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26.11.05

Um grande concerto e Amílcar Gameiro 

Depois das tremendas laudas de Rui Lagartinho fui ontem ouvir o Sergei Khachatrian à Fundação Gulbenkian tocar o concerto nº1 de Chostakovitch em lá menor opus 77. A direcção foi de Paavo Järvi,
A primeira, e maior, surpresa foi a orquestra em Searching for Roots de Erkki-Svrn Tüür. Habituado a uma orquestra de 12 a um máximo de 14 valores sob a batuta de Foster encontrei ontem uma orquestra coesa, tecnicamente elevada, sem pontos fracos, sem desafinações, respondendo como uma mola às solicitações de Järvi e aqui tenho de concordar com o que disse Rui Lagartinho neste blogue.
Não acredito que Järvi trabalhe mais do que Foster, o que penso é que trabalhou muito melhor. Em música tempo de qualidade é melhor do que mais tempo, Péskó no S. Carlos com ensaios e mais ensaios nunca passou da cepa torta até que surgiu naturalmente a magnífica notícia de que não dirige no S. Carlos esta temporada, ao contrário do anunciado, e que a história do maestro "honorário" não passou de uma forma de o passar ao quociente mas adiante. Penso que Foster está a cair numa banalidade e rotina que estão a tornar insuportáveis quaisquer concertos dirigidos por si. Järvi provou ontem que a Gulbenkian é uma orquestra sólida que responde bem sob batutas de qualidade.
Veio depois o concerto de Chostakovich para violino e orquestra, uma obra complexa e difícil, muito introspectiva e melancólica nos andamentos lentos (sobretudo na Passacaglia), idiomática nos rápidos:

1. Nocturne: Moderato
2. Scherzo: Allegro
3. Passacaglia: Andante
4. Burlesque: Allegro con brio

Devo dizer que prefiro os andamentos lentos, nos rápidos o compositor russo acaba por repetir algumas fómulas e tornar-se obsessivo no ritmo cortado e muito incisivo que se repete em concertos e sinfonias em muitos dos seus scherzos. O violinista comportou-se de uma forma extraordinária, notei apenas uma quebra da nota final do primeiro andamento e talvez um quase imperceptível toque de stress no scherzo que o fez adiantar ligeiramente algumas entradas, mas sem afectar a coerência da interpretação.
O mais evidente foi a consistência e a sonoridade do violino em todo o concerto. Amadurecido e pensado o concerto foi abordado com uma enorme convicção e uma certeza interpretativa notável. Foi lido como um todo, a separação entre os pontos em que usou vibrato e os pontos em que dispensou o mesmo, sobretudo no primeiro andamento em que a sonoridade surge descarnada quase sempre em piano e pianíssimo mas sempre espessa, foi notável; o violinista conseguiu manter a tensão e o domínio da obra dispensando o vibrato quase totalmente. No entanto, a passacaglia foi, para mim, o momento sublime da interpretação, quer do violino, quer da orquestra. Neste ponto tenho de salientar o tuba Amílcar Gameiro, que tocou de forma maravilhosa em diálogo com o violino, com confiança e serenidade, em passagens de uma beleza admiráveis e inusitadas. Onde se viu um compositor fazer um concerto de violino em que este dialoga com a tuba no andamento mais sereno e introspectivo? Teria de ser Chostakovich a imaginar algures num ponto de equilíbrio fugaz este diálogo impossível. Simplesmente genial pelas frases, pela beleza irreal da melodia. Espantou também Sergei Khachatrian pela produção sonora de uma qualidade absoluta, harmónicos e acordes realizados de forma perfeita e uma afinação perfeita.
Uma interpretação soberba de todos os intervenientes em que o último andamento se tornou quase redundante depois da magistral passacaglia.
Depois deste concerto qualquer extra seria extemporâneo mas foi exigido... pena.

Henrique Silveira

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