30.5.06
Novas observações sobre Ouro do Reno
Num camarote ouve-se e vê-se muito melhor, como descobri hoje. Se ainda estiver a tempo evite a plateia (habitual lugar do palco) do S. Carlos, existe uma diferença muito considerável entre a audição num camarote e na plateia. Os cantores têm tendência a cantar virados para o maestro e para o interior da elipse. Fora da mesma, ou seja na bancada provisória, os cantores só se conseguem ouvir quando se viram de costas para o maestro e a orquestra ouve-se sempre muito mal. Experiências...
Hoje, terceira récita, a qualidade da OSP pareceu-me bastante superior à da estreia, mas continuam as fífias distribuídas democraticamente e uma tuba tenor voltou a meter água na passagem da invocação de Donner o que é um bocado maçador...
Mais comentários apenas depois do próximo Sábado, mas fica prometida uma análise profunda da encenação e da interpretação.
Hoje, terceira récita, a qualidade da OSP pareceu-me bastante superior à da estreia, mas continuam as fífias distribuídas democraticamente e uma tuba tenor voltou a meter água na passagem da invocação de Donner o que é um bocado maçador...
Mais comentários apenas depois do próximo Sábado, mas fica prometida uma análise profunda da encenação e da interpretação.
Mais Ouro do Reno
João Gonçalves, antigo vogal do conselho de administração do S. Carlos, após o devir do tempo, rende-se de novo ao S. Carlos encarnado na nova produção do Ouro do Reno. No meu entender um pouco em excesso. O facto principal é que acaba por ser muito interessante o seu discurso wagneriano, com sentido e lógica. Gonçalves identifica claramente um dos múltiplos pontos chave da Tetralogia no discurso de Wotan no segundo acto da Valquíria que termina no célebre "Ende"...
Hoje em dia prefiro o Wotan do último acto do Siegfried, onde a renúncia toma o lugar do hieratismo remanescente e imanente à sua figura suprema, apesar da ontológica consciência de: a) relações e dependências b) um destino irremediável. Segundo acto da Valquíria. No entanto a figura ainda encena um poder, inexistente de facto, mas real na aparência, e como tal revestido do seu simbolismo e dos seus estigmas, o menor dos quais não será certamente o orgulho de deus e pai desobedecido e a necessidade imperiosa de impor um castigo, que de facto o não é, é apenas a inscrição no devir, percebe-se depois, de Brünnhilde. Em Siegfried a paz da renúncia (e não na vitória) faz de Wotan um ser infinitamente triste ao mesmo tempo em paz, despojado dos símbolos, de cajado partido em vez de lança das runas, tratados sem valor, poder ausente. Sabedoria máxima, desencanto total, pessimismo absoluto.
O jovem que quer beber na fonte da sabedoria e que cortou o ramo da árvore do mundo cedeu o lugar ao velho sábio retirado.
Junte-se a isto um bom artigo sobre o Papa em Auschwitz-Birkenau e o Portugal dos Pequeninos vale uma visita.
P.S. Não sei porquê, mas Luandino Vieira, neses últimos dias, recordou-me mais deste Wotan sábio do que toda esta encenação do Ouro do Reno.
Hoje em dia prefiro o Wotan do último acto do Siegfried, onde a renúncia toma o lugar do hieratismo remanescente e imanente à sua figura suprema, apesar da ontológica consciência de: a) relações e dependências b) um destino irremediável. Segundo acto da Valquíria. No entanto a figura ainda encena um poder, inexistente de facto, mas real na aparência, e como tal revestido do seu simbolismo e dos seus estigmas, o menor dos quais não será certamente o orgulho de deus e pai desobedecido e a necessidade imperiosa de impor um castigo, que de facto o não é, é apenas a inscrição no devir, percebe-se depois, de Brünnhilde. Em Siegfried a paz da renúncia (e não na vitória) faz de Wotan um ser infinitamente triste ao mesmo tempo em paz, despojado dos símbolos, de cajado partido em vez de lança das runas, tratados sem valor, poder ausente. Sabedoria máxima, desencanto total, pessimismo absoluto.
O jovem que quer beber na fonte da sabedoria e que cortou o ramo da árvore do mundo cedeu o lugar ao velho sábio retirado.
Junte-se a isto um bom artigo sobre o Papa em Auschwitz-Birkenau e o Portugal dos Pequeninos vale uma visita.
P.S. Não sei porquê, mas Luandino Vieira, neses últimos dias, recordou-me mais deste Wotan sábio do que toda esta encenação do Ouro do Reno.
29.5.06
Ouro do Reno no S. Carlos - Um micro resumo
Encenação: Apropriada, o que quer dizer muito. 15 valores se esquecermos acessórios inúteis, 14 se os incluirmos.
Movimento coreográfico: inútil e sem ideias, de mau gosto e sexualmente explícito. 8 valores.
Direcção musical: Irregular em termos orquestrais, bom em termos vocais, mas melhor parece impossível com estes meios. 14 valores.
OSP: razoável na sustentação e acompanhamento (12), desastrosa nas partes orquestrais mais complexas (6). Madeiras (clarinetes e clarinete baixo 16) e violoncelos em destaque, resto insuficiente (7). O pior: conjunto sinfónico completo, violinos em divisi, naipe de trompas (inclui tubas wagnerianas).
Cantores: entre o muito bom (Loge 18, Fricka 17, Alberich 17) e o fraco sem comprometer muito (Wotan 9, Erda 9, Mime 8), passando pelo médio restante.
Produção no seu global: 16 valores.
Não faltarão as notas vinte, e as "melhores interpretações de todos os tempos em Portugal" dadas pelos exaltados do costume, mas é preciso relativizar as coisas e ser capaz de avaliar todos os factores de uma produção e não apenas os de que mais gostámos.
A experiência de ir ao S. Carlos escutar este Ouro vale a pena.
Amanhã há mais...
Movimento coreográfico: inútil e sem ideias, de mau gosto e sexualmente explícito. 8 valores.
Direcção musical: Irregular em termos orquestrais, bom em termos vocais, mas melhor parece impossível com estes meios. 14 valores.
OSP: razoável na sustentação e acompanhamento (12), desastrosa nas partes orquestrais mais complexas (6). Madeiras (clarinetes e clarinete baixo 16) e violoncelos em destaque, resto insuficiente (7). O pior: conjunto sinfónico completo, violinos em divisi, naipe de trompas (inclui tubas wagnerianas).
Cantores: entre o muito bom (Loge 18, Fricka 17, Alberich 17) e o fraco sem comprometer muito (Wotan 9, Erda 9, Mime 8), passando pelo médio restante.
Produção no seu global: 16 valores.
Não faltarão as notas vinte, e as "melhores interpretações de todos os tempos em Portugal" dadas pelos exaltados do costume, mas é preciso relativizar as coisas e ser capaz de avaliar todos os factores de uma produção e não apenas os de que mais gostámos.
A experiência de ir ao S. Carlos escutar este Ouro vale a pena.
Amanhã há mais...
26.5.06
Priceless!
Ontem em casa de amigos, todos eles estrangeiros com filhos em escolas inglesas, discutia-se o que caberia no conceito de Britishness, segundo eles instilado nas escolas desde a mais tenra idade, independentemente de as mesmas serem privadas, públicas, frequentadas por uma middle ou upper class.
Britishness conteria patriotismo, uma tolerância em relação à diferença do outro que terá começado com a Magna Carta e ter-se-á desenvolvido com o Império e um certo número de regras de comportamento público, social ou profissional que se respeitam sem questionar, núcleo duro que qualquer estrangeiro sem se dar conta absorve e que cimentam civismo, eficiência laboral e estabilidade no trato público. Para não falar de um fundamental understatement, isto é, dizer sempre tão pouco das dificuldades e problemas da vida que as mesmas se reduzem a um cisco no olho.
As regras de comportamento social obrigam ao uso frequente de palavras como sorry or excuse me sempre que se atropela alguém, cheers ou o mais formal thank you por exemplo, da parte das empregadas da British Library que carregam e depositam os livros no balcão para eu os recolher, que podem alternar com sorry for making you waiting.
Um outro exemplo de proper uso para sorry ou excuse me é dado pelo empregado do pub onde petiscamos kebabs que nos atendeu já duas ou três vezes, veste calças retalhadas e memorizou a nossa preferência: sorry for not having kebabs today!
Em matéria de saudações a Britishness requer que sejam abundantes, Hello there, how are you? de preferência informais e que se se estendam para além de duas frases, muitas vezes, num comentário acerca do tempo.
A saudação pode ser lançada mesmo à vizinha que vive na mesma rua e se vê pela primeira vez.
Ao mesmo tempo que reprime o natural egoísmo humano, a Britishness puxa o ser humano para um elevado grau de auto-controlo e de disciplina. Como o demonstrado por um solitariobritish de meia idade e a cair de bêbado que, numa mesa do nosso pub saturado de gente, mal se deu conta que estávamos de pé e de copo na mão, nos ofereceu a mesa, dizendo: I am just leaving.
Posso ainda acrescentar todas as cedências de lugar que se fazem nos autocarros a pessoas idosas, grávidas, mães com crianças ao colo, sem que estas tenham sequer que abrir a boca e a frequência com que o condutor do autocarro, alertado pelos outros passgeiros, abre a porta uma segunda vez para deixar sair uma pessoa que se atrasou.
Incluo o respeito demonstrado nas bichas- de supermercado, multibanco, autocarro- nas quais ninguém se lembra de suspirar ou, por outras tácticas, apressar quem está à frente mas, até se fôr preciso, se oferece uma ajuda para fazer erguer ou baixar do autocarro um carrinho de bébé. Bem como a regra de deixar sair em cada paragem metro quem está dentro da carruagem, antes de se começar a entrar.
E por fim, incluo nessa disciplina e auto-controle a proibição de fazer uma fuss (cena). Um adequado I don t know what to say! sanciona um comportamento que nos aborreceu ou lesou e se a outra parte entende a Britishness compreenderá de imediato o passo em falta e a urgência na reparação.
Priceless!
Clara
Algumas reflexões esparsas
Criticado por ter gravado uma Valquíria onde ressoava o espírito de Weber, Karajan respondeu sem se perturbar com a pergunta:
«É evidente que o espírito de Weber está bem presente. Foi o primeiro compositor a ter o sentido da Natureza viva que atravessa toda a obra de Wagner. Se não transmitimos esse sentimento de identidade entre Música e Natureza, estamos a omitir a verdade ao ouvinte. Que é a Tetralogia, no final de contas, senão uma parábola da Natureza violada? Junta-se a isso o complexo pai-filho - o mais velho, que tem o conhecimento, admira o mais novo pela sua força instintiva e a sua influência mais forte sobre o rumo das coisas. Wagner identificava-se nos dois.»
Uma das mais breves explicações sobre a Tetralogia, e provavelmente uma das mais perfeitas na sua concisão. Natureza violada, Karajan identifica um pontos essenciais da Tetralogia, ou não tenha sido um profundo conhecedor dos meandros da partitura do ponto de vista musical, pois é no conhecimento da música que radica toda a possibilidade de interpretação filosófica da obra. Wagner conheceu Shopenhauer depois de escrever o poema, é na música que vai introduzir toda a carga filosófica que aliás reconheceu como já presente de forma intuitiva no seu trabalho, "é isto mesmo" diz Wagner ao ler O Mundo Como Vontade de Representação. O mundo não presta, os homens são perversos, a história é o regresso à realidade oculta do mundo, inominável, ao qual os Deuses vão regressar depois de todas as transgressões, à qual Siegfried regressa, Brünnhilde regressa, Hagen regressa, Gunther e Gutrune, todos os "heróis" e Valquírias, Fafner e Fasolt, resquícios de um tempo primitivo de dragões e gigantes, Hunding, Siegmund e Sieglinde, uns através da morte violenta, e se há mortes violentas na Tetralogia, um autêntico banho de sangue, outros através do crepúsculo eterno, Erda que se dissolve na terra, as Nornas que se submergem, elas também resquícios de tempos de uma Terra primordial, todos regressam ao Nonumenal. Sobra apenas de fora o Fogo de Loge, prisioneiro ele também do Crepúsculo, mas que nunca entrou no Walhalla e um Alberich senhor dos Nibelungos que persiste vivo como encarnação de todos os males e da realidade viva do mundo, algures numa realidade paralela, uma espécie de Wanderer do mal, aparecendo em sonhos como no Crepúsculo apareceu a Hagen, num mundo trágico destruído pelos homens. (E já foi feita uma ópera tendo como Alberich o principal personagem e que retrata o seu percurso depois do Crepúsculo!)
Haverá redenção depois desta interpretação? Sobra espaço para a utopia? Wagner deixou uma porta aberta ao fechar o ciclo harmónico, um regresso às origens, um eterno retorno, a reposição da força da Natureza depois da destruição, um tema de esperança, última redenção antes do final. Finalmente o homem ficou junto do Reno e o Mito foi morto, ou nasceu o Mito agora que a sua personificação activa se encerrou no Crepúsculo?
O Mito nasceu, por duas razões, porque não existem agentes reais e vivos do Mito, os Deuses ocultos são a encarnação desse mesmo Mito. Segundo: porque existe o monumento ao génio humano, uma obra maior de toda a humanidade, um testamento para o futuro que é a Tetralogia, um Mito da cultura ela mesmo, como obra sempre inacabada, aberta a todas as interpretações e autêntica chave do mundo. A Tetralogia é o Mito criado por Wagner.
«É evidente que o espírito de Weber está bem presente. Foi o primeiro compositor a ter o sentido da Natureza viva que atravessa toda a obra de Wagner. Se não transmitimos esse sentimento de identidade entre Música e Natureza, estamos a omitir a verdade ao ouvinte. Que é a Tetralogia, no final de contas, senão uma parábola da Natureza violada? Junta-se a isso o complexo pai-filho - o mais velho, que tem o conhecimento, admira o mais novo pela sua força instintiva e a sua influência mais forte sobre o rumo das coisas. Wagner identificava-se nos dois.»
Uma das mais breves explicações sobre a Tetralogia, e provavelmente uma das mais perfeitas na sua concisão. Natureza violada, Karajan identifica um pontos essenciais da Tetralogia, ou não tenha sido um profundo conhecedor dos meandros da partitura do ponto de vista musical, pois é no conhecimento da música que radica toda a possibilidade de interpretação filosófica da obra. Wagner conheceu Shopenhauer depois de escrever o poema, é na música que vai introduzir toda a carga filosófica que aliás reconheceu como já presente de forma intuitiva no seu trabalho, "é isto mesmo" diz Wagner ao ler O Mundo Como Vontade de Representação. O mundo não presta, os homens são perversos, a história é o regresso à realidade oculta do mundo, inominável, ao qual os Deuses vão regressar depois de todas as transgressões, à qual Siegfried regressa, Brünnhilde regressa, Hagen regressa, Gunther e Gutrune, todos os "heróis" e Valquírias, Fafner e Fasolt, resquícios de um tempo primitivo de dragões e gigantes, Hunding, Siegmund e Sieglinde, uns através da morte violenta, e se há mortes violentas na Tetralogia, um autêntico banho de sangue, outros através do crepúsculo eterno, Erda que se dissolve na terra, as Nornas que se submergem, elas também resquícios de tempos de uma Terra primordial, todos regressam ao Nonumenal. Sobra apenas de fora o Fogo de Loge, prisioneiro ele também do Crepúsculo, mas que nunca entrou no Walhalla e um Alberich senhor dos Nibelungos que persiste vivo como encarnação de todos os males e da realidade viva do mundo, algures numa realidade paralela, uma espécie de Wanderer do mal, aparecendo em sonhos como no Crepúsculo apareceu a Hagen, num mundo trágico destruído pelos homens. (E já foi feita uma ópera tendo como Alberich o principal personagem e que retrata o seu percurso depois do Crepúsculo!)
Haverá redenção depois desta interpretação? Sobra espaço para a utopia? Wagner deixou uma porta aberta ao fechar o ciclo harmónico, um regresso às origens, um eterno retorno, a reposição da força da Natureza depois da destruição, um tema de esperança, última redenção antes do final. Finalmente o homem ficou junto do Reno e o Mito foi morto, ou nasceu o Mito agora que a sua personificação activa se encerrou no Crepúsculo?
O Mito nasceu, por duas razões, porque não existem agentes reais e vivos do Mito, os Deuses ocultos são a encarnação desse mesmo Mito. Segundo: porque existe o monumento ao génio humano, uma obra maior de toda a humanidade, um testamento para o futuro que é a Tetralogia, um Mito da cultura ela mesmo, como obra sempre inacabada, aberta a todas as interpretações e autêntica chave do mundo. A Tetralogia é o Mito criado por Wagner.
Artur Pizarro no S. Luiz
A Madame de Grignan,
Il faut que je vous raconte la chose la plus secrète, la plus merveilleuse, la plus incroyable, la plus singulière, la plus miraculeuse… Une chose dont on ne trouve aucun exemple dans les siècles passés. On dit que Sa Majesté Louis Dieudonné [XIV], dont le sacre fût donné le septième de Juin, s'est vu confier le secret d'une cathédrale engloutie dans un marais de Picardie.
L'évènement eut lieu après la cérémonie. Monsieur de Soissons aurait remis au Roi, pénétré de dévotion, le document qui donne l'emplacement de ce mystérieux monument, bâti aux frontières du royaume de France et conçu en exacte réplique de la cathédrale de Laon !
