30.11.05
Chamo a atenção para o blogue Aspirina B
Deve ser lido com atenção e seguido. De notar que a aspirina é o único medicamento que me faz bem às enxaquecas.
Espero ainda que não haja uma proliferação prólica de blogueiros sem bestunto a corromper o produto transformando-o num genérico com a fómula adulterada.
Poca sed matura, como nos disse Gauss.
Gostei muito de ler. E continuarei.
Espero ainda que não haja uma proliferação prólica de blogueiros sem bestunto a corromper o produto transformando-o num genérico com a fómula adulterada.
Poca sed matura, como nos disse Gauss.
Gostei muito de ler. E continuarei.
A perda de Olivença - Eleições e Regime
A perda de Olivença em 1801 é o exemplo último da decadência da monarquia brigantina e da inépcia do príncipe João, futuro João VI, alarve (como o prova o costume de ter os bolsos sempre cheios de pernas de frango), cobarde (fuga para o Brasil durante a noite no meio de convulsões de choro), porco (não se lavava) e incompetente.
Poderia ter sido tudo isto, como o foi seu avô (e tio) D. José I, se tivesse um Pombal para lhe governar o país. Pelo contrário tinha uma corja de fradecos, desembargadores, castrados e outros cobardes incapazes à sua volta.
O episódio da guerra (1801) em que se perdeu Olivença é lamentável, a Espanha invade Portugal para obrigar a monarquia brgantina a abandonar a aliança com a Inglaterra contra Napoleão.
Portugal perde em toda a linha, a guerra é um simulacro, o general comandante das tropas portuguesas tem mais de 80 anos como nos recorda Oliveira Martins na sua História de Portugal, o que por outro lado nos recorda outros. O príncipe regente João cobardemente cede a todas as exigências dos franceses e espanhóis e concede:
1. Olivença à Espanha.
2. Fechar os portos aos navios britânicos.
3. Pagar à França uma indemnização de 15 milhões de libras.
4. Aceitar as fronteiras da Guiana até à foz do Rio Arawani.
Rasga assim a aliança com a Inglaterra e volta-se cobardemente contra os seus aliados. Desde então Portugal, na senda de Olivença, vem perdendo soberania e dignidade. O povo amoleceu, os governantes foram piorando, foram-se tornando comissários de potências estrangeiras, se possível isso fora e chegamos a este estado. Sem recursos, sem inteligência, sem brio, sem força, somos mesmo um cadáver adiado que procria.
A questão hoje que se coloca é este regime funciona para este país? Nestas eleições presidenciais poderíamos equacionar estas questões, infelizmente todos os cinco candidatos institucionais não nos dizem nada sobre a questão última: qual a forma de democracia para Portugal? Todos são homens do regime. O candidato que nada diz posiciona-se em face de candidatos que dizem nada. Nulidades e afectividades na ausência de um discurso de ruptura. Mas será que este país percebe que é tempo de ruptura? Ou será que os cordeiros mansos gostam de ser levados ao matadouro?
Em 1801 perdemos Olivença por causa da inépcia e cobardia de João VI e de um sistema caduco, em 2005 vamos perdendo o país pela inépcia dos políticos, por falta de uma elite intelectual, por decadência de um povo.
Estamos a tempo de reverter?
Poderia ter sido tudo isto, como o foi seu avô (e tio) D. José I, se tivesse um Pombal para lhe governar o país. Pelo contrário tinha uma corja de fradecos, desembargadores, castrados e outros cobardes incapazes à sua volta.
O episódio da guerra (1801) em que se perdeu Olivença é lamentável, a Espanha invade Portugal para obrigar a monarquia brgantina a abandonar a aliança com a Inglaterra contra Napoleão.
Portugal perde em toda a linha, a guerra é um simulacro, o general comandante das tropas portuguesas tem mais de 80 anos como nos recorda Oliveira Martins na sua História de Portugal, o que por outro lado nos recorda outros. O príncipe regente João cobardemente cede a todas as exigências dos franceses e espanhóis e concede:
1. Olivença à Espanha.
2. Fechar os portos aos navios britânicos.
3. Pagar à França uma indemnização de 15 milhões de libras.
4. Aceitar as fronteiras da Guiana até à foz do Rio Arawani.
Rasga assim a aliança com a Inglaterra e volta-se cobardemente contra os seus aliados. Desde então Portugal, na senda de Olivença, vem perdendo soberania e dignidade. O povo amoleceu, os governantes foram piorando, foram-se tornando comissários de potências estrangeiras, se possível isso fora e chegamos a este estado. Sem recursos, sem inteligência, sem brio, sem força, somos mesmo um cadáver adiado que procria.
A questão hoje que se coloca é este regime funciona para este país? Nestas eleições presidenciais poderíamos equacionar estas questões, infelizmente todos os cinco candidatos institucionais não nos dizem nada sobre a questão última: qual a forma de democracia para Portugal? Todos são homens do regime. O candidato que nada diz posiciona-se em face de candidatos que dizem nada. Nulidades e afectividades na ausência de um discurso de ruptura. Mas será que este país percebe que é tempo de ruptura? Ou será que os cordeiros mansos gostam de ser levados ao matadouro?
Em 1801 perdemos Olivença por causa da inépcia e cobardia de João VI e de um sistema caduco, em 2005 vamos perdendo o país pela inépcia dos políticos, por falta de uma elite intelectual, por decadência de um povo.
Estamos a tempo de reverter?
26.11.05
Um grande concerto e Amílcar Gameiro
Depois das tremendas laudas de Rui Lagartinho fui ontem ouvir o Sergei Khachatrian à Fundação Gulbenkian tocar o concerto nº1 de Chostakovitch em lá menor opus 77. A direcção foi de Paavo Järvi,
A primeira, e maior, surpresa foi a orquestra em Searching for Roots de Erkki-Svrn Tüür. Habituado a uma orquestra de 12 a um máximo de 14 valores sob a batuta de Foster encontrei ontem uma orquestra coesa, tecnicamente elevada, sem pontos fracos, sem desafinações, respondendo como uma mola às solicitações de Järvi e aqui tenho de concordar com o que disse Rui Lagartinho neste blogue.
Não acredito que Järvi trabalhe mais do que Foster, o que penso é que trabalhou muito melhor. Em música tempo de qualidade é melhor do que mais tempo, Péskó no S. Carlos com ensaios e mais ensaios nunca passou da cepa torta até que surgiu naturalmente a magnífica notícia de que não dirige no S. Carlos esta temporada, ao contrário do anunciado, e que a história do maestro "honorário" não passou de uma forma de o passar ao quociente mas adiante. Penso que Foster está a cair numa banalidade e rotina que estão a tornar insuportáveis quaisquer concertos dirigidos por si. Järvi provou ontem que a Gulbenkian é uma orquestra sólida que responde bem sob batutas de qualidade.
Veio depois o concerto de Chostakovich para violino e orquestra, uma obra complexa e difícil, muito introspectiva e melancólica nos andamentos lentos (sobretudo na Passacaglia), idiomática nos rápidos:
1. Nocturne: Moderato
2. Scherzo: Allegro
3. Passacaglia: Andante
4. Burlesque: Allegro con brio
Devo dizer que prefiro os andamentos lentos, nos rápidos o compositor russo acaba por repetir algumas fómulas e tornar-se obsessivo no ritmo cortado e muito incisivo que se repete em concertos e sinfonias em muitos dos seus scherzos. O violinista comportou-se de uma forma extraordinária, notei apenas uma quebra da nota final do primeiro andamento e talvez um quase imperceptível toque de stress no scherzo que o fez adiantar ligeiramente algumas entradas, mas sem afectar a coerência da interpretação.
O mais evidente foi a consistência e a sonoridade do violino em todo o concerto. Amadurecido e pensado o concerto foi abordado com uma enorme convicção e uma certeza interpretativa notável. Foi lido como um todo, a separação entre os pontos em que usou vibrato e os pontos em que dispensou o mesmo, sobretudo no primeiro andamento em que a sonoridade surge descarnada quase sempre em piano e pianíssimo mas sempre espessa, foi notável; o violinista conseguiu manter a tensão e o domínio da obra dispensando o vibrato quase totalmente. No entanto, a passacaglia foi, para mim, o momento sublime da interpretação, quer do violino, quer da orquestra. Neste ponto tenho de salientar o tuba Amílcar Gameiro, que tocou de forma maravilhosa em diálogo com o violino, com confiança e serenidade, em passagens de uma beleza admiráveis e inusitadas. Onde se viu um compositor fazer um concerto de violino em que este dialoga com a tuba no andamento mais sereno e introspectivo? Teria de ser Chostakovich a imaginar algures num ponto de equilíbrio fugaz este diálogo impossível. Simplesmente genial pelas frases, pela beleza irreal da melodia. Espantou também Sergei Khachatrian pela produção sonora de uma qualidade absoluta, harmónicos e acordes realizados de forma perfeita e uma afinação perfeita.
Uma interpretação soberba de todos os intervenientes em que o último andamento se tornou quase redundante depois da magistral passacaglia.
Depois deste concerto qualquer extra seria extemporâneo mas foi exigido... pena.
Henrique Silveira
A primeira, e maior, surpresa foi a orquestra em Searching for Roots de Erkki-Svrn Tüür. Habituado a uma orquestra de 12 a um máximo de 14 valores sob a batuta de Foster encontrei ontem uma orquestra coesa, tecnicamente elevada, sem pontos fracos, sem desafinações, respondendo como uma mola às solicitações de Järvi e aqui tenho de concordar com o que disse Rui Lagartinho neste blogue.
Não acredito que Järvi trabalhe mais do que Foster, o que penso é que trabalhou muito melhor. Em música tempo de qualidade é melhor do que mais tempo, Péskó no S. Carlos com ensaios e mais ensaios nunca passou da cepa torta até que surgiu naturalmente a magnífica notícia de que não dirige no S. Carlos esta temporada, ao contrário do anunciado, e que a história do maestro "honorário" não passou de uma forma de o passar ao quociente mas adiante. Penso que Foster está a cair numa banalidade e rotina que estão a tornar insuportáveis quaisquer concertos dirigidos por si. Järvi provou ontem que a Gulbenkian é uma orquestra sólida que responde bem sob batutas de qualidade.
Veio depois o concerto de Chostakovich para violino e orquestra, uma obra complexa e difícil, muito introspectiva e melancólica nos andamentos lentos (sobretudo na Passacaglia), idiomática nos rápidos:
1. Nocturne: Moderato
2. Scherzo: Allegro
3. Passacaglia: Andante
4. Burlesque: Allegro con brio
Devo dizer que prefiro os andamentos lentos, nos rápidos o compositor russo acaba por repetir algumas fómulas e tornar-se obsessivo no ritmo cortado e muito incisivo que se repete em concertos e sinfonias em muitos dos seus scherzos. O violinista comportou-se de uma forma extraordinária, notei apenas uma quebra da nota final do primeiro andamento e talvez um quase imperceptível toque de stress no scherzo que o fez adiantar ligeiramente algumas entradas, mas sem afectar a coerência da interpretação.
O mais evidente foi a consistência e a sonoridade do violino em todo o concerto. Amadurecido e pensado o concerto foi abordado com uma enorme convicção e uma certeza interpretativa notável. Foi lido como um todo, a separação entre os pontos em que usou vibrato e os pontos em que dispensou o mesmo, sobretudo no primeiro andamento em que a sonoridade surge descarnada quase sempre em piano e pianíssimo mas sempre espessa, foi notável; o violinista conseguiu manter a tensão e o domínio da obra dispensando o vibrato quase totalmente. No entanto, a passacaglia foi, para mim, o momento sublime da interpretação, quer do violino, quer da orquestra. Neste ponto tenho de salientar o tuba Amílcar Gameiro, que tocou de forma maravilhosa em diálogo com o violino, com confiança e serenidade, em passagens de uma beleza admiráveis e inusitadas. Onde se viu um compositor fazer um concerto de violino em que este dialoga com a tuba no andamento mais sereno e introspectivo? Teria de ser Chostakovich a imaginar algures num ponto de equilíbrio fugaz este diálogo impossível. Simplesmente genial pelas frases, pela beleza irreal da melodia. Espantou também Sergei Khachatrian pela produção sonora de uma qualidade absoluta, harmónicos e acordes realizados de forma perfeita e uma afinação perfeita.
Uma interpretação soberba de todos os intervenientes em que o último andamento se tornou quase redundante depois da magistral passacaglia.
Depois deste concerto qualquer extra seria extemporâneo mas foi exigido... pena.
Henrique Silveira
25.11.05
Maçonaria
Uma organização em que se atinge o título de "mestre" em muito menos tempo do que o de cinturão negro em judo ou karaté não me pode merecer grande confiança...
22.11.05
O cadáver adiado
Um cadáver adiado que procria, assim falou Fernando Pessoa (ver poema no final do post). No caso do Blog-de-esquerda pode-se dizer que foi passando de cadáver adiado que procria, que o foi desde há alguns tempos, a cadáver adiado acabando agora por ser apenas cadáver com certidão de óbito adiada. Espero apenas que não fique putrefacto antes de ser declarado oficialmente morto, o que me parece ser um risco claro, mas pouco grave, em face do estado final a que chegou.
Custam-me as longas separações, as agonias lentas, nada melhor do que uma morte rápida sem lamechices. E como aquilo já está mesmo morto todas as lamentações sabem a lamento de carpideira falsa. Morte anunciada só a do Garcia Marques que por ser um génio a transformou em vida.
Gostava que esta morte anunciada se transformasse de novo em vida. É pena que a qualidade de José Mário Silva, meu antigo vizinho do andar de cima, e de seu irmão, se tenha misturado com qualidade avulsa, esparsa ou mesmo nula de muitos dos seus colaboradores de blogue. Olhar para aquilo hoje mete um pouco de dó, quando se compara com os tempos áureos do Blog de Esquerda, percursor e inspiração para os blogueiros dos primeiros tempos aos quais me orgulho, também, de pertencer.
Infelizmente os melhores blogues vão acabando por uma razão ou outra, alguns por insurgências internas, outros por perda do domínio da criatura, outras por desalento e apatia. O Blog de Esquerda foi um dos melhores blogues portugueses, era consistente e nunca pretendeu assumir-se como uma espécie de líder cor de rosa da blogosfera lusa, nunca foi uma fraude, isso era interessante. Mesmo na sua propositura alinhada e maniqueísta (alheia a José Mário Silva) final, sempre foi honesto. É pena este final.
D. SEBASTIÃO
Rei de Portugal
Louco, sim, louco, porque quis grandeza
Qual a Sorte a não dá.
Não coube em mim minha certeza;
Por isso onde o areal está
Ficou meu ser que houve, não o que há.
Minha loucura, outros que me a tomem
Com o que nela ia.
Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia,
Cadáver adiado que procria?
Custam-me as longas separações, as agonias lentas, nada melhor do que uma morte rápida sem lamechices. E como aquilo já está mesmo morto todas as lamentações sabem a lamento de carpideira falsa. Morte anunciada só a do Garcia Marques que por ser um génio a transformou em vida.
Gostava que esta morte anunciada se transformasse de novo em vida. É pena que a qualidade de José Mário Silva, meu antigo vizinho do andar de cima, e de seu irmão, se tenha misturado com qualidade avulsa, esparsa ou mesmo nula de muitos dos seus colaboradores de blogue. Olhar para aquilo hoje mete um pouco de dó, quando se compara com os tempos áureos do Blog de Esquerda, percursor e inspiração para os blogueiros dos primeiros tempos aos quais me orgulho, também, de pertencer.
Infelizmente os melhores blogues vão acabando por uma razão ou outra, alguns por insurgências internas, outros por perda do domínio da criatura, outras por desalento e apatia. O Blog de Esquerda foi um dos melhores blogues portugueses, era consistente e nunca pretendeu assumir-se como uma espécie de líder cor de rosa da blogosfera lusa, nunca foi uma fraude, isso era interessante. Mesmo na sua propositura alinhada e maniqueísta (alheia a José Mário Silva) final, sempre foi honesto. É pena este final.
D. SEBASTIÃO
Rei de Portugal
Louco, sim, louco, porque quis grandeza
Qual a Sorte a não dá.
Não coube em mim minha certeza;
Por isso onde o areal está
Ficou meu ser que houve, não o que há.
Minha loucura, outros que me a tomem
Com o que nela ia.
Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia,
Cadáver adiado que procria?
De bom tom e sincero
O parabéns ao Causa Nossa pelos dois anos. Embore discorde frequentemente das posições pouco meditadas de Vítal Moreira e companheiros de blogue, nomeadamente quando discutem ideologia e sobretudo democracia como se esta fosse uma criação imutável e monolítica, uma abstração que, como Oliveira Martins tão bem explicou, como todas as abstrações não existe! É uma forma de pensar estruturada por uma classe de pensamento único e, diria, totalitário, como a recente questão do presidencialismo prova.
Interrogo-me sobre a opinião de Vítal Moreira sobre a questão do cesarismo sidonista que adivinho seja condenado sem mais delongas, ou ainda pela questão do uso da violência para a subversão, mais ou menos democrática, do estado. Gostava de conhecer a opinião do jurista e constitucionalista sobre a questão da revolução e do assassinato como forma de produzir mudanças no sistema político e revoluções sociais. Enfim, questões complexas para quem estuda a constituição, muitas vezes quase esquecendo que um breve acordo entre políticos pode deitar abaixo anos de doutrina nos escassos segundos de uma votação parlamentar.
O que pensa Vítal Moreira da morte de Sidónio, ou do assassinato de D. Carlos e seu filho, por exemplo.
Mas regressando ao blogue Causa Nossa acrescento que o leio com prazer desde o seu início, e que apesar das críticas tenho grande estima e consideração intelectual pelos que lá escrevem, parabéns.
Interrogo-me sobre a opinião de Vítal Moreira sobre a questão do cesarismo sidonista que adivinho seja condenado sem mais delongas, ou ainda pela questão do uso da violência para a subversão, mais ou menos democrática, do estado. Gostava de conhecer a opinião do jurista e constitucionalista sobre a questão da revolução e do assassinato como forma de produzir mudanças no sistema político e revoluções sociais. Enfim, questões complexas para quem estuda a constituição, muitas vezes quase esquecendo que um breve acordo entre políticos pode deitar abaixo anos de doutrina nos escassos segundos de uma votação parlamentar.
O que pensa Vítal Moreira da morte de Sidónio, ou do assassinato de D. Carlos e seu filho, por exemplo.
Mas regressando ao blogue Causa Nossa acrescento que o leio com prazer desde o seu início, e que apesar das críticas tenho grande estima e consideração intelectual pelos que lá escrevem, parabéns.
Alarvidade
Joana Amaral Dias acha muito engraçado o bater com nariz na porta de Bush. Eu também acho engraçado, mas que ilações posso tirar: Que lhe fecharam a porta? Que Bush não conhecia a sala?
Penso que o presidente americano até se saiu muito bem, gostava de ver Soares ou Sócrates, que passa a vida a fugir dos jornalistas, na mesma situação. Infelizmente Bush não se saiu bem no Iraque e noutras partes do mundo.
Quais os resultados de gozar com a situação? O riso alarve perante situações como quedas ou com o bater com o nariz na porta é triste e bisonho. Devem-se combater ideias não gozar com as dificuldades dos outros. Não é sério, é mesmo doentio. Ao atacar pelo lado básico Joana Dias não se apercebe que se descredibiliza e reduz a sua crítica a golpes baixos, sem fundamento, apenas por gozo sintético ao contrário de pensamento analítico.
