar;
NUNCA, nunca ao que paira no ar.


P.S. A propósito do adágio bíblico
Lamber um cinzeiro
é o mesmo que beijar
uma mulher que fuma.


E se for homem, o fumador?
Vá, diga lá, S. Macário
Seu misógeno ou então .........
De qualquer modo, um lusitano
De cepa e verdadeiro.


Tomás de Oliveira Marques
2/1/2008


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IX. “SG, face à América evangelista”

Deixará um dia de ser permitido
O porte d’arma nas mentes embebido
Da fé – olaré – de poder à vontade matar.
Mas nem tudo está ainda perdido
Continuará a ser, por sorte, proibido
Nos “campus”, salões, na hora da morte fumar.


Ai Portugal, Portugal que bates às portas
Dos ricos e, andrajoso, não te importas
Desse filão o veio estar já inquinado;
Se daqui não te pões a pau e cuidado
Não tomas com o que às cegas importas
Aí sim, irás passar um mau bocado.


Tomás de Oliveira Marques
Abril/2007


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X. “SG, na senda do amor”

Um café, uma aguardente
Um cigarro! Um pontapé
Aos inimigos da palavra
Amiga a que me agarro.

Melhor que isto, meus senhores,
Só a música das esferas
A tanger o silêncio
Das estrelas onde mergulho
As mãos dissolutas
Nos provérbios do amor
Quais putas impolutas
Em admirabile commercium,
A que surdo me agarro.


Tomás de Oliveira Marques
10/01/2008


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28.12.07

Portugal, miséria cultural 

Há quanto tempo não se escuta em Portugal uma cantata de Bach por um bom coro, por uma boa orquestra, com uma direcção capaz e solistas decentes?

Há quantos anos não se escuta Monteverdi?

Há quantos anos não se escuta um Schütz que nunca se ouviu por estas bandas?

Em 2008 teremos o Emmanuel Nunes. Falta tudo o resto.

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21.12.07

A Foto do Ano 


Hugo Chávez em Paris


Obrigado ao JD que me enviou esta foto preciosa.

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18.12.07

O lupanar das meretrizes e sodomitas 

A encenação do Rigoletto em Lisboa

Serei rápido, já escrevi sobre as partes musicais, mas o Rigoletto de Lisboa no Teatro Nacional de S. Carlos foi péssimo em todos os sentidos, debruço-me aqui sobre a encenação. Como já foi quase tudo dito e não gosto de perder muito tempo com lixo fica aqui um curto apontamento que encerra a crítica a este Rigoletto. Uma crítica em folhetins...

Um choque gratuito e sem sentido

Numa encenação paupérrima de Emilio Sagi, o duque de Mântua viu o seu palácio transformado em bordel, com meretrizes e drag queens de perna ao léu. Uma leitura rasca da obra original de Victor Hugo, Le Roi S’Amuse, sem subtileza, sem perceber que o sentido da obra é uma maldição sobre o velho bobo, a maldição da deformidade, da pobreza, da injustiça e da doença e um devir trágico que culmina na morte de Gilda, filha do bobo, e também ela vítima das maquinações da impossível vendetta do velho contra o poderoso duque no meio de uma sociedade cruel de poderosos. Uma leitura que apenas banaliza e não subverte. Hoje em dia apenas corre o risco de chocar pela aberrante estupidez e não pelas raparigas de tranca gorda e pelos rapazes de perna escanzelada e peluda em cima do palco. Sagi ensaia aqui uma pose espanhola à Almodovar de pacotilha com o seu cortejo de cromos, mas as coisas só têm sentido se se enquadram na obra e Almodovar há só um...

Pelo meio temos cenas de incesto, algo profundamente idiota face ao libreto original, entre o assassino contratado por Rigoletto, Sparafucile e sua irmã, Maddalena, que estando apaixonada pelo duque não encontra nada mais interessante para fazer do que dar uma trancada com o irmão, algo que nem sequer consegue enquadrar-se numa estratégia de domínio do irmão, pela gratuidade da cena em termos teatrais e pela forma tonta da representação, pior do que amadora.