Mais la rumeur la plus étonnante est que cette cathédrale, élevée dans une vallée puis dissimulée par la volonté de ses bâtisseurs, abriterait une Sainte Relique. Sa Majesté Très Chrétienne en aurait reçu la révélation en gage de la grandeur et de la magnificence à laquelle son règne doit porter notre pays.
Contez tout cela à notre duchesse de Chaulnes, je vous en serai la plus sensiblement obligée.
Je prie que la Providence, qui a mis tant d'espaces et tant d'absences entre nous, me console par la satisfaction de vous retrouver bientôt.
A ma très bonne et très belle.
Votre mère, Madame de Sévigné.
Ys, la cité engloutie
La légende de la ville d'Ys est un des plus vieux mythes de la Bretagne, il remonte à une époque où le christianisme n'était pas encore venu à bout du paganisme. Oyez l'histoire du roi Gradlon, de sa fille Dahut, et de l'orgueilleuse cité qui fut maudite puis engloutie.
En des temps fort reculés, régnait sur le royaume de Cornouailles le roi Gradlon-Meur (Gradlon le Grand). Dans sa jeunesse, il s'était surtout fait remarqué par ses nombreuses conquêtes guerrières, qui lui avaient valu gloire et puissance. Et c'est lors d'une guerre contre les pays nordiques qu'il rencontra une belle princesse scandinave, qui passait pour être un peu sorcière, mais qu'il résolut de prendre pour femme. Celle-ci lui offrit un cheval, nommé Morvac'h, d'un noir flamboyant et au regard de braise, qui n'avait pas son égal sur toute la Terre. Après avoir séjourné quelques temps dans le Nord, le roi décida de rejoindre son royaume de Cornouailles. Mais sa femme accoucha d'une petite fille durant le voyage, et en mourut. L'enfant née sur les eaux fut appelée Dahut, et elle devint fille de la mer, car celle-ci avait marqué son empreinte définitive sur elle.
De retour en Cornouailles, Gradlon entreprit un long deuil, et tout l'amour qu'il avait eu pour sa femme, il le prodigua à sa fille. Dans un même temps, il commença un règne pacificateur où il fut davantage occupé à répondre aux besoins de ses sujets. Sa rencontre avec un ermite dans une forêt le fit convertir au christianisme, et partout dans le pays s'élevèrent églises et cathédrales. A celle de Quimper, il nomma Saint Corentin, homme de bon conseil, qui l'assista dans son règne pieux. Il voyait dans l'évêque un modèle, en fait sa seule source d'inquiétude était que sa fille Dahut refusait tous les enseignements religieux. Aux discours des prêtres, elle préférait ceux de l'Océan, avec qui elle allait souvent dialoguer. Mais Gradlon aimait trop sa fille pour lui en tenir rigueur, ce que Corentin ne manquait pas de lui reprocher.
Le temps passant, Dahut devint une jeune femme incroyablement belle, mais chaque jour plus insouciante, provocante et orgueilleuse. Mais dans cette contrée devenue chrétienne, elle s'ennuyait terriblement et avait de plus en plus la religion en horreur. Un jour elle n'y tint plus, et elle demanda à son père qu'il lui construisît sa cité à elle, une cité où nul prêtre ne pourrait pénétrer et où seuls les plaisirs régneraient. Gradlon résista d'abord, puis il faiblit, et malgré les avertissements de Corentin, finit par céder. Il fit construire secrètement la cité, à l'emplacement même où Dahut avait l'habitude d'aller jouer quand elle était petite. Et un jour il emmena sa fille sur la grève de son enfance, et celle-ci découvrit éberluée une magnifique cité blanche, la plus belle qui pouvait se trouver de part le monde. Ainsi naquit la ville d'Ys, où Gradlon et Dahut s'établirent désormais.
Hélas, dans la cité les sept péchés capitaux régnaient en maître, tout n'était que débauche. Les commerçants s'enrichissaient honteusement en attaquant les navires marchands des autres nations. Corentin s'en arrachait les cheveux, et fit pression sur Gradlon pour qu'on y construisît au moins une cathédrale. Celui-ci s'exécuta malgré la colère et les reproches de sa fille... Mais las ! La plus grande cathédrale du royaume était aussi la plus désertée. Et ce malgré les efforts de Saint Gwénolé, qui à force de miracles ne parvint pourtant jamais à remplir la cathédrale plus d'une journée. Il avertit que la patience de Dieu était à bout, mais la population n'en avait cure. Il tenta de convaincre Gradlon d'agir, mais avec l'âge le roi était devenu bien faible.
Cependant la notoriété de la cité s'étendait désormais à tous les royaumes du continent, et chaque jour c'était nombre de princes et de représentants qui arrivaient pour rendre leurs hommages à la belle Dahut. Et celle-ci les recevait bien mieux qu'on ne se l'imagine... Elle organisait chaque soir de grands banquets, puis choisissait dans le lot un amant pour passer la nuit. Ses serviteurs lui remettaient un masque pour que l'élu ne soit pas reconnu quand il irait rejoindre la princesse. Or le masque était ensorcelé, et l'aube pointant, il étranglait le malheureux qui le portait. Alors un homme habillé en noir, aux ordres de Dahut, allait jeter le corps au fond du gouffre du Huelgoat, en offrande à la mer.
Or un soir, c'est un prince magnifique, grand, barbu, vêtu de rouge et à l'oeil de feu, qui prétendait arriver des extrémités de la Terre, qui arriva à la cour de la cité d'Ys. Il résista aux attaques de la princesse, et tel est pris qui croyait prendre, ce fut elle qui tomba irrémédiablement sous son charme. L'étranger eut dès lors une très grande influence sur elle, et il ne fut plus rien qu'elle ne fît sans son assentiment. Il était la perversité incarnée, en qui Dahut avait trouvé son maître. Et la situation dans Ys devint pire que jamais.
Il faut savoir que la ville d'Ys avait été bâtie contre les flots, et ce qui empêchait que la mer s'y engouffrât et la submergeât, c'était un ingénieux système d'écluses, que nul ne pouvait ouvrir sans en posséder les clefs. Or les clefs, c'était Gradlon qui les avait toujours autour de son cou... Et l'étranger réclama à Dahut les clefs de la ville. Sous son emprise, celle-ci lui obéit et alla les dérober à son père durant son sommeil. Alors l'étranger se découvrit sous son vrai visage : celui du Diable. Avant que Dahut n'ait eu le temps de faire quoi que ce soit, il disparut et toutes les portes des écluses furent ouvertes, et dans un tulmute effrayant l'Océan envahit la Cité.
Réveillé par Saint Gwénolé qui lui était venu en apparition, Gradlon entreprit de se sauver. Il enjamba son cheval Morvac'h qui partit au galop, guidé par le saint homme. Alors le roi aperçut sa fille, qui l'appelait et l'implorait. Il avait toujours été un (trop) bon père, aussi il la prit en croupe. Mais Morvac'h, qui portait désormais sur lui le poids du Mal, s'en trouva ralentit, et les flots gagnaient en distance. Saint Gwénolé ordonna au roi de jeter le démon qui était assis derrière lui, mais il ne le pouvait... C'était sa fille, quand même ! Alors Gwénolé la poussa de sa crosse et Dahut bascula dans les flots pour y disparaître. Alors l'Océan s'apaisa. Mais de la cité, il ne restait plus rien de visible.
Toutefois, Dahut n'est pas morte pour autant. Elle est devenue sirène et se nomme désormais Morgane. Quant aux habitants de la cité, leurs âmes n'ont pu être sauvées, ils restent maudits et condamnés à errer dans la ville sous-marine dévastée. Pour qu'elles soient sauvées, il faut qu'un vivant accepte de descendre dans la cathédrale engloutie et de répondre à la messe du prêtre des revenants. Si un jour vous allez à Douarnenez, le jour de la grande marée au mois de mars, regardez au large de la baie : quand la mer sera au plus bas, vous verrez surgir hors des flots la croix du clocher de la cathédrale, ultime vestige de la cité à être encore visible une fois par an.
Ver ainda.
Il faut que je vous raconte la chose la plus secrète, la plus merveilleuse, la plus incroyable, la plus singulière, la plus miraculeuse… Une chose dont on ne trouve aucun exemple dans les siècles passés. On dit que Sa Majesté Louis Dieudonné [XIV], dont le sacre fût donné le septième de Juin, s'est vu confier le secret d'une cathédrale engloutie dans un marais de Picardie.
L'évènement eut lieu après la cérémonie. Monsieur de Soissons aurait remis au Roi, pénétré de dévotion, le document qui donne l'emplacement de ce mystérieux monument, bâti aux frontières du royaume de France et conçu en exacte réplique de la cathédrale de Laon !
Mais la rumeur la plus étonnante est que cette cathédrale, élevée dans une vallée puis dissimulée par la volonté de ses bâtisseurs, abriterait une Sainte Relique. Sa Majesté Très Chrétienne en aurait reçu la révélation en gage de la grandeur et de la magnificence à laquelle son règne doit porter notre pays.
Contez tout cela à notre duchesse de Chaulnes, je vous en serai la plus sensiblement obligée.
Je prie que la Providence, qui a mis tant d'espaces et tant d'absences entre nous, me console par la satisfaction de vous retrouver bientôt.
A ma très bonne et très belle.
Votre mère, Madame de Sévigné.
Ys, la cité engloutie
La légende de la ville d'Ys est un des plus vieux mythes de la Bretagne, il remonte à une époque où le christianisme n'était pas encore venu à bout du paganisme. Oyez l'histoire du roi Gradlon, de sa fille Dahut, et de l'orgueilleuse cité qui fut maudite puis engloutie.
En des temps fort reculés, régnait sur le royaume de Cornouailles le roi Gradlon-Meur (Gradlon le Grand). Dans sa jeunesse, il s'était surtout fait remarqué par ses nombreuses conquêtes guerrières, qui lui avaient valu gloire et puissance. Et c'est lors d'une guerre contre les pays nordiques qu'il rencontra une belle princesse scandinave, qui passait pour être un peu sorcière, mais qu'il résolut de prendre pour femme. Celle-ci lui offrit un cheval, nommé Morvac'h, d'un noir flamboyant et au regard de braise, qui n'avait pas son égal sur toute la Terre. Après avoir séjourné quelques temps dans le Nord, le roi décida de rejoindre son royaume de Cornouailles. Mais sa femme accoucha d'une petite fille durant le voyage, et en mourut. L'enfant née sur les eaux fut appelée Dahut, et elle devint fille de la mer, car celle-ci avait marqué son empreinte définitive sur elle.
De retour en Cornouailles, Gradlon entreprit un long deuil, et tout l'amour qu'il avait eu pour sa femme, il le prodigua à sa fille. Dans un même temps, il commença un règne pacificateur où il fut davantage occupé à répondre aux besoins de ses sujets. Sa rencontre avec un ermite dans une forêt le fit convertir au christianisme, et partout dans le pays s'élevèrent églises et cathédrales. A celle de Quimper, il nomma Saint Corentin, homme de bon conseil, qui l'assista dans son règne pieux. Il voyait dans l'évêque un modèle, en fait sa seule source d'inquiétude était que sa fille Dahut refusait tous les enseignements religieux. Aux discours des prêtres, elle préférait ceux de l'Océan, avec qui elle allait souvent dialoguer. Mais Gradlon aimait trop sa fille pour lui en tenir rigueur, ce que Corentin ne manquait pas de lui reprocher.
Le temps passant, Dahut devint une jeune femme incroyablement belle, mais chaque jour plus insouciante, provocante et orgueilleuse. Mais dans cette contrée devenue chrétienne, elle s'ennuyait terriblement et avait de plus en plus la religion en horreur. Un jour elle n'y tint plus, et elle demanda à son père qu'il lui construisît sa cité à elle, une cité où nul prêtre ne pourrait pénétrer et où seuls les plaisirs régneraient. Gradlon résista d'abord, puis il faiblit, et malgré les avertissements de Corentin, finit par céder. Il fit construire secrètement la cité, à l'emplacement même où Dahut avait l'habitude d'aller jouer quand elle était petite. Et un jour il emmena sa fille sur la grève de son enfance, et celle-ci découvrit éberluée une magnifique cité blanche, la plus belle qui pouvait se trouver de part le monde. Ainsi naquit la ville d'Ys, où Gradlon et Dahut s'établirent désormais.
Hélas, dans la cité les sept péchés capitaux régnaient en maître, tout n'était que débauche. Les commerçants s'enrichissaient honteusement en attaquant les navires marchands des autres nations. Corentin s'en arrachait les cheveux, et fit pression sur Gradlon pour qu'on y construisît au moins une cathédrale. Celui-ci s'exécuta malgré la colère et les reproches de sa fille... Mais las ! La plus grande cathédrale du royaume était aussi la plus désertée. Et ce malgré les efforts de Saint Gwénolé, qui à force de miracles ne parvint pourtant jamais à remplir la cathédrale plus d'une journée. Il avertit que la patience de Dieu était à bout, mais la population n'en avait cure. Il tenta de convaincre Gradlon d'agir, mais avec l'âge le roi était devenu bien faible.
Cependant la notoriété de la cité s'étendait désormais à tous les royaumes du continent, et chaque jour c'était nombre de princes et de représentants qui arrivaient pour rendre leurs hommages à la belle Dahut. Et celle-ci les recevait bien mieux qu'on ne se l'imagine... Elle organisait chaque soir de grands banquets, puis choisissait dans le lot un amant pour passer la nuit. Ses serviteurs lui remettaient un masque pour que l'élu ne soit pas reconnu quand il irait rejoindre la princesse. Or le masque était ensorcelé, et l'aube pointant, il étranglait le malheureux qui le portait. Alors un homme habillé en noir, aux ordres de Dahut, allait jeter le corps au fond du gouffre du Huelgoat, en offrande à la mer.
Or un soir, c'est un prince magnifique, grand, barbu, vêtu de rouge et à l'oeil de feu, qui prétendait arriver des extrémités de la Terre, qui arriva à la cour de la cité d'Ys. Il résista aux attaques de la princesse, et tel est pris qui croyait prendre, ce fut elle qui tomba irrémédiablement sous son charme. L'étranger eut dès lors une très grande influence sur elle, et il ne fut plus rien qu'elle ne fît sans son assentiment. Il était la perversité incarnée, en qui Dahut avait trouvé son maître. Et la situation dans Ys devint pire que jamais.
Il faut savoir que la ville d'Ys avait été bâtie contre les flots, et ce qui empêchait que la mer s'y engouffrât et la submergeât, c'était un ingénieux système d'écluses, que nul ne pouvait ouvrir sans en posséder les clefs. Or les clefs, c'était Gradlon qui les avait toujours autour de son cou... Et l'étranger réclama à Dahut les clefs de la ville. Sous son emprise, celle-ci lui obéit et alla les dérober à son père durant son sommeil. Alors l'étranger se découvrit sous son vrai visage : celui du Diable. Avant que Dahut n'ait eu le temps de faire quoi que ce soit, il disparut et toutes les portes des écluses furent ouvertes, et dans un tulmute effrayant l'Océan envahit la Cité.
Réveillé par Saint Gwénolé qui lui était venu en apparition, Gradlon entreprit de se sauver. Il enjamba son cheval Morvac'h qui partit au galop, guidé par le saint homme. Alors le roi aperçut sa fille, qui l'appelait et l'implorait. Il avait toujours été un (trop) bon père, aussi il la prit en croupe. Mais Morvac'h, qui portait désormais sur lui le poids du Mal, s'en trouva ralentit, et les flots gagnaient en distance. Saint Gwénolé ordonna au roi de jeter le démon qui était assis derrière lui, mais il ne le pouvait... C'était sa fille, quand même ! Alors Gwénolé la poussa de sa crosse et Dahut bascula dans les flots pour y disparaître. Alors l'Océan s'apaisa. Mais de la cité, il ne restait plus rien de visible.
Toutefois, Dahut n'est pas morte pour autant. Elle est devenue sirène et se nomme désormais Morgane. Quant aux habitants de la cité, leurs âmes n'ont pu être sauvées, ils restent maudits et condamnés à errer dans la ville sous-marine dévastée. Pour qu'elles soient sauvées, il faut qu'un vivant accepte de descendre dans la cathédrale engloutie et de répondre à la messe du prêtre des revenants. Si un jour vous allez à Douarnenez, le jour de la grande marée au mois de mars, regardez au large de la baie : quand la mer sera au plus bas, vous verrez surgir hors des flots la croix du clocher de la cathédrale, ultime vestige de la cité à être encore visible une fois par an.
Ver ainda.
24.5.06
Great Britain 6
Noticiário da manhã na BBC, Radio 4, National News: Abriu hoje o Chelsea Flower Show, uma exposição anual de flores que faz as delícias de tantos londrinos que ponho logo de parte a hipótese de tentar um bilhete de última hora.
Uma das regras da exposição que mais tem sido contestada por alegado snobismo e elitismo é a de que “gnomes are not allowed”.
O entrevistador curioso pergunta ao organizador do festival: e as fadas também estão proibidas? Responde o organizador: if we would ban fairies, then half of the exhibitors wouldn’t be allowed.
Bem vindo
Ao arrastão do Daniel Oliveira, começava a fazer-se sentir agudamente a falta de um dos blogers mais determinados da Blogosfera portuguesa.