P.S. Outra coisa é a terrível música que se pode escutar no blogue Bicho Carpinteiro, terá sido Medeiros Ferreira, que agora é comentador futeblístico, a escolher aquela coisa paupérrima do ponto de vista musical? Um sintoma da pobreza de raciocínio e de cultura de quem gere aquilo. De todos? Viva o pop do top que o povo é que manda e a Blondie é gira. Elites para que te quero? Segue a letra da cançoneta, para se poder comparar com o poema truncado de Voltaire que Joana Amaral Dias postou há uns dias. Parece que o lema de Rilke escolhido pelo blogue: "Se eu gritar, quem poderá escutar-me, nas hierarquias dos anjos?... já tem resposta: Blondie!
Once I had a love and it was a gas
Soon turned out had a heart of glass
Seemed like the real thing, only to find
Mucho mistrust, love's gone behind
Once I had a love and it was divine
Soon found out I was losing my mind
It seemed like the real thing but I was so blind
Mucho mistrust, love's gone behind
Uma vez tive um amor e era um gás
Logo se revelou tinha um coração de vidro
Parecia a coisa real, apenas para descobrir
Mucha desconfiança, o amor foi para trás
Uma vez tive um amor e era divino
Depressa descobri que estava a perder a cabeça
Parecia a coisa real nas eu estava tão cega
Mucha desconfiança, o amor foi para trás
Não traduzo mais porque estou a ficar com vómitos.
In between
What I find is pleasing and I'm feeling fine
Love is so confusing there's no peace of mind
If I fear I'm losing you it's just no good
You teasing like you do
Once I had a love and it was a gas
Soon turned out had a heart of glass
Seemed like the real thing, only to find
Mucho mistrust, love's gone behind
Once I had a love and it was divine
Soon found out I was losing my mind
It seemed like the real thing but I was so blind
Mucho mistrust, love's gone behind
Lost inside
Adorable illusion and I cannot hide
I'm the one you're using, please don't push me aside
We coulda made it cruising, yeah
Yeah, riding high on love's true bluish light
Once I had a love and it was a gas
Soon turned out to be a pain in the ass
Seemed like the real thing only to find
Mucho mistrust, love's gone behind
Vou escutar isto para recuperar.
Penso que o presidente americano até se saiu muito bem, gostava de ver Soares ou Sócrates, que passa a vida a fugir dos jornalistas, na mesma situação. Infelizmente Bush não se saiu bem no Iraque e noutras partes do mundo.
Quais os resultados de gozar com a situação? O riso alarve perante situações como quedas ou com o bater com o nariz na porta é triste e bisonho. Devem-se combater ideias não gozar com as dificuldades dos outros. Não é sério, é mesmo doentio. Ao atacar pelo lado básico Joana Dias não se apercebe que se descredibiliza e reduz a sua crítica a golpes baixos, sem fundamento, apenas por gozo sintético ao contrário de pensamento analítico.
P.S. Outra coisa é a terrível música que se pode escutar no blogue Bicho Carpinteiro, terá sido Medeiros Ferreira, que agora é comentador futeblístico, a escolher aquela coisa paupérrima do ponto de vista musical? Um sintoma da pobreza de raciocínio e de cultura de quem gere aquilo. De todos? Viva o pop do top que o povo é que manda e a Blondie é gira. Elites para que te quero? Segue a letra da cançoneta, para se poder comparar com o poema truncado de Voltaire que Joana Amaral Dias postou há uns dias. Parece que o lema de Rilke escolhido pelo blogue: "Se eu gritar, quem poderá escutar-me, nas hierarquias dos anjos?... já tem resposta: Blondie!
Once I had a love and it was a gas
Soon turned out had a heart of glass
Seemed like the real thing, only to find
Mucho mistrust, love's gone behind
Once I had a love and it was divine
Soon found out I was losing my mind
It seemed like the real thing but I was so blind
Mucho mistrust, love's gone behind
Uma vez tive um amor e era um gás
Logo se revelou tinha um coração de vidro
Parecia a coisa real, apenas para descobrir
Mucha desconfiança, o amor foi para trás
Uma vez tive um amor e era divino
Depressa descobri que estava a perder a cabeça
Parecia a coisa real nas eu estava tão cega
Mucha desconfiança, o amor foi para trás
Não traduzo mais porque estou a ficar com vómitos.
In between
What I find is pleasing and I'm feeling fine
Love is so confusing there's no peace of mind
If I fear I'm losing you it's just no good
You teasing like you do
Once I had a love and it was a gas
Soon turned out had a heart of glass
Seemed like the real thing, only to find
Mucho mistrust, love's gone behind
Once I had a love and it was divine
Soon found out I was losing my mind
It seemed like the real thing but I was so blind
Mucho mistrust, love's gone behind
Lost inside
Adorable illusion and I cannot hide
I'm the one you're using, please don't push me aside
We coulda made it cruising, yeah
Yeah, riding high on love's true bluish light
Once I had a love and it was a gas
Soon turned out to be a pain in the ass
Seemed like the real thing only to find
Mucho mistrust, love's gone behind
Vou escutar isto para recuperar.
Os polícias
Vital Moreira mais uma vez insiste na sua figura anterior de polícia anti presidencialista. Como se tivesse descoberto a pólvora afirma que Cavaco tem uma "deriva presidencialista", numa conversa que me faz lembrar a deriva do pénis para a direita ou para a esquerda consoante a situação (creio que vi algo sobre o assunto numa revista do Vilhena há uns anos).
Tal como as frases profundas proferidas como verdades absolutas e divinas do pós-proto-tribuno-adiado Alegre, Vital admite como criminoso qualquer um que seja pela via presidencialista, como se fosse um crime de lesa democracia. Devo dizer a Vítal Moreira que a democracia nada tem a ver com o sistema mas com a forma de eleição e, sobretudo, com a forma de governar, o que para um constitucionalista devia ser óbvio, até eu que sou apenas professor de análise e álgebra no Técnico consigo perceber isso. Que o sistema parlamentar português, e prova-o a história, gerou sempre situações de impasse profundo, de lodaçal político, de corrupção e de nepotismo, de falta de confiança, de descrédito e de depressão nacional. Basta ver o final da monarquia, basta observar toda a primeira república. Basta reparar como o regime está apodrecido e o país decadente hoje. Basta ver um presidente incapaz que anda numa presidência aberta pela terceira idade para ver se chama a atenção sobre si próprio e os velhotes quando ninguém já lhe liga nenhuma nem aos idosos que apodrecem com reformas de miséria e com sistemas de saúde miseráveis e que apenas cobre de ridículo o país, e a presidência, pela sua incapacidade de agir, de motivar, de propor, com poderes escassos e limitados e ainda mais limitados pelos limites do actual presidente, formalista e legalista como só os advogados velhos e os juízes aposentados sabem ser, para lá de toda a realidade. Um presidente que se tem de socorrer de um maquiavelismo político para se livrar de Santana quando deveria ter a força para o recusar liminarmente o que custou ao país o atraso e desconfiança que estamos a viver agora. Um presidente incapaz de exigir ao primeiro ministro eleito que cumpra o que prometeu em campanha eleitoral. A espécie de presidente banana que a constituição consagra é mais uma achega para esta desgraça que é Portugal, hoje. Dentro dos grupos do parlamentarismo puro geram-se os tais equilíbrios perversos de interesses. Um líder com a força dos votos populares e independente dos partidos poderá ter força para fazer o país sair o pântano, uma probabilidade em mil que assim aconteça e será melhor do que a partidocracia dos sacos azuis nas Câmaras de Felgueiras (e nas outras) onde a probabilidade é zero.
Um dos períodos de maior reconciliação nacional e maior exaltação e confiança foi o tempo de Sidónio. Logo depois maltratado pela história escrita pela oligarquia que o matou e que beneficiou dessa morte. Sidónio teve a maior base eleitoral da república, com voto directo de todos, mesmo dos analfabetos e conseguiu uma margem esmagadora dos votos. A primeira república foi restaurada em 1918 pelo voto das balas. Onde estava a democracia parlamentar? No cano da pistola? A mesma da qual saca Vital quando finge que ouve falar de presidencialismo?
Tal como as frases profundas proferidas como verdades absolutas e divinas do pós-proto-tribuno-adiado Alegre, Vital admite como criminoso qualquer um que seja pela via presidencialista, como se fosse um crime de lesa democracia. Devo dizer a Vítal Moreira que a democracia nada tem a ver com o sistema mas com a forma de eleição e, sobretudo, com a forma de governar, o que para um constitucionalista devia ser óbvio, até eu que sou apenas professor de análise e álgebra no Técnico consigo perceber isso. Que o sistema parlamentar português, e prova-o a história, gerou sempre situações de impasse profundo, de lodaçal político, de corrupção e de nepotismo, de falta de confiança, de descrédito e de depressão nacional. Basta ver o final da monarquia, basta observar toda a primeira república. Basta reparar como o regime está apodrecido e o país decadente hoje. Basta ver um presidente incapaz que anda numa presidência aberta pela terceira idade para ver se chama a atenção sobre si próprio e os velhotes quando ninguém já lhe liga nenhuma nem aos idosos que apodrecem com reformas de miséria e com sistemas de saúde miseráveis e que apenas cobre de ridículo o país, e a presidência, pela sua incapacidade de agir, de motivar, de propor, com poderes escassos e limitados e ainda mais limitados pelos limites do actual presidente, formalista e legalista como só os advogados velhos e os juízes aposentados sabem ser, para lá de toda a realidade. Um presidente que se tem de socorrer de um maquiavelismo político para se livrar de Santana quando deveria ter a força para o recusar liminarmente o que custou ao país o atraso e desconfiança que estamos a viver agora. Um presidente incapaz de exigir ao primeiro ministro eleito que cumpra o que prometeu em campanha eleitoral. A espécie de presidente banana que a constituição consagra é mais uma achega para esta desgraça que é Portugal, hoje. Dentro dos grupos do parlamentarismo puro geram-se os tais equilíbrios perversos de interesses. Um líder com a força dos votos populares e independente dos partidos poderá ter força para fazer o país sair o pântano, uma probabilidade em mil que assim aconteça e será melhor do que a partidocracia dos sacos azuis nas Câmaras de Felgueiras (e nas outras) onde a probabilidade é zero.
Um dos períodos de maior reconciliação nacional e maior exaltação e confiança foi o tempo de Sidónio. Logo depois maltratado pela história escrita pela oligarquia que o matou e que beneficiou dessa morte. Sidónio teve a maior base eleitoral da república, com voto directo de todos, mesmo dos analfabetos e conseguiu uma margem esmagadora dos votos. A primeira república foi restaurada em 1918 pelo voto das balas. Onde estava a democracia parlamentar? No cano da pistola? A mesma da qual saca Vital quando finge que ouve falar de presidencialismo?
21.11.05
Oliveira Martins
Existem duas perspectivas conscientes perante a corrupção e a decadência de uma sociedade, de um país. Uma é o cepticismo puro, o desdém por tudo e todos, um pessimismo negro e niilista.
Outra forma de acção é a crítica apaixonada, céptica, irónica mas esclarecedora. De facto a decadência e a corrupção existem, mas é preciso travar essa decadência através de uma crítica social construtiva, muito rigorosa. Quase uma psicanálise, interrogar, interrogar sempre, expor, retalhar dissecar, mas raramente dar pistas que terão, forçosamente, de ser descobertas pelo espírito doente. Esse espírito doente, que é hoje Portugal, já o era no tempo de Joaquim Pedro de Oliveira Martins, nascido em 30 de Abril de 1845 e falecido em 24 de Agosto de 1894.
Sem sequer ter concluído o curso do liceu, órfão muito cedo (e também sem filhos), foi um autodidacta toda a sua vida, leitor insaciável e infatigável, com uma capacidade incrível de trabalho e de produção, capaz de ler em diversas línguas (inglês, alemão, francês, espanhol...), escreveu dezenas de livros [ver final do texto]. Oliveira Martins apesar do seu pessimismo bebido em diversas fontes, como Schopenhauer, mas sobretudo fruto da sua profunda capacidade de observação do género humano, foi um homem activo, começou por ser um socialista de matriz proudhoniana e acabou por ser um pragmático do pessimismo lutando sempre através da sua crítica e da sua actividade política contra a degradação, que ele próprio sabia inexorável, de um país que ainda tinha um império.
Oliveira Martins foi deputado às cortes e ministro da fazenda por quatro meses. Homem de empresas e habituado à vida real, ao mesmo tempo um especulativo e um sagaz administrador, não conseguiu sobreviver aos meandros políticos do executivo e ao fim de quatro meses retirava-se de cabeça erguida do ministério.
O quadro que Oliveira Martins pinta das guerras liberais é atroz para todos os intervenientes, a dinastia de Bragança é posta a nu em todas as suas fraquezas. Célebre é o quadro de D. João VI com os bolsos do roupão sebento cheios de pernas de frango e na concordância única entre este e sua real esposa, Carlota Joaquina, no vício comum de não se lavarem. Oliveira Martins é um feroz crítico com uma pena acerada de todos os defeitos humanos. Para Oliveira Martins o refluxo da história de Portugal dá-se com a morte do último rei digno desse nome, D. João II.
Na sua escrita fulgurante sobressaem as descrições de batalhas recriadas pela sua imaginação prodigiosa, alicerçada nas fontes primárias e secundárias a que recorreu. De antologia a descrição das guerras púnicas na sua História da República Romana, uma história feita de motores sociais e de crises humanas, uma história de decadências e de derrotas éticas e morais. Uma história em que se retrata o pragmatismo egoísta dos actores colocando sempre em segundo lugar o bem comum. Sila é um facínora desdenhoso, Mário um imbecil cruel, Pompeu um palerma vaidoso, Crasso um crápula ganancioso, o velho Catão um provinciano tacanho estúpido que despreza a vida dos outros, apenas o Catão do tempo de César e o próprio Caio Júlio César merecem elogios, César é o génio da Razão de Estado, Catão é o íntegro, mas mesclados de comentários críticos. Cícero é um cata-vento oco, apatetado e cobarde, António um bêbedo, Octávio um vicioso conhecedor de homens e dos seus podres. Lépido um inexistente.
Um dos supremos pontos da escrita de Oliveira Martins é a sua descrição da batalha de Carra onde os erros de Crasso lhe valeram a etimologia dos equívocos capitais. "O império dos partos era o filho espúrio da civilização da Grécia e da podridão dos impérios persas, gerado nos alouces do Oriente. Os Arsácidas tinham nascido nos bordéis de Mileto, bebendo nas Milesíadas [itálico no original] de Aristides a primeira educação. Os merovíngios da Gália moderna foram coisa bem semelhante a esses bárbaros corrompidos pelas fezes de uma civilização, instruídos pelos representantes caducos de uma sociedade apodrecida." História assim não se faz, isto é política da pura... "Os romanos apertados caiam aos montões, revolvendo-se agonizantes e fazendo do chão um lodo de areia e sangue em que se enterravam homens e cavalos rugindo no estertor da morte." Diz-nos Oliveira Martins como se tivesse sido testemunha ocular de Carra.
"Tal foi o amor de António; tal é o amor dominante em todas as sociedades que, lançando-se perdidas nos braços fatais da natureza, se degradam à procura da Felicidade, correndo loucas atrás de uma quimera - pois a felicidade, como todos os absolutos, é apenas uma concepção do nosso espírito, não existe realmente, e só na saúde de uma alma que sinta e perceba as relações necessárias de que a existência resulta afinal, só em nós pode dar-se de modo ideal e subjectivo. Ser feliz provém de um acto de inteligência e de vontade. Independentemente das circunstâncias exteriores da vida."...
"Não é pois no desvairamento do profetismo judaico, explosão violenta e tortuosa dos sentimentos humanos formulada por um povo desgraçado, [aqui Martins assemelha-se a Nietsche] que o geral dos homens pode encontrar um rumo. Aquele que, sem ter de esmagar desapiedadamente os sentimentos e paixões da sua natureza, sem ter de partir a mola interior que o torna um ser vivo, consegue mitigar, moderar, ponderar ou equilibrar os impulsos do seu sangue com os ditames das suas ideias, sancionando paixões e pensamentos com a luz inextinguível dos instintos morais e do senso estético; olhando para as dores e para as feridas da sua vida com uma comiseração vizinha do desdém; olhando para o próximo e para o mundo sem desprezo nem orgulho, mas com a ironia caridosa de que deve a todas as coisas involuntàriamente inferiores; contemplando finalmente com uma curiosidade plácida e discreta o nevoeiro dos mistérios e problemas que, sondados, endoidecem e de que é mister fugir como dos abismos cujas vertigens alucinam ou embrutecem; este homem, por fora activo, por dentro como que apático, por vezes (só por vezes) atacado de tédio, mas sabendo que não deve nem pode aborrecer a vida: esse homem é o único verdadeiramente feliz. [Um auto-retrato vigoroso e involuntário do que Oliveira Martins aspirava a ser e, de facto, era] Nós somos um produto artificial, sem a espontaneidade poética ou bárbara, [não somos bons selvagens não é?] como todos os animais domesticados. O homem culto é o doméstico da razão." ... Em Roma o dissipar do medo religioso inicial que mantém a ordem, sucedeu um desenfreamento de paixões animais e a estas a reacção fatal e inevitável. Primeiro essa reacção chama-se Augusto - uma tirania hipócrita que repara o mecanismo desconjuntado da sociedade política. Depois chama-se Cristianismo - uma alucinação fúnebre que substitui ao realismo naturalista um realismo fantasmagórico, e ao culto do Amor desenfreado o culto desvairado da Morte. [Oliveira Martins leu e absorveu Nietsche].
Amor e Morte, a geração e a destruição, os dois pólos entre os quais se inscreve toda a nossa existência de efémeros, zénite e nadir de toda a realidade individual, confundiram-se, pondo-se em morrer a mesma fúria que antes se punha em amar. S. Paulo é um António que traz nos braços o esqueleto de Cleópatra." ...
"Tristemente contraditória é a nossa condição, porque o homem equilibrado e feliz, se não é um indivíduo vulgar, tem nesse próprio equilíbrio e nessa própria felicidade uma causa necessária de amesquinhamento. Não há verdadeira grandeza senão na desgraça, e nenhum homem é inteiramente digno de tal nome enquanto não recebeu alguma punhalada cruel da sorte.
A paz, a ventura, o bem-estar deprimem-nos; as aflições temperam-nos e tonificam-nos. O infortúnio levanta-nos e faz-nos heróis, até ainda quando nos enlouquece - nem há heroísmo sem um grão de vertigem. A Antiguidade clássica foi equilibrada e por isso foi feliz, mas por falta de filosofia, caiu de um lado na depravação abjecta, do outro no naturalismo desenfreado; e gregos e latinos sepultados na cova cristã, deram de si o homem moderno - mais fraco, mais atormentado, acaso porém maior, por isso mesmo que sofreu mais."
História da República Romana.
Se isto é história, filosofia, psicologia social ou apenas prosa vernacular, jocunda e poderosa, do melhor que se escreveu em português, o leitor que escolha. Eu escolhi ler Oliveira Martins, e continuo a retirar um prazer imenso na sua escrita, de comover, arte pura e refinada da melhor prosa que existe em português. Amigo de Antero, que escreveu dos melhores sonetos que o português encerra na sua rocha maciça e que viram a luz do dia pela sua pena e imaginação, Oliveira Martins escreveu vertiginosamente palavras como diamantes lapidados, concorde-se ou não com o que pensa e pena... Oliveira Martins é um irónico, pelo menos assim quer ser visto, furioso de amor a Portugal e aos homens. É tão feroz quanto mais apaixonado pelo seu povo e mais ácido aparenta ser. Desdenhando na forma mas desejoso de transformar o mundo. Sem parar nunca, através da pena e da sua acção política. Sem se preocupar com a questão do regime, preocupando-se apenas com as motivações dos homens.