Entretanto o dispositivo cénico, com um palanque torto em cima do palco, retira espaço dramático para as personagens evoluirem, os quartos de motel nas traseiras e lados contribuem para banalizar o discurso e fazem deste Rigoletto uma espécie de bordel, um bordel onde habita Gilda, onde habita o duque. A plataforma em palco tapa a visão que Rigoletto não tem do que aconteceu à filha, no entanto ele arrepela-se e grita que a raptaram... o libreto na partitura tem escrito que ele entra no pátio e na casa e aparece transtornado. Nesta encenação o bobo adivinha que, do outro lado da plataforma, o quarto do motel está vazio!...

Monterone faz a sua segunda entrada e dirige-se a um retrato dos duques, isto segundo o libreto original, nesta encenação não há retrato, logo o sentido das frases torna-se oco, incomprensível para quem não conheça a ópera. Parece um lamento alucinado de um velho gagá aos gritos, e Luís Rodrigues não esteve aqui muito subtil. Eu creio que a ausência do retrato dos duques (ele e ela) foi propositada mas também foi um erro de incompetência dramaturgica.

As seis badaladas da meia noite, inacreditável se não tivesse ouvido duas vezes o mesmo erro. Terá sido obra do encenador ou da incompetência do maestro? Fica a dúvida, mas se foi propositado é aberrante e totalmente contrário ao sentido do texto e da obra.

A plataforma em palco distrai, complica, destrói o fluxo dramático, as suas montagens e desmontagens, ruidosas e demoradas são mais um incómodo a juntar a toda a terrível seca de escutar esta coisa tocada a uma lentidão exasperante.

Numa ânsia de chocar por chocar sem ter em conta a dramaturgia Sagi destruiu completamente a lógica textual da obra. A encenação tinha sido originalmente desenhada para Bilbau e foi a coreógrafa e assistente de Sagi, Nuria Castejón, que ensaiou os actores-cantores em Lisboa. O resultado foi um desastre total, se a coreografia foi banal e sem ideias no bailado inicial das prostituas e "maricons", a direcção de actores foi canhestra e amadora.

A iluminação foi banal e ineficaz, sem jogos de matizes, sombras e cores, esteve num plano cinzento e incompetente. Por vezes os cantores deixavam de se ver, o que aliás até foi agradável atendento às suas péssimas qualidades cénicas. Se calhar o melhor era ter-se poupado nas luzes e ter feito tudo às escuras...

Os figurinos não me entusiasmaram, numa encenação que se pretendia "intemporal" (entrevista da assistente do encenador) foram demasiado de época dentro do estilo cliché operático.

A definição dos personagens foi linear, unidimensional, um tenor fátuo sem capacidades cénicas fez um duque que apenas é uma caricatura, sem refinamento, sem dúvidas (que existem), um vaidoso exibicionista, Gilda é a desgraçadinha que anda por ali e Rigoletto não tem sentido dramático ou trágico. A cena da morte de Gilda é vergonhosa em termos de encenação. Todo o mundo esbraceja e berra à boca de cena, mas de teatro não se vê nada.


Um desastre anunciado pela demissão do competente director do S. Carlos, Paolo Pinamonti, e a sua substituição por este desconhecido: Christoph Dammann. De qualquer modo existe nesta encenação uma quota parte de culpa da parte de Pinamonti, foi do seu tempo esta co-produção o que não quer dizer que sob a sua direcção este Rigoletto fosse tão mau; é que, entretanto, todo o casting foi escolha do actual director artístico, um grande "artista" sim senhor. A Gilda vocalmente anémica Schill, o maestro anedota, o barítono rouco e com falta de ar à beira da reforma, o tenor pimpão aos berros. Um segundo elenco que faz sofrer a jovem portuguesa Carla Caramujo nos meandros de uma produção miserável e é tudo. Não tenho paciência para mais.

