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26.5.06

Algumas reflexões esparsas 

Criticado por ter gravado uma Valquíria onde ressoava o espírito de Weber, Karajan respondeu sem se perturbar com a pergunta:

«É evidente que o espírito de Weber está bem presente. Foi o primeiro compositor a ter o sentido da Natureza viva que atravessa toda a obra de Wagner. Se não transmitimos esse sentimento de identidade entre Música e Natureza, estamos a omitir a verdade ao ouvinte. Que é a Tetralogia, no final de contas, senão uma parábola da Natureza violada? Junta-se a isso o complexo pai-filho - o mais velho, que tem o conhecimento, admira o mais novo pela sua força instintiva e a sua influência mais forte sobre o rumo das coisas. Wagner identificava-se nos dois.»

Uma das mais breves explicações sobre a Tetralogia, e provavelmente uma das mais perfeitas na sua concisão. Natureza violada, Karajan identifica um pontos essenciais da Tetralogia, ou não tenha sido um profundo conhecedor dos meandros da partitura do ponto de vista musical, pois é no conhecimento da música que radica toda a possibilidade de interpretação filosófica da obra. Wagner conheceu Shopenhauer depois de escrever o poema, é na música que vai introduzir toda a carga filosófica que aliás reconheceu como já presente de forma intuitiva no seu trabalho, "é isto mesmo" diz Wagner ao ler O Mundo Como Vontade de Representação. O mundo não presta, os homens são perversos, a história é o regresso à realidade oculta do mundo, inominável, ao qual os Deuses vão regressar depois de todas as transgressões, à qual Siegfried regressa, Brünnhilde regressa, Hagen regressa, Gunther e Gutrune, todos os "heróis" e Valquírias, Fafner e Fasolt, resquícios de um tempo primitivo de dragões e gigantes, Hunding, Siegmund e Sieglinde, uns através da morte violenta, e se há mortes violentas na Tetralogia, um autêntico banho de sangue, outros através do crepúsculo eterno, Erda que se dissolve na terra, as Nornas que se submergem, elas também resquícios de tempos de uma Terra primordial, todos regressam ao Nonumenal. Sobra apenas de fora o Fogo de Loge, prisioneiro ele também do Crepúsculo, mas que nunca entrou no Walhalla e um Alberich senhor dos Nibelungos que persiste vivo como encarnação de todos os males e da realidade viva do mundo, algures numa realidade paralela, uma espécie de Wanderer do mal, aparecendo em sonhos como no Crepúsculo apareceu a Hagen, num mundo trágico destruído pelos homens. (E já foi feita uma ópera tendo como Alberich o principal personagem e que retrata o seu percurso depois do Crepúsculo!)
Haverá redenção depois desta interpretação? Sobra espaço para a utopia? Wagner deixou uma porta aberta ao fechar o ciclo harmónico, um regresso às origens, um eterno retorno, a reposição da força da Natureza depois da destruição, um tema de esperança, última redenção antes do final. Finalmente o homem ficou junto do Reno e o Mito foi morto, ou nasceu o Mito agora que a sua personificação activa se encerrou no Crepúsculo?
O Mito nasceu, por duas razões, porque não existem agentes reais e vivos do Mito, os Deuses ocultos são a encarnação desse mesmo Mito. Segundo: porque existe o monumento ao génio humano, uma obra maior de toda a humanidade, um testamento para o futuro que é a Tetralogia, um Mito da cultura ela mesmo, como obra sempre inacabada, aberta a todas as interpretações e autêntica chave do mundo. A Tetralogia é o Mito criado por Wagner.

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