Bibliografia retirada do artigo de Sérgio Campos Matos no Instituto Camões
* Febo Moniz,, Lisboa, Empresa Lusitana Ed. s.d. (1867);
* Os Lusíadas. Ensaio sobre Camões e a sua obra, em relação à sociedade portuguesa e ao movimento da Renascença, Porto, Imprensa Portuguesa Ed., 1872.;
* Teoria do socialismo (pref. de António Sérgio), Lisboa, 1952 (1.ª ed., 1872);
* Portugal e o Socialismo (pref. de António Sérgio), 2.ª ed., Lisboa, 1953 (1873);
* A circulação fiduciária. Memória apresentada à Academia Real das Ciências de Lisboa, Lisboa, PAMP, 1923 (1878);
* História da civilização ibérica, 8.ª ed., Lisboa, Parceria A.M.Pereira, 1946 (1.ª ed., 1879);
* História de Portugal. Edição crítica (introd. de Isabel de Faria e Albuquerque e pref. de Martim de Albuquerque), Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, s.d. [1988];
* Portugal Contemporâneo, 3 vols., Lisboa, Guimarães Editores,, 1953 (1.ª ed., 1881);
* O Brasil e as colónias portuguesas, 5.ª ed., Lisboa, Parceria A.M.Pereira, 1920 (1.ª ed., 1880);
* Elementos de Antropologia, 7.ª ed., Lisboa, Guimarães Editores, 1954 (1880);
* As raças humanas e a civilização primitiva, 4.ª ed., 2 vols., Lisboa, Parceria A.M.Pereira, 1921 (1881);
* Sistema dos mitos religiosos (pref. de José Marinho), 4.ª ed., Lisboa, 1986 (1882);
* Quadro das instituições primitivas, 3.ª ed., Lisboa, Parceria A.M.Pereira, 1909 (1883);
* O Regime das riquezas, 3.ª ed., Lisboa, Parceria A.M.Pereira, 1917 (1883);
* Tábuas de cronologia e geografia histórica, Lisboa, Livraria de António Maria Pereira Ed., s. d. ( 1.ª ed., 1884);
* Política e economia nacional, 2.ª ed., Lisboa, Guimarães Editores, 1954 ( 1.ª ed, 1885);
* História da República Romana, 4.ª ed., 2 vols, Lisboa, Parceria A.M.Pereira, 1927 (1885);
* Camões, Os Lusíadas e a Renascença em Portugal, 4.ª ed., Lisboa, Guimarães Ed., 1986 (texto correspondente ao da 2.ª ed., 1891);
* Portugal nos Mares, Lisboa, Guimarães Editores, 1994 (1889 e 1924);
* Os filhos de D. João I, 2 vols., Lisboa, Guimarães Editores, 1983 (1.ª ed., 1891);
* A vida de Nun'Álvares, 9.ª ed., Lisboa, Guimarães Editores, 1984 (1.ª ed., 1893);
* A Inglaterra de hoje, Lisboa, Guimarães Editores, 1951 (1893);
* Cartas peninsulares, Lisboa, Liv. António M.Pereira, 1895;
* O Príncipe Perfeito (pref. de H. Barros Gomes), 6.ª ed., Lisboa, Guimarães Editores, 1984;
* Dispersos (sel., pref. e notas de António Sérgio), 2 vols, Lisboa, Oficinas Gráficas da Biblioteca Nacional, 1924;
* Correspondência de J.P. de Oliveira Martins, (pref. e anotada por F.A. de Oliveira Martins, Lisboa, Parceria A.M.Pereira, 1926;
* Perfis (pref. de Luís de Magalhães), Lisboa, Parceria A.M.Pereira, 1930;
* Páginas desconhecidas (Introd., coorden. e notas de Lopes de Oliveira), Lisboa, Seara Nova, 1948;
* Literatura e filosofia (pref. de Cabral do Nascimento), Lisboa, Guimarães Editores, 1955;
* O Jornal, Lisboa, Guimarães Editores, 1960;
* Política e história, 2 vols., Lisboa, Guimarães Editores, 1957;
* Fomento rural e emigração, 3.ª ed., Lisboa, Guimarães Editores, 1994.
Outra forma de acção é a crítica apaixonada, céptica, irónica mas esclarecedora. De facto a decadência e a corrupção existem, mas é preciso travar essa decadência através de uma crítica social construtiva, muito rigorosa. Quase uma psicanálise, interrogar, interrogar sempre, expor, retalhar dissecar, mas raramente dar pistas que terão, forçosamente, de ser descobertas pelo espírito doente. Esse espírito doente, que é hoje Portugal, já o era no tempo de Joaquim Pedro de Oliveira Martins, nascido em 30 de Abril de 1845 e falecido em 24 de Agosto de 1894.
Sem sequer ter concluído o curso do liceu, órfão muito cedo (e também sem filhos), foi um autodidacta toda a sua vida, leitor insaciável e infatigável, com uma capacidade incrível de trabalho e de produção, capaz de ler em diversas línguas (inglês, alemão, francês, espanhol...), escreveu dezenas de livros [ver final do texto]. Oliveira Martins apesar do seu pessimismo bebido em diversas fontes, como Schopenhauer, mas sobretudo fruto da sua profunda capacidade de observação do género humano, foi um homem activo, começou por ser um socialista de matriz proudhoniana e acabou por ser um pragmático do pessimismo lutando sempre através da sua crítica e da sua actividade política contra a degradação, que ele próprio sabia inexorável, de um país que ainda tinha um império.
Oliveira Martins foi deputado às cortes e ministro da fazenda por quatro meses. Homem de empresas e habituado à vida real, ao mesmo tempo um especulativo e um sagaz administrador, não conseguiu sobreviver aos meandros políticos do executivo e ao fim de quatro meses retirava-se de cabeça erguida do ministério.
O quadro que Oliveira Martins pinta das guerras liberais é atroz para todos os intervenientes, a dinastia de Bragança é posta a nu em todas as suas fraquezas. Célebre é o quadro de D. João VI com os bolsos do roupão sebento cheios de pernas de frango e na concordância única entre este e sua real esposa, Carlota Joaquina, no vício comum de não se lavarem. Oliveira Martins é um feroz crítico com uma pena acerada de todos os defeitos humanos. Para Oliveira Martins o refluxo da história de Portugal dá-se com a morte do último rei digno desse nome, D. João II.
Na sua escrita fulgurante sobressaem as descrições de batalhas recriadas pela sua imaginação prodigiosa, alicerçada nas fontes primárias e secundárias a que recorreu. De antologia a descrição das guerras púnicas na sua História da República Romana, uma história feita de motores sociais e de crises humanas, uma história de decadências e de derrotas éticas e morais. Uma história em que se retrata o pragmatismo egoísta dos actores colocando sempre em segundo lugar o bem comum. Sila é um facínora desdenhoso, Mário um imbecil cruel, Pompeu um palerma vaidoso, Crasso um crápula ganancioso, o velho Catão um provinciano tacanho estúpido que despreza a vida dos outros, apenas o Catão do tempo de César e o próprio Caio Júlio César merecem elogios, César é o génio da Razão de Estado, Catão é o íntegro, mas mesclados de comentários críticos. Cícero é um cata-vento oco, apatetado e cobarde, António um bêbedo, Octávio um vicioso conhecedor de homens e dos seus podres. Lépido um inexistente.
Um dos supremos pontos da escrita de Oliveira Martins é a sua descrição da batalha de Carra onde os erros de Crasso lhe valeram a etimologia dos equívocos capitais. "O império dos partos era o filho espúrio da civilização da Grécia e da podridão dos impérios persas, gerado nos alouces do Oriente. Os Arsácidas tinham nascido nos bordéis de Mileto, bebendo nas Milesíadas [itálico no original] de Aristides a primeira educação. Os merovíngios da Gália moderna foram coisa bem semelhante a esses bárbaros corrompidos pelas fezes de uma civilização, instruídos pelos representantes caducos de uma sociedade apodrecida." História assim não se faz, isto é política da pura... "Os romanos apertados caiam aos montões, revolvendo-se agonizantes e fazendo do chão um lodo de areia e sangue em que se enterravam homens e cavalos rugindo no estertor da morte." Diz-nos Oliveira Martins como se tivesse sido testemunha ocular de Carra.
"Tal foi o amor de António; tal é o amor dominante em todas as sociedades que, lançando-se perdidas nos braços fatais da natureza, se degradam à procura da Felicidade, correndo loucas atrás de uma quimera - pois a felicidade, como todos os absolutos, é apenas uma concepção do nosso espírito, não existe realmente, e só na saúde de uma alma que sinta e perceba as relações necessárias de que a existência resulta afinal, só em nós pode dar-se de modo ideal e subjectivo. Ser feliz provém de um acto de inteligência e de vontade. Independentemente das circunstâncias exteriores da vida."...
"Não é pois no desvairamento do profetismo judaico, explosão violenta e tortuosa dos sentimentos humanos formulada por um povo desgraçado, [aqui Martins assemelha-se a Nietsche] que o geral dos homens pode encontrar um rumo. Aquele que, sem ter de esmagar desapiedadamente os sentimentos e paixões da sua natureza, sem ter de partir a mola interior que o torna um ser vivo, consegue mitigar, moderar, ponderar ou equilibrar os impulsos do seu sangue com os ditames das suas ideias, sancionando paixões e pensamentos com a luz inextinguível dos instintos morais e do senso estético; olhando para as dores e para as feridas da sua vida com uma comiseração vizinha do desdém; olhando para o próximo e para o mundo sem desprezo nem orgulho, mas com a ironia caridosa de que deve a todas as coisas involuntàriamente inferiores; contemplando finalmente com uma curiosidade plácida e discreta o nevoeiro dos mistérios e problemas que, sondados, endoidecem e de que é mister fugir como dos abismos cujas vertigens alucinam ou embrutecem; este homem, por fora activo, por dentro como que apático, por vezes (só por vezes) atacado de tédio, mas sabendo que não deve nem pode aborrecer a vida: esse homem é o único verdadeiramente feliz. [Um auto-retrato vigoroso e involuntário do que Oliveira Martins aspirava a ser e, de facto, era] Nós somos um produto artificial, sem a espontaneidade poética ou bárbara, [não somos bons selvagens não é?] como todos os animais domesticados. O homem culto é o doméstico da razão." ... Em Roma o dissipar do medo religioso inicial que mantém a ordem, sucedeu um desenfreamento de paixões animais e a estas a reacção fatal e inevitável. Primeiro essa reacção chama-se Augusto - uma tirania hipócrita que repara o mecanismo desconjuntado da sociedade política. Depois chama-se Cristianismo - uma alucinação fúnebre que substitui ao realismo naturalista um realismo fantasmagórico, e ao culto do Amor desenfreado o culto desvairado da Morte. [Oliveira Martins leu e absorveu Nietsche].
Amor e Morte, a geração e a destruição, os dois pólos entre os quais se inscreve toda a nossa existência de efémeros, zénite e nadir de toda a realidade individual, confundiram-se, pondo-se em morrer a mesma fúria que antes se punha em amar. S. Paulo é um António que traz nos braços o esqueleto de Cleópatra." ...
"Tristemente contraditória é a nossa condição, porque o homem equilibrado e feliz, se não é um indivíduo vulgar, tem nesse próprio equilíbrio e nessa própria felicidade uma causa necessária de amesquinhamento. Não há verdadeira grandeza senão na desgraça, e nenhum homem é inteiramente digno de tal nome enquanto não recebeu alguma punhalada cruel da sorte.
A paz, a ventura, o bem-estar deprimem-nos; as aflições temperam-nos e tonificam-nos. O infortúnio levanta-nos e faz-nos heróis, até ainda quando nos enlouquece - nem há heroísmo sem um grão de vertigem. A Antiguidade clássica foi equilibrada e por isso foi feliz, mas por falta de filosofia, caiu de um lado na depravação abjecta, do outro no naturalismo desenfreado; e gregos e latinos sepultados na cova cristã, deram de si o homem moderno - mais fraco, mais atormentado, acaso porém maior, por isso mesmo que sofreu mais."
História da República Romana.
Se isto é história, filosofia, psicologia social ou apenas prosa vernacular, jocunda e poderosa, do melhor que se escreveu em português, o leitor que escolha. Eu escolhi ler Oliveira Martins, e continuo a retirar um prazer imenso na sua escrita, de comover, arte pura e refinada da melhor prosa que existe em português. Amigo de Antero, que escreveu dos melhores sonetos que o português encerra na sua rocha maciça e que viram a luz do dia pela sua pena e imaginação, Oliveira Martins escreveu vertiginosamente palavras como diamantes lapidados, concorde-se ou não com o que pensa e pena... Oliveira Martins é um irónico, pelo menos assim quer ser visto, furioso de amor a Portugal e aos homens. É tão feroz quanto mais apaixonado pelo seu povo e mais ácido aparenta ser. Desdenhando na forma mas desejoso de transformar o mundo. Sem parar nunca, através da pena e da sua acção política. Sem se preocupar com a questão do regime, preocupando-se apenas com as motivações dos homens.
Bibliografia retirada do artigo de Sérgio Campos Matos no Instituto Camões
* Febo Moniz,, Lisboa, Empresa Lusitana Ed. s.d. (1867);
* Os Lusíadas. Ensaio sobre Camões e a sua obra, em relação à sociedade portuguesa e ao movimento da Renascença, Porto, Imprensa Portuguesa Ed., 1872.;
* Teoria do socialismo (pref. de António Sérgio), Lisboa, 1952 (1.ª ed., 1872);
* Portugal e o Socialismo (pref. de António Sérgio), 2.ª ed., Lisboa, 1953 (1873);
* A circulação fiduciária. Memória apresentada à Academia Real das Ciências de Lisboa, Lisboa, PAMP, 1923 (1878);
* História da civilização ibérica, 8.ª ed., Lisboa, Parceria A.M.Pereira, 1946 (1.ª ed., 1879);
* História de Portugal. Edição crítica (introd. de Isabel de Faria e Albuquerque e pref. de Martim de Albuquerque), Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, s.d. [1988];
* Portugal Contemporâneo, 3 vols., Lisboa, Guimarães Editores,, 1953 (1.ª ed., 1881);
* O Brasil e as colónias portuguesas, 5.ª ed., Lisboa, Parceria A.M.Pereira, 1920 (1.ª ed., 1880);
* Elementos de Antropologia, 7.ª ed., Lisboa, Guimarães Editores, 1954 (1880);
* As raças humanas e a civilização primitiva, 4.ª ed., 2 vols., Lisboa, Parceria A.M.Pereira, 1921 (1881);
* Sistema dos mitos religiosos (pref. de José Marinho), 4.ª ed., Lisboa, 1986 (1882);
* Quadro das instituições primitivas, 3.ª ed., Lisboa, Parceria A.M.Pereira, 1909 (1883);
* O Regime das riquezas, 3.ª ed., Lisboa, Parceria A.M.Pereira, 1917 (1883);
* Tábuas de cronologia e geografia histórica, Lisboa, Livraria de António Maria Pereira Ed., s. d. ( 1.ª ed., 1884);
* Política e economia nacional, 2.ª ed., Lisboa, Guimarães Editores, 1954 ( 1.ª ed, 1885);
* História da República Romana, 4.ª ed., 2 vols, Lisboa, Parceria A.M.Pereira, 1927 (1885);
* Camões, Os Lusíadas e a Renascença em Portugal, 4.ª ed., Lisboa, Guimarães Ed., 1986 (texto correspondente ao da 2.ª ed., 1891);
* Portugal nos Mares, Lisboa, Guimarães Editores, 1994 (1889 e 1924);
* Os filhos de D. João I, 2 vols., Lisboa, Guimarães Editores, 1983 (1.ª ed., 1891);
* A vida de Nun'Álvares, 9.ª ed., Lisboa, Guimarães Editores, 1984 (1.ª ed., 1893);
* A Inglaterra de hoje, Lisboa, Guimarães Editores, 1951 (1893);
* Cartas peninsulares, Lisboa, Liv. António M.Pereira, 1895;
* O Príncipe Perfeito (pref. de H. Barros Gomes), 6.ª ed., Lisboa, Guimarães Editores, 1984;
* Dispersos (sel., pref. e notas de António Sérgio), 2 vols, Lisboa, Oficinas Gráficas da Biblioteca Nacional, 1924;
* Correspondência de J.P. de Oliveira Martins, (pref. e anotada por F.A. de Oliveira Martins, Lisboa, Parceria A.M.Pereira, 1926;
* Perfis (pref. de Luís de Magalhães), Lisboa, Parceria A.M.Pereira, 1930;
* Páginas desconhecidas (Introd., coorden. e notas de Lopes de Oliveira), Lisboa, Seara Nova, 1948;
* Literatura e filosofia (pref. de Cabral do Nascimento), Lisboa, Guimarães Editores, 1955;
* O Jornal, Lisboa, Guimarães Editores, 1960;
* Política e história, 2 vols., Lisboa, Guimarães Editores, 1957;
* Fomento rural e emigração, 3.ª ed., Lisboa, Guimarães Editores, 1994.
15.11.05
Há ainda esperança
Ainda há esperança de subversão do sistema, digamos assim, entre o sorteio puro e simples, a compra de cautelas com sorteio final, ou escolher o mais velho que se apresente, a dúvida instala-se-me! A eleição para a presidência é assunto sério, porque não optar por este candidato?
Seis Perguntas a Stockhausen
Uma verdadeira entrevista a Stockhausen não poderia deixar de ter as seis perguntas que se seguem:
1. As "portentosas inovações" que trouxe à música actual são ou não fruto do seu património genético extra sistema solar?
2. Será que aquilo a que chama "inovações intemporais" não são apenas tiques requentados da música pimba de Sirius, de onde é originário, e que afinal são estafados clichés vendidos como novos aos terráqueos ignorantes?
3. Onde conheceu Jorge Peixinho? Numa nave espacial antes de terem aportado à terra? Será que o facto de desconhecer Emanuel Nunes se deve ao facto de este ser terráqueo e, logo, inferior em cultura e conhecimentos musicais aos originários de Sirius?
4. Quais os outros compositores que vieram de Sirius? Viajaram na mesma nave? Vieram antes? É verdade o boato que corre em Darmstadt de que Bach seria oriundo de Vega? De onde veio Boulez? E Xenakis?
5. Que recordações guarda de Sirius? Reflectem-se na sua música?
6. Em Sirius são todos tão pretenciosos e com delírios de omnipotência como o Mestre Stock? Ou será que lá têm todos a mania que vieram da Terra?
- Brloing!...
P.S.: Stockhausen nasceu em Mödrath perto de Colónia em 22 de Agosto de 1928, embora o próprio negue o que biografia oficial diz.
1. As "portentosas inovações" que trouxe à música actual são ou não fruto do seu património genético extra sistema solar?
2. Será que aquilo a que chama "inovações intemporais" não são apenas tiques requentados da música pimba de Sirius, de onde é originário, e que afinal são estafados clichés vendidos como novos aos terráqueos ignorantes?
3. Onde conheceu Jorge Peixinho? Numa nave espacial antes de terem aportado à terra? Será que o facto de desconhecer Emanuel Nunes se deve ao facto de este ser terráqueo e, logo, inferior em cultura e conhecimentos musicais aos originários de Sirius?
4. Quais os outros compositores que vieram de Sirius? Viajaram na mesma nave? Vieram antes? É verdade o boato que corre em Darmstadt de que Bach seria oriundo de Vega? De onde veio Boulez? E Xenakis?
5. Que recordações guarda de Sirius? Reflectem-se na sua música?
6. Em Sirius são todos tão pretenciosos e com delírios de omnipotência como o Mestre Stock? Ou será que lá têm todos a mania que vieram da Terra?
- Brloing!...
P.S.: Stockhausen nasceu em Mödrath perto de Colónia em 22 de Agosto de 1928, embora o próprio negue o que biografia oficial diz.