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17.12.07

Fim de Tarde 


Algures um cão ladra, agora descobriu onde está a lata dos biscoitos e com o seu ar pachorrento e independente coloca-se debaixo da dita lata, quando alguém entra na cozinha olha para pessoa e depois para a lata. Dá um subtil latido com a sua voz de baixo profundo de Cão Serra da Estrela à espera de biscoito. Não, ele não se compraz com um biscoito de manhã e outro ao deitar. "Ganhou vício dos biscoitos". Não o condeno, eu tenho o vício de comprar Cd's e mais cd's, muitas vezes sem os ouvir, hoje recebi mais uma gravação pelo correio, uma carta de 1943, era do Hans Hotter, do Michael Raucheisen, de Aksel Schiotz e de Gerald Moore, a cantar mais uma viagem de Inverno e uma Bela Moleira. É mesmo um tempo de Inverno este, o de 1943 e talvez o de hoje que ainda não entrou, um frio que gela o corpo que recorda um frio de gelar a alma. Quando passeio pelo campo pelas cinco da tarde neste Dezembro quase tardio e contemplo a luz do fim da tarde não deixo de pensar no cão, como ele gosta de passear de carro, como gosta de biscoitos e como eu gosto do frio e da luz do sol ao fim da tarde, gelado e sem música, apenas uma memória, apenas o frio cortante de uma viagem de Inverno do Hans Hotter cantada no Inverno interminável de um tempo sem futuro. Aqui sem neve mas com o Homem do Realejo escondido em cada esquina.

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14.12.07

Rigoletto no S. Carlos - o Canto 

Continuo, depois de dois dias de interregno devido a muito trabalho na universidade, a escrever sobre os cantores que passam pelo Rigoletto no S. Carlos em Lisboa, consegui agora uns minutos.
Esta é uma crítica a um estilo de canto, a uma escola e aos cantores, eles mesmos; sem esquecer que todos os defeitos a apontar surgiram com a complacência de um maestro sem qualquer categoria e que nem sequer rotineiro foi capaz de ser. O que nos trouxe todos os malefícios do canto lírico de escola italiana sem nenhuma das suas virtudes.

Todos os malefícios nenhumas virtudes
O canto lírico italiano tradicionalmente (e simplificadamente) vive entre dois pólos: a música e os compositores, que se queixam imenso dos cantores, e os cantores e o seu ego, que se queixavam dos compositores (vivos na altura e que entretanto morreram, apesar de estes lhes terem escrito música sublime) e dos maestros "puristas" (como o Abaddo) que "nunca respeitam os cantores e a sua expressão", mas que preferem fazer leituras das obras tais como os compositores as escreveram...

Uns querem fazer música, outros querem cantar e exibir os seus dotes vocais. De forma simplista eu diria que existe aqui uma tensão entre arte e circo. Quando um grande cantor reune a sobriedade para conseguir transmitir a música e se esquece dos seu ego atinge-se, no meu entender, um raro equilíbrio.

É evidente que esta tensão tem lados altamente interessantes, quando os cantores têm vozes de grande beleza, quando têm a arte da nuance, do apianando, ou da variação subtil da intensidade, quando dominam a arte da respiração, quando mudam de registo sem diferenças apreciáveis de timbre e de forma suave, quando atacam as notas agudas sem necessidade de apalpar terreno e fazer portamentos, quando conseguem dizer o teatro pelas notas da música, quando fazem belas cadências a propósito do ponto em que estas se inserem na dramaturgia, podem-se esquecer (e perdoar) certos tiques típicos do canto italiano: prolongar as notas terminais para além do razoável, dar notas na oitava acima do que está escrito para se mostrar que se é bom, inventar cadências onde não existem, etc, etc, etc...