23.5.06
Agradecimentos
Ao
Carlos do Ideias Soltas, ao Mano das petas, ao Francisco, ao Luís Carmelo, aos blasfemos e ao António (cujo Vila Dianteira é um dos blogues da primeira linha) pela lembrança dos três anos. Um bem haja e um muito obrigado.
Carlos do Ideias Soltas, ao Mano das petas, ao Francisco, ao Luís Carmelo, aos blasfemos e ao António (cujo Vila Dianteira é um dos blogues da primeira linha) pela lembrança dos três anos. Um bem haja e um muito obrigado.
A British Library com cerca de 150 milhões de itens, entre os quais bibliografia sobre escritores em língua portuguesa com uma abundância que não encontro na Biblioteca Nacional, começou por estar instalada no British Museum e mudou-se há uns anos para um edifício moderno com falta de luz natural em King’s Cross.
O propósito era o de ganhar espaço, mas deparou-se com inesperadas dificuldades.
Nem todos os livros couberam no edifício e por vezes o leitor tem que esperar 2 a 3 dias para que o livro chegue de um dos armazéns que servem a biblioteca. E os livros emprateleirados num pararelipípedo/torre transparente no centro do edifício- called “The King’s Library”, colecção particular do Rei George III (que reinou de 1760-1820), com um acervo de obras importantes sobre o Iluminismo, são apenas um objecto decorativo, indisponível para consulta.
Existem três espaços destinados a exposições, todas gratuitas. Um espaço aberto- no hall de entrada a confinar com o bar-onde exposições pequenas alternam com regularidade, cada 2,3 meses, dedicadas por exemplo a: Elizabeth Barrett Browning, design e Benjamin Franklin.
Um espaço maior e fechado, onde já esteve uma exposição sobre prémios nobeis e está por abrir “Front Page” a celebrar os 100 anos de imprensa no U.K (1906-2006). Uma galeria: Sir John Ritblat Gallery.
A B.L não tem problemas de dinheiro, how to spend it is the main concern: de vez em quando, mais uns quantos pc’s no hall de entrada porque as salas de leitura já têm que chegue, mais umas quantas cadeiras e mesas ergonómicas para quem queira usar os computadores fora das salas de leitura, mais uns quantos placards a alertar para os reading rooms requirements, concertos de música clássica no hall principal, cocktails oferecidos aos beneméritos da casa e, claro, conferências a toda a hora sobre ciência, arte e literatura, booked up.
A B.L vai buscar os seus fundos aos lucros dos jogos de lotaria geridos pelo governo, aos quais se podem candidatar organizações públicas ou privadas que sirvam o interesse público, sobretudo no âmbito cultural.
Os bairros da cidade candidatam-se às mesmas verbas para, por exemplo, melhorarem o aspecto visual de praças, restaurarem espaços públicos ou apenas encherem de flores os canteiros dos jardins, a cada nova estação.
clara
Encenação
Uma encenação que dá uma leitura enviesada de um drama à luz de princípios ideológicos professados pelo encenador é pobre. Ao interpretar de forma redutora uma obra reduz-se a sua riqueza simbólica.
Ao tentar dar uma visão nova e pessoal da obra de um autor genial não se estará a substituir o conceito original por uma contrafacção de pacotilha? Eu não quero saber do génio de um encenador para nada, o encenador como pensador interessa-me, à partida, muito pouco, eu quero é ver e escutar a obra original restituída à vida pelo encenador.
É evidente que existe uma ténue fronteira, nessa recriação, entre uma encenação perfeita, que terá sempre de ser transgressora, e uma adulteração e reinterpretação abusiva da obra original.
É nessa ténue fronteira que o génio dos grandes encenadores se manifesta...
<>
Li ainda na Pública de domingo que as dezoito bigornas em "O Ouro do Reno" serão tocadas por seis percussionistas! Será que teremos o privilégio de ver uma orquestra de percussão constituída por polvos?
Ao tentar dar uma visão nova e pessoal da obra de um autor genial não se estará a substituir o conceito original por uma contrafacção de pacotilha? Eu não quero saber do génio de um encenador para nada, o encenador como pensador interessa-me, à partida, muito pouco, eu quero é ver e escutar a obra original restituída à vida pelo encenador.
É evidente que existe uma ténue fronteira, nessa recriação, entre uma encenação perfeita, que terá sempre de ser transgressora, e uma adulteração e reinterpretação abusiva da obra original.
É nessa ténue fronteira que o génio dos grandes encenadores se manifesta...
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Li ainda na Pública de domingo que as dezoito bigornas em "O Ouro do Reno" serão tocadas por seis percussionistas! Será que teremos o privilégio de ver uma orquestra de percussão constituída por polvos?
The Artist and the Audience
Graham Vick, encenador do próximo Ring de Wagner, explica as suas ideias sobre ópera e público de ópera, publico o texto no final deste post. Versão original encontrada em Opera Europa.
Após a leitura deste texto concluo que Vick continua na fase de jovem Siegfried, continua absolutamente utópico, o que não será mau, mas que ainda não entendeu a essência do fenómeno wagneriano. Wagner deixou ser socialista e utópico depois de 1849, para em 1854 vir a ser pessimista e schopenhauriano. Graham Vick não passou do Feuerbach e do Bakunine. O público que Wagner desejou já existe, basta ir Munique, na semana antes do dia 31 de Julho, ou a Bayreuth, onde apesar dos fatos escuros, toda gente sabe ao que vai e como vai. A classe média alemã está extremamente informada e preparada, encara uma ida à ópera de forma como não tenho visto em mais lugar nenhum do mundo, para mal dos pecados ingleses de Vick.
Querer um público de ignorantes na ópera a assistir a Wagner, e a gostar, é mesmo um absurdo que contraria totalmente as ideias do próprio Wagner. Wagner queria formar uma elite que rejeita a ópera convencional, fácil e acessível aos sentidos simples e pouco educados dos burgueses de então (baseada nos modelos italiano e francês), elite que seria formada democraticamente a partir de quem quisesse tomar parte mas que implicaria estudo, empenho, preparação. Um primeiro contacto poderá ser um impacto violento mas nada supera o impacto da meditação e da compreensão total do que o compositor quer dizer, pelo menos em Wagner. Como entender o Ring sem conhecer os motivos condutores, a profundidade do drama, as histórias que decorrem entre os sucessivos passos aparentes do drama? Atirar um ignorante para um teatro de ópera para que este se torne por iluminação um membro do "novo público democrático" é de um absurdo utópico confrangedor.
Querer criar um público que é uma amostra fiel da população, em termos sociais, volta a ser um absurdo, por várias razões: porque a maioria da população não tem o menor interesse na ópera; porque, basicamente, o ser humano não está disponível para mudar de hábitos (Schopenhauer de novo); porque a ópera infelizmente é cara; porque não é tratando os ignorante e analfabetos e excluídos como... ignorantes e analfabetos e excluídos, que estes se tornarão apreciadores da grande arte. Não é com paternalismos fáceis que se combate a exclusão social que começa na escola, na sociedade, nos bairros pobres de Birmingham ou do Porto. Podem ser experiências interessantes para todos. Graham Vick fica de consciência tranquila e pode regressar às grandes salas, às jantaradas com artistas, aos círculos que frequenta que já se purgou da sua má consciência social e salvou os desgraçados de Birmingham ou do Porto dando-lhe umas sessões de ópera e da grande arte antes de morrerem! Não será demasiada maldade mostrar-lhes um mundo ao qual eles continuaram alheios e que continuará a ser inacessível?
Afinal onde é que se mudou a sociedade e se criou um público novo? Muito bonito mas totalmente inconsequente. O trabalho de base é muito mais difícil e um socialista utópico primitivo apesar das boas intenções é apenas isso, alguém num estágio primário. Alguém que não aprendeu com as desgraças do mundo. É bonito? Creio que sim, até aos trinta anos, depois torna-se deplorável. Siegfried tem de morrer jovem, Wotan ainda triunfa apesar do crepúsculo...
Salvam-se as encenações notáveis de Vick que, de per se, constituem objectos artísticos, como por exemplo o citado Wozzeck ou o Werther no S. Carlos, Vick apesar do utopismo inconsequente, em termos de ideologia, é um fino conhecedor dos mecanismos psicológicos dos personagens e dos mecanismos das óperas que encena. Veremos.
This is an abridged transcription of the Keynote address delivered by Graham Vick at the Valencia conference.
Opera’s first Education Department was set up by Scottish Opera in 1971, and it included me. There hasn’t been a year since when I haven’t devoted a minimum of two months a year to this kind of work. In that long time, throughout all the performances I’ve been to, in the 34 European opera houses in which I’ve directed, I would say there has been a minimal change, if any at all, in the audiences. So let’s start with that rather disappointing fact, particularly disappointing when we consider in the past 30 years how radically everything has changed around us. We are shockingly slow to shift. We are stubborn and self-referential, and part of the problem is the daily fight for survival. We focus not on the survival of the art form, but on the survival of the institution, of the profession. Well, I’m not interested in the wellbeing of the profession; I’m concerned in the wellbeing of opera. That’s my priority.
What does that mean? A performance of opera in itself is nothing without its audience. So the audience is where we need to start, because they are 50% of the operatic performance. The essential dialogue includes them. I suppose my ideal opera audience is one that demographically represents the life of the community in which it’s rooted. The birth of opera came from a desire to recreate the imagined experience of Ancient Greek drama. What we know of Ancient Greek drama is a simple shared space, the entire community in one seat price, you might say, no scenery, simple human beings, orchestra, what we now call the chorus joining audience and action, written to be part of the action and to relate directly to the audience, to break down that central area between drama and audience, performed in the daylight. Festival day, the whole town comes together, shares a space, shares the light. Receives the experience. We know little beyond that, but we do know that. We also know they wore masks. Arrive at the birth of opera, and in the place of the mask, we sing. But the frustration which led to the birth of opera is also very important to bear in mind. It was that spoken drama did not seem to be carrying artists and audience as far as they wanted to go. Opera was born out of the inadequacy of the spoken theatre. Drama in opera is not drama in theatre; that is second-rate drama. Drama in opera is first-rate drama. A lot of the work done in terms of education is done via theatre, proving that opera can be as good as theatre, that opera can be just as good as cinema. This of course is nonsense; it is simply much better.
The Greeks had a sense of the sacred, of the spiritual importance of the event. Not enough to entertain, but to deal with crucial important issues that related to everybody attending the event. This is the minimum that we should ask of our art form. To honour its history, to honour its birth, and to honour the enormous amount of public money that comes our way, money that comes from everybody’s pocket. That means that it must be accessible for everybody. But sometimes there appears to be a conspiracy against the audiences. We invent the word Education to make sure that everybody realises that, in order to enjoy and respond to a work of art, you have to be educated. Before we’ve even begun, we put a barrier down. A great performance speaks to everybody. You don’t need to learn, you don’t need to understand, have things explained to you beforehand, to receive what T.S. Eliot called ‘the direct shock of poetic intensity’. We’re giving out the wrong signal before we begin. We’re also very conveniently offering funding bodies and sponsors an opportunity for ‘feel-good’ social boxes to be ticked. It’s a way of short-circuiting the reality of the work.
In medicine, we’ve moved towards the holistic ideal. When I was 22, I would never go close a homeopath, and now that is all I will see. And I’ve learned much from this experience.
If you put at the heart of an opera company the desire to serve the art form, and genuinely make it available and invite in the complete cross-section of society, then everything that company does comes somehow or other under the heading Education. The work itself, the philosophy at the centre of the theatre must dictate the philosophy, the working methods and the attitude of every aspect of the theatre. An Education Department cannot function successfully within a bigger organisation unless there is at the heart of that organisation a faith, a belief, an attitude which it is perpetuating.
I am here with you today because I’m an artist. Much of the responsibility rests with us. We must lead, we must learn to initiate. We must learn to have a broader sense of our own responsibilities. The word ‘internationalism’ is a trap. The good side of internationalism is the communication, the sharing, the lowering of barriers. The bad side of internationalism is to create a world within a world, where everything becomes self-referential, comparative, where one’s programmes, one’s works are seen in relation to that of another opera house, of somebody else, where the whole thing becomes inward-looking. My ideal is one where the theatre’s roots are in its community, in its world. And that also requires the artists having their feet in the real world, and not merely opera house – taxi – airplane – taxi – opera house.
I was once asked by an Italian interviewer: ‘How do you define talent?’ My answer was ‘The ability to communicate, and having something to say’. All the young artists’ programmes which I’ve been involved with put 100% of their effort and emphasis on technique, on the ability-to-communicate side of that equation. I have yet to see a young artists’ programme that develops the necessity of having something to say. But that’s what separates the ordinary working person from the artist. It’s what inspires artistic ambition. It’s what makes someone worth listening to. With that quality, you can go into any arena and speak. People will listen if you have something to say. People won’t listen if you just talk. But the other skill to be taught in these programmes, throughout an opera house, to every audience and every sponsor, the skill we are in danger of losing, and the biggest threat to our own art form, is listening. It’s the only door you need to open: how to listen. But I would say 9 out 10 performances of operas I go to involve most of the singers on stage not listening. Faking it really well. An absolutely standard thing, during the process of directing, is to make sure people are listening. The catastrophe of the surtitle is to dull down the ear. While you’re mind is reading, it’s only partially responding to sound. It will be no surprise that I think opera should be performed in the language of the audience. I love directing operas in their original language, it has a place, so I’m not 100%. But its disappearance from many theatres who used to have this tradition is one of the prices of internationalism. It leads to a lack of independent voice, a following of fashion, a fear of being thought second-rate, of image of projection. Perception is the killer of our age and of our art form. What has come to matter now is what we appear to be. Do we seem to be successful? We’ve lost any sense of the absolute, of the thing itself.
For years now, I’ve run a small operation in Birmingham which originally I founded to tour the country, taking performances of opera around places which had no experience of live opera. One of the projects was a version of Wagner’s Ring in 2 evenings, 5 hours each evening, an orchestra of 18 and 12 singers. After 10 years, it became clear to me that the company was very successful, but you would go to some primary school in a deprived area of Birmingham, and see the car park filled with BMWs. Because people are smart about these things, they know how to get to what is fashionable. So I stopped the operation and reformed it. And what I am doing at the moment is a very simple, complicated thing, but it is holistic. The first project was Wozzeck. Social, political issues were absolutely clear and palpable; human concerns powerfully familiar; and for Birmingham, an urban piece. How was I going to get the audience I want to come to the opera? Birmingham has just turned the point when over 50% of people under-16 is non-white. That means that within 20 years the majority of people living in Birmingham will be non-white. How does one address that issue, if you’re looking for the demographic equivalence of the city? I decided that I would involve people in the performance itself. I would create a body of people, like the chorus in Ancient Greece, as a transmitter between performance and audience. I would use a professional orchestra, professional singers, high level work, but I would apply a conduit to the middle, and this conduit would be people who have never been to opera. And so I went out shopping for people for two years before the project, I spent evening and weekends going around the city, to various programmes, young offender programmes, probation programmes, gay men activists, none of them theatre groups, and talking about what I wanted to do as an experiment. I ended up with a group of 60 people who all wanted to give a lot of time, and 10 individual existing groups, who felt that their identities were strong, and therefore they would like their group to contribute as a group. So I planned an event in which each of these groups had one of the interludes as their own piece of ownership. All of these people I’d invited in bring with them an audience. Suddenly I have a whole filter into the city not available to me before. The audience that arrives for these performances was unlike any audience I’ve any seen at an opera. We sold out all the tickets.
Fidelio came the second year, which was even more moving as an experience, and in which I was theatrically braver. In many ways the substance of Wozzeck is more familiar to the people living on the streets in Birmingham than to an audience in Covent Garden. The territory of the piece is closer to them. Fidelio is tougher to crack, and yet the chains of the soul are something everybody understands. Everybody understands a cry in the darkness. Everybody understands the fragility of the flame of hope. These are issues you can talk to anybody about. But Fidelio in this context reveals itself not to be the story of a magnificent heroic dramatic soprano with high cheek bones. It’s the story of Mrs Florestan, and within this context you completely see, and question in a way that you never do, this housewife who finds her identity through a crisis. This story that begins in such an ordinary way and develops into an extraordinary myth, is something available to everybody. Mrs Florestan finds herself acting in an extraordinary and magnificent way, only at the end to be called Mrs Florestan. Florestan cries from the depth of the darkness and does nothing. This is exciting stuff to encounter with innocent people - innocent but not ignorant.
When I did Fidelio, the first scene I thought I’d try out was the second act quartet. This went very badly, because everybody found it too bombastic and melodramatic. Realising this, I tried the quartet of the first act: a canon, a pure musical substance, four people singing their own thoughts at the same time. This enraptured everyone, so close to everyone’s receptivity and sensibility. It’s for this one reason that I’m now doing Ulysse. Because I feel culturally that we’re moving further and further away from the 19th century, which theoretically forms the centre of the repertoire. But that in terms of sensibility, the 16th, the 17th and the 18th centuries are much closer to our own sense of sophistication, our own lack of belief in absolutism, our rejection of romantic love, of imperialism, expansionism often called patriotism. So many things of the 19th century are moving further away from us, that I think we have to look elsewhere to consider where the centre in the future is.