Da ausência da crítica
A crítica musical tem primado por uma notável diminuição de importância e de prestígio nos jornais e televisão (onde quase nunca entrou) que acompanha também o declínio da música dita "clássica" nestes meios de comunicação.
O espaço dedicado ao assunto é cada vez menor e jornalistas não especializados vão tomando conta de assuntos para os quais não têm a menor preparação ou vocação.
Vem este assunto à baila a propósito do que parecem ser mais fretes do que uma crítica séria e profunda a um disco recente de Domingos António. O pianista com alguma dedicação de alguns amigos e própria, tem tido apoios e uma divulgação institucional na televisão, rádios e imprensa escrita ao contrário de músicos com nível muito superior e um trabalho profundo de amadurecimento. Não cito nomes pois não quero particularizar esta questão, mas quem se dedica a estudar o meio musical português ou a perder, ou ganhar, tempo a escutar os nossos intérpretes descobre que existem diversos exemplos entre os pianistas que são mais consistentes, mais maduros, com melhor técnica, do que o jovem António que nem se pode sequer dizer que tenha terminado os estudos ou que seja um pianista de concerto.
Além de ter escutado Domingos António duas vezes em concerto veio-me parar às mãos o CD do mesmo jovem. Devo dizer que já fiquei de cabelos em pé anteriormente, de modo que não foi surpresa a má qualidade interpretativa e a percepção do longo caminho que Domingos António terá de percorrer para se tornar num pianista de nível elevado, ou mesmo de nível médio. É jovem, deve estudar, deve procurar mestres que lhe aproveitem o fulgor e lhe transformem a trapalhada de notas num tecido coerente e meditado. Cultura musical é necessária, a intuição pode existir mas criticar Domingos António ao mesmo plano de grandes intérpretes é credibilizar uma opção errada e contribuir para destruir uma personalidade e um talento que pode ser promissor mas que não é nenhuma certeza neste momento.
Ver Eurico Monchique no Público, um jornal que reputo de sério, a credibilizar Domingos António é uma vergonha para o jornal, para o jornalista e um atestado de incompetência ao mesmo Monchique na área da música clássica. Ou será que Augusto Manuel Seabra, Cristina Fernandes, Teresa Cascudo (estas últimas docentes universitárias sendo a última doutorada em Fernando Lopes Graça) e outros nomes de peso do jornal não se prestaram ao frete?
Outra "crítica" que pude ler a Domingos António foi no Expresso, Vanda de Sá, que respeito, analisa o disco a página inteira quando trabalhos de altíssimo nível quer nacionais quer internacionais não saem dos quadradinhos de 1200 caracteres! É certo que Sá aponta reservas ao trabalho de António mas caramba, aquilo não merece uma página, é uma tentativa de credibilização de Domingos António desmesurada e descarada. Não há vergonha? Será que a crítica musical portuguesa desceu tão baixo que até o Expresso dedica uma página inteira de "crítica", no meu entender impossível e desproporcionada face ao contexto português e ao habitual padrão do mesmo jornal. Uma crítica comparável em tamanho (maior até) e destaque aos discos novos da Cecilia Bartoli quando um Tristan de Papano, com Domingo e Stemme, não merece um destaque que é dado a Domingos António. Onde é que paramos de descer?
O mérito cabe à equipa que está por detrás de António e que até pode ser bem intencionada, não percebendo os efeitos funestos que esta mediatização pode ter para o rapaz e para o tecido musical português. Não importa que se toque bem, parece ser a moral, o que interessa é ser desgraçadinho, mas um desgraçadinho que seja um bom negócio; uma mensagem que não se pode deixar de retirar disto tudo.
Desgraçadinho também é quem não consegue fazer uma triagem e não tem mecanismos preventivos da mera propaganda em lugar da crítica fundada. Um jornal, uma direcção, uma edição de cultura, que atira para um qualquer Monchique a tarefa ingrata do elogiar o "desgraçadinho", através de um perfil que não foi feito a Artur Pizarro e outros, porque vende, ou para cima de Vanda de Sá a "tarefa" de criticar Domingos António, sabendo da brandura da musicóloga, está a vilipendiar o público e a prestar um mau serviço. Distorcendo a realidade desta forma o público português vai perdendo a noção da qualidade real de uma interpretação.
A ausência de crítica é um sintoma da ausência de cultura.
O espaço dedicado ao assunto é cada vez menor e jornalistas não especializados vão tomando conta de assuntos para os quais não têm a menor preparação ou vocação.
Vem este assunto à baila a propósito do que parecem ser mais fretes do que uma crítica séria e profunda a um disco recente de Domingos António. O pianista com alguma dedicação de alguns amigos e própria, tem tido apoios e uma divulgação institucional na televisão, rádios e imprensa escrita ao contrário de músicos com nível muito superior e um trabalho profundo de amadurecimento. Não cito nomes pois não quero particularizar esta questão, mas quem se dedica a estudar o meio musical português ou a perder, ou ganhar, tempo a escutar os nossos intérpretes descobre que existem diversos exemplos entre os pianistas que são mais consistentes, mais maduros, com melhor técnica, do que o jovem António que nem se pode sequer dizer que tenha terminado os estudos ou que seja um pianista de concerto.
Além de ter escutado Domingos António duas vezes em concerto veio-me parar às mãos o CD do mesmo jovem. Devo dizer que já fiquei de cabelos em pé anteriormente, de modo que não foi surpresa a má qualidade interpretativa e a percepção do longo caminho que Domingos António terá de percorrer para se tornar num pianista de nível elevado, ou mesmo de nível médio. É jovem, deve estudar, deve procurar mestres que lhe aproveitem o fulgor e lhe transformem a trapalhada de notas num tecido coerente e meditado. Cultura musical é necessária, a intuição pode existir mas criticar Domingos António ao mesmo plano de grandes intérpretes é credibilizar uma opção errada e contribuir para destruir uma personalidade e um talento que pode ser promissor mas que não é nenhuma certeza neste momento.
Ver Eurico Monchique no Público, um jornal que reputo de sério, a credibilizar Domingos António é uma vergonha para o jornal, para o jornalista e um atestado de incompetência ao mesmo Monchique na área da música clássica. Ou será que Augusto Manuel Seabra, Cristina Fernandes, Teresa Cascudo (estas últimas docentes universitárias sendo a última doutorada em Fernando Lopes Graça) e outros nomes de peso do jornal não se prestaram ao frete?
Outra "crítica" que pude ler a Domingos António foi no Expresso, Vanda de Sá, que respeito, analisa o disco a página inteira quando trabalhos de altíssimo nível quer nacionais quer internacionais não saem dos quadradinhos de 1200 caracteres! É certo que Sá aponta reservas ao trabalho de António mas caramba, aquilo não merece uma página, é uma tentativa de credibilização de Domingos António desmesurada e descarada. Não há vergonha? Será que a crítica musical portuguesa desceu tão baixo que até o Expresso dedica uma página inteira de "crítica", no meu entender impossível e desproporcionada face ao contexto português e ao habitual padrão do mesmo jornal. Uma crítica comparável em tamanho (maior até) e destaque aos discos novos da Cecilia Bartoli quando um Tristan de Papano, com Domingo e Stemme, não merece um destaque que é dado a Domingos António. Onde é que paramos de descer?
O mérito cabe à equipa que está por detrás de António e que até pode ser bem intencionada, não percebendo os efeitos funestos que esta mediatização pode ter para o rapaz e para o tecido musical português. Não importa que se toque bem, parece ser a moral, o que interessa é ser desgraçadinho, mas um desgraçadinho que seja um bom negócio; uma mensagem que não se pode deixar de retirar disto tudo.
Desgraçadinho também é quem não consegue fazer uma triagem e não tem mecanismos preventivos da mera propaganda em lugar da crítica fundada. Um jornal, uma direcção, uma edição de cultura, que atira para um qualquer Monchique a tarefa ingrata do elogiar o "desgraçadinho", através de um perfil que não foi feito a Artur Pizarro e outros, porque vende, ou para cima de Vanda de Sá a "tarefa" de criticar Domingos António, sabendo da brandura da musicóloga, está a vilipendiar o público e a prestar um mau serviço. Distorcendo a realidade desta forma o público português vai perdendo a noção da qualidade real de uma interpretação.
A ausência de crítica é um sintoma da ausência de cultura.
10.11.05
Manifestação de estudantes??
Ontem era dia de grande manifestação de estudantes em Lisboa. Dois mil rapazes e raparigas reuniram-se na Alameda da Universidade em Lisboa. Estava previsto irem para a porta do Ministério da Ciência e Ensino Superior, cujo ministro, Mariano Gago, é professor do Técnico. O sentido prático e inteligência de Mariano Gago, a sua eficiência e perfil subtil são perfeitos exemplos de como deveria seu um modelo de ministro em qualquer área. Sem ser político profissinal, sendo físico e catedrático do IST, é dos homens com maior visão política e clarividência dentro do conselho de ministros. Num blogue onde o lema nos últimos tempos tem sido: "dizer mal democraticamente" ou seja de tudo e todos, há que salientar os exemplos positivos. Apenas um senão, Ramôa Ribeiro, o presidente da Fundação para a Ciência e Tecnologia, também professor catedrático do Instituto Superior Técnico, nomeado em tempo PSD, arrasta-se em indecisões desde o início do Verão. Diga-se em abono da verdade que Ramôa, ao contrário de Gago, tem sido um líder medíocre neste seu último mandato e deveria ter sido afastado há muito tempo.
Mas voltemos ao assunto, ontem os estudantes universitários resolveram fazer uma manifestação contra as propinas, eram dois mil, mas o que aconteceu? Desentenderam-se! Alguns foram para o local previsto, os outros separaram-se e foram para a Assembleia onde foram muito pouco notados. Provavelmente já teriam estado a aquecer nas cervejarias do Campo Grande ou havia umas tascas pelo caminho e ficaram a beber umas cervejolas e perderam oo discernimento e o caminho...
Segundo um dos líderes estudantis a separação foi perfeitamente normal, os estudantes são livres de se manifestarem!"
Já o Arraial do Caloiro do Técnico consegue um nível de participação muito mais elevado, cujos resultados parciais podem ser vistos numa foto do day after, uma sexta feira de aulas, que partilho com os leitores...
Como tal dou uma ideia de barato aos líderes estudantis: para aumentar o nível participativo nas manifestações porque não pedir a umas cervejeiras para patrocinar as manifestações?
Mas voltemos ao assunto, ontem os estudantes universitários resolveram fazer uma manifestação contra as propinas, eram dois mil, mas o que aconteceu? Desentenderam-se! Alguns foram para o local previsto, os outros separaram-se e foram para a Assembleia onde foram muito pouco notados. Provavelmente já teriam estado a aquecer nas cervejarias do Campo Grande ou havia umas tascas pelo caminho e ficaram a beber umas cervejolas e perderam oo discernimento e o caminho...
Segundo um dos líderes estudantis a separação foi perfeitamente normal, os estudantes são livres de se manifestarem!"
Já o Arraial do Caloiro do Técnico consegue um nível de participação muito mais elevado, cujos resultados parciais podem ser vistos numa foto do day after, uma sexta feira de aulas, que partilho com os leitores...
Como tal dou uma ideia de barato aos líderes estudantis: para aumentar o nível participativo nas manifestações porque não pedir a umas cervejeiras para patrocinar as manifestações?
9.11.05
Joana Amaral Dias
Resolvi colocar o poema de Voltaire sobre o Terramoto de Lisboa em versão integral ao ler a versão truncada de Joana Amaral Dias. A bem da pureza do texto de Voltaire.
Devo dizer que admiro a "jovem" pelo empenho idealista das suas causas. Acredito que o faz por convicções. Apoia um geriarca como candidato a presidente sem duvidar, ou pelo menos sem o aparentar, um instante que seja de um sistema e de um homem que não conhece o dom de saber que o seu tempo passou, caindo no absurdo de o levantar como bandeira como se estivesse vivo e não fosse apenas um símbolo, um mito, aliás falso como quase todas deificações in vivo ou in morto numa espécie de Octávio deus antes da passagem, espantalho de ideologias mortas levado á frente de um bando como bandeira contra outros bandos que levantam espantalhos iguais.
Joana Amaral Dias passa hoje pelo estádio de amadurecimento de um jovem Siegfried que amadurecerá e se tornará em alguém mais sábio, ou seja um Wagner feito um Wotan, assim o espero pela sua força e pela forma como passa por tudo de forma leviana e viva, como vai partindo lanças, pisando a seus pés todos os obstáculos sem grande reflexão, sem questionar a essência do homem, da sua real matriz pessimista. Joana a acreditar ainda nas pessoas é um caso paradigmático de jovem alemão do inicio do século XIX ou de jovem turco do início do XX, ou de jovem... O que eu não espero é que nesta sua renúncia ao mundo sábio e conhecedor, pessimista e real, renúncia necessária e obrigatória no seu percurso para o nada, não termine morta por uma traição com uma lâmina nas costas, como Siegfried, ou pior, velha e tontinha como tantos que a acompanham hoje e continuam sem perceber a roda motriz do mundo, ou pior ainda velhaca e ressentida, como outros tantos que estão na mesma barricada, que já perceberam como funciona a roda motriz do mundo e a exploram em seu benefício e das suas causas, sem perceber também que são mais outros arautos do nada... mas para beber na fonte da sabedoria, para colher os frutos da árvore do conhecimento há que perder um olho e dói, uma dor profunda como a da morte de um pai.
Hoje Joana leva-se a sério, será um Homem melhor quando conseguir olhar para si de fora. Resta-lhe a importância e a espectativa que até motiva algumas reflexões sobre o assunto da minha parte, caso de merecimento raro, raramente discursaria sobre um mero mandatário juvenil de um candidato presidencial, mas reconheço-lhe a aura e a propensão para herói. Não se esqueça nunca ninguém que quem procura o poder, seja de que forma, renuncia à forma suprema de bem. As ninfas reclamam nas profundezas das águas mas a caminhada faz-se gloriosa pela ponte do arco íris de espada na mão, uma espada que apenas corta aparentemente.
E este Voltaire truncado é um péssimo sinal.
Devo dizer que admiro a "jovem" pelo empenho idealista das suas causas. Acredito que o faz por convicções. Apoia um geriarca como candidato a presidente sem duvidar, ou pelo menos sem o aparentar, um instante que seja de um sistema e de um homem que não conhece o dom de saber que o seu tempo passou, caindo no absurdo de o levantar como bandeira como se estivesse vivo e não fosse apenas um símbolo, um mito, aliás falso como quase todas deificações in vivo ou in morto numa espécie de Octávio deus antes da passagem, espantalho de ideologias mortas levado á frente de um bando como bandeira contra outros bandos que levantam espantalhos iguais.
Joana Amaral Dias passa hoje pelo estádio de amadurecimento de um jovem Siegfried que amadurecerá e se tornará em alguém mais sábio, ou seja um Wagner feito um Wotan, assim o espero pela sua força e pela forma como passa por tudo de forma leviana e viva, como vai partindo lanças, pisando a seus pés todos os obstáculos sem grande reflexão, sem questionar a essência do homem, da sua real matriz pessimista. Joana a acreditar ainda nas pessoas é um caso paradigmático de jovem alemão do inicio do século XIX ou de jovem turco do início do XX, ou de jovem... O que eu não espero é que nesta sua renúncia ao mundo sábio e conhecedor, pessimista e real, renúncia necessária e obrigatória no seu percurso para o nada, não termine morta por uma traição com uma lâmina nas costas, como Siegfried, ou pior, velha e tontinha como tantos que a acompanham hoje e continuam sem perceber a roda motriz do mundo, ou pior ainda velhaca e ressentida, como outros tantos que estão na mesma barricada, que já perceberam como funciona a roda motriz do mundo e a exploram em seu benefício e das suas causas, sem perceber também que são mais outros arautos do nada... mas para beber na fonte da sabedoria, para colher os frutos da árvore do conhecimento há que perder um olho e dói, uma dor profunda como a da morte de um pai.
Hoje Joana leva-se a sério, será um Homem melhor quando conseguir olhar para si de fora. Resta-lhe a importância e a espectativa que até motiva algumas reflexões sobre o assunto da minha parte, caso de merecimento raro, raramente discursaria sobre um mero mandatário juvenil de um candidato presidencial, mas reconheço-lhe a aura e a propensão para herói. Não se esqueça nunca ninguém que quem procura o poder, seja de que forma, renuncia à forma suprema de bem. As ninfas reclamam nas profundezas das águas mas a caminhada faz-se gloriosa pela ponte do arco íris de espada na mão, uma espada que apenas corta aparentemente.
E este Voltaire truncado é um péssimo sinal.
Voltaire e o Terramoto
Poème sur le désastre de Lisbonne ou examen de cet axiome: "tout est bien"
O malheureux mortels! ô terre déplorable!
O de tous les mortels assemblage effroyable!
D'inutiles douleurs éternel entretien!
Philosophes trompés qui criez: "Tout est bien"
Accourez, contemplez ces ruines affreuses
Ces débris, ces lambeaux, ces cendres malheureuses,
Ces femmes, ces enfants l'un sur l'autre entassés,
Sous ces marbres rompus ces membres dispersés;
Cent mille infortunés que la terre dévore,
Qui, sanglants, déchirés, et palpitants encore,
Enterrés sous leurs toits, terminent sans secours
Dans l'horreur des tourments leurs lamentables jours!
Aux cris demi-formés de leurs voix expirantes,
Au spectacle effrayant de leurs cendres fumantes,
Direz-vous: "C'est l'effet des éternelles lois
Qui d'un Dieu libre et bon nécessitent le choix"?
Direz-vous, en voyant cet amas de victimes:
"Dieu s'est vengé, leur mort est le prix de leurs crimes"?
Quel crime, quelle faute ont commis ces enfants
Sur le sein maternel écrasés et sanglants?
Lisbonne, qui n'est plus, eut-elle plus de vices
Que Londres, que Paris, plongés dans les délices?
Lisbonne est abîmée, et l'on danse à Paris.
Tranquilles spectateurs, intrépides esprits,
De vos frères mourants contemplant les naufrages,
Vous recherchez en paix les causes des orages:
Mais du sort ennemi quand vous sentez les coups,
Devenus plus humains, vous pleurez comme nous.
Croyez-moi, quand la terre entrouvre ses abîmes
Ma plainte est innocente et mes cris légitimes
Partout environnés des cruautés du sort,
Des fureurs des méchants, des pièges de la mort
De tous les éléments éprouvant les atteintes,
Compagnons de nos maux, permettez-nous les plaintes.
C'est l'orgueil, dites-vous, l'orgueil séditieux,
Qui prétend qu'étant mal, nous pouvions être mieux.
Allez interroger les rivages du Tage;
Fouillez dans les débris de ce sanglant ravage;
Demandez aux mourants, dans ce séjour d'effroi
Si c'est l'orgueil qui crie "O ciel, secourez-moi!
O ciel, ayez pitié de l'humaine misère!"
"Tout est bien, dites-vous, et tout est nécessaire."
Quoi! l'univers entier, sans ce gouffre infernal
Sans engloutir Lisbonne, eût-il été plus mal?
Etes-vous assurés que la cause éternelle
Qui fait tout, qui sait tout, qui créa tout pour elle,
Ne pouvait nous jeter dans ces tristes climats
Sans former des volcans allumés sous nos pas?
Borneriez-vous ainsi la suprême puissance?
Lui défendriez-vous d'exercer sa clémence?
L'éternel artisan n'a-t-il pas dans ses mains
Des moyens infinis tout prêts pour ses desseins?
Je désire humblement, sans offenser mon maître,
Que ce gouffre enflammé de soufre et de salpêtre
Eût allumé ses feux dans le fond des déserts.
Je respecte mon Dieu, mais j'aime l'univers.