O problema é que estes efeitos têm de ser feitos de forma lógica e sendo consequente com alguma tradição (a boa), a interpretação pretendida pelo maestro, a lógica global da obra e a encenação e direcção de actores.
Ter uma "encenação intemporal" e moderna e permitir que os cantores inventem paragens e cadências a despropósito, num estilo completamente ultrapassado e condenado pelo compositor, como no caso do Rigoletto em que Verdi deixou bem explícito que queria a obra respeitada e interpretada de acordo com a partitura tal como escrita originalmente, é um abuso, é incongruente, é despropositado, é pouco inteligente e mesmo tonto e, sobretudo, é anacrónico.

É o que aconteceu neste Rigoletto no S. Carlos. Não existe qualquer força motriz, não existe um devir torrencial para um desfecho fatal, aos cantores tudo é permitido, parar, arrastar a música, os tenores usam e abusam de cadências não escritas, e nem vale a pena dar exemplos, usam-nas em todos os pontos onde uma "tradição" anquilosada e desfazada do real sentido dramatúrgico colocou pontos "apropriados" à paragem: todas as notas sustentadas, notas acima do sol, notas a solo em que a orquestra deixa o cantor só mas onde o tempo não devia ser interrompido. Onde, por exemplo, em Wagner a partitura é sagrada, em Verdi todo o assassinato é permitido. Deixamos de ouvir o compositor e ouvimos umas cadências medíocres escritas e cantadas por cantores de segunda e terceira categoria. No "La donna..." do terceiro acto assiste-se geralmente a uma arrepiante sucessão de cadências não escritas e de notas dadas uma oitava acima apenas para brilho da vaidade de cantores de categoria duvidosa. Um brilho fátuo, nesta interpretação em apreço, pois os cantores que cantaram o Rigoletto em Lisboa não têm sequer capacidade para brilhar nestes artifícios que celebrizaram um Caruso. O mesmo Caruso que repetia a tal ária cinco (e mesmo mais) vezes e se tornou uma imagem de marca de um certo estilo de canto.
Felizmente parece que Caruso, ao contrário da maioria, conseguia brilhar no malabarismo vocal. Entretanto temos miúdos de vinte e tal anos como Saimir Pirgu e Richard Bauer (um pouco mais velho) tenores que apenas nos fazem dar gargalhadas pelo ridículo em que se metem. Cantando sem nuances, sem composição teatral, sem estilo, esfarrapados para dar as notas, estes tenores acabam como caricaturas de tudo o que o canto italiano nos trouxe de mau ao longo de anos e anos. Infelizmente não trazem nada do lado positivo, não têm o sentido cénico, não têm matizados: Pirgu canta tudo em fortíssimo do princípio ao fim, Bauer nem consegue cantar no agudo sem a voz se partir e nunca conseguiu manter a afinação. O exagero leva ao descontrolo vocal e Pirgu, embora tenha uma voz interessante do ponto de vista tímbrico, acaba a dar fífias no si agudo com a voz a partir-se, Bauer nem sequer consegue dar as notas, embora tente (eu diria que é tão mau que nem sequer tem qualidade para atingir a fífia...). A respiração dos cantores é deficiente, arfejam nos pontos errados por necessidade e não por inteligência, arrastam os tempos, prolongam as notas desnecessariamente, acabando a massacrar os ouvintes com exageros de mau gosto e da mais pura e vã exibição de vaidade sem conteúdo. A direcção musical de Polianitchko, complacente e incompetente, não põe ordem, não traz directivas, tudo permite, não realiza trabalho, não produz. Nem o lado belo do canto se afirma, nem a música anda para a frente.
Quando escrevo sobre os tenores poderia dizer o mesmo sobre os sopranos, as Gildas de Chelsey Schill e de Carla Caramujo. A primeira é um erro de casting, a sua voz não tem cor para Gilda, é um soprano ligeiro (muito verde) que se perde muito nos recitativos, também por inépcia do maestro e que apenas quando canta em forte no registo médio consegue mostrar algum encanto. A segunda, Carla Caramujo, foi, no dia a que assisti, uma jovem muito nervosa. A falta de direcção pode causar catástrofes mas a Carla Caramujo conseguiu, felizmente, ir dominando o nervoso de uma estreia no papel perante o público do S. Carlos e mostrou dotes vocais e personalidade que fazem dela uma voz natural para o papel. Teve a força de não se deixar perder na total ausência de direcção musical de Polianitchko. Ambas cairam também no mesmo erro de anacronismo dos tenores, em menor escala, apostando em cantar notas não escritas pelo compositor.

