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18.12.07

O lupanar das meretrizes e sodomitas 

A encenação do Rigoletto em Lisboa

Serei rápido, já escrevi sobre as partes musicais, mas o Rigoletto de Lisboa no Teatro Nacional de S. Carlos foi péssimo em todos os sentidos, debruço-me aqui sobre a encenação. Como já foi quase tudo dito e não gosto de perder muito tempo com lixo fica aqui um curto apontamento que encerra a crítica a este Rigoletto. Uma crítica em folhetins...

Um choque gratuito e sem sentido

Numa encenação paupérrima de Emilio Sagi, o duque de Mântua viu o seu palácio transformado em bordel, com meretrizes e drag queens de perna ao léu. Uma leitura rasca da obra original de Victor Hugo, Le Roi S’Amuse, sem subtileza, sem perceber que o sentido da obra é uma maldição sobre o velho bobo, a maldição da deformidade, da pobreza, da injustiça e da doença e um devir trágico que culmina na morte de Gilda, filha do bobo, e também ela vítima das maquinações da impossível vendetta do velho contra o poderoso duque no meio de uma sociedade cruel de poderosos. Uma leitura que apenas banaliza e não subverte. Hoje em dia apenas corre o risco de chocar pela aberrante estupidez e não pelas raparigas de tranca gorda e pelos rapazes de perna escanzelada e peluda em cima do palco. Sagi ensaia aqui uma pose espanhola à Almodovar de pacotilha com o seu cortejo de cromos, mas as coisas só têm sentido se se enquadram na obra e Almodovar há só um...

Pelo meio temos cenas de incesto, algo profundamente idiota face ao libreto original, entre o assassino contratado por Rigoletto, Sparafucile e sua irmã, Maddalena, que estando apaixonada pelo duque não encontra nada mais interessante para fazer do que dar uma trancada com o irmão, algo que nem sequer consegue enquadrar-se numa estratégia de domínio do irmão, pela gratuidade da cena em termos teatrais e pela forma tonta da representação, pior do que amadora.


Entretanto o dispositivo cénico, com um palanque torto em cima do palco, retira espaço dramático para as personagens evoluirem, os quartos de motel nas traseiras e lados contribuem para banalizar o discurso e fazem deste Rigoletto uma espécie de bordel, um bordel onde habita Gilda, onde habita o duque. A plataforma em palco tapa a visão que Rigoletto não tem do que aconteceu à filha, no entanto ele arrepela-se e grita que a raptaram... o libreto na partitura tem escrito que ele entra no pátio e na casa e aparece transtornado. Nesta encenação o bobo adivinha que, do outro lado da plataforma, o quarto do motel está vazio!...

Monterone faz a sua segunda entrada e dirige-se a um retrato dos duques, isto segundo o libreto original, nesta encenação não há retrato, logo o sentido das frases torna-se oco, incomprensível para quem não conheça a ópera. Parece um lamento alucinado de um velho gagá aos gritos, e Luís Rodrigues não esteve aqui muito subtil. Eu creio que a ausência do retrato dos duques (ele e ela) foi propositada mas também foi um erro de incompetência dramaturgica.

As seis badaladas da meia noite, inacreditável se não tivesse ouvido duas vezes o mesmo erro. Terá sido obra do encenador ou da incompetência do maestro? Fica a dúvida, mas se foi propositado é aberrante e totalmente contrário ao sentido do texto e da obra.

A plataforma em palco distrai, complica, destrói o fluxo dramático, as suas montagens e desmontagens, ruidosas e demoradas são mais um incómodo a juntar a toda a terrível seca de escutar esta coisa tocada a uma lentidão exasperante.

Numa ânsia de chocar por chocar sem ter em conta a dramaturgia Sagi destruiu completamente a lógica textual da obra. A encenação tinha sido originalmente desenhada para Bilbau e foi a coreógrafa e assistente de Sagi, Nuria Castejón, que ensaiou os actores-cantores em Lisboa. O resultado foi um desastre total, se a coreografia foi banal e sem ideias no bailado inicial das prostituas e "maricons", a direcção de actores foi canhestra e amadora.

A iluminação foi banal e ineficaz, sem jogos de matizes, sombras e cores, esteve num plano cinzento e incompetente. Por vezes os cantores deixavam de se ver, o que aliás até foi agradável atendento às suas péssimas qualidades cénicas. Se calhar o melhor era ter-se poupado nas luzes e ter feito tudo às escuras...

Os figurinos não me entusiasmaram, numa encenação que se pretendia "intemporal" (entrevista da assistente do encenador) foram demasiado de época dentro do estilo cliché operático.

A definição dos personagens foi linear, unidimensional, um tenor fátuo sem capacidades cénicas fez um duque que apenas é uma caricatura, sem refinamento, sem dúvidas (que existem), um vaidoso exibicionista, Gilda é a desgraçadinha que anda por ali e Rigoletto não tem sentido dramático ou trágico. A cena da morte de Gilda é vergonhosa em termos de encenação. Todo o mundo esbraceja e berra à boca de cena, mas de teatro não se vê nada.


Um desastre anunciado pela demissão do competente director do S. Carlos, Paolo Pinamonti, e a sua substituição por este desconhecido: Christoph Dammann. De qualquer modo existe nesta encenação uma quota parte de culpa da parte de Pinamonti, foi do seu tempo esta co-produção o que não quer dizer que sob a sua direcção este Rigoletto fosse tão mau; é que, entretanto, todo o casting foi escolha do actual director artístico, um grande "artista" sim senhor. A Gilda vocalmente anémica Schill, o maestro anedota, o barítono rouco e com falta de ar à beira da reforma, o tenor pimpão aos berros. Um segundo elenco que faz sofrer a jovem portuguesa Carla Caramujo nos meandros de uma produção miserável e é tudo. Não tenho paciência para mais.

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