Quand l'homme ose gémir d'un fléau si terrible
Il n'est point orgueilleux, hélas! Il est sensible.
Les tristes habitants de ces bords désolés
Dans l'horreur des tourments seraient-ils consolés
Si quelqu'un leur disait: "Tombez, mourez tranquilles;
Pour le bonheur du monde on détruit vos asiles.
D'autres mains vont bâtir vos palais embrasés
D'autres peuples naîtront dans vos murs écrasés;
Le Nord va s'enrichir de vos pertes fatales
Tous vos maux sont un bien dans les lois générales
Dieu vous voit du même oeil que les vils vermisseaux
Dont vous serez la proie au fond de vos tombeaux"?
A des infortunés quel horrible langage!
Cruels, à mes douleurs n'ajoutez point l'outrage.
Non, ne présentez plus à mon coeur agité
Ces immuables lois de la nécessité
Cette chaîne des corps, des esprits, et des mondes.
O rêves des savants! ô chimères profondes!
Dieu tient en main la chaîne, et n'est point enchaîné
Par son choix bienfaisant tout est déterminé:
Il est libre, il est juste, il n'est point implacable.
Pourquoi donc souffrons-nous sous un maître équitable?
Voilà le noeud fatal qu'il fallait délier.
Guérirez-vous nos maux en osant les nier?
Tous les peuples, tremblant sous une main divine
Du mal que vous niez ont cherché l'origine.
Si l'éternelle loi qui meut les éléments
Fait tomber les rochers sous les efforts des vents
Si les chênes touffus par la foudre s'embrasent,
Ils ne ressentent point des coups qui les écrasent:
Mais je vis, mais je sens, mais mon coeur opprimé
Demande des secours au Dieu qui l'a formé.
Enfants du Tout-Puissant, mais nés dans la misère,
Nous étendons les mains vers notre commun père.
Le vase, on le sait bien, ne dit point au potier:
"Pourquoi suis-je si vil, si faible et si grossier?"
Il n'a point la parole, il n'a point la pensée;
Cette urne en se formant qui tombe fracassée
De la main du potier ne reçut point un coeur
Qui désirât les biens et sentît son malheur
"Ce malheur, dites-vous, est le bien d'un autre être."
De mon corps tout sanglant mille insectes vont naître;
Quand la mort met le comble aux maux que j'ai soufferts
Le beau soulagement d'être mangé des vers!
Tristes calculateurs des misères humaines
Ne me consolez point, vous aigrissez mes peines
Et je ne vois en vous que l'effort impuissant
D'un fier infortuné qui feint d'être content.
Je ne suis du grand tout qu'une faible partie:
Oui; mais les animaux condamnés à la vie,
Tous les êtres sentants, nés sous la même loi,
Vivent dans la douleur, et meurent comme moi.
Le vautour acharné sur sa timide proie
De ses membres sanglants se repaît avec joie;
Tout semble bien pour lui, mais bientôt à son tour
Un aigle au bec tranchant dévore le vautour;
L'homme d'un plomb mortel atteint cette aigle altière:
Et l'homme aux champs de Mars couché sur la poussière,
Sanglant, percé de coups, sur un tas de mourants,
Sert d'aliment affreux aux oiseaux dévorants.
Ainsi du monde entier tous les membres gémissent;
Nés tous pour les tourments, l'un par l'autre ils périssent:
Et vous composerez dans ce chaos fatal
Des malheurs de chaque être un bonheur général!
Quel bonheur! ô mortel et faible et misérable.
Vous criez: "Tout est bien" d'une voix lamentable,
L'univers vous dément, et votre propre coeur
Cent fois de votre esprit a réfuté l'erreur.
Eléments, animaux, humains, tout est en guerre.
Il le faut avouer, le mal est sur la terre:
Son principe secret ne nous est point connu.
De l'auteur de tout bien le mal est-il venu?
Est-ce le noir Typhon, le barbare Arimane,
Dont la loi tyrannique à souffrir nous condamne?
Mon esprit n'admet point ces monstres odieux
Dont le monde en tremblant fit autrefois des dieux.
Mais comment concevoir un Dieu, la bonté même,
Qui prodigua ses biens à ses enfants qu'il aime,
Et qui versa sur eux les maux à pleines mains?
Quel oeil peut pénétrer dans ses profonds desseins?
De l'Etre tout parfait le mal ne pouvait naître;
Il ne vient point d'autrui, puisque Dieu seul est maître:
Il existe pourtant. O tristes vérités!
O mélange étonnant de contrariétés!
Un Dieu vint consoler notre race affligée;
Il visita la terre et ne l'a point changée!
Un sophiste arrogant nous dit qu'il ne l'a pu;
"Il le pouvait, dit l'autre, et ne l'a point voulu:
Il le voudra, sans doute"; et tandis qu'on raisonne,
Des foudres souterrains engloutissent Lisbonne,
Et de trente cités dispersent les débris,
Des bords sanglants du Tage à la mer de Cadix.
Ou l'homme est né coupable, et Dieu punit sa race,
Ou ce maître absolu de l'être et de l'espace,
Sans courroux, sans pitié, tranquille, indifférent,
De ses premiers décrets suit l'éternel torrent;
Ou la matière informe à son maître rebelle,
Porte en soi des défauts nécessaires comme elle;
Ou bien Dieu nous éprouve, et ce séjour mortel
N'est qu'un passage étroit vers un monde éternel.
Nous essuyons ici des douleurs passagères:
Le trépas est un bien qui finit nos misères.
Mais quand nous sortirons de ce passage affreux,
Qui de nous prétendra mériter d'être heureux?
Quelque parti qu'on prenne, on doit frémir, sans doute
Il n'est rien qu'on connaisse, et rien qu'on ne redoute.
La nature est muette, on l'interroge en vain;
On a besoin d'un Dieu qui parle au genre humain.
Il n'appartient qu'à lui d'expliquer son ouvrage,
De consoler le faible, et d'éclairer le sage.
L'homme, au doute, à l'erreur, abandonné sans lui,
Cherche en vain des roseaux qui lui servent d'appui.
Leibnitz ne m'apprend point par quels noeuds invisibles,
Dans le mieux ordonné des univers possibles,
Un désordre éternel, un chaos de malheurs,
Mêle à nos vains plaisirs de réelles douleurs,
Ni pourquoi l'innocent, ainsi que le coupable
Subit également ce mal inévitable.
Je ne conçois pas plus comment tout serait bien:
Je suis comme un docteur, hélas! je ne sais rien.
Platon dit qu'autrefois l'homme avait eu des ailes,
Un corps impénétrable aux atteintes mortelles;
La douleur, le trépas, n'approchaient point de lui.
De cet état brillant qu'il diffère aujourd'hui!
Il rampe, il souffre, il meurt; tout ce qui naît expire;
De la destruction la nature est l'empire.
Un faible composé de nerfs et d'ossements
Ne peut être insensible au choc des éléments;
Ce mélange de sang, de liqueurs, et de poudre,
Puisqu'il fut assemblé, fut fait pour se dissoudre;
Et le sentiment prompt de ces nerfs délicats
Fut soumis aux douleurs, ministres du trépas:
C'est là ce que m'apprend la voix de la nature.
J'abandonne Platon, je rejette Epicure.
Bayle en sait plus qu'eux tous; je vais le consulter:
La balance à la main, Bayle enseigne à douter,
Assez sage, assez grand pour être sans système,
Il les a tous détruits, et se combat lui-même:
Semblable à cet aveugle en butte aux Philistins
Qui tomba sous les murs abattus par ses mains.
Que peut donc de l'esprit la plus vaste étendue?
Rien; le livre du sort se ferme à notre vue.
L'homme, étranger à soi, de l'homme est ignoré.
Que suis-je, où suis-je, où vais-je, et d'où suis-je tiré?
Atomes tourmentés sur cet amas de boue
Que la mort engloutit et dont le sort se joue,
Mais atomes pensants, atomes dont les yeux,
Guidés par la pensée, ont mesuré les cieux;
Au sein de l'infini nous élançons notre être,
Sans pouvoir un moment nous voir et nous connaître.
Ce monde, ce théâtre et d'orgueil et d'erreur,
Est plein d'infortunés qui parlent de bonheur.
Tout se plaint, tout gémit en cherchant le bien-être:
Nul ne voudrait mourir, nul ne voudrait renaître.
Quelquefois, dans nos jours consacrés aux douleurs,
Par la main du plaisir nous essuyons nos pleurs;
Mais le plaisir s'envole, et passe comme une ombre;
Nos chagrins, nos regrets, nos pertes, sont sans nombre.
Le passé n'est pour nous qu'un triste souvenir;
Le présent est affreux, s'il n'est point d'avenir,
Si la nuit du tombeau détruit l'être qui pense.
Un jour tout sera bien, voilà notre espérance;
Tout est bien aujourd'hui, voilà l'illusion.
Les sages me trompaient, et Dieu seul a raison.
Humble dans mes soupirs, soumis dans ma souffrance,
Je ne m'élève point contre la Providence.
Sur un ton moins lugubre on me vit autrefois
Chanter des doux plaisirs les séduisantes lois:
D'autres temps, d'autres moeurs: instruit par la vieillesse,
Des humains égarés partageant la faiblesse
Dans une épaisse nuit cherchant à m'éclairer,
Je ne sais que souffrir, et non pas murmurer.
Un calife autrefois, à son heure dernière,
Au Dieu qu'il adorait dit pour toute prière:
"Je t'apporte, ô seul roi, seul être illimité,
Tout ce que tu n'as pas dans ton immensité,
Les défauts, les regrets, les maux et l'ignorance."
Mais il pouvait encore ajouter l'espérance.
Voltaire
8.11.05
Alívio
Cavaco Silva recebeu com alívio a promessa de José Saramago de não participar em cerimónias oficiais presididas por Cavaco se este for eleito presidente da república. Parece que disse:
Promete mesmo?
Promete mesmo?
6.11.05
Uma crítica que tarda - Otello II
Ao Otello de Verdi no S. Carlos, estreia no dia 31 de Outubro.
Um tenor principal, Malagnini, algo fraco nos dois primeiros actos e a subir nos últimos, um tenor em princípio de papel, é a primeira vez que canta Otello. É um belo tenor lírico e mostra-o nas cenas do terceiro e quarto actos, mais intimistas e de composição mais teatral. É francamente débil nas partes heróicas dos actos iniciais, demasiada gritaria e pouco peito. A voz aqui teria de ser mais densa e encorpada. Acaba no entanto em beleza e é excelente actor, a interpretação no final é de fino recorte. Um papel muito difícil que terá de ser mais trabalhado nos primeiros actos para maior consistência. A voz de Malagnini é luminosa mas não deve tentar ter mais corpo e potência do que a que tem naturalmente caindo no risco de gritar. De qualquer modo no panorama actual não há Otellos completos e Malagnini pode ter futuro no papel.
Dimitra Theodossiou tem a voz demasiado ácida, pícrica, para ser uma desdémona convincente nos primeiros actos. Será perfeita na Traviata ou talvez em Lady Macbeth. O seu metal, o seu tom ácido não casam bem com uma desdémona doce e apagada. No entanto cumpre, por usar uma grande dose de inteligência, no último acto. A canção do salgueiro e a oração são momentos antológicos de representação e de interpretação. Esquecemos que a voz é mais dotada para outros papéis ao sentirmos a inteligência da cantora.
Um barítono, Carlo Guelfi, razoável vocalmente mas algo excessivo na pronúncia, na entoação e na composição de Iago. Um Iago assim é demasiado óbvio. Desafinou um pouco ao puxar pela voz para um registo mais "diabólico" e poderia ter sido francamente mais cínico, não sei se será mal da encenação que lhe terá exigido este tipo de interpretação.
Carlos Guilherme foi um Cassio razoável que cumpriu o papel dentro de uma produção algo indiferente e uma encenação "manhosa", Guilherme esforçou-se por demonstrar que ainda é um tenor com presença no panorama lírico português, foi correcto na sua interpretação mas sem grandes rasgos, poderá ter melhorado nas restantes récitas, a estreia é sempre mais difícil.
Foi francamente mal tratado pelo encenador ao dar-lhe um destaque mínimo na trama e ao pô-lo em confronto com um Guelfi muito alto sem disfarçar essa mesma diferença de alturas, poderia o encenador ter colocado Guelfi em baixo, sentado, inclinado, etc...
Restante elenco médio em papéis muito pequenos onde os pequenos erros se pagam caro por não se poderem remediar. Ouvi desafinação em alguns pontos (sobretudo no septeto que foi algo desastroso). Achei Paula Morna Dória em Emilia mais irregular e com a voz feia.
A orquestra Sinfónica Portuguesa esteve ao seu nível possível respondendo bem às solicitações de Pirolli, o maestro de serviço. A flauta solo pareceu-nos algo aflita atrás do resto do conjunto. O andamento usado por Pirolli no início da ópera foi avassalador e a orquestra reagiu bem. Madeiras bem, metais dentro do exigível. Uma orquestra de ópera segura que sem ser magnífica cumpriu com convicção. Pirolli foi propulsivo e incisivo, conseguiu dominar e dar coesão à parte musical sem grandes rasgos.
Coro a responder bem e a não desligar, andaram um pouco atrasados no primeiro acto e houve alguma confusão no início da ópera mas resistiram bem à prova. A parte em que entram as crianças foi fraquinha mas não quero estar a massacrar nos detalhes, o coro está no bom caminho.
Em suma: ópera digna desse nome. Uma encenação fraca, luzes indiferentes, figurinos banais, mas um Otello convincente do ponto de vista musical. Uma grande cantora na Desdémona, um cantor em crescimento e amadurecimento em Otello. Um Iago vocalmente excessivo mas capaz de transmitir carisma ao papel. Orquestra e coro dentro de parâmetros aceitáveis.
O Credo de Iago lembrou-me a maldição de Alberich no Ouro do Reno. Recomendo a comparação impossível apenas por curiosidade. Embora o genial italiano não seja o provinciano que Joel, o "encenador", menosprezou talvez para disfarçar a sua total incompetência e incapacidade para a encenação operática, é realmente menos convincente neste tipo de situação que o tedesco, pelo menos assim o penso...
Escutar as maldição de Alberich e o Credo de Iago (Keleman e Cappuccilli, Karajan e Carlos Kleiber, Filarmónica de Berlin e Ala Scala).
Escuta alternativa para quem não tem o plugin:
Wagner.
Verdi
Um tenor principal, Malagnini, algo fraco nos dois primeiros actos e a subir nos últimos, um tenor em princípio de papel, é a primeira vez que canta Otello. É um belo tenor lírico e mostra-o nas cenas do terceiro e quarto actos, mais intimistas e de composição mais teatral. É francamente débil nas partes heróicas dos actos iniciais, demasiada gritaria e pouco peito. A voz aqui teria de ser mais densa e encorpada. Acaba no entanto em beleza e é excelente actor, a interpretação no final é de fino recorte. Um papel muito difícil que terá de ser mais trabalhado nos primeiros actos para maior consistência. A voz de Malagnini é luminosa mas não deve tentar ter mais corpo e potência do que a que tem naturalmente caindo no risco de gritar. De qualquer modo no panorama actual não há Otellos completos e Malagnini pode ter futuro no papel.
Dimitra Theodossiou tem a voz demasiado ácida, pícrica, para ser uma desdémona convincente nos primeiros actos. Será perfeita na Traviata ou talvez em Lady Macbeth. O seu metal, o seu tom ácido não casam bem com uma desdémona doce e apagada. No entanto cumpre, por usar uma grande dose de inteligência, no último acto. A canção do salgueiro e a oração são momentos antológicos de representação e de interpretação. Esquecemos que a voz é mais dotada para outros papéis ao sentirmos a inteligência da cantora.
Um barítono, Carlo Guelfi, razoável vocalmente mas algo excessivo na pronúncia, na entoação e na composição de Iago. Um Iago assim é demasiado óbvio. Desafinou um pouco ao puxar pela voz para um registo mais "diabólico" e poderia ter sido francamente mais cínico, não sei se será mal da encenação que lhe terá exigido este tipo de interpretação.
Carlos Guilherme foi um Cassio razoável que cumpriu o papel dentro de uma produção algo indiferente e uma encenação "manhosa", Guilherme esforçou-se por demonstrar que ainda é um tenor com presença no panorama lírico português, foi correcto na sua interpretação mas sem grandes rasgos, poderá ter melhorado nas restantes récitas, a estreia é sempre mais difícil.
Foi francamente mal tratado pelo encenador ao dar-lhe um destaque mínimo na trama e ao pô-lo em confronto com um Guelfi muito alto sem disfarçar essa mesma diferença de alturas, poderia o encenador ter colocado Guelfi em baixo, sentado, inclinado, etc...
Restante elenco médio em papéis muito pequenos onde os pequenos erros se pagam caro por não se poderem remediar. Ouvi desafinação em alguns pontos (sobretudo no septeto que foi algo desastroso). Achei Paula Morna Dória em Emilia mais irregular e com a voz feia.
A orquestra Sinfónica Portuguesa esteve ao seu nível possível respondendo bem às solicitações de Pirolli, o maestro de serviço. A flauta solo pareceu-nos algo aflita atrás do resto do conjunto. O andamento usado por Pirolli no início da ópera foi avassalador e a orquestra reagiu bem. Madeiras bem, metais dentro do exigível. Uma orquestra de ópera segura que sem ser magnífica cumpriu com convicção. Pirolli foi propulsivo e incisivo, conseguiu dominar e dar coesão à parte musical sem grandes rasgos.
Coro a responder bem e a não desligar, andaram um pouco atrasados no primeiro acto e houve alguma confusão no início da ópera mas resistiram bem à prova. A parte em que entram as crianças foi fraquinha mas não quero estar a massacrar nos detalhes, o coro está no bom caminho.
Em suma: ópera digna desse nome. Uma encenação fraca, luzes indiferentes, figurinos banais, mas um Otello convincente do ponto de vista musical. Uma grande cantora na Desdémona, um cantor em crescimento e amadurecimento em Otello. Um Iago vocalmente excessivo mas capaz de transmitir carisma ao papel. Orquestra e coro dentro de parâmetros aceitáveis.
O Credo de Iago lembrou-me a maldição de Alberich no Ouro do Reno. Recomendo a comparação impossível apenas por curiosidade. Embora o genial italiano não seja o provinciano que Joel, o "encenador", menosprezou talvez para disfarçar a sua total incompetência e incapacidade para a encenação operática, é realmente menos convincente neste tipo de situação que o tedesco, pelo menos assim o penso...
Escutar as maldição de Alberich e o Credo de Iago (Keleman e Cappuccilli, Karajan e Carlos Kleiber, Filarmónica de Berlin e Ala Scala).
Escuta alternativa para quem não tem o plugin:
Wagner.
Verdi
O retomar
Wagner regressou ao Siegfried muitos anos depois de abandonar a ópera, pelo meio começou e acabou o Tristan e os Meistersinger, quando regressa à obra, vem mais sábio, mais maduro, mais pessimista porque mais conhecedor do mundo e mais rico depois de conhecer Schopenhauer. Depois da experiência filosófica de Tristan, um imenso poema sinfónico com (poucas) palavras, Wagner tem tempo de compor os Mestres Cantores de Nuremberga em que o homem mais velho renuncia ao mundo, e ao amor, para partir à conquista do seu espaço de retirada budista, tanquila, dando lugar ao mundo belicoso e viril dos jovens.