O Rigoletto de Agache foi péssimo: rouco e sem voz, com vibrato entre o caprino e o bovino, sem domínio da respiração, foi um homem cansado sem chama nem cor, teatralmente desastroso. A sua cena ao descobrir Gilda no saco foi de uma insensibilidade desastrosa. Só faltou dizer que depois ia beber um copo para esquecer... A cena magistral escrita por Verdi para o segundo acto foi vandalizada por uma articulação indiferente do lá ri lá lá... Bola preta.
Já Leo An mostrou uma voz muito mais bela e melhor presença cénica mas também pouco convincente. A sua interpretação musical do papel principal foi, mais uma vez, indiferente, limitando-se a enunciar as notas e não a cantá-las com alma e linha.
Malgorzata Walewska foi uma Maddalena em que apenas se ouviam os graves, e roufenhos.

O momento mais belo da ópera, o quarteto do último acto, foi desastrosas nos dois elencos. Cada um para seu lado, sem linha, sem se escutarem uns aos outros e sob uma batuta incompetente e sem noção do tempo, foi uma cacofonia irritante e um verdadeiro anti-clímax.
Vadim Lynkovskiy realizou um Sparafucile indiferente e sem graves.
Marullo de Michael Vier foi convincente e poderoso, gostei francamente.
O Monterone de Luís Rodrigues foi feito aos gritos e sem nuance ou composição.
Os restantes cantores cumpriram de forma mais ou menos indiferente em papéis pequenos em que se notou sobretudo a ausência de trabalho musical e de direcção do maestro.
O coro esteve desastroso nos dois dias a que assisti, no primeiro pior, no segundo esteve infernal na cena da tempestade, feio, desafinado e sem nexo. No primeiro dia a cena do baile no primeiro acto parecia um coro de bêbedos uivantes, tal o desconcerto. No segundo dia a coisa melhorou um pouco, mas a impressão que fica é de um todo muito mal ligado e muito pouco consistente.

Todos os malefícios do canto italiano, nenhuma das suas qualidades, falta de sentido de linha e da frase musical, falta de progressão dramática, interpretações indiferentes, respiração sem nexo, paragens e cadências despropositadas, ausência de beleza vocal. Nunca se atingiu o bom nível, o melhor foi atingido em algumas partes sofríveis de Caramujo (que pode fazer muito melhor) e de Schill (que não tem voz para mais).

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11.12.07

Rigoletto no S. Carlos - A vergonha continua 

No S. Carlos continua o Rigoletto, eu lá fui fazer penitência para ouvir o segundo elenco. Desta vez acompanhado da partitura. Este texto é uma crítica com um único destinatário: o director musical. Amanhã continuarei a escrever sobre outros aspectos, de canto, musicais e cénicos.

Se ontem a coisa me soou horrenda, hoje, com a partitura na mão pude constatar in loco o assassinato à música do Verdi quase nota por nota. É evidente que nesta produção simplesmente abominável em termos musicais e cénicos há culpados. Na parte musical o principal culpado é sem a menor sombra de dúvida o director musical, um russo que chama Alexander Polianitchko. Acima dele o culpado só pode ser quem contratou um maestro sem qualquer capacidade para a direcção de ópera, sem experiência em ópera italiana e que nunca tinha dirigido um Rigoletto. O S. Carlos continua um teatro para experiências votadas ao fracasso, sendo o público a cobaia desta pouca vergonha e tendo como veículo o dinheiro dos nossos impostos.

