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6.11.05

Uma crítica que tarda - Otello II 

Ao Otello de Verdi no S. Carlos, estreia no dia 31 de Outubro.

Um tenor principal, Malagnini, algo fraco nos dois primeiros actos e a subir nos últimos, um tenor em princípio de papel, é a primeira vez que canta Otello. É um belo tenor lírico e mostra-o nas cenas do terceiro e quarto actos, mais intimistas e de composição mais teatral. É francamente débil nas partes heróicas dos actos iniciais, demasiada gritaria e pouco peito. A voz aqui teria de ser mais densa e encorpada. Acaba no entanto em beleza e é excelente actor, a interpretação no final é de fino recorte. Um papel muito difícil que terá de ser mais trabalhado nos primeiros actos para maior consistência. A voz de Malagnini é luminosa mas não deve tentar ter mais corpo e potência do que a que tem naturalmente caindo no risco de gritar. De qualquer modo no panorama actual não há Otellos completos e Malagnini pode ter futuro no papel.

Dimitra Theodossiou tem a voz demasiado ácida, pícrica, para ser uma desdémona convincente nos primeiros actos. Será perfeita na Traviata ou talvez em Lady Macbeth. O seu metal, o seu tom ácido não casam bem com uma desdémona doce e apagada. No entanto cumpre, por usar uma grande dose de inteligência, no último acto. A canção do salgueiro e a oração são momentos antológicos de representação e de interpretação. Esquecemos que a voz é mais dotada para outros papéis ao sentirmos a inteligência da cantora.

Um barítono, Carlo Guelfi, razoável vocalmente mas algo excessivo na pronúncia, na entoação e na composição de Iago. Um Iago assim é demasiado óbvio. Desafinou um pouco ao puxar pela voz para um registo mais "diabólico" e poderia ter sido francamente mais cínico, não sei se será mal da encenação que lhe terá exigido este tipo de interpretação.

Carlos Guilherme foi um Cassio razoável que cumpriu o papel dentro de uma produção algo indiferente e uma encenação "manhosa", Guilherme esforçou-se por demonstrar que ainda é um tenor com presença no panorama lírico português, foi correcto na sua interpretação mas sem grandes rasgos, poderá ter melhorado nas restantes récitas, a estreia é sempre mais difícil.
Foi francamente mal tratado pelo encenador ao dar-lhe um destaque mínimo na trama e ao pô-lo em confronto com um Guelfi muito alto sem disfarçar essa mesma diferença de alturas, poderia o encenador ter colocado Guelfi em baixo, sentado, inclinado, etc...

Restante elenco médio em papéis muito pequenos onde os pequenos erros se pagam caro por não se poderem remediar. Ouvi desafinação em alguns pontos (sobretudo no septeto que foi algo desastroso). Achei Paula Morna Dória em Emilia mais irregular e com a voz feia.

A orquestra Sinfónica Portuguesa esteve ao seu nível possível respondendo bem às solicitações de Pirolli, o maestro de serviço. A flauta solo pareceu-nos algo aflita atrás do resto do conjunto. O andamento usado por Pirolli no início da ópera foi avassalador e a orquestra reagiu bem. Madeiras bem, metais dentro do exigível. Uma orquestra de ópera segura que sem ser magnífica cumpriu com convicção. Pirolli foi propulsivo e incisivo, conseguiu dominar e dar coesão à parte musical sem grandes rasgos.

Coro a responder bem e a não desligar, andaram um pouco atrasados no primeiro acto e houve alguma confusão no início da ópera mas resistiram bem à prova. A parte em que entram as crianças foi fraquinha mas não quero estar a massacrar nos detalhes, o coro está no bom caminho.

Em suma: ópera digna desse nome. Uma encenação fraca, luzes indiferentes, figurinos banais, mas um Otello convincente do ponto de vista musical. Uma grande cantora na Desdémona, um cantor em crescimento e amadurecimento em Otello. Um Iago vocalmente excessivo mas capaz de transmitir carisma ao papel. Orquestra e coro dentro de parâmetros aceitáveis.

O Credo de Iago lembrou-me a maldição de Alberich no Ouro do Reno. Recomendo a comparação impossível apenas por curiosidade. Embora o genial italiano não seja o provinciano que Joel, o "encenador", menosprezou talvez para disfarçar a sua total incompetência e incapacidade para a encenação operática, é realmente menos convincente neste tipo de situação que o tedesco, pelo menos assim o penso...

Escutar as maldição de Alberich e o Credo de Iago (Keleman e Cappuccilli, Karajan e Carlos Kleiber, Filarmónica de Berlin e Ala Scala).

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