Wagner depois de se ter embrenhado em Siegfried, herói vital, jovem e cheio de força, cansou-se desse mesmo herói, abominou-o mesmo, Siegfried já não era o motor das ideias de Wagner. Feuerbach e os jovens alemães estavam esquecidos, Bakunine era um herói de papelão, Hegel um neo-gongórico falso e mesquinho, Schopenhauer tinha denunciado a filosofia alemã como formalista e obscura. A clareza luminosa das suas ideias em escritos de uma transparência linguística iridiante iluminara Wagner. O herói é agora Wotan, como sempre o fora no seu inconsciente, ele mesmo o afirmou, Wotan o W de Wagner. Siefried era demasiadamente novo e optimista para Wagner se reconhecer nele. O poema escrito mais de duas décadas antes tem agora um novo sentido ilustrado pela música, tudo se tornou claro para Wagner que procurava apenas uma luz que lhe explicasse o sentido do que tinha imaginado, essa luz era Schopenhauer, tudo era claro agora. Wotan surge mais uma vez, um breve instante no Siegfrid como um velho viandante, é a oportunidade para Wagner deixar claro que o herói é o velho deus zarolho, apenas um homem cansado e triste que se retira desiludido com a sua obra mas imensamente realizado pela essência do seu próprio gesto de renúncia suprema. O verdadeiro Deus é aquele que sabe quando se retirar. Um exemplo que nem todos percebem.
Mais de uma década depois de começar o Siegfried e mais de vinte anos depois de iniciada o ciclo do Anel é urgente terminar. Siegfried a meio do segundo acto é retomado, com uma força e uma energia notáveis. O herói, jovem, estúpido, obtuso, sem conhecer o medo, e por isso sem possibilidade da verdadeira coragem de dominar esse mesmo medo, lança-se à aventura. Tem na mão o anel e o elmo que lhe dão poderes mágicos que ele não domina, um pássaro sussurra-lhe mistérios insondáveis que ele em parte compreende, segue esses murmúrios. Falta-lhe partir a lança do avô e conquistar Brünnhilde no alto da sua montanha mágica. É essa exaltação de conquista que se escuta na música do prelúdio do terceiro acto. O acto final de Siegfried, mostra também a angústia agitada de Wotan e o fervilhar da sua alma antes do supremo instante da confrontação última com o seu neto, antes disso falará com a Deusa da Terra, Erda, no seu derradeiro passo antes da aceitação do Nirvana. A deusa mãe não tem respostas.
Esta música ilustra também a ânsia de Wagner por terminar, enfim, a obra mais importante de toda a sua existência e um dos pilares essenciais da Criação Humano de todos os tempos: O Anel do Nibelungo. O final de Siegfried surge assim não como um sacrifício de Wagner mas como uma intensa revelação. As lições de Ópera e Drama estão assimiladas, são agora naturais, os princípios dogmáticos que eram inflexíveis em o Ouro do Reno, são princípios livres transgredidos a bem da música e do drama numa demonstração de génio irrepetível. Muitos tentaram seguir as pisadas de Wagner, ninguém o conseguiu. O seu filho Siegfried (!!), escreveu mais óperas do que o pai, mas quem as escuta hoje?
Ouvir o Prelúdio do Terceiro Acto de Siegfried. Não esquecer que como a música é infinita este prelúdio acaba por um corte inopinado. Serve apenas como uma lembrança para se escutar a ópera toda.
P.S. Este prelúdio incrível, aqui interpretado pela Filarmónica de Berlim com direcção de Herbert von Karajan, é um momento único do Ring e da história da música. A orquestra é usada de uma forma absolutamente inultrapassável desde os maciços mas extraordináriamente bem cantados graves até aos pontilhados dos trompetes e aos movimentos obsessivos dos violinos. Nove temas numa concentração incrível de material fundem-se num tecido estranhamente denso e ao mesmo tempo de uma delicadeza quase diáfana. Karajan dirige aqui com uma mescla de força e subtileza inacreditável, o clímax da direcção orquestral e da técnica sinfónica da orquestra ao mesmo tempo que uma leitura sublime das notas deixadas no papel por Wagner. Uma orquestra menor transforma facilmente este prelúdio numa pasta informe.
Infelizmente o mp3 comprimido não deixa escutar a gravação magistral deste Siegfried. As tubas cantam de forma doce como veludo, os trombones entram e saem sem cessar, de forma impressiva, máscula mas ao mesmo tempo sem rasgar, sem agredir um instante que seja. A coesão da orquestra é sobrenatural, os sforzandi modelares, marca indelével da sonoridade da Filarmónica de Berlim e de Karajan.
Os temas, já conhecidos no Anel, são usados com um liberdade total, diríamos improvisada. Wagner está no limite da sua criatividade, o ritmo é avassalador, a melodia é majestosa, o contraponto invade este prelúdio com uma riqueza e uma frescura sem paralelo nem no Ouro do Reno nem na Vaquíria, esta é uma nova música. Não sabemos se será melhor, nem interessa, o ponto é que é totalmente nova. Wagner na sua capacidade infinita de renovação.
O retomar da obra, oito anos depois da interrupção, para a transcender ao contrário de Wotan que se retira para dar lugar à renovação e a outro mundo onde já não tem lugar.
Wagner depois de se ter embrenhado em Siegfried, herói vital, jovem e cheio de força, cansou-se desse mesmo herói, abominou-o mesmo, Siegfried já não era o motor das ideias de Wagner. Feuerbach e os jovens alemães estavam esquecidos, Bakunine era um herói de papelão, Hegel um neo-gongórico falso e mesquinho, Schopenhauer tinha denunciado a filosofia alemã como formalista e obscura. A clareza luminosa das suas ideias em escritos de uma transparência linguística iridiante iluminara Wagner. O herói é agora Wotan, como sempre o fora no seu inconsciente, ele mesmo o afirmou, Wotan o W de Wagner. Siefried era demasiadamente novo e optimista para Wagner se reconhecer nele. O poema escrito mais de duas décadas antes tem agora um novo sentido ilustrado pela música, tudo se tornou claro para Wagner que procurava apenas uma luz que lhe explicasse o sentido do que tinha imaginado, essa luz era Schopenhauer, tudo era claro agora. Wotan surge mais uma vez, um breve instante no Siegfrid como um velho viandante, é a oportunidade para Wagner deixar claro que o herói é o velho deus zarolho, apenas um homem cansado e triste que se retira desiludido com a sua obra mas imensamente realizado pela essência do seu próprio gesto de renúncia suprema. O verdadeiro Deus é aquele que sabe quando se retirar. Um exemplo que nem todos percebem.
Mais de uma década depois de começar o Siegfried e mais de vinte anos depois de iniciada o ciclo do Anel é urgente terminar. Siegfried a meio do segundo acto é retomado, com uma força e uma energia notáveis. O herói, jovem, estúpido, obtuso, sem conhecer o medo, e por isso sem possibilidade da verdadeira coragem de dominar esse mesmo medo, lança-se à aventura. Tem na mão o anel e o elmo que lhe dão poderes mágicos que ele não domina, um pássaro sussurra-lhe mistérios insondáveis que ele em parte compreende, segue esses murmúrios. Falta-lhe partir a lança do avô e conquistar Brünnhilde no alto da sua montanha mágica. É essa exaltação de conquista que se escuta na música do prelúdio do terceiro acto. O acto final de Siegfried, mostra também a angústia agitada de Wotan e o fervilhar da sua alma antes do supremo instante da confrontação última com o seu neto, antes disso falará com a Deusa da Terra, Erda, no seu derradeiro passo antes da aceitação do Nirvana. A deusa mãe não tem respostas.
Esta música ilustra também a ânsia de Wagner por terminar, enfim, a obra mais importante de toda a sua existência e um dos pilares essenciais da Criação Humano de todos os tempos: O Anel do Nibelungo. O final de Siegfried surge assim não como um sacrifício de Wagner mas como uma intensa revelação. As lições de Ópera e Drama estão assimiladas, são agora naturais, os princípios dogmáticos que eram inflexíveis em o Ouro do Reno, são princípios livres transgredidos a bem da música e do drama numa demonstração de génio irrepetível. Muitos tentaram seguir as pisadas de Wagner, ninguém o conseguiu. O seu filho Siegfried (!!), escreveu mais óperas do que o pai, mas quem as escuta hoje?
Ouvir o Prelúdio do Terceiro Acto de Siegfried. Não esquecer que como a música é infinita este prelúdio acaba por um corte inopinado. Serve apenas como uma lembrança para se escutar a ópera toda.
P.S. Este prelúdio incrível, aqui interpretado pela Filarmónica de Berlim com direcção de Herbert von Karajan, é um momento único do Ring e da história da música. A orquestra é usada de uma forma absolutamente inultrapassável desde os maciços mas extraordináriamente bem cantados graves até aos pontilhados dos trompetes e aos movimentos obsessivos dos violinos. Nove temas numa concentração incrível de material fundem-se num tecido estranhamente denso e ao mesmo tempo de uma delicadeza quase diáfana. Karajan dirige aqui com uma mescla de força e subtileza inacreditável, o clímax da direcção orquestral e da técnica sinfónica da orquestra ao mesmo tempo que uma leitura sublime das notas deixadas no papel por Wagner. Uma orquestra menor transforma facilmente este prelúdio numa pasta informe.
Infelizmente o mp3 comprimido não deixa escutar a gravação magistral deste Siegfried. As tubas cantam de forma doce como veludo, os trombones entram e saem sem cessar, de forma impressiva, máscula mas ao mesmo tempo sem rasgar, sem agredir um instante que seja. A coesão da orquestra é sobrenatural, os sforzandi modelares, marca indelével da sonoridade da Filarmónica de Berlim e de Karajan.
Os temas, já conhecidos no Anel, são usados com um liberdade total, diríamos improvisada. Wagner está no limite da sua criatividade, o ritmo é avassalador, a melodia é majestosa, o contraponto invade este prelúdio com uma riqueza e uma frescura sem paralelo nem no Ouro do Reno nem na Vaquíria, esta é uma nova música. Não sabemos se será melhor, nem interessa, o ponto é que é totalmente nova. Wagner na sua capacidade infinita de renovação.
O retomar da obra, oito anos depois da interrupção, para a transcender ao contrário de Wotan que se retira para dar lugar à renovação e a outro mundo onde já não tem lugar.
5.11.05
Sidónio Pais - 10 de Maio de 1918
Publico com muito gosto o discurso de Sidónio Pais, após as eleições presidenciais e legislativas de 18 de Abril, as únicas democráticas que Portugal viveu até ao 25 de Abril (onde votaram analfabetos e militares, os analfabetos eram a maioria da população de então), em que obteve a esmagadora maioria dos votos. Devo dizer que não sou sidonista mas admiro Sidónio Pais pelo que fez e pela sua coragem. Os métodos de Sidónio poderão hoje ser discutíveis, mas em 1917/8 seriam? Não será Sidónio julgado de forma anacrónica pelo nosso juízo marcado pelo nosso tempo?
Apelidado de ditador, e foi ditador revolucionário por seis meses, a legitimidade da sua governação foi amplamente consolidada por eleições livres e participadas em larga escala. Combateu ferozmente a corrupção e procurou desenvolver o país num período dificílimo de guerra, protegeu sempre os pobres e tentou melhorar as suas condições de vida. Foi ingénuo e corajoso, morreu. Professor de matemática em Coimbra, nunca procurou enriquecer ou tirar proveito do poder. Morreu assassinado pelos que preferiam o regime podre da primeira república, pelos que sempre desprezaram o real sentir de Portugal, pelos que hoje regressam ao poder. Recordo Sidónio Pais depois de ter lido Manuel Alegre no seu manifesto condenar os mitos messiânicos: sebásticos e sidonistas. É por isso que Manuel Alegre é um homem perigoso, pelo lugar comum histórico falso, demagógico e injusto. Manuel Alegre representa tudo o que Sidónio combateu, bradando o poeta a alta voz inverdades banais como se de verdades absolutas se tratassem, condenando numa palavra o que Portugal melhor conseguiu fazer. Curiosamente não condenou Salazar no seu discurso, que eu tenha ouvido, Salazar que foi a antítese política de Sidónio e ao qual se opôs por exemplo Vicente de Freitas, general sidonista. Assassinado na via pública Sidónio Pais é o mito que Sebastião não pode ser. Sebastião era um rapazola ignorante, doente de sifilis, apalermado e cheio de bravata, tornou-se mito depois de morto pela ignorância de um povo desprezado pela sua própria nobreza e pelos burgueses que abraçaram os Filipes de braços abertos nos primeiros tempos do domínio castelhano. Sidónio tornou-se mito em vida pela força do seu carácter e pelo bem que construiu e soube fazer. Misturá-los é falsear a história.
Alegre não é homem de sentimentos vagos, e isso faz dele uma força que admiro, mas o ódio de Alegre a Sidónio é tanto mais desprezável quanto exprimido com uma profunda convicção e uma ligeireza do facto adquirido sem discussão pelo demagogo em função. O pomposo tribuno elocubra assim sobre um mito que nunca poderá ser, visto que é um homem do sistema, como ontem ele próprio afirmou ao dizer que na república tudo está bem e que será um presidente deste sistema, dentro do sistema. Os mitos ultrapassam os sistemas, transgridem, pelas melhores ou piores razões, Alegre será sempre um medíocre conformado apesar da tuba tonitruante.
Segue o brilhante discurso de Sidónio, o homem não o mito. Sidónio Pais com defeitos, certamente, e com as virtudes que fizeram dele esse mesmo mito ainda vivo e depois de morto. Os mitos que os políticos profissionais gostam de matar. O povo não pode ter mitos vivos, são perigosos para o sistema. Depois de morto Sidónio veio Fátima em força (as aparições antes de Sidónio prenunciam um estado semelhante ao de 1580 mas em 1917 o mito surge, ao contrário do domínio espanhol), veio o Salazar, aproveitando dessa vacatura outros proto-mitos tomaram o seu lugar: Fátima consolidou-se, Salazar governou por mais de quarenta anos e acabou por destruir o espírito livre de agir que ainda poderia resistir na sociedade portuguesa, a sua marca continua, como nos diz José Gil no seu livro "Portugal, Hoje: o Medo de Existir". Fátima ficou na superstição popular e ainda perdura, um dos frutos mais negros da morte do mito...
Dizer que Sidónio não é democrático é o mesmo que dizer que De Gaulle não o foi, e também o tentaram assassinar.
HS
Senhores Deputados e Senadores:
Eleito e proclamado o Presidente da República e constituído o Congresso, entra o país em plena normalidade constitucional.
A Constituição Política da República Portuguesa, com as alterações decretadas durante a ditadura revolucionária, regula até que o Congresso faça a sua revisão, as funções dos três poderes do Estado: legislativo, executivo e judicial independentes e harmónicos entre si.
Chefe da Revolução de 5 de Dezembro sinto vivo prazer em ter podido conduzir o país com a colaboração de todos os que tomaram parte no movimento revolucionário e o apoiaram após oito meses de dificuldades inúmeras e de áspera luta de todos os dias contra a demagogia, tendo sempre assegurado a ordem e a respeito pelas liberdades públicas e pelos direitos individuais, a uma situação perfeitamente normalizada, em que a soberania nacional se exerce por intermédio dos seus legítimos órgãos.
Foi para o povo que se fez a revolução de 5 de Dezembro, segundo as nobres aspirações dos que a levaram a efeito.
Foi com os olhos sempre fitos no povo que governei durante o período ditatorial.
É para o povo que desejo de todo o coração que se continue a governar de hora avante.
É tão grosseiro o erro que se comete supondo a Revolução de 5 de Dezembro reaccionária como supondo-a demagógica.
Nunca uma verdadeira revolução, e foi-o aquela, que o povo português na sua quase unanimidade consagrou, pode deixar de ser guiada por uma ideia de progresso.
Pela parte que me toca, só quem desconhece o meu passado e ignora a persistência do meu carácter, pode apodar-me de reaccionário. Tão pouco poderia associar-me a uma obra improgressiva.
Fui sempre e sou republicano; por isso procurei manter e consolidar a República.
Atravessava-se, na época em que começou a organização revolucionária, um período crítico em que os desmandos e a corrupção do poder perturbavam as consciências.
Em cada peito se gerava um fundo ressentimento de revolta. Era mister canalizar essas forças desorientadas, para evitar a anarquia evidente. Ou se fazia a coordenação dessas energias dispersas ou viria o caos. Não só a pátria estava em perigo. Se elementos republicanos não encarnassem em si as aspirações do país a revolução poderia vir a apresentar a forma duma restauração monárquica. Era mister actuar rapidamente.
Quis interessar um partido inteiro nesse movimento. Se o não consegui, foi possível apesar disso garantir o carácter republicano da revolução. Haverá quem pense que a revolução visara a introduzir no estatuto fundamental o princípio da dissolução.
Quem poderia congregar as dedicações, até ao máximo sacrifício, que a organização do movimento encontrou, se ideais mais altos e mais amplos não inflamassem a alma dos revolucionários?
Não é para a simples modificação de um artigo da Constituição, por mais importante que possa ser a sua influência, nem mesmo para a execução dum programa delimitado de reformas políticos que uma Revolução se põe em marcha.
De muitos males enfermava a sociedade portuguesa.
Raça de heróis, com altíssimas qualidades, que através da sua história tanta vez se tem afirmado, em todos os ramos da actividade humana, e que, durante mais de meio século, chegou a ser um dos mais intensos focos de civilização, não sou optimista, crendo firmemente, como continuo a crer, que esses males são curáveis e que provêem principalmente da educação.
A Revolução propunha-se combater os erros e os processos viciosos que minavam os regimes anteriores e os conduziu à sua queda.
A chama que ardia nos corações dos revolucionários elevava-se até aos Céus, numa inspiração de Justiça, de Verdade e de Beleza, que os inspirava, vaga talvez na forma da realidade, mas firme e definida na intenção mais pura de salvar a Pátria e de buscar a felicidade do Povo. Foi para esses elevados fins que o governo conduziu sempre a sua politica interna e internacional.
A obra Ditatorial vai ser submetida ao vosso esclarecido critério. É vastíssima e desisto, por isso, de a expor aqui. As suas imperfeições têm alguma desculpa na canseira do governo para manter e assegurar a ordem pública. Vós a julgareis na mais completa liberdade, e, tenho a certeza, com perfeita imparcialidade.
Alguns esclarecimentos só quero dar-vos, sobre a política de relações. Por dois inflexíveis princípios guiamos a nossa política interna desde a primeira hora da revolução do Dezembro: a nossa dignidade de povo livre, e a perfeita lealdade para com os nossos amigos e aliados.
À nossa lealdade corresponderam em breve afirmações de amizade que os factos, dia a dia, traduziam na prática.
Ao nosso respeito pelas normas invariáveis em matéria de reconhecimento internacional corresponderam, logo após a sanção legal do país, o reconhecimento do Chefe do Estado pelas potências estrangeiras.
Ao valor dos nossos soldados, à sinceridade da nossa cooperação e a nossa fidelidade aos Iaços contraídos tem correspondido, invariavelmente, a secular aliada, com repetidos testemunhos de apreço, que ela sabe sempre tributar as nossas qualidades e que tão publicamente patenteou, pela elevação da sua representação diplomática em Portugal. Com a Inglaterra tratamos em confiada e franca harmonia os nossas mais vitais interesses mais do que nunca ligados aos seus tanto nas colónias coma na Europa. Com ela estudamos, neste momento, no campo diplomático e também entre os técnicos, a resolução de um problema que tanto interessa as necessidades militares, como ao nosso sentimento; a substituição, tão justa quanto merecida, dos bravos soldados que já há longo tempo honram em território estrangeiro o nome português.
As necessidades mais instantes da guerra, as dificuldades do momento presente, têm obstado a que a substituição tenha podido fazer-se em larga escala mas confio que dentro em breve poderemos realizar esse desejo que é uma aspiração nacional.
Mantemos com todos os nossos aliados a nossa cordialidade de relações; de todos eles tenho recebido provas de amizade pela nossa pátria; da Bélgica mártir, como da heróica França, da nobre e bela Itália, como dos Estados Unidos, exemplo grandioso de poder e elevação aos altos ideais.