Um director tecnicamente incompetente
O director em cima do pódium não sabe dirigir este Rigoletto, ponto. Não dá entradas claras, não tem tempos claros, não tem gestos compreensíveis, não acompanha os músicos, não lhes dá segurança: quando os cantores entram em devaneios de tempo não é capaz de clarificar, não tem a menor capacidade para impor tempo e ritmo, quer a cantores quer aos instrumentistas. Por consequência a orquestra anda constantemente atrás e à frente dos cantores, entra atrasada nos recitativos, não consegue sequer acompanhar a tempo e contratempo o canto. Por outro lado pretender falar em pathos, em desenho do som, em interpretação, no meio desta anedota, é impossível. Se a orquestra e cantores conseguem chegar ao fim com esta direcção é um feito de alto nível. Como falar de acentuação, de linha, de fraseado? É tudo um salve-se quem puder, dar as notas e já está. Este director tem uma postura feia em palco, de braços constantemente dobrados e fechado, curvado sobre uma partitura que não domina. Incapaz de traço, incapaz de definir e de recortar, incapaz de gesto amplo e claro, é uma caricatura má de um mau director de orquestra. Se o seu trabalho de ensaio fosse bom poderia compensar, mas tudo está descosido, empastelado e arrastado. Nota-se que não existe a menor coerência interpretativa.
Em termos técnicos está tudo dito: este maestro é incapaz para esta ópera.

Escolhas de tempos, o pior de Polianitchko
O Rigoletto é uma ópera sôfrega, é uma ópera agitada, é uma espiral que converge para um clímax, tem uma coerência lógica no seu romantismo exacerbado. Uma maldição, a maldição da pobreza, da deformidade, da doença, da maldade e do ressentimento, a maldição da "vendetta" que vai ocupando o espírito atormentado e tresloucado de um homem obsessivo. O Rigoletto, olhado para a partitura, é uma voragem, uma vertigem de música. Muita dela genial, de um nível absoluto. Verdi estava cansado de cantores a parar constantemente para exibir belas notas, a arrastar e atrasar para frases terminais. Nada disso acrescentava coerência e vida a um teatro, a um destino cénico inexorável: o cumprir da verdadeira maldição que paira sobre Rigoletto e sobre todos os desgraçados deste mundo, mesmo quando se vingam a vingança recai sempre sobre os próprios. A vertigem da música espelha-se nos tempos escritos na partitura e anotados com indicações metronómicas muito precisas. Allegro, allegreto, vivacissimo, agitatto, allegro vivo (138 ou 144), e até o moderato é num quaternário definido a 100 semínimas por minuto, o que pode ser bastante ofegante. O final do primeiro acto é a um tempo incrível de 100 mínimas por minuto.
A cena 4 do primeiro acto é, por exemplo, para ser feita num allegro a 120 e depois num allegro vivo a 138. A direcção do pseudo-maestro levou a coisa quase a metade do tempo resultando numa pastelada inenarrável que culminou com um allegro moderato assai "donna, questo fiore..."(96) a ser feito em tempo de adagio (!!!), sendo o piu mosso (138 e 120) feito a um tempo a rondar o andante tranquilo... Quando entramos no vivacissimo em C cortado (mínima=144), que coroa a 5ª cena e que deveria ser vertiginoso, com a despedida do Duque, parece que a vertigem congelou numa pacata marcha fúnebre sem carácter nem estilo, sem articulação ou respiração, sem acentuação ou ritmo. O final do primeiro acto é um paradigma do que afirmo, um allegro assai vivo quaternário (mínima=100), é feito a arrastar e com a articulação asmática e aflitiva a roçar o andante moderato. A raiva de Rigoletto ao ver que a filha não estava lá, e nesta encenação nunca poderia ter visto fosse o que fosse mas isso será para amanhã, era ao tempo de um andante moderato. As palavras mais suaves de que me lembro são incompetência, ignorância e insensibilidade.

