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11.12.07

Rigoletto no S. Carlos - A vergonha continua 

No S. Carlos continua o Rigoletto, eu lá fui fazer penitência para ouvir o segundo elenco. Desta vez acompanhado da partitura. Este texto é uma crítica com um único destinatário: o director musical. Amanhã continuarei a escrever sobre outros aspectos, de canto, musicais e cénicos.

Se ontem a coisa me soou horrenda, hoje, com a partitura na mão pude constatar in loco o assassinato à música do Verdi quase nota por nota. É evidente que nesta produção simplesmente abominável em termos musicais e cénicos há culpados. Na parte musical o principal culpado é sem a menor sombra de dúvida o director musical, um russo que chama Alexander Polianitchko. Acima dele o culpado só pode ser quem contratou um maestro sem qualquer capacidade para a direcção de ópera, sem experiência em ópera italiana e que nunca tinha dirigido um Rigoletto. O S. Carlos continua um teatro para experiências votadas ao fracasso, sendo o público a cobaia desta pouca vergonha e tendo como veículo o dinheiro dos nossos impostos.

Um director tecnicamente incompetente
O director em cima do pódium não sabe dirigir este Rigoletto, ponto. Não dá entradas claras, não tem tempos claros, não tem gestos compreensíveis, não acompanha os músicos, não lhes dá segurança: quando os cantores entram em devaneios de tempo não é capaz de clarificar, não tem a menor capacidade para impor tempo e ritmo, quer a cantores quer aos instrumentistas. Por consequência a orquestra anda constantemente atrás e à frente dos cantores, entra atrasada nos recitativos, não consegue sequer acompanhar a tempo e contratempo o canto. Por outro lado pretender falar em pathos, em desenho do som, em interpretação, no meio desta anedota, é impossível. Se a orquestra e cantores conseguem chegar ao fim com esta direcção é um feito de alto nível. Como falar de acentuação, de linha, de fraseado? É tudo um salve-se quem puder, dar as notas e já está. Este director tem uma postura feia em palco, de braços constantemente dobrados e fechado, curvado sobre uma partitura que não domina. Incapaz de traço, incapaz de definir e de recortar, incapaz de gesto amplo e claro, é uma caricatura má de um mau director de orquestra. Se o seu trabalho de ensaio fosse bom poderia compensar, mas tudo está descosido, empastelado e arrastado. Nota-se que não existe a menor coerência interpretativa.
Em termos técnicos está tudo dito: este maestro é incapaz para esta ópera.

Escolhas de tempos, o pior de Polianitchko
O Rigoletto é uma ópera sôfrega, é uma ópera agitada, é uma espiral que converge para um clímax, tem uma coerência lógica no seu romantismo exacerbado. Uma maldição, a maldição da pobreza, da deformidade, da doença, da maldade e do ressentimento, a maldição da "vendetta" que vai ocupando o espírito atormentado e tresloucado de um homem obsessivo. O Rigoletto, olhado para a partitura, é uma voragem, uma vertigem de música. Muita dela genial, de um nível absoluto. Verdi estava cansado de cantores a parar constantemente para exibir belas notas, a arrastar e atrasar para frases terminais. Nada disso acrescentava coerência e vida a um teatro, a um destino cénico inexorável: o cumprir da verdadeira maldição que paira sobre Rigoletto e sobre todos os desgraçados deste mundo, mesmo quando se vingam a vingança recai sempre sobre os próprios. A vertigem da música espelha-se nos tempos escritos na partitura e anotados com indicações metronómicas muito precisas. Allegro, allegreto, vivacissimo, agitatto, allegro vivo (138 ou 144), e até o moderato é num quaternário definido a 100 semínimas por minuto, o que pode ser bastante ofegante. O final do primeiro acto é a um tempo incrível de 100 mínimas por minuto.
A cena 4 do primeiro acto é, por exemplo, para ser feita num allegro a 120 e depois num allegro vivo a 138. A direcção do pseudo-maestro levou a coisa quase a metade do tempo resultando numa pastelada inenarrável que culminou com um allegro moderato assai "donna, questo fiore..."(96) a ser feito em tempo de adagio (!!!), sendo o piu mosso (138 e 120) feito a um tempo a rondar o andante tranquilo... Quando entramos no vivacissimo em C cortado (mínima=144), que coroa a 5ª cena e que deveria ser vertiginoso, com a despedida do Duque, parece que a vertigem congelou numa pacata marcha fúnebre sem carácter nem estilo, sem articulação ou respiração, sem acentuação ou ritmo. O final do primeiro acto é um paradigma do que afirmo, um allegro assai vivo quaternário (mínima=100), é feito a arrastar e com a articulação asmática e aflitiva a roçar o andante moderato. A raiva de Rigoletto ao ver que a filha não estava lá, e nesta encenação nunca poderia ter visto fosse o que fosse mas isso será para amanhã, era ao tempo de um andante moderato. As palavras mais suaves de que me lembro são incompetência, ignorância e insensibilidade.