Graham Vick
Após a leitura deste texto concluo que Vick continua na fase de jovem Siegfried, continua absolutamente utópico, o que não será mau, mas que ainda não entendeu a essência do fenómeno wagneriano. Wagner deixou ser socialista e utópico depois de 1849, para em 1854 vir a ser pessimista e schopenhauriano. Graham Vick não passou do Feuerbach e do Bakunine. O público que Wagner desejou já existe, basta ir Munique, na semana antes do dia 31 de Julho, ou a Bayreuth, onde apesar dos fatos escuros, toda gente sabe ao que vai e como vai. A classe média alemã está extremamente informada e preparada, encara uma ida à ópera de forma como não tenho visto em mais lugar nenhum do mundo, para mal dos pecados ingleses de Vick.
Querer um público de ignorantes na ópera a assistir a Wagner, e a gostar, é mesmo um absurdo que contraria totalmente as ideias do próprio Wagner. Wagner queria formar uma elite que rejeita a ópera convencional, fácil e acessível aos sentidos simples e pouco educados dos burgueses de então (baseada nos modelos italiano e francês), elite que seria formada democraticamente a partir de quem quisesse tomar parte mas que implicaria estudo, empenho, preparação. Um primeiro contacto poderá ser um impacto violento mas nada supera o impacto da meditação e da compreensão total do que o compositor quer dizer, pelo menos em Wagner. Como entender o Ring sem conhecer os motivos condutores, a profundidade do drama, as histórias que decorrem entre os sucessivos passos aparentes do drama? Atirar um ignorante para um teatro de ópera para que este se torne por iluminação um membro do "novo público democrático" é de um absurdo utópico confrangedor.
Querer criar um público que é uma amostra fiel da população, em termos sociais, volta a ser um absurdo, por várias razões: porque a maioria da população não tem o menor interesse na ópera; porque, basicamente, o ser humano não está disponível para mudar de hábitos (Schopenhauer de novo); porque a ópera infelizmente é cara; porque não é tratando os ignorante e analfabetos e excluídos como... ignorantes e analfabetos e excluídos, que estes se tornarão apreciadores da grande arte. Não é com paternalismos fáceis que se combate a exclusão social que começa na escola, na sociedade, nos bairros pobres de Birmingham ou do Porto. Podem ser experiências interessantes para todos. Graham Vick fica de consciência tranquila e pode regressar às grandes salas, às jantaradas com artistas, aos círculos que frequenta que já se purgou da sua má consciência social e salvou os desgraçados de Birmingham ou do Porto dando-lhe umas sessões de ópera e da grande arte antes de morrerem! Não será demasiada maldade mostrar-lhes um mundo ao qual eles continuaram alheios e que continuará a ser inacessível?
Afinal onde é que se mudou a sociedade e se criou um público novo? Muito bonito mas totalmente inconsequente. O trabalho de base é muito mais difícil e um socialista utópico primitivo apesar das boas intenções é apenas isso, alguém num estágio primário. Alguém que não aprendeu com as desgraças do mundo. É bonito? Creio que sim, até aos trinta anos, depois torna-se deplorável. Siegfried tem de morrer jovem, Wotan ainda triunfa apesar do crepúsculo...
Salvam-se as encenações notáveis de Vick que, de per se, constituem objectos artísticos, como por exemplo o citado Wozzeck ou o Werther no S. Carlos, Vick apesar do utopismo inconsequente, em termos de ideologia, é um fino conhecedor dos mecanismos psicológicos dos personagens e dos mecanismos das óperas que encena. Veremos.
This is an abridged transcription of the Keynote address delivered by Graham Vick at the Valencia conference.
Opera’s first Education Department was set up by Scottish Opera in 1971, and it included me. There hasn’t been a year since when I haven’t devoted a minimum of two months a year to this kind of work. In that long time, throughout all the performances I’ve been to, in the 34 European opera houses in which I’ve directed, I would say there has been a minimal change, if any at all, in the audiences. So let’s start with that rather disappointing fact, particularly disappointing when we consider in the past 30 years how radically everything has changed around us. We are shockingly slow to shift. We are stubborn and self-referential, and part of the problem is the daily fight for survival. We focus not on the survival of the art form, but on the survival of the institution, of the profession. Well, I’m not interested in the wellbeing of the profession; I’m concerned in the wellbeing of opera. That’s my priority.
What does that mean? A performance of opera in itself is nothing without its audience. So the audience is where we need to start, because they are 50% of the operatic performance. The essential dialogue includes them. I suppose my ideal opera audience is one that demographically represents the life of the community in which it’s rooted. The birth of opera came from a desire to recreate the imagined experience of Ancient Greek drama. What we know of Ancient Greek drama is a simple shared space, the entire community in one seat price, you might say, no scenery, simple human beings, orchestra, what we now call the chorus joining audience and action, written to be part of the action and to relate directly to the audience, to break down that central area between drama and audience, performed in the daylight. Festival day, the whole town comes together, shares a space, shares the light. Receives the experience. We know little beyond that, but we do know that. We also know they wore masks. Arrive at the birth of opera, and in the place of the mask, we sing. But the frustration which led to the birth of opera is also very important to bear in mind. It was that spoken drama did not seem to be carrying artists and audience as far as they wanted to go. Opera was born out of the inadequacy of the spoken theatre. Drama in opera is not drama in theatre; that is second-rate drama. Drama in opera is first-rate drama. A lot of the work done in terms of education is done via theatre, proving that opera can be as good as theatre, that opera can be just as good as cinema. This of course is nonsense; it is simply much better.
The Greeks had a sense of the sacred, of the spiritual importance of the event. Not enough to entertain, but to deal with crucial important issues that related to everybody attending the event. This is the minimum that we should ask of our art form. To honour its history, to honour its birth, and to honour the enormous amount of public money that comes our way, money that comes from everybody’s pocket. That means that it must be accessible for everybody. But sometimes there appears to be a conspiracy against the audiences. We invent the word Education to make sure that everybody realises that, in order to enjoy and respond to a work of art, you have to be educated. Before we’ve even begun, we put a barrier down. A great performance speaks to everybody. You don’t need to learn, you don’t need to understand, have things explained to you beforehand, to receive what T.S. Eliot called ‘the direct shock of poetic intensity’. We’re giving out the wrong signal before we begin. We’re also very conveniently offering funding bodies and sponsors an opportunity for ‘feel-good’ social boxes to be ticked. It’s a way of short-circuiting the reality of the work.
In medicine, we’ve moved towards the holistic ideal. When I was 22, I would never go close a homeopath, and now that is all I will see. And I’ve learned much from this experience.
If you put at the heart of an opera company the desire to serve the art form, and genuinely make it available and invite in the complete cross-section of society, then everything that company does comes somehow or other under the heading Education. The work itself, the philosophy at the centre of the theatre must dictate the philosophy, the working methods and the attitude of every aspect of the theatre. An Education Department cannot function successfully within a bigger organisation unless there is at the heart of that organisation a faith, a belief, an attitude which it is perpetuating.
I am here with you today because I’m an artist. Much of the responsibility rests with us. We must lead, we must learn to initiate. We must learn to have a broader sense of our own responsibilities. The word ‘internationalism’ is a trap. The good side of internationalism is the communication, the sharing, the lowering of barriers. The bad side of internationalism is to create a world within a world, where everything becomes self-referential, comparative, where one’s programmes, one’s works are seen in relation to that of another opera house, of somebody else, where the whole thing becomes inward-looking. My ideal is one where the theatre’s roots are in its community, in its world. And that also requires the artists having their feet in the real world, and not merely opera house – taxi – airplane – taxi – opera house.
I was once asked by an Italian interviewer: ‘How do you define talent?’ My answer was ‘The ability to communicate, and having something to say’. All the young artists’ programmes which I’ve been involved with put 100% of their effort and emphasis on technique, on the ability-to-communicate side of that equation. I have yet to see a young artists’ programme that develops the necessity of having something to say. But that’s what separates the ordinary working person from the artist. It’s what inspires artistic ambition. It’s what makes someone worth listening to. With that quality, you can go into any arena and speak. People will listen if you have something to say. People won’t listen if you just talk. But the other skill to be taught in these programmes, throughout an opera house, to every audience and every sponsor, the skill we are in danger of losing, and the biggest threat to our own art form, is listening. It’s the only door you need to open: how to listen. But I would say 9 out 10 performances of operas I go to involve most of the singers on stage not listening. Faking it really well. An absolutely standard thing, during the process of directing, is to make sure people are listening. The catastrophe of the surtitle is to dull down the ear. While you’re mind is reading, it’s only partially responding to sound. It will be no surprise that I think opera should be performed in the language of the audience. I love directing operas in their original language, it has a place, so I’m not 100%. But its disappearance from many theatres who used to have this tradition is one of the prices of internationalism. It leads to a lack of independent voice, a following of fashion, a fear of being thought second-rate, of image of projection. Perception is the killer of our age and of our art form. What has come to matter now is what we appear to be. Do we seem to be successful? We’ve lost any sense of the absolute, of the thing itself.
For years now, I’ve run a small operation in Birmingham which originally I founded to tour the country, taking performances of opera around places which had no experience of live opera. One of the projects was a version of Wagner’s Ring in 2 evenings, 5 hours each evening, an orchestra of 18 and 12 singers. After 10 years, it became clear to me that the company was very successful, but you would go to some primary school in a deprived area of Birmingham, and see the car park filled with BMWs. Because people are smart about these things, they know how to get to what is fashionable. So I stopped the operation and reformed it. And what I am doing at the moment is a very simple, complicated thing, but it is holistic. The first project was Wozzeck. Social, political issues were absolutely clear and palpable; human concerns powerfully familiar; and for Birmingham, an urban piece. How was I going to get the audience I want to come to the opera? Birmingham has just turned the point when over 50% of people under-16 is non-white. That means that within 20 years the majority of people living in Birmingham will be non-white. How does one address that issue, if you’re looking for the demographic equivalence of the city? I decided that I would involve people in the performance itself. I would create a body of people, like the chorus in Ancient Greece, as a transmitter between performance and audience. I would use a professional orchestra, professional singers, high level work, but I would apply a conduit to the middle, and this conduit would be people who have never been to opera. And so I went out shopping for people for two years before the project, I spent evening and weekends going around the city, to various programmes, young offender programmes, probation programmes, gay men activists, none of them theatre groups, and talking about what I wanted to do as an experiment. I ended up with a group of 60 people who all wanted to give a lot of time, and 10 individual existing groups, who felt that their identities were strong, and therefore they would like their group to contribute as a group. So I planned an event in which each of these groups had one of the interludes as their own piece of ownership. All of these people I’d invited in bring with them an audience. Suddenly I have a whole filter into the city not available to me before. The audience that arrives for these performances was unlike any audience I’ve any seen at an opera. We sold out all the tickets.
Fidelio came the second year, which was even more moving as an experience, and in which I was theatrically braver. In many ways the substance of Wozzeck is more familiar to the people living on the streets in Birmingham than to an audience in Covent Garden. The territory of the piece is closer to them. Fidelio is tougher to crack, and yet the chains of the soul are something everybody understands. Everybody understands a cry in the darkness. Everybody understands the fragility of the flame of hope. These are issues you can talk to anybody about. But Fidelio in this context reveals itself not to be the story of a magnificent heroic dramatic soprano with high cheek bones. It’s the story of Mrs Florestan, and within this context you completely see, and question in a way that you never do, this housewife who finds her identity through a crisis. This story that begins in such an ordinary way and develops into an extraordinary myth, is something available to everybody. Mrs Florestan finds herself acting in an extraordinary and magnificent way, only at the end to be called Mrs Florestan. Florestan cries from the depth of the darkness and does nothing. This is exciting stuff to encounter with innocent people - innocent but not ignorant.
When I did Fidelio, the first scene I thought I’d try out was the second act quartet. This went very badly, because everybody found it too bombastic and melodramatic. Realising this, I tried the quartet of the first act: a canon, a pure musical substance, four people singing their own thoughts at the same time. This enraptured everyone, so close to everyone’s receptivity and sensibility. It’s for this one reason that I’m now doing Ulysse. Because I feel culturally that we’re moving further and further away from the 19th century, which theoretically forms the centre of the repertoire. But that in terms of sensibility, the 16th, the 17th and the 18th centuries are much closer to our own sense of sophistication, our own lack of belief in absolutism, our rejection of romantic love, of imperialism, expansionism often called patriotism. So many things of the 19th century are moving further away from us, that I think we have to look elsewhere to consider where the centre in the future is.
Graham Vick
19.5.06
Great Britain 4
O coro da missa das cinco todos os domingos em King’s College.
Seguido de Scones and a proper cup of tea numa das tea houses de Cambridge.
clara
Seguido de Scones and a proper cup of tea numa das tea houses de Cambridge.
clara
Ouro do Reno
1843 - Wagner descobre Mitologia Alemã por Jokob Grimm.
1848 - Entre 4 e 20 de Outubro: O Mito dos Nibelungos, sumário em prosa do Anel. A 20 de Outubro termina o esboço da Morte de Siegfrid que viria a tornar-se no Crepúsculo dos Deuses.
1851 - Novembro (3-11), Suiça, esboços em prosa do Ouro do Reno.
"Por esta concepção nova saio completamente fora de tudo o que respeita ao nosso teatro e ao nosso público de hoje: rompo categoricamente e para sempre com o presente formalismo." (Carta a Theodor Uhlig)
1852 - 18 de Dezembro, Wagner lê para os amigos o poema do Anel.
1853 - 3 - Fevereiro, O poema circula em cinquenta exemplares impressos às custas de Wagner (e dos amigos que lhe pagam as despesas e dos agiotas a quem não paga as dívidas).
16 a 19 de Fevereiro, durante quatro noites Wagner lê o poema a quem quiser ouvir no átrio do Hotel Baur de Zurique.
5 de Setembro. Wagner tem um pesadelo com o acorde perfeito de mi bemol maior. Será a génese do visceral prelúdio do Ouro.
1854 - 1 de Fevereiro a 18 dew Maio. Escreve o manuscrito do Ouro do Reno.
Após o Verão - descobre o Mundo Como Vontade de Representação de Schopenhauer.
1869 - Apesar de todas as tentativas de Wagner para impedir uma execução fragmentária do Anel, o Ouro do Reno é estreado em Munique a 22 de Setembro
Tal como então cá teremos a nossa representação fragmentária do Anel em Lisboa, o Ouro vem desgarrado do resto, um anel a conta gotas.
E agora a palavra a Pierre Boulez, tradução própria, Acorde de mi bemol maior, prelúdio do Ouro do Reno, fluxo primordial, criação, harmónicos que se juntam até se construir o Cosmos:
"Aqui manifesta-se uma das constantes de Wagner: a sua extraordinária capacidade para construir uma cena, ou pelo menos uma grande parte de uma cena, sobre a base de uma só figura rítmica, que nada tem de um obstinato paralizante e obsessivo, que irriga e vivifica, ao contrário dos outros elementos da linguagem. Este motivo de arpejo - mesmo reduzido à sua substância rítmica - à qual o prelúdio nos habituou, vai caracterizar o rio, presente de uma ponta à outra deste quadro, mantendo uma exemplar ductilidade."
Reno (clique para ver melhor)
As time goes by...
A minha avó não porque fosse rica mas porque era generosa, costumava dar-me quinhentos escudos para comprar gelados na geladaria Roma. Quinhentos escudos numa altura em que o gelado mais barato da olá (o de laranja/ananás) custava 7$50 e cada carteira de cromos da colecção do Lucky Lucke ou da Heidi 2$50
A minha mãe obrigava-me a dizer mais de metade das vezes: Não, muito obrigada, vóvó.
Agora cada ida de metro custa-me 600$00 (2 pounds) e a minha sobrinha relembra-me pelo telefone qual é o presente que me vais trazer?
Sic transit gloria mundi
Artur Pizarro iniciou ontem uma peregrinação notável por Debussy e Ravel, a integral em duas semanas no Teatro S. Luiz, o público foi escasso mas estava altamente concentrado.
Enquanto Pizarro esgota salas por toda a Europa, em Lisboa a sala do S. Luiz estava a um quarto. Incrível mas é verdade.
As razões para esta situação são:
1. Habitual ignorância das "elites" culturais portuguesas sobretudo em cultura musical.
2. Deficiente, diria mesmo péssima, formação musical nas escolas.
3. Predominância do canto lírico, e sobretudo do modelo italiano, nas preferências endémicas das supostas "elites".
4. O facto de haver ainda "melómanos" que consideram Debussy e Ravel compositores demasiado modernos, em alguns casos mesmo "contemporâneos", como tal difíceis...
5. Haver tourada no Campo Pequeno.
6. Haver concerto com uma jovem pianista na Gulbenkian.
7. A imprensa ter deixado de privilegiar a música nas suas páginas. Ao contrário de todos os grandes jornais de países civilizados não existe crítica regular, diária mesmo, não existe formação do público através da escrita inteligente sobre música.
Apesar de existirem críticos sérios e conhecedores os editores dos jornais não têm a menor sensibilidade para as questões da música, não dão espaço a algo que desconhecem profundamente, não têm formação para tal, são basicamente ignorantes e como os leitores não têm exigências neste campo não há problema nenhum. Vivemos com menos formação musical na imprensa do que nos anos vinte quando Vianna da Motta escrevia no Diário de Notícias. Entretanto em concertos de Debussy e Ravel não se encontram os chamados membros das "elites culturais", do "meio literário", da política ou da finança, jornalistas pouco aparecem e até os músicos têm raríssimas aparições na audiência. É claro que se tratasse de uma récita de ópera bufa lá estava uma certa minoria oriunda destes grupos, exactamente como no tempo em que Vianna da Motta condenava a ópera como um dos piores males que assolavam a cultura musical em Portugal.