Seria fastidioso enumerar todos os pontos onde a direcção errou de forma crassa nos tempos pedidos por Verdi, pela música e pelo sentido dramático. Polianitchko arrastou, parou, decaiu, morreu, puxou a música para trás, mesmo quando o sentido do canto e da melodia pediam mais e mais. O final do segundo acto foi igual ou pior ainda. Naquela procissão interminável, naquele engarrafamento de notas só me apetecia gritar (e gritei), tal foi o sufoco a que este incompetente sujeitou a música de Verdi. E o cúmulo foram as seis badaladas da meia noite?! Seis badaladas? Pergunta quem me lê. Sim, as seis badaladas da meia noite, na estreia e hoje, e na partitura vêm as seis notas na campana? Claro que não, estão lá escritinhas, umas atrás das outras, doze notas, e Verdi para evitar mal entendidos e "campanistas" míopes, colocou um visível "12" por cima do grupo. Foi o paradigma, tudo feito a metade do tempo e nem as desgraçadas badaladas da meia noite escaparam, reduzidas a metade que a malta espera demasiado tempo a ouvir as doze. Dramaturgicamente ridículo... como é possível esta m.?

Mandem vir o mestre da banda do Busseto que tenho a certeza que saberia dar muito maior força, cor e brilho à música sôfrega e palpitante de Verdi neste extraordinária ópera que se chama Rigoletto.

Comentário sobre a política de sujeitar cantores novos a maestros deste calibre
Tenho pena deste segundo elenco, tenho pena também de Chelsey Schill no primeiro elenco. Acho verdadeiramente vergonhoso sujeitar cantores inexperientes como Carla Caramujo, que até nem esteve mal em Gilda e parece ser promissora, a uma direcção destas. A insegurança, a falta de rumo, a ausência de qualquer indicação de estilo ou escola, a insensibilidade para o canto e as suas respirações, a incapacidade de gestão dos tempos e do rubato, a incapacidade e insensibilidade do director para os recitativos, sempre feitos sem a menor noção da palavra, a escolha arrastadíssima dos tempos, a complacência com excessos idiotas, como os de Pirgu na estreia a cantar do princípio ao fim em fortíssimo, sem qualquer nuance ou estilo, até a voz estalar nos agudos da "La donna...", podem levar ao destruir antecipado de carreiras que, com uma direcção competente e firme, poderiam atingir brilho e superar-se. Assim tivemos um grupo de jovens cantores aflitos para não falhar, sem saberem bem o que fazer. Um exemplo foram as inenarráveis cadências, feitas sem nexo nenhum, as cenas de conjunto, em que todos fugiam de todos, uns dos outros e dos instrumentos da orquestra, todos perdidos uns dos outros e todos a desafinar e longe de qualquer sentido estético, dramático ou musical (o espantoso quarteto no final, um dos mais belos exemplos do génio de Verdi nesta ópera, foi completamente e barbaramente destruído em ambos os dias pelo maestro e pelos cantores e resultou numa papa infame). É um erro enorme expor assim jovens artistas a uma direcção sem nível deste russo chamado Polianitchko. É um erro grave programar concertos da treta e dar aos jovens cantores árias difíceis e ingratas sob direcções canhestras. Acabem com as experiências no Teatro de S. Carlos!
Até um Renzetti provou ser muitíssimo mais capaz do que este bando de rapazes sem barba que agora bate a batuta por estas bandas, isto desde que o Sr. Hermenêutica se tornou no chefe da banda...

Um erro de casting que Christophe Dammann cometeu e que é imperdoável. O novo director artístico do S. Carlos não tem a menor sensibilidade para o que é dirigir um teatro como o nosso. Talvez por estar em part time e não se aperceber, talvez por não ter capacidade ou inteligência para mais, fica o benefício da dúvida.

Continua...

The worst of this performance of the Rigoletto in the S. Carlos Theater of Lisbon was the conductor - Alexander Polianitchko. A dreadful "director", with dragged tempi, imprecise, with bad gesture, musically insecure, with poor knowledge of Verdi and the score, not capable of reading the music or define a line, with poor rhythmic sense and no charisma.

To be continued...