Seria fastidioso enumerar todos os pontos onde a direcção errou de forma crassa nos tempos pedidos por Verdi, pela música e pelo sentido dramático. Polianitchko arrastou, parou, decaiu, morreu, puxou a música para trás, mesmo quando o sentido do canto e da melodia pediam mais e mais. O final do segundo acto foi igual ou pior ainda. Naquela procissão interminável, naquele engarrafamento de notas só me apetecia gritar (e gritei), tal foi o sufoco a que este incompetente sujeitou a música de Verdi. E o cúmulo foram as seis badaladas da meia noite?! Seis badaladas? Pergunta quem me lê. Sim, as seis badaladas da meia noite, na estreia e hoje, e na partitura vêm as seis notas na campana? Claro que não, estão lá escritinhas, umas atrás das outras, doze notas, e Verdi para evitar mal entendidos e "campanistas" míopes, colocou um visível "12" por cima do grupo. Foi o paradigma, tudo feito a metade do tempo e nem as desgraçadas badaladas da meia noite escaparam, reduzidas a metade que a malta espera demasiado tempo a ouvir as doze. Dramaturgicamente ridículo... como é possível esta m.?

Mandem vir o mestre da banda do Busseto que tenho a certeza que saberia dar muito maior força, cor e brilho à música sôfrega e palpitante de Verdi neste extraordinária ópera que se chama Rigoletto.

Comentário sobre a política de sujeitar cantores novos a maestros deste calibre
Tenho pena deste segundo elenco, tenho pena também de Chelsey Schill no primeiro elenco. Acho verdadeiramente vergonhoso sujeitar cantores inexperientes como Carla Caramujo, que até nem esteve mal em Gilda e parece ser promissora, a uma direcção destas. A insegurança, a falta de rumo, a ausência de qualquer indicação de estilo ou escola, a insensibilidade para o canto e as suas respirações, a incapacidade de gestão dos tempos e do rubato, a incapacidade e insensibilidade do director para os recitativos, sempre feitos sem a menor noção da palavra, a escolha arrastadíssima dos tempos, a complacência com excessos idiotas, como os de Pirgu na estreia a cantar do princípio ao fim em fortíssimo, sem qualquer nuance ou estilo, até a voz estalar nos agudos da "La donna...", podem levar ao destruir antecipado de carreiras que, com uma direcção competente e firme, poderiam atingir brilho e superar-se. Assim tivemos um grupo de jovens cantores aflitos para não falhar, sem saberem bem o que fazer. Um exemplo foram as inenarráveis cadências, feitas sem nexo nenhum, as cenas de conjunto, em que todos fugiam de todos, uns dos outros e dos instrumentos da orquestra, todos perdidos uns dos outros e todos a desafinar e longe de qualquer sentido estético, dramático ou musical (o espantoso quarteto no final, um dos mais belos exemplos do génio de Verdi nesta ópera, foi completamente e barbaramente destruído em ambos os dias pelo maestro e pelos cantores e resultou numa papa infame). É um erro enorme expor assim jovens artistas a uma direcção sem nível deste russo chamado Polianitchko. É um erro grave programar concertos da treta e dar aos jovens cantores árias difíceis e ingratas sob direcções canhestras. Acabem com as experiências no Teatro de S. Carlos!
Até um Renzetti provou ser muitíssimo mais capaz do que este bando de rapazes sem barba que agora bate a batuta por estas bandas, isto desde que o Sr. Hermenêutica se tornou no chefe da banda...

Um erro de casting que Christophe Dammann cometeu e que é imperdoável. O novo director artístico do S. Carlos não tem a menor sensibilidade para o que é dirigir um teatro como o nosso. Talvez por estar em part time e não se aperceber, talvez por não ter capacidade ou inteligência para mais, fica o benefício da dúvida.

Continua...

The worst of this performance of the Rigoletto in the S. Carlos Theater of Lisbon was the conductor - Alexander Polianitchko. A dreadful "director", with dragged tempi, imprecise, with bad gesture, musically insecure, with poor knowledge of Verdi and the score, not capable of reading the music or define a line, with poor rhythmic sense and no charisma.

To be continued...

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