Com os neutros não têm nas nossas relações surgido dificuldades, e da Espanha, a nossa irmã peninsular, recebemos a cada instante novas demonstrações da sua amizade.
Devo ainda dizer-vos que estão definitivamente restabelecidas as relações diplomáticas entre Portugal e a Santa Sé, justa aspiração das consciências católicas, e facto que por demais recebeu a sanção da opinião para ser necessário exaltá-lo neste momento.
Senhores Deputados e Senadores:
Pela minha parte posso assegurar-vos que outro desejo não tenho de que ver manter-se a harmonia que deve existir entre os diversos poderes do Estado. Por isso aqui venho, Senhores Deputados e Senadores, retribuir-vos do fundo do meu coração as saudações que me fizeste.
Elas são as manifestações do vosso empenho de colaborar lealmente com o poder executivo na tarefa grandiosa do ressurgimento da nossa Pátria. Seja-me permitido ao pronunciar este nome querido, ajoelhar em espírito, com o respeito e a admiração que se deve ter pelos heróis, perante as campas dos nossos soldados mortos em campanha, na luta pela defesa da liberdade e da independência dos povos ao lado dos nossos aliados.
O primeiro Congresso saído da Revolução não achará também estranho que eu evoque neste momento na mais compungida e saudosa comemoração a memoria dos queridos companheiros de armas que viram o poente derradeiro nos dias da Revolução combatendo heroicamente pelos seus nobres ideais.
Curvo-me também, respeitosamente, perante a sepultura dos que, embora adversários, morreram no cumprimento do que se lhes afigurava um dever.
Não posso esquecer aqueles que alheados da contenda, por impossibilidade ou por incompreensão, tombaram pela fatalidade do tufão revolucionário.
Iguais todos perante o túmulo, são vidas que, ou foram, ou poderiam ser úteis à pátria e a humanidade.
Tenho a certeza que é com vivo prazer que vos associareis à saudação veemente que em nome do todo a povo português dirijo ao Exército e à Marinha portuguesa que heroicamente se têm batido e continuarão a bater-se em terras de França e nas nossas colónias pela causa sagrada da Pátria e da Humanidade.
Senhores Deputados e Senadores:
A melhor recompensa que poderemos dar a esses bravos, enquanto nos não cabe a honra de irmos verter como eles o nosso sangue pela Pátria, será o dedicarmos todos os nossos esforços e votarmos a nossa vida à causa do felicidade do povo português de quem eles são nobres representantes na formidável luta mundial.
Está aberta a sessão.
Sidónio Pais a 10 de Maio de 1918
Apelidado de ditador, e foi ditador revolucionário por seis meses, a legitimidade da sua governação foi amplamente consolidada por eleições livres e participadas em larga escala. Combateu ferozmente a corrupção e procurou desenvolver o país num período dificílimo de guerra, protegeu sempre os pobres e tentou melhorar as suas condições de vida. Foi ingénuo e corajoso, morreu. Professor de matemática em Coimbra, nunca procurou enriquecer ou tirar proveito do poder. Morreu assassinado pelos que preferiam o regime podre da primeira república, pelos que sempre desprezaram o real sentir de Portugal, pelos que hoje regressam ao poder. Recordo Sidónio Pais depois de ter lido Manuel Alegre no seu manifesto condenar os mitos messiânicos: sebásticos e sidonistas. É por isso que Manuel Alegre é um homem perigoso, pelo lugar comum histórico falso, demagógico e injusto. Manuel Alegre representa tudo o que Sidónio combateu, bradando o poeta a alta voz inverdades banais como se de verdades absolutas se tratassem, condenando numa palavra o que Portugal melhor conseguiu fazer. Curiosamente não condenou Salazar no seu discurso, que eu tenha ouvido, Salazar que foi a antítese política de Sidónio e ao qual se opôs por exemplo Vicente de Freitas, general sidonista. Assassinado na via pública Sidónio Pais é o mito que Sebastião não pode ser. Sebastião era um rapazola ignorante, doente de sifilis, apalermado e cheio de bravata, tornou-se mito depois de morto pela ignorância de um povo desprezado pela sua própria nobreza e pelos burgueses que abraçaram os Filipes de braços abertos nos primeiros tempos do domínio castelhano. Sidónio tornou-se mito em vida pela força do seu carácter e pelo bem que construiu e soube fazer. Misturá-los é falsear a história.
Alegre não é homem de sentimentos vagos, e isso faz dele uma força que admiro, mas o ódio de Alegre a Sidónio é tanto mais desprezável quanto exprimido com uma profunda convicção e uma ligeireza do facto adquirido sem discussão pelo demagogo em função. O pomposo tribuno elocubra assim sobre um mito que nunca poderá ser, visto que é um homem do sistema, como ontem ele próprio afirmou ao dizer que na república tudo está bem e que será um presidente deste sistema, dentro do sistema. Os mitos ultrapassam os sistemas, transgridem, pelas melhores ou piores razões, Alegre será sempre um medíocre conformado apesar da tuba tonitruante.
Segue o brilhante discurso de Sidónio, o homem não o mito. Sidónio Pais com defeitos, certamente, e com as virtudes que fizeram dele esse mesmo mito ainda vivo e depois de morto. Os mitos que os políticos profissionais gostam de matar. O povo não pode ter mitos vivos, são perigosos para o sistema. Depois de morto Sidónio veio Fátima em força (as aparições antes de Sidónio prenunciam um estado semelhante ao de 1580 mas em 1917 o mito surge, ao contrário do domínio espanhol), veio o Salazar, aproveitando dessa vacatura outros proto-mitos tomaram o seu lugar: Fátima consolidou-se, Salazar governou por mais de quarenta anos e acabou por destruir o espírito livre de agir que ainda poderia resistir na sociedade portuguesa, a sua marca continua, como nos diz José Gil no seu livro "Portugal, Hoje: o Medo de Existir". Fátima ficou na superstição popular e ainda perdura, um dos frutos mais negros da morte do mito...
Dizer que Sidónio não é democrático é o mesmo que dizer que De Gaulle não o foi, e também o tentaram assassinar.
HS
Senhores Deputados e Senadores:
Eleito e proclamado o Presidente da República e constituído o Congresso, entra o país em plena normalidade constitucional.
A Constituição Política da República Portuguesa, com as alterações decretadas durante a ditadura revolucionária, regula até que o Congresso faça a sua revisão, as funções dos três poderes do Estado: legislativo, executivo e judicial independentes e harmónicos entre si.
Chefe da Revolução de 5 de Dezembro sinto vivo prazer em ter podido conduzir o país com a colaboração de todos os que tomaram parte no movimento revolucionário e o apoiaram após oito meses de dificuldades inúmeras e de áspera luta de todos os dias contra a demagogia, tendo sempre assegurado a ordem e a respeito pelas liberdades públicas e pelos direitos individuais, a uma situação perfeitamente normalizada, em que a soberania nacional se exerce por intermédio dos seus legítimos órgãos.
Foi para o povo que se fez a revolução de 5 de Dezembro, segundo as nobres aspirações dos que a levaram a efeito.
Foi com os olhos sempre fitos no povo que governei durante o período ditatorial.
É para o povo que desejo de todo o coração que se continue a governar de hora avante.
É tão grosseiro o erro que se comete supondo a Revolução de 5 de Dezembro reaccionária como supondo-a demagógica.
Nunca uma verdadeira revolução, e foi-o aquela, que o povo português na sua quase unanimidade consagrou, pode deixar de ser guiada por uma ideia de progresso.
Pela parte que me toca, só quem desconhece o meu passado e ignora a persistência do meu carácter, pode apodar-me de reaccionário. Tão pouco poderia associar-me a uma obra improgressiva.
Fui sempre e sou republicano; por isso procurei manter e consolidar a República.
Atravessava-se, na época em que começou a organização revolucionária, um período crítico em que os desmandos e a corrupção do poder perturbavam as consciências.
Em cada peito se gerava um fundo ressentimento de revolta. Era mister canalizar essas forças desorientadas, para evitar a anarquia evidente. Ou se fazia a coordenação dessas energias dispersas ou viria o caos. Não só a pátria estava em perigo. Se elementos republicanos não encarnassem em si as aspirações do país a revolução poderia vir a apresentar a forma duma restauração monárquica. Era mister actuar rapidamente.
Quis interessar um partido inteiro nesse movimento. Se o não consegui, foi possível apesar disso garantir o carácter republicano da revolução. Haverá quem pense que a revolução visara a introduzir no estatuto fundamental o princípio da dissolução.
Quem poderia congregar as dedicações, até ao máximo sacrifício, que a organização do movimento encontrou, se ideais mais altos e mais amplos não inflamassem a alma dos revolucionários?
Não é para a simples modificação de um artigo da Constituição, por mais importante que possa ser a sua influência, nem mesmo para a execução dum programa delimitado de reformas políticos que uma Revolução se põe em marcha.
De muitos males enfermava a sociedade portuguesa.
Raça de heróis, com altíssimas qualidades, que através da sua história tanta vez se tem afirmado, em todos os ramos da actividade humana, e que, durante mais de meio século, chegou a ser um dos mais intensos focos de civilização, não sou optimista, crendo firmemente, como continuo a crer, que esses males são curáveis e que provêem principalmente da educação.
A Revolução propunha-se combater os erros e os processos viciosos que minavam os regimes anteriores e os conduziu à sua queda.
A chama que ardia nos corações dos revolucionários elevava-se até aos Céus, numa inspiração de Justiça, de Verdade e de Beleza, que os inspirava, vaga talvez na forma da realidade, mas firme e definida na intenção mais pura de salvar a Pátria e de buscar a felicidade do Povo. Foi para esses elevados fins que o governo conduziu sempre a sua politica interna e internacional.
A obra Ditatorial vai ser submetida ao vosso esclarecido critério. É vastíssima e desisto, por isso, de a expor aqui. As suas imperfeições têm alguma desculpa na canseira do governo para manter e assegurar a ordem pública. Vós a julgareis na mais completa liberdade, e, tenho a certeza, com perfeita imparcialidade.
Alguns esclarecimentos só quero dar-vos, sobre a política de relações. Por dois inflexíveis princípios guiamos a nossa política interna desde a primeira hora da revolução do Dezembro: a nossa dignidade de povo livre, e a perfeita lealdade para com os nossos amigos e aliados.
À nossa lealdade corresponderam em breve afirmações de amizade que os factos, dia a dia, traduziam na prática.
Ao nosso respeito pelas normas invariáveis em matéria de reconhecimento internacional corresponderam, logo após a sanção legal do país, o reconhecimento do Chefe do Estado pelas potências estrangeiras.
Ao valor dos nossos soldados, à sinceridade da nossa cooperação e a nossa fidelidade aos Iaços contraídos tem correspondido, invariavelmente, a secular aliada, com repetidos testemunhos de apreço, que ela sabe sempre tributar as nossas qualidades e que tão publicamente patenteou, pela elevação da sua representação diplomática em Portugal. Com a Inglaterra tratamos em confiada e franca harmonia os nossas mais vitais interesses mais do que nunca ligados aos seus tanto nas colónias coma na Europa. Com ela estudamos, neste momento, no campo diplomático e também entre os técnicos, a resolução de um problema que tanto interessa as necessidades militares, como ao nosso sentimento; a substituição, tão justa quanto merecida, dos bravos soldados que já há longo tempo honram em território estrangeiro o nome português.
As necessidades mais instantes da guerra, as dificuldades do momento presente, têm obstado a que a substituição tenha podido fazer-se em larga escala mas confio que dentro em breve poderemos realizar esse desejo que é uma aspiração nacional.
Mantemos com todos os nossos aliados a nossa cordialidade de relações; de todos eles tenho recebido provas de amizade pela nossa pátria; da Bélgica mártir, como da heróica França, da nobre e bela Itália, como dos Estados Unidos, exemplo grandioso de poder e elevação aos altos ideais.
Com os neutros não têm nas nossas relações surgido dificuldades, e da Espanha, a nossa irmã peninsular, recebemos a cada instante novas demonstrações da sua amizade.
Devo ainda dizer-vos que estão definitivamente restabelecidas as relações diplomáticas entre Portugal e a Santa Sé, justa aspiração das consciências católicas, e facto que por demais recebeu a sanção da opinião para ser necessário exaltá-lo neste momento.
Senhores Deputados e Senadores:
Pela minha parte posso assegurar-vos que outro desejo não tenho de que ver manter-se a harmonia que deve existir entre os diversos poderes do Estado. Por isso aqui venho, Senhores Deputados e Senadores, retribuir-vos do fundo do meu coração as saudações que me fizeste.
Elas são as manifestações do vosso empenho de colaborar lealmente com o poder executivo na tarefa grandiosa do ressurgimento da nossa Pátria. Seja-me permitido ao pronunciar este nome querido, ajoelhar em espírito, com o respeito e a admiração que se deve ter pelos heróis, perante as campas dos nossos soldados mortos em campanha, na luta pela defesa da liberdade e da independência dos povos ao lado dos nossos aliados.
O primeiro Congresso saído da Revolução não achará também estranho que eu evoque neste momento na mais compungida e saudosa comemoração a memoria dos queridos companheiros de armas que viram o poente derradeiro nos dias da Revolução combatendo heroicamente pelos seus nobres ideais.
Curvo-me também, respeitosamente, perante a sepultura dos que, embora adversários, morreram no cumprimento do que se lhes afigurava um dever.
Não posso esquecer aqueles que alheados da contenda, por impossibilidade ou por incompreensão, tombaram pela fatalidade do tufão revolucionário.
Iguais todos perante o túmulo, são vidas que, ou foram, ou poderiam ser úteis à pátria e a humanidade.
Tenho a certeza que é com vivo prazer que vos associareis à saudação veemente que em nome do todo a povo português dirijo ao Exército e à Marinha portuguesa que heroicamente se têm batido e continuarão a bater-se em terras de França e nas nossas colónias pela causa sagrada da Pátria e da Humanidade.
Senhores Deputados e Senadores:
A melhor recompensa que poderemos dar a esses bravos, enquanto nos não cabe a honra de irmos verter como eles o nosso sangue pela Pátria, será o dedicarmos todos os nossos esforços e votarmos a nossa vida à causa do felicidade do povo português de quem eles são nobres representantes na formidável luta mundial.
Está aberta a sessão.
Sidónio Pais a 10 de Maio de 1918
3.11.05
Sores sobre Cavaco - As lógicas do candidato na terceira posição
"Soares está em forma" segundo Luís Delgado, concordo, continua o mesmo demagogo de sempre. Mente tão bem como há vinte anos.
Citações do jornal "O Público" em itálico.
"Dificilmente dá [um bom Presidente da República] porque o professor Cavaco Silva tem uma concepção de democracia muito pouco struturada, como político intermitente que é",
Afinal é intermitente ou profissional?
"Para um Chefe de Estado é preciso saber de história, de filosofia, ter uma formação humanista. É só a economia que conta? (...) Eu publiquei nove livros desde que deixei de ser Presidente da República. (...) Ouviu alguma palavra do professor Cavaco Silva sobre globalização ou a guerra do Iraque?",
Enfim, escrever um chorrilho de banalidades impossíveis de ler sobre o que quer que seja é fácil. Soares alguma vez contribuiu com alguma doutrina para a história da filosofia? Passar a vida a dizer que temos de nos preparar para a globalização e meter o socialismo na gaveta não parece um grande currículo. Mas embora puxando falsamente pelo seu fraquíssimo currículo científico e académico Soares não deixa de ter razão sobre Cavaco, Cavaco não é um humanista.
Sobre o currículo de Cavaco Soares diz: "É curto, é pouco para ser Presidente da República".
Cavaco tem um doutoramento e é professor de economia, tem publicado obra e é considerado um conhecedor notável na sua especialidade. Soares tem uma colecção enorme de doutoramentos honoris causa, mas parece que Stevie Wonder também tem. Não lhe fica bem dizer o que diz. É feio, deselegante e falso.
Na mesma entrevista, questionado sobre a possibilidade de, com a eleição de Cavaco Silva, existir um risco de queda do Governo do socialista José Sócrates, Mário Soares considerou: "Acho que existe. Há uma pressão imensa para que isso aconteça".
Soares, de novo, o aldrabão e demagogo, algo habitual em toda a sua carreira política, aliás até afirmou que não fazia sentido para um homem da sua idade continuar na política activa. É mais fácil Sócrates ter estabilidade com Cavaco do que com Alegre, o candidato que lhe pode fazer frente. O próprio Soares não foi um modelo de estabilidade para Cavaco. Sem mais comentários.
"Quando há uma pessoa mais velha e outra mais nova, é a mais nova que tem que procurar a mais velha", sublinhou, afirmando que Alegre "disse que estava disposto a avançar sem ter nunca o apoio do PS".
Será que um homem mais velho que se apresenta a eleições merece logo o cargo? Era uma óptima ideia, uma Gerúsia como a de Cartago e poupavam-se as eleições, seríamos governados pelos homens mais velhos do país, provavelmente mais sensatos do que estes políticos, profissionais ou intermitentes. Sorteio ou Gerúsia? Uma democracia original, pior do que está não poderia ser.
A sua idade foi também tema da entrevista, tendo Soares confidenciado que fez exames médicos recentes e procurado rebater o argumento dando como exemplos o antigo Presidente norte-americano Ronald Reagan e o Papa João Paulo II.
Bem, Reagan foi eleito com setenta anos (nascido em 1911, tomou posse em 1981), saiu com 80. João Paulo II foi escolhido em 78 com 58 anos. Morreu em 2005 com 84 anos e o seu estado não era propriamente o ideal e o seu cargo era vitalício, acto falhado de Soares? Soares que idade tem? Ambos os exemplos escolhidos pelo próprio Soares revelam que este está para além da idade útil, o próprio Mao Tse Tung morreu aos 82! Sores, se for eleito, tomará posse aos 81, sairá aos 86, já Reagan estava gravemente doente e João Paulo II morto. Acho que Soares merece bem a reforma de político profissional.
Isto não quer dizer que Cavaco seja melhor mas como está calado não diz asneiras.
Soares percebeu, enfim, que na dificílima situação em que está, uma espécie de bispo do Gil Blas, tem de confrontar directamente Cavaco.
Não percebe que ao fazê-lo de forma desabrida e deselegante acaba por se atrasar relativamente a Alegre. Alegre se mantiver a posição em que está, basta-lhe fazer uma campanha positiva para obter o segundo lugar. Poder-se-ia pensar que muitos candidatos na área chamada erradamente de esquerda, uma vez que Cavaco também partilha de ideias de esquerda, serviria para massacrar Cavaco deixando facilitado o caminho ao segundo na primeira volta.
Creio que esta teoria é errada, Alegre neutraliza Soares, Soares e uma campanha de chicana vão facilitar uma eleição à primeira volta de Cavaco. Cavaco tem mantido o nível elevado da sua intervenção e deve manter-se assim, Soares dará estocadas no ar, esbracejará, entrará em desespero, sairá pela porta baixa e enxovalhado pelas suas próprias palavras. O seu lado positivo na história ficará sempre obnubilado por esta candidatura tardia e pobre, degradante para o seu passado. As manipulações demagógicas a que nos habituou desde sempre serão agora mais óbvias, mais fáceis de desmontar, passarão por tontices de velhote. Soares talvez não merecesse isto...
Como sempre, antes das eleições, faço a minha aposta: Cavaco ganha à primeira volta.
E não votarei em Cavaco, tenho muita pena de não ter candidatos em quem votar.
Henrique Silveira
Citações do jornal "O Público" em itálico.
"Dificilmente dá [um bom Presidente da República] porque o professor Cavaco Silva tem uma concepção de democracia muito pouco struturada, como político intermitente que é",
Afinal é intermitente ou profissional?