Mercê de uma cultura musical fraquíssima no país as escolas não têm formação musical. Ao longo dos ciclos iniciais não há professores (existem apenas no 5º e 6º anos) e os pais não têm uma cultura de exigência porque não sentem falta do que não conhecem. Quem decide e faz os programas não tem a menor noção de que existe sequer a música. Assim temos o privilégio de ter um pianista de nível internacional, e não de nível local, num estado de cristalização e excelência das suas capacidades, capaz de uma técnica tremenda e de uma maturidade artística superior, sendo capaz de abordar em seis dias a integral Debussy, Ravel com imaginação, cor e subtileza dignas dos maiores mestres e a sala está às moscas.
Entretanto na Dinamarca e em Londres as salas esgotam. Pérolas a porcos?...
Isto está mau...
Enquanto Pizarro esgota salas por toda a Europa, em Lisboa a sala do S. Luiz estava a um quarto. Incrível mas é verdade.
As razões para esta situação são:
1. Habitual ignorância das "elites" culturais portuguesas sobretudo em cultura musical.
2. Deficiente, diria mesmo péssima, formação musical nas escolas.
3. Predominância do canto lírico, e sobretudo do modelo italiano, nas preferências endémicas das supostas "elites".
4. O facto de haver ainda "melómanos" que consideram Debussy e Ravel compositores demasiado modernos, em alguns casos mesmo "contemporâneos", como tal difíceis...
5. Haver tourada no Campo Pequeno.
6. Haver concerto com uma jovem pianista na Gulbenkian.
7. A imprensa ter deixado de privilegiar a música nas suas páginas. Ao contrário de todos os grandes jornais de países civilizados não existe crítica regular, diária mesmo, não existe formação do público através da escrita inteligente sobre música.
Apesar de existirem críticos sérios e conhecedores os editores dos jornais não têm a menor sensibilidade para as questões da música, não dão espaço a algo que desconhecem profundamente, não têm formação para tal, são basicamente ignorantes e como os leitores não têm exigências neste campo não há problema nenhum. Vivemos com menos formação musical na imprensa do que nos anos vinte quando Vianna da Motta escrevia no Diário de Notícias. Entretanto em concertos de Debussy e Ravel não se encontram os chamados membros das "elites culturais", do "meio literário", da política ou da finança, jornalistas pouco aparecem e até os músicos têm raríssimas aparições na audiência. É claro que se tratasse de uma récita de ópera bufa lá estava uma certa minoria oriunda destes grupos, exactamente como no tempo em que Vianna da Motta condenava a ópera como um dos piores males que assolavam a cultura musical em Portugal.
Mercê de uma cultura musical fraquíssima no país as escolas não têm formação musical. Ao longo dos ciclos iniciais não há professores (existem apenas no 5º e 6º anos) e os pais não têm uma cultura de exigência porque não sentem falta do que não conhecem. Quem decide e faz os programas não tem a menor noção de que existe sequer a música. Assim temos o privilégio de ter um pianista de nível internacional, e não de nível local, num estado de cristalização e excelência das suas capacidades, capaz de uma técnica tremenda e de uma maturidade artística superior, sendo capaz de abordar em seis dias a integral Debussy, Ravel com imaginação, cor e subtileza dignas dos maiores mestres e a sala está às moscas.
Entretanto na Dinamarca e em Londres as salas esgotam. Pérolas a porcos?...
Isto está mau...
18.5.06
Countryside
Sussex, Cambridge, Woodstock, Oxford.
Very nice… Especialmente se o passeio por frescos campos, pasto para lanhudos e protentosos habitantes, não acaba num banho de água; se o sol surge por alguns minutos antes de se voltar a esconder, se os amigos cozinham bacon and eggs, roasted lamb with parsnip, uma pie, uma apple crumble, se os corpos aquecem com uma cup of tea frente à lareira.
Especialmente quando se dorme numa casa recuperada com trezentos anos de idade onde em tempos cabiam várias famílias - os escravos de Blenheim Palace onde os Dukes of Marlborough (John Churchill) ainda vivem (e alimentam a gossip do povoado) numa das alas que falta arrendar à sociedade de dentistas da terra.
Especialmente quando se pode regressar a Londres, olhar o castanheiro em flor da Square, sonhar com uma pastelaria, que grande invenção essa! uma meia-de-leite, uma torrada, pastéis de nata, sardinha assada, sangria, umas férias frente ao mar, banhos de sal e areia, petiscos à sombra na hora de maior calor, uma brisa que afogue o calor da noite e o resto que me chega numa cantiga do Vitorino:
Alguma coisa onde tu ao norte beijasses nos olhos os navios
E eu rasgasse o teu retrato
Para vê-lo passar na direcção dos rios
Alguma coisa onde tu corresses numa rua com portas para o mar
E eu morresse para ouvir-te sonhar
(Vitorino, Poema)
clara
Very nice… Especialmente se o passeio por frescos campos, pasto para lanhudos e protentosos habitantes, não acaba num banho de água; se o sol surge por alguns minutos antes de se voltar a esconder, se os amigos cozinham bacon and eggs, roasted lamb with parsnip, uma pie, uma apple crumble, se os corpos aquecem com uma cup of tea frente à lareira.
Especialmente quando se dorme numa casa recuperada com trezentos anos de idade onde em tempos cabiam várias famílias - os escravos de Blenheim Palace onde os Dukes of Marlborough (John Churchill) ainda vivem (e alimentam a gossip do povoado) numa das alas que falta arrendar à sociedade de dentistas da terra.
Especialmente quando se pode regressar a Londres, olhar o castanheiro em flor da Square, sonhar com uma pastelaria, que grande invenção essa! uma meia-de-leite, uma torrada, pastéis de nata, sardinha assada, sangria, umas férias frente ao mar, banhos de sal e areia, petiscos à sombra na hora de maior calor, uma brisa que afogue o calor da noite e o resto que me chega numa cantiga do Vitorino:
Alguma coisa onde tu ao norte beijasses nos olhos os navios
E eu rasgasse o teu retrato
Para vê-lo passar na direcção dos rios
Alguma coisa onde tu corresses numa rua com portas para o mar
E eu morresse para ouvir-te sonhar
(Vitorino, Poema)
clara
Fazemos anos!
A acreditar no Francisco José Viegas parece que fazemos anos hoje! Nunca me lembraria desse facto, 3 anos de blogue o que parece ser uma verdadeira eternidade. A rezingar, no meu caso, e a olhar o mundo de forma apaixonada, todos os outros, os que escrevem e os que não, amigos que aqui passam ou passaram.
Obrigado ao Francisco José Viegas que nos recordou do feito de andarmos aqui há tanto tempo.
Obrigado também ao Luís Carmelo, tem razão "três anos de blogosfera são três milénios na atmosfera".
Parabéns também ao Almocreve das petas, perigoso pasquim de tempos idos, recuperados hoje pela blogosfera lusa numa qualidade sem par, não nos lembrava gémeos, mas parece o somos...
Obrigado ao Francisco José Viegas que nos recordou do feito de andarmos aqui há tanto tempo.
Obrigado também ao Luís Carmelo, tem razão "três anos de blogosfera são três milénios na atmosfera".
Parabéns também ao Almocreve das petas, perigoso pasquim de tempos idos, recuperados hoje pela blogosfera lusa numa qualidade sem par, não nos lembrava gémeos, mas parece o somos...
Great Britain 3
A seca chegou ao Reino Unido e a Tames Water Company enviou por correio a todos os seus clientes uma carta intitulada Let’s beat the droungt together!
Começando por informar o dear customer que montou uma operação de reparação das canalizações com mais de 150 anos de existência responsáveis pelo desperdício de 40% da água do Tamisa antes de chegar às casas dos londrinos, pede desculpas por tomar medidas como o racionamento da água destinada à jardinagem-regra que por mais ofensiva da british obsession with gardening ninguém ousaria infringir, prepara os espíritos para medidas mais drásticas que poderão ser implementadas por uma Drough Order a ser tomada em 6 semanas! e agradece aos cidadãos que já terão começado a poupar no consumo de água.
A Tames Water não anda propriamente nos melhores lençóis da opinião pública e esta campanha visa recuperar a imagem de uma companhia cujas tabelas cobram por fogo regarthless the number of inhabitants, nevertheless it shows the best of an informative society: www.thameswater.co.uk. Thanks Jeremy,
clara
Começando por informar o dear customer que montou uma operação de reparação das canalizações com mais de 150 anos de existência responsáveis pelo desperdício de 40% da água do Tamisa antes de chegar às casas dos londrinos, pede desculpas por tomar medidas como o racionamento da água destinada à jardinagem-regra que por mais ofensiva da british obsession with gardening ninguém ousaria infringir, prepara os espíritos para medidas mais drásticas que poderão ser implementadas por uma Drough Order a ser tomada em 6 semanas! e agradece aos cidadãos que já terão começado a poupar no consumo de água.
A Tames Water não anda propriamente nos melhores lençóis da opinião pública e esta campanha visa recuperar a imagem de uma companhia cujas tabelas cobram por fogo regarthless the number of inhabitants, nevertheless it shows the best of an informative society: www.thameswater.co.uk. Thanks Jeremy,
clara
16.5.06
Birthday Picnic
Primeira lição: Desde que não chova, mesmo que o céu esteja nublado e instável, grande sorte! O piquenique pode ter lugar e não temos que seguir o plano alternativo: pub.
Segunda lição: No meio de um agrupamento de gente sem qualquer vaidade física nem intelectual, falo com uma professora de Estudos Clássicos em Oxford, ou melhor ouço-a falar sobre Tácito.
Quando fico sózinha Lady A. socorre-me. Num discorrer fluido, treinado em afastar pausas e intimidações, conhecedor da natureza humana plantada nos quatro cantos do mundo: “Quando tinha 36 anos já tinha vivido mais tempo no estrangeiro do que aqui”, diz-me que a sua única preocupação foi instilar unpretentiousness nos seus quatro filhos.
Lady A. não tem vaidades que a atrapalhem, a sua distinção está nessa consideração e atenção que oferece aos outros e na valorização que faz da sua originalidade e do que há de único em cada ser humano.
Não posso evitar a comparação entre Lord e Lady A., ou entre Mrs M. Médica de uma família milionária que toda a vida comprou comida com o desconto do último dia da display date, hard working people, arredios à sombra de privilégios, personalidades intrigantes, excêntricas ou únicas e a upper class portuguesa, mesmo se hard(?) working e com alguma distincao humana, raramente possuidora de brilho intelectual e a maioria so plain, desprovida de qualquer originalidade, atrapalhada em mostrar vaidades e em copiar-se endemicamente nas marcas mais superficiais e fúteis.
Aqui encontro o esteio de uma cultura do mérito. O coração de uma sociedade civil. O que há de saudável e que protege contra tentações de iniquidade, aqui out of the blue os piores instintos são domados pelas instituições.
clara
Segunda lição: No meio de um agrupamento de gente sem qualquer vaidade física nem intelectual, falo com uma professora de Estudos Clássicos em Oxford, ou melhor ouço-a falar sobre Tácito.
Quando fico sózinha Lady A. socorre-me. Num discorrer fluido, treinado em afastar pausas e intimidações, conhecedor da natureza humana plantada nos quatro cantos do mundo: “Quando tinha 36 anos já tinha vivido mais tempo no estrangeiro do que aqui”, diz-me que a sua única preocupação foi instilar unpretentiousness nos seus quatro filhos.
Lady A. não tem vaidades que a atrapalhem, a sua distinção está nessa consideração e atenção que oferece aos outros e na valorização que faz da sua originalidade e do que há de único em cada ser humano.
Não posso evitar a comparação entre Lord e Lady A., ou entre Mrs M. Médica de uma família milionária que toda a vida comprou comida com o desconto do último dia da display date, hard working people, arredios à sombra de privilégios, personalidades intrigantes, excêntricas ou únicas e a upper class portuguesa, mesmo se hard(?) working e com alguma distincao humana, raramente possuidora de brilho intelectual e a maioria so plain, desprovida de qualquer originalidade, atrapalhada em mostrar vaidades e em copiar-se endemicamente nas marcas mais superficiais e fúteis.
Aqui encontro o esteio de uma cultura do mérito. O coração de uma sociedade civil. O que há de saudável e que protege contra tentações de iniquidade, aqui out of the blue os piores instintos são domados pelas instituições.
clara
Isto está mau!
Estive a ver o site do S. Carlos e as minhas piores expectativas confirmam-se: Ron Howell a tal espécie de coreógrafo que fez aquele nojo do bailado da Lauriane é autor daquilo que se chama de forma algo estranha: "movimento coreográfico". De facto estava à espera, Ron Howell tem "coreografado" sempre que aparece Graham Vick, quer a propósito quer a despropósito. E se há ópera que não tolera uma coreografia apatetada, aliás onde não há menor necessidade de coreografia, é o Rheingold. Em Bayreuth não há esta história de "movimento coreográfico", em Aix-en Provence não há qualquer palhaçada coreográfica, no Châtelet fez-se com Bob Wilson e sem pseudo coreografia, não houve palhaçada em Amsterdão, em Baden idem, em Munique, idem, em Viena, idem, e mesmo em Washington, apesar do vídeo, não houve espaço para bailaricos. Será que aqui em Lisboa tem de haver dinheiro dos nossos impostos para pagar aos "amigos" de Graham Vick e logo em Wagner, o mais supremo dos mestres. Porra, não há pachorra. Vão gastar o dinheiro dos outros para o raio que o parta mas não façam o público e a crítica de parvos e imbecis. O trabalho de movimentar os cantores actores não é do encenador? Em toda a parte do mundo assim tem sido, só em Lisboa é que se quer inventar a pólvora?
Se a coisa for improvavelmente surpreendente, pela positiva, cá estarei para fazer mea culpa, mas tudo anuncia o pior... isto está mau!
Se a coisa for improvavelmente surpreendente, pela positiva, cá estarei para fazer mea culpa, mas tudo anuncia o pior... isto está mau!
Fourier 1768 - 1830
Faz hoje anos que Fourier, o grande matemático francês, quando faleceu estava esgotado por anos de trabalho e manobras políticas, mas a causa directa da morte, segundo se julga, foi uma queda nas escadas enquanto andava enbrulhado em cobertores!... Deve-se a Fourier a teoria da condução do calor e muito mais, a ler.
Entretanto o 43º Primo de Mersenne foi descoberto, já em Dezembro de 2005. De notar que foi noticiada aqui a descoberta do 41º primo de Mersenne, onde também se explicava o que é um desses números.
Jornais de referência
Não percebo critérios editoriais que levam um diário a deslocar uma análise da Festa da Música em Tóquio para domingo, para dar a primazia da notícia e da crítica a um "semanário de referência", desperdiçando precisamente a vantagem de se tratar de um diário.
Não percebo como palavras como "intervido" passam numa crónica de Augusto Seabra no "O Público" passando o autor por ignorante... Será que existem dicionários com gralhas em que um tipógrafo distraído passa por autoridade de referência? Intervir conjuga-se como vir, vindo implica intervindo. D. Carlos "vido" de Vila Viçosa! Seria realmente risível se não fosse trágico, a ignorância é sempre acompanhada de uma arrogância verdadeiramente insondável.
Por um lado com os cortes orçamentais lá vão servindo uns rapazes e raparigas licenciados que andam pela redacção há uns tempos e não têm jeito para mais nada a meterem-se a editores. Por outro lado devem ser sensíveis às pressões da direcção para colocar coisas populares e feitas para atrasados mentais, que é assim que tratam o público, em lugar de temas transcendentes que, supostamente afastam os leitores! Será que no "O Público" a crítica da tourada ainda virá a ser incluída na cultura, como no Correio da Manhã?
Não percebo porque razão o INAC aparece em siglas no "O Público" em título e em toda a primeira página, sem nunca se referenciar que se trata do "Instituto Nacional de Avição Civil", cometendo um erro básico de jornalismo que daria chumbo numa qualquer escola secundária.
Temos a chamada "crítica de música" para concertos de rock-pop, enquanto a verdadeira crítica de música é "clássica".
Por outro lado temos o Augusto Seabra a ser mauzinho, como habitual, e a passar pelos editores calmamente quando está a dar tiros no pé e dizer mal do próprio jornal onde escreve sobre os colegas "críticos distraídos". Como se justifica que o policrítico diga mal dos próprios colegas de jornal? "Críticos distraídos", que não assistiram a alguns concertos entre mais de uma centena na Festa da Música. Quantos são os "críticos distraídos"? Que ao mesmo tempo têm de escrever para enviar os textos para o Jornal e não apenas fazer uma crónica mais de uma semana depois. Se olharmos para o Seabra este deve ter faltado a mais de uma centena de concertos uma vez que parece que andou numa roda viva a ver cinema e a ouvir música nesse fim de semana, e também parece que não escreveu uma única crítica concreta sobre a Festa da Música para ajudar os tais "críticos distraídos" que teriam de assistir, cada um, a mais de cinquenta concertos no fim de semana para uma cobertura adequada do acontecimentos. Seabra tomou o gosto a criticar os críticos mas se desse o exemplo e mostrasse como se faz? É claro que o erro volta a ser dos editores que deixam passar textos em que se faz o ataque directo e sem fundamento aos colegas de jornal e, por tabela, ao próprio jornal.
