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13.5.06

Mullova desilude - Vengerov brilha - Temporada Gulbenkian 

Oito músicos excelentes não fazem um ensemble, o concerto de 8 de Maio com duas obras primas do repertório de câmara, o septeto op. 20 de Beethoven, obra que deu grande sucesso ao compositor, e o octeto em Fá maior, D. 803 de Schubert, provaram isso mesmo.
Mullova é uma grande intérprete, sonoridade de grande beleza, técnica, o clarinete Pascal Moraguès impressionou pela beleza de som, sensibilidade nos andamentos lentos e técnica no último andamento do octeto de Schubert, Manuel Fischer Dieskau no violoncelo é muito empenhado e entusiático, fagote (Marco Postinghel), viola de bela sonoridade (Maxim Rysanov), contrabaixo, trompa e segundo violino, todos mostraram méritos. Todos os instrumentistas foram tecnicamente bons, mesmo o trompa Guido Conti, que segundo alguns amigos me disseram teve uma actuação desastrada no Porto no dia seguinte e que na Gulbenkian mostrou um som bonito e sforzandos de belo recorte que recrearam o instrumentista e o público com momentos de puro divertimento.
Mullova teve um deslize imperdoável na primeira secção do minuete de Schubert numas semicolcheias facílimas em que trocou notas (onde aparecia lá bemol deu lá natural) se atrapalhou e aldrabou a passagem toda. Entretanto no último andamento não efectuou as célebres passagens em tercinas (comp. 124, 141, 329, 348) de forma limpa, nem se percebeu bem a figuração atabalhoada que fazia. Faltou clareza e estudo, pois embora Mullova seja perfeitamente capaz de tocar aquilo, e até já gravou, as passagens são, segundo o musicólogo Max Hochkosser, "invulgarmente difíceis". Já o clarinete limpou as suas dificuldades de forma suprema.
O problema foi o conjunto e a concepção das obras, minuetes muito pouco interessante feitos a despachar, sem acentuação, sem vivacidade, critérios nas repetições absurdos, umas vezes repetia-se o trio e não a secção inicial das formas ABA (!), outras vezes era apenas a secção inicial que se repetia e as secções do trio não. A exposição dos primeiros andamentos nunca se repetiu. Os andamentos muito vivos foram feitos de forma mortiça, notório foi o desinteressante Allegro final do último andamento de Schubert e, pior, quando passa a alegro molto (compasso 376) e depois vem o acelerando terminal (comp. 403) o tempo foi pesado, arrastado, aparentando ser (ainda) mais lento que o início do allegro (comp. 17) deste andamento. Os instrumentistas raramente acertaram nas entradas de conjunto, sobretudo nos inícios dos andamentos em que os tempos não eram claros para todos. O trabalho de articulação de passagens semelhantes em diferentes instrumentos nem sempre era o mesmo, denotando, de novo, falta de trabalho de ensaio conjunto.
É interessante ver um grupo de amigos a tocar por prazer da música, é agradável, para amadores seria um concerto fantástico, para um agrupamento de profissionais que se reune uma noite para o prazer de fazer música em conjunto e beber uns copos, seria muito bom, mas a um ensemble profissional da categoria destes num concerto público e caro numa sala importante o grau de exigência tem de ser superior. Bonito de se ouvir mas desinteressante como conceito de interpretação.

Entretanto Maxim Vengerov deu-nos um recital de uma seriadade absoluta, bem longe de algumas actuações a rondar o kitsch am tempos passados. Foi a 3 de Maio acompanhado pela pianista Lilya Zilberstein, que Vengerov tocou Beethoven, sonata nº7, Dó menor, op. 30 nº 2. Mozart, redução para violino e piano do Adagio em Mi Maior K. 261. Prokofiev, Sonata para Violino e piano nº 1, Fá menor, op. 80. Dez prelúdios do op. 74 de Shostakovith (arr. de Tziganov).
Vengerov abordou Mozart de forma sensível mas algo excessiva nos pianos que no meu entender tiveram uma sonoridade demasiado agressiva e um uso de vibrato que acho desaconselhado em Mozart, mas gostei bastante da forma séria como Vengerov trabalhou Mozart.
Em Beethoven notei que faltou alguma subtileza nos graves da mão esquerda de Zilbertein nos pianíssimos, onde se poderia dar mais textura e densidade. Vengerov esteve belíssimo, articulando e tocando as frases de forma interessante sem abusar do legato e (sobretudo) com rubato subtil e elegante. Apenas os sforzandos foram algo excessivos (rudes) e os acordes do violino em ff também não primaram pela suavidade.
Prokofiev foi o melhor, Vengerov mostrou-se inspirado, de som muito belo, sem ser excessivo, técnica perfeita, o que mais impressionou foram os pp de grande subtileza e elegância e a expressividade notável de Vengerov sem entrar nunca no excesso. O violinista foi ao extremo da sensibilidade sem cair no excesso da lamechice. Andamentos lentos de grande rigor, plasticidade e beleza contida, uma interpretação exacta.
Os simples prelúdios op. 34 de Shostakovich foram um culminar feliz de um recital de violino e piano de grande qualidade e que nos deixou felizes ao sair. Mais um prelúdio como extra e uma xaropada do Kreisler como segundo extra do tipo: "acabou, para o ano há mais"...
Curiosamente a um recital deste tipo, em que o violinista foi de rigor total e mostrou uma grande atitude como músico, abordando obras de grande valor musical que se adaptam ao seu som e estilo, o público não foi tão entusiástico (apesar dos bravos e do bater palmas de pé) como em actuações anteriores. Será que o "tudo isto existe, tudo isto é triste, tudo isto é fado"?

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