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10.12.07

Rigoletto no S. Carlos, o Horror 


Certamente um dos piores Rigolettos de todos os tempos no S. Carlos, de onde regresso agora da estreia. O pior de tudo foi a direcção inacreditável de Alexander Polianitchko mas as vozes abomináveis, a orquestra inenarrável, o coro infernal, a interpretação péssima, a representação inexistente, a soma de erros crassos, tudo contribuiu para uma noite das mais negras de todos os tempos no Teatro de S. Carlos. Simplesmente horrível. Eu julgava que o mínimo já tinha sido atingido há muito tempo, enganei-me redondamente, a incompetência (tal como a estupidez) é insondável. Pior que isto no nosso teatro nacional, o teatro da capital da cimeira de Lisboa (ridículo não é?), só o Cura a dirigir a nona de Beethoven, mas em concerto, não em ópera.

A coisa é tão má que até na tradução surgem pérolas como "tesouro impagável" e não "tesouro sem preço", como se a Gilda fosse para seu pai um "tesouro impagável", eu sugiro a tradução "tesouro muita pândego"...

Amanhã vou ao segundo elenco, pior deve ser impossível, a esperança é a última a morrer, espero que os jovens cantores consigam superar um pouco tudo o que é péssimo nisto.

Uma crítica detalhada depois de amanhã, aqui neste blog.

Hoje houve pateada, fraca, mas já é um começo.

Stamping with the feet in Portugal after a scenic performance means that the show was horrific. The worst part was the conductor, Alexander Polianitchko. Unbelievable. More details next Wednesday here.

Note - hissing or booing is better for the performer, stamping with the feet is really bad in Portugal.

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8.12.07

Stockhausen 



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6.12.07

Marco Mencoboni Algures em Lisboa 

Será possível que o grande músico italiano Marco Mencoboni tenha estado em Lisboa?

E tenha ido ao barbeiro no Chiado?


Saiu em Itália e na Internet o último disco da editora de Marco Mencoboni (quase todos verdadeiras preciosidades), em Janeiro Marguerit com música de Spinacino, estará em Portugal. No site, blog, de Marco Mencoboni todo o processo de gravação do CD está documentado em vídeo. Recomendo uma vista de olhos...

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1.12.07

O Quadro de Tiepolo e Paulo Henriques 

Notas sobre a novela do Tiepolo comprado pelo Estado português.

A ministra da cultura, Pires de Lima, disse que nada sabia do assunto, isto após repetidas notícias na imprensa. Lima deu a entender que o assunto estava encerrado por falta de orçamento e por total desinteresse e ignorância culpando os malfadados "serviços" de não a informarem. Bairrão Oleiro e Paulo Henriques pelos vistos andavam distraídos.
Rebentada a bronca pela imprensa o novel director do museu de Arte Antiga disse que faria tudo para obter o quadro. O tudo de Paulo Henriques foram umas férias no Brasil de 26 de Novembro a 6 de Dezembro.

A escandaleira foi tão grande que, após a pressão dos media, o senhor Sousa lá resolveu mandar abrir os cordões à bolsa.

Moralidade(s) da história:
a) Se a imprensa não tem falado do assunto era mais um pedaço do nosso património que se ia. O quarto poder a exercer o seu dever de cidadania é algo que merece um rasgado elogio.
b) O governo age por reacção à comunicação e a única estratégia que conta é a de aparecer na comunicação. Não temos um governo, temos uma super-agência de comunicação e manipulação.
c) Paulo Henriques, Bairrão Oleiro e a ministra nem sabem nem contam para nada e o que dizem, ou fazem, é absolutamente irrelevante. O director do mais importante museu português dá-se ao luxo de ir a banhos para o Brasil em plena crise.

Sic transit gloria mundi.

P.S. Pensando bem, hummm, acho que o homem fez tudo para que o quadro se comprasse: foi para o Brasil a banhos. Provavelmente se tivesse ficado cá o o quadro não se comprava, sábia decisão.

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