Serve o presente post para me lamentar da decadência das páginas de cultura dos diversos jornais, num destes dias a análise ao paupérrimo "O Expresso" cuja curva descendente não tem fim.
Não percebo como palavras como "intervido" passam numa crónica de Augusto Seabra no "O Público" passando o autor por ignorante... Será que existem dicionários com gralhas em que um tipógrafo distraído passa por autoridade de referência? Intervir conjuga-se como vir, vindo implica intervindo. D. Carlos "vido" de Vila Viçosa! Seria realmente risível se não fosse trágico, a ignorância é sempre acompanhada de uma arrogância verdadeiramente insondável.
Por um lado com os cortes orçamentais lá vão servindo uns rapazes e raparigas licenciados que andam pela redacção há uns tempos e não têm jeito para mais nada a meterem-se a editores. Por outro lado devem ser sensíveis às pressões da direcção para colocar coisas populares e feitas para atrasados mentais, que é assim que tratam o público, em lugar de temas transcendentes que, supostamente afastam os leitores! Será que no "O Público" a crítica da tourada ainda virá a ser incluída na cultura, como no Correio da Manhã?
Não percebo porque razão o INAC aparece em siglas no "O Público" em título e em toda a primeira página, sem nunca se referenciar que se trata do "Instituto Nacional de Avição Civil", cometendo um erro básico de jornalismo que daria chumbo numa qualquer escola secundária.
Temos a chamada "crítica de música" para concertos de rock-pop, enquanto a verdadeira crítica de música é "clássica".
Por outro lado temos o Augusto Seabra a ser mauzinho, como habitual, e a passar pelos editores calmamente quando está a dar tiros no pé e dizer mal do próprio jornal onde escreve sobre os colegas "críticos distraídos". Como se justifica que o policrítico diga mal dos próprios colegas de jornal? "Críticos distraídos", que não assistiram a alguns concertos entre mais de uma centena na Festa da Música. Quantos são os "críticos distraídos"? Que ao mesmo tempo têm de escrever para enviar os textos para o Jornal e não apenas fazer uma crónica mais de uma semana depois. Se olharmos para o Seabra este deve ter faltado a mais de uma centena de concertos uma vez que parece que andou numa roda viva a ver cinema e a ouvir música nesse fim de semana, e também parece que não escreveu uma única crítica concreta sobre a Festa da Música para ajudar os tais "críticos distraídos" que teriam de assistir, cada um, a mais de cinquenta concertos no fim de semana para uma cobertura adequada do acontecimentos. Seabra tomou o gosto a criticar os críticos mas se desse o exemplo e mostrasse como se faz? É claro que o erro volta a ser dos editores que deixam passar textos em que se faz o ataque directo e sem fundamento aos colegas de jornal e, por tabela, ao próprio jornal.
Serve o presente post para me lamentar da decadência das páginas de cultura dos diversos jornais, num destes dias a análise ao paupérrimo "O Expresso" cuja curva descendente não tem fim.
Great Britain 2!
Um dos pubs da vizinhança reabriu com nova gerência. Nova cara também. As paredes de verde passaram a brancas e a alcatifa encarnada foi arrancada, mostrando agora um bonito sobrado de madeira. Perdeu-se a quinta-essência de um pub londrino e muita da lixeira necessária a esse charme, apesar de ainda se preservarem os sofás de couro e os bancos altos frente ao bar estofados de verde.
À entrada quem por curiosidade recolha uma carta fechada dirigida ao dear neighbour fica a saber que durante duas semanas o restaurante oferece um desconto de 50% e que o sample food menu regista uma sensibilidade “orgânica” e nutricionista. Agora a consciência pesa quando se pode escolher entre um burguer/steak/fish & chips ou um ilde sea-bass ou até um linguado with grean beans!
Fica-se também a saber que o grande desejo deste pub é o de ser one of London’s best, and best loved, community pubs e que temos permissão para aparecer a qualquer momento e apresentarmo-nos ao gerente.
Progress yes, but good old Britishness remains! Best wishes too, Ruppert!
Clara
Um dos pubs da vizinhança reabriu com nova gerência. Nova cara também. As paredes de verde passaram a brancas e a alcatifa encarnada foi arrancada, mostrando agora um bonito sobrado de madeira. Perdeu-se a quinta-essência de um pub londrino e muita da lixeira necessária a esse charme, apesar de ainda se preservarem os sofás de couro e os bancos altos frente ao bar estofados de verde.
À entrada quem por curiosidade recolha uma carta fechada dirigida ao dear neighbour fica a saber que durante duas semanas o restaurante oferece um desconto de 50% e que o sample food menu regista uma sensibilidade “orgânica” e nutricionista. Agora a consciência pesa quando se pode escolher entre um burguer/steak/fish & chips ou um ilde sea-bass ou até um linguado with grean beans!
Fica-se também a saber que o grande desejo deste pub é o de ser one of London’s best, and best loved, community pubs e que temos permissão para aparecer a qualquer momento e apresentarmo-nos ao gerente.
Progress yes, but good old Britishness remains! Best wishes too, Ruppert!
Clara
Great Britain 1!
Sir Alan Sugar é um Sir que se fez Sir. É bonito ver a reverência com que o Finantial Times Weekend desta semana o trata:
The first word that comes to mind when I think of Sir Alan is “yeach!”. The second is “thug”. The third is “ugly!”. “Yeach! He’s an ugly thug! Sir Alan seems to imagine that wealth offers a licence to be rude, crude and insensitive!
Dear Alan what are they saying?!
clara
The first word that comes to mind when I think of Sir Alan is “yeach!”. The second is “thug”. The third is “ugly!”. “Yeach! He’s an ugly thug! Sir Alan seems to imagine that wealth offers a licence to be rude, crude and insensitive!
Dear Alan what are they saying?!
clara
15.5.06
Bliss
Subitamente o calor chegou. Larguei o meu Aquascutum e as luvas no armário, freshly green and blossoming uma árvore roubou-me a vista para a Square, o jardim do pub lotou, partilhei o banco frente à Royal Academy of Arts enquanto almoçava um take- away japonês, nos passeios congestionados desviei-me de gente com copo na mão, nas salas da British Library, meias desertas, o sol triunfou sobre as exíguas janelas, no pátio os estudantes esquecidos dos pc’s e aquecidos pelos eflúvios do sol e não só, emparelharam na cidade da Europa menos dada ao flirt.
O meu marido chegou a casa um pouco mais tarde do que o habitual, deu-me um beijo a saber a umas quantas pints, leu o meu post with a funny accent, não entendeu uma linha. Na dvd shop do nosso bairro, o irishman vestido a cowboy greeted us: hi there you are, my first clients!
Sol. Quanto mais agreste a cidade mais se suaviza com esta benção. O meu corpo e cabeça dão-se enfim tréguas. Nos dias de inverno páro diante dos lugares da cidade pequena que vai ficando para trás, esses lugares retêm o poder e o fascínio de memórias golpeadas pelo tempo, pelo espaço, por uma dupla separação e distância, que sou sem eles? E a certeza: sou, sem eles também. Páro diante dos lugares de uma cidade anónima, sem lugares poderosos, rasos de todas as memórias, como uma casa vazia, vasta que liberta e que oprime. Nos dias de sol um canal parece possível a ligar os lugares mais adormecidos nessa ponta que aos poucos se desfaz e a ponta que os sonhos tentam a custo habitar. Uma ponte entre a língua em que este post me sai em solavancos e os sons infamiliares que circulam à minha volta, de uma língua na qual gatinho. Oh dear, Life doesn’t get any better than this (indeed, the next day clouds appeared and it started to rain. What a boring sentence).
Clara
Publicado também em Desejo Casar, um blogue que renasceu! Será que começou o tempo dos renascimentos na blogosfera?
O meu marido chegou a casa um pouco mais tarde do que o habitual, deu-me um beijo a saber a umas quantas pints, leu o meu post with a funny accent, não entendeu uma linha. Na dvd shop do nosso bairro, o irishman vestido a cowboy greeted us: hi there you are, my first clients!
Sol. Quanto mais agreste a cidade mais se suaviza com esta benção. O meu corpo e cabeça dão-se enfim tréguas. Nos dias de inverno páro diante dos lugares da cidade pequena que vai ficando para trás, esses lugares retêm o poder e o fascínio de memórias golpeadas pelo tempo, pelo espaço, por uma dupla separação e distância, que sou sem eles? E a certeza: sou, sem eles também. Páro diante dos lugares de uma cidade anónima, sem lugares poderosos, rasos de todas as memórias, como uma casa vazia, vasta que liberta e que oprime. Nos dias de sol um canal parece possível a ligar os lugares mais adormecidos nessa ponta que aos poucos se desfaz e a ponta que os sonhos tentam a custo habitar. Uma ponte entre a língua em que este post me sai em solavancos e os sons infamiliares que circulam à minha volta, de uma língua na qual gatinho. Oh dear, Life doesn’t get any better than this (indeed, the next day clouds appeared and it started to rain. What a boring sentence).
Clara
Publicado também em Desejo Casar, um blogue que renasceu! Será que começou o tempo dos renascimentos na blogosfera?
13.5.06
A ler
A ler e a meditar. Bem escrito e bem observado.
Apesar da dependência da ópera, que partilho em parte, e apesar do consumo irrestrito de ópera italiana (que consumo moderadamente) e que, em certos casos, pode destruir totalmente o cérebro (como as drogas duras), João Galamba de Almeida continua com uma lucidez impressionante na observação dos tipos humanos.
E espero que o autor me perdoe as boutades...
Apesar da dependência da ópera, que partilho em parte, e apesar do consumo irrestrito de ópera italiana (que consumo moderadamente) e que, em certos casos, pode destruir totalmente o cérebro (como as drogas duras), João Galamba de Almeida continua com uma lucidez impressionante na observação dos tipos humanos.
E espero que o autor me perdoe as boutades...
Mullova desilude - Vengerov brilha - Temporada Gulbenkian
Oito músicos excelentes não fazem um ensemble, o concerto de 8 de Maio com duas obras primas do repertório de câmara, o septeto op. 20 de Beethoven, obra que deu grande sucesso ao compositor, e o octeto em Fá maior, D. 803 de Schubert, provaram isso mesmo.
Mullova é uma grande intérprete, sonoridade de grande beleza, técnica, o clarinete Pascal Moraguès impressionou pela beleza de som, sensibilidade nos andamentos lentos e técnica no último andamento do octeto de Schubert, Manuel Fischer Dieskau no violoncelo é muito empenhado e entusiático, fagote (Marco Postinghel), viola de bela sonoridade (Maxim Rysanov), contrabaixo, trompa e segundo violino, todos mostraram méritos. Todos os instrumentistas foram tecnicamente bons, mesmo o trompa Guido Conti, que segundo alguns amigos me disseram teve uma actuação desastrada no Porto no dia seguinte e que na Gulbenkian mostrou um som bonito e sforzandos de belo recorte que recrearam o instrumentista e o público com momentos de puro divertimento.
Mullova teve um deslize imperdoável na primeira secção do minuete de Schubert numas semicolcheias facílimas em que trocou notas (onde aparecia lá bemol deu lá natural) se atrapalhou e aldrabou a passagem toda. Entretanto no último andamento não efectuou as célebres passagens em tercinas (comp. 124, 141, 329, 348) de forma limpa, nem se percebeu bem a figuração atabalhoada que fazia. Faltou clareza e estudo, pois embora Mullova seja perfeitamente capaz de tocar aquilo, e até já gravou, as passagens são, segundo o musicólogo Max Hochkosser, "invulgarmente difíceis". Já o clarinete limpou as suas dificuldades de forma suprema.
O problema foi o conjunto e a concepção das obras, minuetes muito pouco interessante feitos a despachar, sem acentuação, sem vivacidade, critérios nas repetições absurdos, umas vezes repetia-se o trio e não a secção inicial das formas ABA (!), outras vezes era apenas a secção inicial que se repetia e as secções do trio não. A exposição dos primeiros andamentos nunca se repetiu. Os andamentos muito vivos foram feitos de forma mortiça, notório foi o desinteressante Allegro final do último andamento de Schubert e, pior, quando passa a alegro molto (compasso 376) e depois vem o acelerando terminal (comp. 403) o tempo foi pesado, arrastado, aparentando ser (ainda) mais lento que o início do allegro (comp. 17) deste andamento. Os instrumentistas raramente acertaram nas entradas de conjunto, sobretudo nos inícios dos andamentos em que os tempos não eram claros para todos. O trabalho de articulação de passagens semelhantes em diferentes instrumentos nem sempre era o mesmo, denotando, de novo, falta de trabalho de ensaio conjunto.
É interessante ver um grupo de amigos a tocar por prazer da música, é agradável, para amadores seria um concerto fantástico, para um agrupamento de profissionais que se reune uma noite para o prazer de fazer música em conjunto e beber uns copos, seria muito bom, mas a um ensemble profissional da categoria destes num concerto público e caro numa sala importante o grau de exigência tem de ser superior. Bonito de se ouvir mas desinteressante como conceito de interpretação.
Entretanto Maxim Vengerov deu-nos um recital de uma seriadade absoluta, bem longe de algumas actuações a rondar o kitsch am tempos passados. Foi a 3 de Maio acompanhado pela pianista Lilya Zilberstein, que Vengerov tocou Beethoven, sonata nº7, Dó menor, op. 30 nº 2. Mozart, redução para violino e piano do Adagio em Mi Maior K. 261. Prokofiev, Sonata para Violino e piano nº 1, Fá menor, op. 80. Dez prelúdios do op. 74 de Shostakovith (arr. de Tziganov).
Vengerov abordou Mozart de forma sensível mas algo excessiva nos pianos que no meu entender tiveram uma sonoridade demasiado agressiva e um uso de vibrato que acho desaconselhado em Mozart, mas gostei bastante da forma séria como Vengerov trabalhou Mozart.
Em Beethoven notei que faltou alguma subtileza nos graves da mão esquerda de Zilbertein nos pianíssimos, onde se poderia dar mais textura e densidade. Vengerov esteve belíssimo, articulando e tocando as frases de forma interessante sem abusar do legato e (sobretudo) com rubato subtil e elegante. Apenas os sforzandos foram algo excessivos (rudes) e os acordes do violino em ff também não primaram pela suavidade.
Prokofiev foi o melhor, Vengerov mostrou-se inspirado, de som muito belo, sem ser excessivo, técnica perfeita, o que mais impressionou foram os pp de grande subtileza e elegância e a expressividade notável de Vengerov sem entrar nunca no excesso. O violinista foi ao extremo da sensibilidade sem cair no excesso da lamechice. Andamentos lentos de grande rigor, plasticidade e beleza contida, uma interpretação exacta.
Os simples prelúdios op. 34 de Shostakovich foram um culminar feliz de um recital de violino e piano de grande qualidade e que nos deixou felizes ao sair. Mais um prelúdio como extra e uma xaropada do Kreisler como segundo extra do tipo: "acabou, para o ano há mais"...
Curiosamente a um recital deste tipo, em que o violinista foi de rigor total e mostrou uma grande atitude como músico, abordando obras de grande valor musical que se adaptam ao seu som e estilo, o público não foi tão entusiástico (apesar dos bravos e do bater palmas de pé) como em actuações anteriores. Será que o "tudo isto existe, tudo isto é triste, tudo isto é fado"?
Mullova é uma grande intérprete, sonoridade de grande beleza, técnica, o clarinete Pascal Moraguès impressionou pela beleza de som, sensibilidade nos andamentos lentos e técnica no último andamento do octeto de Schubert, Manuel Fischer Dieskau no violoncelo é muito empenhado e entusiático, fagote (Marco Postinghel), viola de bela sonoridade (Maxim Rysanov), contrabaixo, trompa e segundo violino, todos mostraram méritos. Todos os instrumentistas foram tecnicamente bons, mesmo o trompa Guido Conti, que segundo alguns amigos me disseram teve uma actuação desastrada no Porto no dia seguinte e que na Gulbenkian mostrou um som bonito e sforzandos de belo recorte que recrearam o instrumentista e o público com momentos de puro divertimento.
Mullova teve um deslize imperdoável na primeira secção do minuete de Schubert numas semicolcheias facílimas em que trocou notas (onde aparecia lá bemol deu lá natural) se atrapalhou e aldrabou a passagem toda. Entretanto no último andamento não efectuou as célebres passagens em tercinas (comp. 124, 141, 329, 348) de forma limpa, nem se percebeu bem a figuração atabalhoada que fazia. Faltou clareza e estudo, pois embora Mullova seja perfeitamente capaz de tocar aquilo, e até já gravou, as passagens são, segundo o musicólogo Max Hochkosser, "invulgarmente difíceis". Já o clarinete limpou as suas dificuldades de forma suprema.
O problema foi o conjunto e a concepção das obras, minuetes muito pouco interessante feitos a despachar, sem acentuação, sem vivacidade, critérios nas repetições absurdos, umas vezes repetia-se o trio e não a secção inicial das formas ABA (!), outras vezes era apenas a secção inicial que se repetia e as secções do trio não. A exposição dos primeiros andamentos nunca se repetiu. Os andamentos muito vivos foram feitos de forma mortiça, notório foi o desinteressante Allegro final do último andamento de Schubert e, pior, quando passa a alegro molto (compasso 376) e depois vem o acelerando terminal (comp. 403) o tempo foi pesado, arrastado, aparentando ser (ainda) mais lento que o início do allegro (comp. 17) deste andamento. Os instrumentistas raramente acertaram nas entradas de conjunto, sobretudo nos inícios dos andamentos em que os tempos não eram claros para todos. O trabalho de articulação de passagens semelhantes em diferentes instrumentos nem sempre era o mesmo, denotando, de novo, falta de trabalho de ensaio conjunto.