"Para um Chefe de Estado é preciso saber de história, de filosofia, ter uma formação humanista. É só a economia que conta? (...) Eu publiquei nove livros desde que deixei de ser Presidente da República. (...) Ouviu alguma palavra do professor Cavaco Silva sobre globalização ou a guerra do Iraque?",
Enfim, escrever um chorrilho de banalidades impossíveis de ler sobre o que quer que seja é fácil. Soares alguma vez contribuiu com alguma doutrina para a história da filosofia? Passar a vida a dizer que temos de nos preparar para a globalização e meter o socialismo na gaveta não parece um grande currículo. Mas embora puxando falsamente pelo seu fraquíssimo currículo científico e académico Soares não deixa de ter razão sobre Cavaco, Cavaco não é um humanista.
Sobre o currículo de Cavaco Soares diz: "É curto, é pouco para ser Presidente da República".
Cavaco tem um doutoramento e é professor de economia, tem publicado obra e é considerado um conhecedor notável na sua especialidade. Soares tem uma colecção enorme de doutoramentos honoris causa, mas parece que Stevie Wonder também tem. Não lhe fica bem dizer o que diz. É feio, deselegante e falso.
Na mesma entrevista, questionado sobre a possibilidade de, com a eleição de Cavaco Silva, existir um risco de queda do Governo do socialista José Sócrates, Mário Soares considerou: "Acho que existe. Há uma pressão imensa para que isso aconteça".
Soares, de novo, o aldrabão e demagogo, algo habitual em toda a sua carreira política, aliás até afirmou que não fazia sentido para um homem da sua idade continuar na política activa. É mais fácil Sócrates ter estabilidade com Cavaco do que com Alegre, o candidato que lhe pode fazer frente. O próprio Soares não foi um modelo de estabilidade para Cavaco. Sem mais comentários.
"Quando há uma pessoa mais velha e outra mais nova, é a mais nova que tem que procurar a mais velha", sublinhou, afirmando que Alegre "disse que estava disposto a avançar sem ter nunca o apoio do PS".
Será que um homem mais velho que se apresenta a eleições merece logo o cargo? Era uma óptima ideia, uma Gerúsia como a de Cartago e poupavam-se as eleições, seríamos governados pelos homens mais velhos do país, provavelmente mais sensatos do que estes políticos, profissionais ou intermitentes. Sorteio ou Gerúsia? Uma democracia original, pior do que está não poderia ser.
A sua idade foi também tema da entrevista, tendo Soares confidenciado que fez exames médicos recentes e procurado rebater o argumento dando como exemplos o antigo Presidente norte-americano Ronald Reagan e o Papa João Paulo II.
Bem, Reagan foi eleito com setenta anos (nascido em 1911, tomou posse em 1981), saiu com 80. João Paulo II foi escolhido em 78 com 58 anos. Morreu em 2005 com 84 anos e o seu estado não era propriamente o ideal e o seu cargo era vitalício, acto falhado de Soares? Soares que idade tem? Ambos os exemplos escolhidos pelo próprio Soares revelam que este está para além da idade útil, o próprio Mao Tse Tung morreu aos 82! Sores, se for eleito, tomará posse aos 81, sairá aos 86, já Reagan estava gravemente doente e João Paulo II morto. Acho que Soares merece bem a reforma de político profissional.
Isto não quer dizer que Cavaco seja melhor mas como está calado não diz asneiras.
Soares percebeu, enfim, que na dificílima situação em que está, uma espécie de bispo do Gil Blas, tem de confrontar directamente Cavaco.
Não percebe que ao fazê-lo de forma desabrida e deselegante acaba por se atrasar relativamente a Alegre. Alegre se mantiver a posição em que está, basta-lhe fazer uma campanha positiva para obter o segundo lugar. Poder-se-ia pensar que muitos candidatos na área chamada erradamente de esquerda, uma vez que Cavaco também partilha de ideias de esquerda, serviria para massacrar Cavaco deixando facilitado o caminho ao segundo na primeira volta.
Creio que esta teoria é errada, Alegre neutraliza Soares, Soares e uma campanha de chicana vão facilitar uma eleição à primeira volta de Cavaco. Cavaco tem mantido o nível elevado da sua intervenção e deve manter-se assim, Soares dará estocadas no ar, esbracejará, entrará em desespero, sairá pela porta baixa e enxovalhado pelas suas próprias palavras. O seu lado positivo na história ficará sempre obnubilado por esta candidatura tardia e pobre, degradante para o seu passado. As manipulações demagógicas a que nos habituou desde sempre serão agora mais óbvias, mais fáceis de desmontar, passarão por tontices de velhote. Soares talvez não merecesse isto...
Como sempre, antes das eleições, faço a minha aposta: Cavaco ganha à primeira volta.
E não votarei em Cavaco, tenho muita pena de não ter candidatos em quem votar.
Henrique Silveira
2.11.05
DESDEMONA: What wouldst thou write of me, if thou shouldst praise me?
IAGO: O gentle lady, do not put me to't; For I am nothing, if not critical.
IAGO: O gentle lady, do not put me to't; For I am nothing, if not critical.
1.11.05
Está decidido o grande tema da campanha
Soares continuará até às eleições a dizer que Cavaco é político profissional, Alegre irá atrás, Louçã e Sousa também. Cavaco ficará calado e dirá que mais nada tem a acrescentar.
As declarações vão-se suceder, diversos ataques cruzados sobre o assunto que interessa a Portugal. Posto de outro modo: Cavaco é profissional da política? É dependente da política para sobreviver? As perguntas e respostas vão continuar, Marcelo irá dar umas notas sobre o assunto. Mais uma vez ficará por discutir o que na verdade precisa Portugal. Mais uma vez assistiremos ao habitual folclore político e se gastarão milhões de euros para usufruto e divertimento de poucos, enquanto muitos continuam a sonhar com o Portugal ideal. Que é isto de Portugal ideal? Provavelmente o país que gostavamos de deixar aos nossos filhos. E que poderemos nós dizer aos nossos filhos sobre os homens que nos (des)governam?
P.S. Esta conversa faz-me sempre lembrar a história dos ladrões que vão a tribunal, nunca dão como profissão: Larápio de Classe II, Arrombador de Cofres Principal, Receptador de Primeira, Carteirista Encartado ou Director de Traficância; dão sempre como profissão: trolha, mecânico, empresário em nome individual, técnico de seguros, advogado ou director de empresa de electrodomésticos, as raparigas podem ser ainda cabeleireiras ou massagistas. É a vida...
As declarações vão-se suceder, diversos ataques cruzados sobre o assunto que interessa a Portugal. Posto de outro modo: Cavaco é profissional da política? É dependente da política para sobreviver? As perguntas e respostas vão continuar, Marcelo irá dar umas notas sobre o assunto. Mais uma vez ficará por discutir o que na verdade precisa Portugal. Mais uma vez assistiremos ao habitual folclore político e se gastarão milhões de euros para usufruto e divertimento de poucos, enquanto muitos continuam a sonhar com o Portugal ideal. Que é isto de Portugal ideal? Provavelmente o país que gostavamos de deixar aos nossos filhos. E que poderemos nós dizer aos nossos filhos sobre os homens que nos (des)governam?
P.S. Esta conversa faz-me sempre lembrar a história dos ladrões que vão a tribunal, nunca dão como profissão: Larápio de Classe II, Arrombador de Cofres Principal, Receptador de Primeira, Carteirista Encartado ou Director de Traficância; dão sempre como profissão: trolha, mecânico, empresário em nome individual, técnico de seguros, advogado ou director de empresa de electrodomésticos, as raparigas podem ser ainda cabeleireiras ou massagistas. É a vida...
O credo de Verdi
Otello de Verdi no S. Carlos. Análise breve da encenação de Nicolas Joel.
Otello é uma obra prima de Verdi, talvez a sua melhor ópera. Mas é uma obra que para além de ser trágica acaba por ser amargamente triste.
Iago é o personagem central da ópera Otello de Verdi. Central porque Verdi assim o quis através da música e do libreto de Arrigo Boito. Porque Verdi no seu pessimismo e descrença no homem seu contemporâneo atirou para cima de Iago todos os vícios do Homem. Iago será o refinamento máximo do velhaco, mas Otello, o suposto herói, o general de mil padecimentos e mil vitórias, afinal não passa de um cobarde vaidoso e estúpido para quem a sua imagem perante o mundo é mais importante que o seu amor por Desdemona e mesmo mais importante do que a vida da sua infortunada mulher. Otello para quem o instinto homicida oriundo do seu tormento egoísta não se detém perante o amor verdadeiro de alguém infinitamente mais fraco e, sobretudo, inocente e puro.
Otello é assim mais um paradigma do nosso tempo, o triunfo da velhacaria, da cobardia, da estupidez e da força bruta a troco de nada. Iago talvez morra no final mas o seu castigo, o seu nada como afirma no credo, é apenas mais um passo para aquilo que ele vê como a sua redenção. A morte? Algo que acontece, e já está, ligeiramente. Nesse sentido Iago é mais nobre do que Otello: Iago é consequente com os seus actos.
Personagens planares e simples, esteriotipos, Otello oco no princípio tem alguma evolução na sua perturbação e na escalada de violência que o ciúme produz. Mas é sempre o mesmo Otello oco e obtuso, cego pelo ciúme. Alguém disse que Otello se tinha deixado cegar pela desilusão de ver o seu amor puro destruído ou que o facto de ser Mouro o faria sentir complexos de inferioridade que o tornariam mais vulnerável à intriga de Iago. Não me parece, para Otello conta a imagem exterior e o seu sentido, falso, de honra pública. O amor não pode existir em semelhante criatura, apenas o sentido de posse. Ao ser desapossado Otello vinga-se da única forma que sabe: recorrendo à violência.
Como peça operática Otello tem o valor de ser convincente e de reforçar através da música a trama de Shakespeare, mas não escapa a certos resquícios do formalismo da ópera italiana de novecentos, a maldição de Otello, a pobre Desdemona que depois de estrangulada ainda canta! Ainda se fosse uma estocada, mas depois de estrangulada!... Repara-se que se tivesse sido apenas sufocada cantar significava que recuperava a respiração e que ressuscitara. Enfim... é sempre necessária uma gargalhada para a coisa não ser demasiado séria. O septeto, os coros para aqui e ali, os resquícios de árias que vão pautando a ópera que também se divide em ariosos e diálogos, recitando e cantando. Verdi e Boito conseguem utilizando o material formal de que dispõem compor uma obra teatral credível em fluxo contínuo, sem divisão explícita em números, em que os elementos formais subjacentes acabam por dar um duplo recorte entre a acção dramática e o plano psicológico. Sem rasgar com a tradição, sem revolucionar, assimilando as novas tendências do teatro operático pós wagneriano, e ao mesmo tempo fingindo que não se incorporaram estas novas ideias...
Curiosamente algumas alminhas do público do S. Carlos, ignorantes e obtusas como nos tempos dos melodramas de cordel, ou dos Thaïs de Massenet que Vianna da Motta criticou de forma tão severa, lá tentavam bater palmas nos finais de alguns "números" dos cantores, interrompendo o fluxo discursivo da ópera. Safa, que nunca mais nos safamos disto...
Otello é uma ópera que ultrapassa o tempo, Shakespeare escreveu a peça no século XVI, Verdi e Boito fizeram a ópera no final do século XIX, foi agora encenada no S. Carlos em co-produção com o Teatro do Capitole de Toulouse. Os males do Mundo são os mesmos, a estupidez, a velhacaria pura, a arrogância, o egoísmo, o ciúme. Quatrocentos anos depois, e numa obra intemporal, encontramos uma encenação vaga, desinspirada, datada no tempo, soturna e monocromática, sem rasgos de luz e de sombra. Banal o uso de cantores de braços abertos em poses estentórias e abuso das poses de faca e alguidar numa ópera bem distante do Trovador, por exemplo. Iago demasiado histriónico mais parece um mau bobo da corte do que um velhaco cínico e sinistro na sua capacidade de dissimulação.
Figurinos pseudo historicistas. Luzes sem marca, limitam-se a iluminar os cantores quando poderiam marcar fortemente os diferentes estados de espírito.
O Otello não carece de uma encenação datada para ser convincente. O assunto da ópera é eterno. Otello é excelente do ponto de vista de eficácia dramática para ser desvalorizado por uma encenação de melodrama de cordel, e não são uns cenários monolíticos que giram sobre si próprios e umas escadas que sobem e descem que "modernizam" uma encenação. Provavelmente uma encenação de bastidores pintados (à século XIX) mas com coerência dramática e composição com cabeça tronco e membros poderia ser bem mais eficaz com menos recursos.
Dicotomia entre exterior e interior demasiado vaga, quando se reflecte que é nesta dicotomia que poderia residir um dos elementos chave da ópera percebe-se o que se perdeu, a entrada no mundo interior, a ausência de luz versus luz do sol, o jogo de claros e escuros entre Iago e Otello, entre Iago e Desdemona, entre Cássio e Iago e entre Otello e Desdemona, personagens de luz e de sombra, ou imagens públicas e privadas dos mesmos personagens, um jogo conceptual que ficou todo na sombra... E que faria falta mesmo numa encenação pseudo historicista. (Pseudo historicista porque não recria os ambientes de forma exacta - o que fica muito caro - mas de forma estilizada).
Porque razão Otello entra pela janela, como se de um ladrão se tratasse, no seu próprio quarto (quarto acto)? Todos os outros usam as portas, só o dono da casa é que entra pela fenestra! Qual a razão dramática deste artifício descabido?
Interessante e belo o uso da projecção do mar no início, cena da tempestade, mas sem qualquer continuidade ao longo da encenação. Entrada de leão saída de sendeiro...
Continua (discussão musical do Otello)
Otello é uma obra prima de Verdi, talvez a sua melhor ópera. Mas é uma obra que para além de ser trágica acaba por ser amargamente triste.
Iago é o personagem central da ópera Otello de Verdi. Central porque Verdi assim o quis através da música e do libreto de Arrigo Boito. Porque Verdi no seu pessimismo e descrença no homem seu contemporâneo atirou para cima de Iago todos os vícios do Homem. Iago será o refinamento máximo do velhaco, mas Otello, o suposto herói, o general de mil padecimentos e mil vitórias, afinal não passa de um cobarde vaidoso e estúpido para quem a sua imagem perante o mundo é mais importante que o seu amor por Desdemona e mesmo mais importante do que a vida da sua infortunada mulher. Otello para quem o instinto homicida oriundo do seu tormento egoísta não se detém perante o amor verdadeiro de alguém infinitamente mais fraco e, sobretudo, inocente e puro.
Otello é assim mais um paradigma do nosso tempo, o triunfo da velhacaria, da cobardia, da estupidez e da força bruta a troco de nada. Iago talvez morra no final mas o seu castigo, o seu nada como afirma no credo, é apenas mais um passo para aquilo que ele vê como a sua redenção. A morte? Algo que acontece, e já está, ligeiramente. Nesse sentido Iago é mais nobre do que Otello: Iago é consequente com os seus actos.
Personagens planares e simples, esteriotipos, Otello oco no princípio tem alguma evolução na sua perturbação e na escalada de violência que o ciúme produz. Mas é sempre o mesmo Otello oco e obtuso, cego pelo ciúme. Alguém disse que Otello se tinha deixado cegar pela desilusão de ver o seu amor puro destruído ou que o facto de ser Mouro o faria sentir complexos de inferioridade que o tornariam mais vulnerável à intriga de Iago. Não me parece, para Otello conta a imagem exterior e o seu sentido, falso, de honra pública. O amor não pode existir em semelhante criatura, apenas o sentido de posse. Ao ser desapossado Otello vinga-se da única forma que sabe: recorrendo à violência.
Como peça operática Otello tem o valor de ser convincente e de reforçar através da música a trama de Shakespeare, mas não escapa a certos resquícios do formalismo da ópera italiana de novecentos, a maldição de Otello, a pobre Desdemona que depois de estrangulada ainda canta! Ainda se fosse uma estocada, mas depois de estrangulada!... Repara-se que se tivesse sido apenas sufocada cantar significava que recuperava a respiração e que ressuscitara. Enfim... é sempre necessária uma gargalhada para a coisa não ser demasiado séria. O septeto, os coros para aqui e ali, os resquícios de árias que vão pautando a ópera que também se divide em ariosos e diálogos, recitando e cantando. Verdi e Boito conseguem utilizando o material formal de que dispõem compor uma obra teatral credível em fluxo contínuo, sem divisão explícita em números, em que os elementos formais subjacentes acabam por dar um duplo recorte entre a acção dramática e o plano psicológico. Sem rasgar com a tradição, sem revolucionar, assimilando as novas tendências do teatro operático pós wagneriano, e ao mesmo tempo fingindo que não se incorporaram estas novas ideias...
Curiosamente algumas alminhas do público do S. Carlos, ignorantes e obtusas como nos tempos dos melodramas de cordel, ou dos Thaïs de Massenet que Vianna da Motta criticou de forma tão severa, lá tentavam bater palmas nos finais de alguns "números" dos cantores, interrompendo o fluxo discursivo da ópera. Safa, que nunca mais nos safamos disto...
Otello é uma ópera que ultrapassa o tempo, Shakespeare escreveu a peça no século XVI, Verdi e Boito fizeram a ópera no final do século XIX, foi agora encenada no S. Carlos em co-produção com o Teatro do Capitole de Toulouse. Os males do Mundo são os mesmos, a estupidez, a velhacaria pura, a arrogância, o egoísmo, o ciúme. Quatrocentos anos depois, e numa obra intemporal, encontramos uma encenação vaga, desinspirada, datada no tempo, soturna e monocromática, sem rasgos de luz e de sombra. Banal o uso de cantores de braços abertos em poses estentórias e abuso das poses de faca e alguidar numa ópera bem distante do Trovador, por exemplo. Iago demasiado histriónico mais parece um mau bobo da corte do que um velhaco cínico e sinistro na sua capacidade de dissimulação.
Figurinos pseudo historicistas. Luzes sem marca, limitam-se a iluminar os cantores quando poderiam marcar fortemente os diferentes estados de espírito.
O Otello não carece de uma encenação datada para ser convincente. O assunto da ópera é eterno. Otello é excelente do ponto de vista de eficácia dramática para ser desvalorizado por uma encenação de melodrama de cordel, e não são uns cenários monolíticos que giram sobre si próprios e umas escadas que sobem e descem que "modernizam" uma encenação. Provavelmente uma encenação de bastidores pintados (à século XIX) mas com coerência dramática e composição com cabeça tronco e membros poderia ser bem mais eficaz com menos recursos.
Dicotomia entre exterior e interior demasiado vaga, quando se reflecte que é nesta dicotomia que poderia residir um dos elementos chave da ópera percebe-se o que se perdeu, a entrada no mundo interior, a ausência de luz versus luz do sol, o jogo de claros e escuros entre Iago e Otello, entre Iago e Desdemona, entre Cássio e Iago e entre Otello e Desdemona, personagens de luz e de sombra, ou imagens públicas e privadas dos mesmos personagens, um jogo conceptual que ficou todo na sombra... E que faria falta mesmo numa encenação pseudo historicista. (Pseudo historicista porque não recria os ambientes de forma exacta - o que fica muito caro - mas de forma estilizada).
Porque razão Otello entra pela janela, como se de um ladrão se tratasse, no seu próprio quarto (quarto acto)? Todos os outros usam as portas, só o dono da casa é que entra pela fenestra! Qual a razão dramática deste artifício descabido?
Interessante e belo o uso da projecção do mar no início, cena da tempestade, mas sem qualquer continuidade ao longo da encenação. Entrada de leão saída de sendeiro...
Continua (discussão musical do Otello)
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