É interessante ver um grupo de amigos a tocar por prazer da música, é agradável, para amadores seria um concerto fantástico, para um agrupamento de profissionais que se reune uma noite para o prazer de fazer música em conjunto e beber uns copos, seria muito bom, mas a um ensemble profissional da categoria destes num concerto público e caro numa sala importante o grau de exigência tem de ser superior. Bonito de se ouvir mas desinteressante como conceito de interpretação.
Entretanto Maxim Vengerov deu-nos um recital de uma seriadade absoluta, bem longe de algumas actuações a rondar o kitsch am tempos passados. Foi a 3 de Maio acompanhado pela pianista Lilya Zilberstein, que Vengerov tocou Beethoven, sonata nº7, Dó menor, op. 30 nº 2. Mozart, redução para violino e piano do Adagio em Mi Maior K. 261. Prokofiev, Sonata para Violino e piano nº 1, Fá menor, op. 80. Dez prelúdios do op. 74 de Shostakovith (arr. de Tziganov).
Vengerov abordou Mozart de forma sensível mas algo excessiva nos pianos que no meu entender tiveram uma sonoridade demasiado agressiva e um uso de vibrato que acho desaconselhado em Mozart, mas gostei bastante da forma séria como Vengerov trabalhou Mozart.
Em Beethoven notei que faltou alguma subtileza nos graves da mão esquerda de Zilbertein nos pianíssimos, onde se poderia dar mais textura e densidade. Vengerov esteve belíssimo, articulando e tocando as frases de forma interessante sem abusar do legato e (sobretudo) com rubato subtil e elegante. Apenas os sforzandos foram algo excessivos (rudes) e os acordes do violino em ff também não primaram pela suavidade.
Prokofiev foi o melhor, Vengerov mostrou-se inspirado, de som muito belo, sem ser excessivo, técnica perfeita, o que mais impressionou foram os pp de grande subtileza e elegância e a expressividade notável de Vengerov sem entrar nunca no excesso. O violinista foi ao extremo da sensibilidade sem cair no excesso da lamechice. Andamentos lentos de grande rigor, plasticidade e beleza contida, uma interpretação exacta.
Os simples prelúdios op. 34 de Shostakovich foram um culminar feliz de um recital de violino e piano de grande qualidade e que nos deixou felizes ao sair. Mais um prelúdio como extra e uma xaropada do Kreisler como segundo extra do tipo: "acabou, para o ano há mais"...
Curiosamente a um recital deste tipo, em que o violinista foi de rigor total e mostrou uma grande atitude como músico, abordando obras de grande valor musical que se adaptam ao seu som e estilo, o público não foi tão entusiástico (apesar dos bravos e do bater palmas de pé) como em actuações anteriores. Será que o "tudo isto existe, tudo isto é triste, tudo isto é fado"?
10.5.06
Notícia de última hora! Público descobre que a Tetralogia são Quatro Óperas
O Público noticia hoje que a Tetralogia de Wagner se vai produzir em quatro anos no S. Carlos, acabando por se realizar por inteiro no final do ciclo!
Para além do facto de ter descoberto que a Tetralogia são quatro óperas resta a óbvia constatação de que o Ouro do Reno é apenas o prelúdio de um ciclo. Faria sentido encenar o prólogo e deixar o resto de fora?
Para além disso o próprio Paolo Pinamonti, director do teatro, em conferência de imprensa de apresentação da temporada já anunciou a encenação do ciclo...
Resta a surpresa da sala virada ao contrário, mas as dúvidas aqui já são de natureza acústica, será que funciona? Que se ouve? A encenação numa sala ao contrário pode ser histórica mas o Ouro do Reno é tremendamente difícil de encenar em termos técnicos numa sala normal, para ser verosímil de acordo com o poema do drama, será que aguenta o Reno e as ninfas, a subida ao reino dos deuses, as descidas às minas dos nibelungos, a subida de novo aos céus e a criação do arco mágico.
E as sete harpas? E as dezoito bigornas?
Para além do facto de ter descoberto que a Tetralogia são quatro óperas resta a óbvia constatação de que o Ouro do Reno é apenas o prelúdio de um ciclo. Faria sentido encenar o prólogo e deixar o resto de fora?
Para além disso o próprio Paolo Pinamonti, director do teatro, em conferência de imprensa de apresentação da temporada já anunciou a encenação do ciclo...
Resta a surpresa da sala virada ao contrário, mas as dúvidas aqui já são de natureza acústica, será que funciona? Que se ouve? A encenação numa sala ao contrário pode ser histórica mas o Ouro do Reno é tremendamente difícil de encenar em termos técnicos numa sala normal, para ser verosímil de acordo com o poema do drama, será que aguenta o Reno e as ninfas, a subida ao reino dos deuses, as descidas às minas dos nibelungos, a subida de novo aos céus e a criação do arco mágico.
E as sete harpas? E as dezoito bigornas?
Um estreia
Porque as conheço e porque a música em programa é extraordinária, recomendo vivamente a estreia absoluta.
9.5.06
Pérolas em programas da Gulbenkian - n
De Paula Gomes Ribeiro:
..."A axiomática crueldade do Ser."... Uma frase sem sujeito e sem verbo! Qual o sentido de "axiomática" na crueldade do ser? Será que a crueldade do ser é sempre axiomática como se depreende do texto? Seremos, por definição axiomática, entes da crueldade ingénita? Mas quem postula esta axiomática, o próprio ser cruel que é o homem? Discutível? Muito. Palavra mal usada num contexto pretensamente intelectual na tentativa de credibilizar um discurso com ornamentos supérfluos de um estilo arrevesado e gongórico? Parece-me apenas uma espécie de ganga repelente do jargão dos profissionais da estética, absolutamente desfasados da realidade e absolutamente inapropriada numas notas de programa para serem lidas por não especialistas. A propósito ler Brian Magee sobre o assunto, o professor de Oxford faz-nos notar que a clareza da exposição está sempre associada à clareza de ideias...
Poderia ser também:
A crueldade axiomática do Ser.
O Ser axiomaticamente cruel.
A ideia já foi exposta a continuação deste texto é para ler apenas por divertimento. É uma divagação.
Vejamos um exemplo de gongorização de uma frase comum:
Cruel axiomático este Ser e este conglomerado de gadus com pómeas tuberculinas também é axiomaticamente cruel, numa inclemência idiossincrática da aprendiz de Escofier que preparou tão requintado pitéu que nos leva a uma divagação epistemológica sobre as exegeses culinárias neste pós modernismo tão retirado de excelências ultrapassadas de um kitsch de tempos mitológicos e mesmo heróicos. A crueldade para um pós moderno de aceitar este bolinho gadulínio como uma essência retardade de um período em que a alteridade empática era regulada por conceitos absolutos e mesmo utópicos é deveras sintomática da nossa essência humana, demasiadamente humana. Ah! Hodierna pós modernidade que recusa a aceitação destes prazeres entre o Eros do paladar e o Thanatos dos colesterois e da sensação de recusa intelectual da gadolínea vitualha pouco digna de um palato requintado de um apolíneo esteta...
Tradução: O pastel de bacalhau, feito por uma boa cozinheira, é, por definição, cruelmente bom para um professor universitário, mas este recusa em assumi-lo por ser um petisco demasiadamente popular e pouco intelectualizado, além disso hesita entre o prazer do gosto e a ameaça de morte do colesterol e afins...
Era o que eu queria dizer, mas como gongorizei o texto a clareza perdeu-se, pode-se entender também que o pastel de bacalhau estava retardado, ou que é uma resto moribundo de um tempo ultrapassado ou ainda que a cozinheira não presta (no que poderia ser uma leitura irónica mas com a pista reveladora "aprendiz"), aceitam-se outras traduções...
O corolário destas diatribes estético-gongóricas vem na sequência do texto das notas de programa de Paula Gomes Ribeiro: "Estas figuras, que surgem como essências musicodramáticas, fazem emergir toda a vitalidade de uma alteridade interna. As técnicas literárias e musicais tornam-se cúmplices na edificação de introspecções, através de densas exegeses sobre a violência da dimensão oculta do Ser".
Já Jorge Calado no Expresso referenciou esta última frase, como tenho mais espaço recorro à utilização para esta análise das duas frases citadas que se sucedem, "alteridade interna" a quê ou a quem? À obra? Ao ser abstracto, global? Ao ser concreto? Ao agente personagem? Ao "eu" falado no parágrafo anterior? Ao "eu" da personagem, que de facto não existe, como a autora deve bem saber, existe a projecção da personagem no receptor ou o "eu" do autor, mas nunca o "eu" da personagem que associa ao tal "ente transgressivo". E as figuras musicodramáticas, que são os tais "entes transgressivos", afinal ficamos onde? Pomposo, ridículo e sobretudo: muito pouco claro. A última sentença é tão lapidar que nem merece comentários. O facto de ser professor universitário fez-me deparar, em anos de leituras de trabalhos, com textos em que os autores mascaravam uma confrangedora falta de capacidade de comunicação das ideias, e mesmo de ideias, o que não parece ser o caso, por detrás de construções abstrusas e pretensamente eruditas.
Paula Gomes Ribeiro: liberte-se, explique o quer dizer sem preconceitos, eu acho que até escreve bem e as ideias lá fundo até parecem ser boas, mas a ganga de gongorismos apenas leva ao riso. E uma coisa é certa: rir é muito agradável e já dei umas gargalhadas ao ler o seu texto e a escrever este...
..."A axiomática crueldade do Ser."... Uma frase sem sujeito e sem verbo! Qual o sentido de "axiomática" na crueldade do ser? Será que a crueldade do ser é sempre axiomática como se depreende do texto? Seremos, por definição axiomática, entes da crueldade ingénita? Mas quem postula esta axiomática, o próprio ser cruel que é o homem? Discutível? Muito. Palavra mal usada num contexto pretensamente intelectual na tentativa de credibilizar um discurso com ornamentos supérfluos de um estilo arrevesado e gongórico? Parece-me apenas uma espécie de ganga repelente do jargão dos profissionais da estética, absolutamente desfasados da realidade e absolutamente inapropriada numas notas de programa para serem lidas por não especialistas. A propósito ler Brian Magee sobre o assunto, o professor de Oxford faz-nos notar que a clareza da exposição está sempre associada à clareza de ideias...
Poderia ser também:
A crueldade axiomática do Ser.
O Ser axiomaticamente cruel.
A ideia já foi exposta a continuação deste texto é para ler apenas por divertimento. É uma divagação.
Vejamos um exemplo de gongorização de uma frase comum:
Cruel axiomático este Ser e este conglomerado de gadus com pómeas tuberculinas também é axiomaticamente cruel, numa inclemência idiossincrática da aprendiz de Escofier que preparou tão requintado pitéu que nos leva a uma divagação epistemológica sobre as exegeses culinárias neste pós modernismo tão retirado de excelências ultrapassadas de um kitsch de tempos mitológicos e mesmo heróicos. A crueldade para um pós moderno de aceitar este bolinho gadulínio como uma essência retardade de um período em que a alteridade empática era regulada por conceitos absolutos e mesmo utópicos é deveras sintomática da nossa essência humana, demasiadamente humana. Ah! Hodierna pós modernidade que recusa a aceitação destes prazeres entre o Eros do paladar e o Thanatos dos colesterois e da sensação de recusa intelectual da gadolínea vitualha pouco digna de um palato requintado de um apolíneo esteta...
Tradução: O pastel de bacalhau, feito por uma boa cozinheira, é, por definição, cruelmente bom para um professor universitário, mas este recusa em assumi-lo por ser um petisco demasiadamente popular e pouco intelectualizado, além disso hesita entre o prazer do gosto e a ameaça de morte do colesterol e afins...
Era o que eu queria dizer, mas como gongorizei o texto a clareza perdeu-se, pode-se entender também que o pastel de bacalhau estava retardado, ou que é uma resto moribundo de um tempo ultrapassado ou ainda que a cozinheira não presta (no que poderia ser uma leitura irónica mas com a pista reveladora "aprendiz"), aceitam-se outras traduções...
O corolário destas diatribes estético-gongóricas vem na sequência do texto das notas de programa de Paula Gomes Ribeiro: "Estas figuras, que surgem como essências musicodramáticas, fazem emergir toda a vitalidade de uma alteridade interna. As técnicas literárias e musicais tornam-se cúmplices na edificação de introspecções, através de densas exegeses sobre a violência da dimensão oculta do Ser".
Já Jorge Calado no Expresso referenciou esta última frase, como tenho mais espaço recorro à utilização para esta análise das duas frases citadas que se sucedem, "alteridade interna" a quê ou a quem? À obra? Ao ser abstracto, global? Ao ser concreto? Ao agente personagem? Ao "eu" falado no parágrafo anterior? Ao "eu" da personagem, que de facto não existe, como a autora deve bem saber, existe a projecção da personagem no receptor ou o "eu" do autor, mas nunca o "eu" da personagem que associa ao tal "ente transgressivo". E as figuras musicodramáticas, que são os tais "entes transgressivos", afinal ficamos onde? Pomposo, ridículo e sobretudo: muito pouco claro. A última sentença é tão lapidar que nem merece comentários. O facto de ser professor universitário fez-me deparar, em anos de leituras de trabalhos, com textos em que os autores mascaravam uma confrangedora falta de capacidade de comunicação das ideias, e mesmo de ideias, o que não parece ser o caso, por detrás de construções abstrusas e pretensamente eruditas.
Paula Gomes Ribeiro: liberte-se, explique o quer dizer sem preconceitos, eu acho que até escreve bem e as ideias lá fundo até parecem ser boas, mas a ganga de gongorismos apenas leva ao riso. E uma coisa é certa: rir é muito agradável e já dei umas gargalhadas ao ler o seu texto e a escrever este...
6.5.06
Um link interessante
Para uma história e um registo, coisa que não se pratica muito neste país de esquecimento e sem culpas, um link com recortes de jornais de Nuno Crato.
Uma visita vale a pena para folhear os recortes com cliques...
Uma visita vale a pena para folhear os recortes com cliques...
4.5.06
O sapateiro e o rabecão
É com espanto que leio (obrigado leitor que me avisou por email) que o rapaz das alforrecas agora deu em crítico de música!
Acho que o naco mais sumarento é este:
"O piano fluente e empolgante de Filipe Melo, o contrabaixo de Bernardo Moreira (que ressoava na caixa torácica), a bateria ágil e magnética de André Sousa Machado."
"O piano fluente e emolgante" não diz nada. O contrabaixo "que ressoava na caixa toráxica" como todo o contrabaixo amplificado, toque-se como se tocar, que ressoa sempre algures nas cavidades cavernosas que, pela "fluência" do texto, se encontram mais para a cabeça ou não seja a tal rapariga "mais intoxicante que o álcool em cima da mesa"... Finalmente a bateria magnética é também de grande substrato cultural: Magnética? Como disse? Será que atrai as baquetas? Será que o proto crítico de música sabe o que quer dizer?
Acho que o naco mais sumarento é este:
"O piano fluente e empolgante de Filipe Melo, o contrabaixo de Bernardo Moreira (que ressoava na caixa torácica), a bateria ágil e magnética de André Sousa Machado."
"O piano fluente e emolgante" não diz nada. O contrabaixo "que ressoava na caixa toráxica" como todo o contrabaixo amplificado, toque-se como se tocar, que ressoa sempre algures nas cavidades cavernosas que, pela "fluência" do texto, se encontram mais para a cabeça ou não seja a tal rapariga "mais intoxicante que o álcool em cima da mesa"... Finalmente a bateria magnética é também de grande substrato cultural: Magnética? Como disse? Será que atrai as baquetas? Será que o proto crítico de música sabe o que quer dizer?
Ron Howell visto pela crítica internacional
Sobre Ron Howell, o homem que coreografou o recente bailado da ópera Lauriane de Augusto Machado, vou lendo na imprensa internacional e na internet críticas muito negativas. Será que lá fora como cá as reputações se fazem de lendas e não de factos? O que é certo é que o bailado a que assisti no dia da estreia de Lauriane foi paupérrimo para não dizer pior, parece que alguma crítica internacional já se tinha deparado com trabalhos muito fracos de Howell. Parece que até houve pateada no Met...
The Midsummer Marriage (Tippet)
Royal Opera, Covent Garden, London, 31 October, 3, 8, 11, 16, 18 November 2005
"The production itself is in many ways dreamy. Graham Vick's direction is detailed without being fussy, entering into both the bizarre Magic Flute-ish mysticism and the comedy of the secondary characters with great style. Designer Paul Brown's sets are marvellously elegant; the stage isn't cluttered, yet all the big moments carry great spectacle. I wasn't too keen on Ron Howell's choreography for the Ritual Dances, which were played with a velvet sheen by the orchestra; to me the dancing was repetitive and pretentious, but it could be a matter of taste I suppose."
Dominic McHugh in http://www.musicomh.com
Opera: No winners in the mating game
Independent, The (London), Nov 2, 2005 by Edward Seckerson
So what to take away from this long and dispiriting evening? The zest and dappled beauty of Tippett's orchestral writing, of course. But then again, for all the energy of Richard Hickox in the pit, the glorious Ritual Dances of Act II were so successfully hijacked by Ron Howell's risible choreography that one wished Tippett had never added the word 'dances'.
Outra sobre Moïse et Pharaon de Rossini:
And, saving the worst for last, the choreography of the ballet by Ron Howell was, in a word, ridiculous. If any San Franciscan out there remember Margo Sappington's Dance of the Hours in the '79 Gioconda, increase the silliness factor by about 1000 and you'll be close. With all the hootchy-kootchy hippity-hopping, rolling in the dirt, hands-to-head making animal horns and splashing in the U-channel, an appropriate name for this mishmash (which bore no relationship to Rossini's beautiful ballet music) would be "BAMBI AND HIS FRIENDS ON DRUGS RAMPAGE THRU THE FOREST".
In this semi-mosh-pit extravaganza, the point seemed to be who could get their clothes the dirtiest (long billowy white dresses for the wonem, long black pants and untucked loose shirts for the men). The audience greeted the spectacle with hearty booing both at the end of the ballet and (lesser) at the curtain call.
Opera Archives
After narrating the elaborate setting for Moise et Pharaon, Zurletti praises director Graham Vick but blames Ron Howell for a poor choreography. "During Act I the chorus and extras manage to give a thrilling moment when - using a blue ribbon - they outline the star of David, but when in Act III the actual dancers come on stage, it's a disaster because of lack of ideas."
Zurletti
Publicado originalmente em La Repubblica (11, 12 e 22 de Agosto de 1997)
Thou shalt adore Rossini; MUSIC
Independent, The (London), Aug 24, 1997 by Michael White
The set is abstract, vaguely Frank Lloyd Wright, with an enormous cantilevered mirror overhead. The images are purposeful (except for Ron Howell's choreography, which flounders).
"Ron Howell's ugly and endless ballet included such divertissements as a scat orgy, old men smothered in dry- cleaning bags, and Hassids getting sucked off through glory holes."
James Jorden a propósito de Moises und Aron de Schönberg no MET.
Milano - Teatro alla Scala: EVGENIJ ONEGIN - Janeiro 2006
La recensione di OperaClick
Ma se è simpatica la coreografia della danza russa popolare nel primo quadro del primo atto, deludente appare quella miserina dell’inizio del terzo quadro, dove le contadine abbracciate e a passettini attraversano da destra verso sinistra il palcoscenico. Infine il “pas de deux” , durante la polacca, ha il sapore di un insignificante déjà-vu.
Successo per i protagonisti e soprattutto per il direttore, ma non particolarmente caloroso.
Ugo Malasoma
Making a drama out of a costume
Evening Standard (London), Jul 17, 2000 by TOM SUTCLIFFE
DON GIOVANNI
Glyndebourne 2000
...
"She's utterly unfazed by Graham Vick's jokey, dislocated, eager- to-shock staging, which feels quirky, incoherent and inadequately achieved.
Bruce Ford's Ottavio sounds glorious too. But in such an idiosyncratic staging it seems preposterous purism to cut his "Dalla sua pace" because this is the Prague 1787 version.
Richard Hudson's "rehearsal room" set is now dominated by a mound of excrement, with brown handprints smeared on the back wall - and the Don's cheek.
While Andrew Davis drives the score (and the LPO) energetically, Vick gives us the Don's view, supposedly nihilistic and hopeless, where everybody shares his guilt and it's hell on earth.
Forget any notion of a morality about heroic self-indulgence and redemption.
Ford and Sandra Zeltzer's Elvira are main victims of Vick's beastliness.
She has to struggle with spoof rococo marriage frocks and hideous wigs. When the trio aim to apprehend the Don in mid debauch, Ford is ridiculously confined in black frock
and feathered dowager's hat.
The peasants - wearing 1950s C&A best suits and dresses - are dead drunk, and choreographer Ron Howell is busy sending up the Gay Gordons. Natale de Carolis's sympathetic, sexy, longhaired Giovanni (rather like Ferdy in "This Life") doesn't connect much with Alessandro Corbelli's Leporello. Nathan Berg's noble-sounding Masetto and Patrizia Biccire's attractive Zerlina scarcely impact on the plot either.
...
In the second act, the set collapses. The cemetery has "living dead" arms and legs coming through the mound of ordure. Rather than a stone statue, Anna's father is a shuffling red-faced NHS pensioner in pyjamas, slippers and dressing-gown.
The menu is offal ripped out of a dead horse. Eventually, the Don slopes offstage with a crowd of lookalikes in Carnaby Street fur coats.
The Midsummer Marriage (Tippet)
Royal Opera, Covent Garden, London, 31 October, 3, 8, 11, 16, 18 November 2005
"The production itself is in many ways dreamy. Graham Vick's direction is detailed without being fussy, entering into both the bizarre Magic Flute-ish mysticism and the comedy of the secondary characters with great style. Designer Paul Brown's sets are marvellously elegant; the stage isn't cluttered, yet all the big moments carry great spectacle. I wasn't too keen on Ron Howell's choreography for the Ritual Dances, which were played with a velvet sheen by the orchestra; to me the dancing was repetitive and pretentious, but it could be a matter of taste I suppose."
Dominic McHugh in http://www.musicomh.com
Opera: No winners in the mating game
Independent, The (London), Nov 2, 2005 by Edward Seckerson
So what to take away from this long and dispiriting evening? The zest and dappled beauty of Tippett's orchestral writing, of course. But then again, for all the energy of Richard Hickox in the pit, the glorious Ritual Dances of Act II were so successfully hijacked by Ron Howell's risible choreography that one wished Tippett had never added the word 'dances'.
Outra sobre Moïse et Pharaon de Rossini:
And, saving the worst for last, the choreography of the ballet by Ron Howell was, in a word, ridiculous. If any San Franciscan out there remember Margo Sappington's Dance of the Hours in the '79 Gioconda, increase the silliness factor by about 1000 and you'll be close. With all the hootchy-kootchy hippity-hopping, rolling in the dirt, hands-to-head making animal horns and splashing in the U-channel, an appropriate name for this mishmash (which bore no relationship to Rossini's beautiful ballet music) would be "BAMBI AND HIS FRIENDS ON DRUGS RAMPAGE THRU THE FOREST".
In this semi-mosh-pit extravaganza, the point seemed to be who could get their clothes the dirtiest (long billowy white dresses for the wonem, long black pants and untucked loose shirts for the men). The audience greeted the spectacle with hearty booing both at the end of the ballet and (lesser) at the curtain call.
Opera Archives
After narrating the elaborate setting for Moise et Pharaon, Zurletti praises director Graham Vick but blames Ron Howell for a poor choreography. "During Act I the chorus and extras manage to give a thrilling moment when - using a blue ribbon - they outline the star of David, but when in Act III the actual dancers come on stage, it's a disaster because of lack of ideas."
Zurletti
Publicado originalmente em La Repubblica (11, 12 e 22 de Agosto de 1997)
Thou shalt adore Rossini; MUSIC
Independent, The (London), Aug 24, 1997 by Michael White
The set is abstract, vaguely Frank Lloyd Wright, with an enormous cantilevered mirror overhead. The images are purposeful (except for Ron Howell's choreography, which flounders).
"Ron Howell's ugly and endless ballet included such divertissements as a scat orgy, old men smothered in dry- cleaning bags, and Hassids getting sucked off through glory holes."
James Jorden a propósito de Moises und Aron de Schönberg no MET.
Milano - Teatro alla Scala: EVGENIJ ONEGIN - Janeiro 2006
La recensione di OperaClick
Ma se è simpatica la coreografia della danza russa popolare nel primo quadro del primo atto, deludente appare quella miserina dell’inizio del terzo quadro, dove le contadine abbracciate e a passettini attraversano da destra verso sinistra il palcoscenico. Infine il “pas de deux” , durante la polacca, ha il sapore di un insignificante déjà-vu.
Successo per i protagonisti e soprattutto per il direttore, ma non particolarmente caloroso.
Ugo Malasoma
Making a drama out of a costume
Evening Standard (London), Jul 17, 2000 by TOM SUTCLIFFE
DON GIOVANNI
Glyndebourne 2000
...
"She's utterly unfazed by Graham Vick's jokey, dislocated, eager- to-shock staging, which feels quirky, incoherent and inadequately achieved.
Bruce Ford's Ottavio sounds glorious too. But in such an idiosyncratic staging it seems preposterous purism to cut his "Dalla sua pace" because this is the Prague 1787 version.
Richard Hudson's "rehearsal room" set is now dominated by a mound of excrement, with brown handprints smeared on the back wall - and the Don's cheek.
While Andrew Davis drives the score (and the LPO) energetically, Vick gives us the Don's view, supposedly nihilistic and hopeless, where everybody shares his guilt and it's hell on earth.
Forget any notion of a morality about heroic self-indulgence and redemption.
Ford and Sandra Zeltzer's Elvira are main victims of Vick's beastliness.
She has to struggle with spoof rococo marriage frocks and hideous wigs. When the trio aim to apprehend the Don in mid debauch, Ford is ridiculously confined in black frock
and feathered dowager's hat.
The peasants - wearing 1950s C&A best suits and dresses - are dead drunk, and choreographer Ron Howell is busy sending up the Gay Gordons. Natale de Carolis's sympathetic, sexy, longhaired Giovanni (rather like Ferdy in "This Life") doesn't connect much with Alessandro Corbelli's Leporello. Nathan Berg's noble-sounding Masetto and Patrizia Biccire's attractive Zerlina scarcely impact on the plot either.
...
In the second act, the set collapses. The cemetery has "living dead" arms and legs coming through the mound of ordure. Rather than a stone statue, Anna's father is a shuffling red-faced NHS pensioner in pyjamas, slippers and dressing-gown.
The menu is offal ripped out of a dead horse. Eventually, the Don slopes offstage with a crowd of lookalikes in Carnaby Street fur coats.
3.5.06
Lesne Canta e Encanta
Il Seminario Musicale
Gérard Lesne (contratenor)
Em torno da família Bach
Johann Michael Bach: Ach wie sehnlich wart’ich der Zeit
Johann Christoph Bach: Wie bist du denn, O Gott
Johann Sebastian Bach:
Sarabande, Bourrées I e II e Gigue da Suite para Violoncelo solo Nº. 3, BWV 1009
Cantata BWV 54 “Widerstehe doch der Sünde“
Johann Michael Bach:Auf laßt uns den Herren Loben
Johann Christoph Bach: Ach, dass ich Wassers gnug hätte
Johann Sebastian Bach: Sonata em Sol Maior, BWV 102
Johann Michael Bach: Es ist ein grosser Gewinn
Johann Sebastian Bach: Cantata BWV 53 “Schlage doch, gewünschte Stunde”
Quem foi ao concerto do primeiro de Maio na Fundação já sabia ao que ia, Lesne já não tem voz a voz que teve, e nunca teve uma grande voz. Por outro lado, os grandes músicos que têm acompanhado ao longo de anos o cantor (como Bruno Cocset e tantos outros) e director provavelmente não viriam a Lisboa, assim foi. Mas a escolha do programa com obras dos primos de Johann Sebastian, algumas notáveis como o lamento Ach, dass ich Wassers gnug hätte, prenunciava um concerto de grande beleza e sensibilidade.
Lesne canta com uma subtileza e uma capacidade de dizer o texto notáveis, domina com maestria o repertório alemão cantando com singular acerto vocal e elegância. Onde falta potência vocal sobra inteligência, refinamento e capacidade de transmitir o sentimento das obras.
O topo da interpretação de Lesne foi precisamente atingido no lamento de Johan Christoph, obra notável pela economia de recursos usados e pelo intenso dramatismo e pathos transmitido. Foi no extra, em que Lesne repetiu o lamento, que mais se sentiu a força da expressividade do cantor nesta música tão requintada e subtil do século XVII.
O agrupamento instrumental com duas violas da gamba, um violoncelo, cravo ou órgão e dois violinos cumpriu sem atingir um alto nível artístico, mas de forma muito profissional, o canto de Gérard Lesne. Dispensáveis as obras instrumentais por músicos que ainda não atingiram grande maturidade e com a 3ª Suite para violoncelo solo amputada, apesar de uma interpretação correcta de Jean-Christophe Marq, nada se acrescentou. O violinista Yannis Roger mostrou uma sonoridade demasiado escolar e imatura, desafinando também q.b., para fazer com grande préstimo a sonata BWV 1021 de Johann Sebastian. Era necessário ter algumas pausas para Lesne descansar e lá se tiveram de ouvir as obras instrumentais.
Um excelente concerto pela cultura e musicalidade de Lesne. Quem foi à Gulbenkian neste final de tarde voltou mais rico.
Nota positiva para o programa que, desta vez, tem informações úteis e não tem incorrecções (que eu tenha detectado).
Bola preta para o sistema de ar condicionado, e quem o regula, do Grande Auditório da Fundação Gulbenkian. A sala estava gelada, muitas pessoas tiveram de vestir casacos e camisolas. Eu, que estava ligeiramente constipado e sem tosse, saí da sala muito pior e a tossir imenso. No intervalo brincava-se com o assunto mas o tom era de queixa geral. Este final de temporada promete! Creio que terei de levar um sobretudo e cachecol para os concertos de Maio e Junho!
Nota final: o facto de Lesne poder continuar a cantar desta forma tem a ver com a inteligência e a cultura do cantor. No exemplo dos Tallis Scholars na Festa da Música observámos um grupo envelhecido que não soube temperar o seu envelhecimento com esse refinamento da experiência feita e, sem a cultura do entendimento do texto e da música, acaba por ser penoso de escutar.
Gérard Lesne (contratenor)
Em torno da família Bach
Johann Michael Bach: Ach wie sehnlich wart’ich der Zeit
Johann Christoph Bach: Wie bist du denn, O Gott
Johann Sebastian Bach:
Sarabande, Bourrées I e II e Gigue da Suite para Violoncelo solo Nº. 3, BWV 1009
Cantata BWV 54 “Widerstehe doch der Sünde“
Johann Michael Bach:Auf laßt uns den Herren Loben
Johann Christoph Bach: Ach, dass ich Wassers gnug hätte
Johann Sebastian Bach: Sonata em Sol Maior, BWV 102
Johann Michael Bach: Es ist ein grosser Gewinn
Johann Sebastian Bach: Cantata BWV 53 “Schlage doch, gewünschte Stunde”
Quem foi ao concerto do primeiro de Maio na Fundação já sabia ao que ia, Lesne já não tem voz a voz que teve, e nunca teve uma grande voz. Por outro lado, os grandes músicos que têm acompanhado ao longo de anos o cantor (como Bruno Cocset e tantos outros) e director provavelmente não viriam a Lisboa, assim foi. Mas a escolha do programa com obras dos primos de Johann Sebastian, algumas notáveis como o lamento Ach, dass ich Wassers gnug hätte, prenunciava um concerto de grande beleza e sensibilidade.
Lesne canta com uma subtileza e uma capacidade de dizer o texto notáveis, domina com maestria o repertório alemão cantando com singular acerto vocal e elegância. Onde falta potência vocal sobra inteligência, refinamento e capacidade de transmitir o sentimento das obras.
O topo da interpretação de Lesne foi precisamente atingido no lamento de Johan Christoph, obra notável pela economia de recursos usados e pelo intenso dramatismo e pathos transmitido. Foi no extra, em que Lesne repetiu o lamento, que mais se sentiu a força da expressividade do cantor nesta música tão requintada e subtil do século XVII.
O agrupamento instrumental com duas violas da gamba, um violoncelo, cravo ou órgão e dois violinos cumpriu sem atingir um alto nível artístico, mas de forma muito profissional, o canto de Gérard Lesne. Dispensáveis as obras instrumentais por músicos que ainda não atingiram grande maturidade e com a 3ª Suite para violoncelo solo amputada, apesar de uma interpretação correcta de Jean-Christophe Marq, nada se acrescentou. O violinista Yannis Roger mostrou uma sonoridade demasiado escolar e imatura, desafinando também q.b., para fazer com grande préstimo a sonata BWV 1021 de Johann Sebastian. Era necessário ter algumas pausas para Lesne descansar e lá se tiveram de ouvir as obras instrumentais.
Um excelente concerto pela cultura e musicalidade de Lesne. Quem foi à Gulbenkian neste final de tarde voltou mais rico.
Nota positiva para o programa que, desta vez, tem informações úteis e não tem incorrecções (que eu tenha detectado).
Bola preta para o sistema de ar condicionado, e quem o regula, do Grande Auditório da Fundação Gulbenkian. A sala estava gelada, muitas pessoas tiveram de vestir casacos e camisolas. Eu, que estava ligeiramente constipado e sem tosse, saí da sala muito pior e a tossir imenso. No intervalo brincava-se com o assunto mas o tom era de queixa geral. Este final de temporada promete! Creio que terei de levar um sobretudo e cachecol para os concertos de Maio e Junho!
Nota final: o facto de Lesne poder continuar a cantar desta forma tem a ver com a inteligência e a cultura do cantor. No exemplo dos Tallis Scholars na Festa da Música observámos um grupo envelhecido que não soube temperar o seu envelhecimento com esse refinamento da experiência feita e, sem a cultura do entendimento do texto e da música, acaba por ser penoso de escutar.
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