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26.11.06

Elogio Surreal 


Estou feliz: morreu a casca de um poeta. Os poetas não se amortalham em papeis velhos, mesmo que sejam às riscas, não são de meta. Não se amortalham em palavras de circunstância, remoendo epitáfios pífios, os esqueletos caminhantes de velhos poetas.
Iscas surealistas comendo na cama, onde faltam ao pijama. Sobram as listas de poemas e os relambórios de feitos abjectos locutados por senhores circunspectos, contados como façanhas, ilustres projectos.
O poeta velho jazia morto num ponto do caminho há uma eternidade, sem amor, sem maldade, embebido em vinho, perdido do tema, da vida sem destino de poeta sem tino. Morreram os sonhos sem feitio, surreais na ambição, tristes na comoção.
Um poeta velho e rabujento num pijama a cheirar a mijo já não é um poeta, é um escarro surrealista. Morreu a casca de um poeta. Não há funerais gratuitos de iscas moribundas junto de Pires de Grelos, cascas amargas revestidas de pijamas às riscas. O interior que morreu há séculos é hoje um ente vago que voga vazio no interior do vácuo, à luz da vela de um velório amargo, onde vai com selo o deus de Vasconcelos.


Eanes e o doutoramento 

A única coisa que não percebo é a reflexão apaixonada em torno deste tema, é normal alguém doutorar-se, é louvável que esse alguém seja um general que foi presidente da república que, para além do seu currículo militar e político e um percurso de vida coerente, resolve estudar e submeter-se com toda a humildade, coragem e ciência a uma prova perante um juri, como outro estudante qualquer e sem quaisquer privilégios.
Eanes não recebeu doutoramentos honoris causa, como por exemplo Stevie Wonder ou Mário Soares, Eanes escreveu uma tese e apresentou-se a provas. O mesmo Eanes que fica estoicamente horas na fila para cumprimentar o novo presidente da república quando todo o cão e gato lhe passa à frente.
Eanes, ao contrário do que eu pensava há alguns anos e mais uma vez mudei de opinião, é um exemplo do que Portugal deveria ser e não é: persistência, dignidade, capacidade de trabalho e acima de tudo honra e hombridade.
Ter sido presidente para Eanes foi mais um serviço e não uma prebenda, voltou à sua vida normal, como civil e cidadão normal, sem mais nem menos direitos. Discordo em absoluto dos que dizem que Eanes não se deveria ter sujeito a provas em virtude do cargo que ocupou, acho que só dignifica um cargo que tão pouco tem sido dignificado por esta república de segunda feita por homens de segunda e para um povo de segunda que parece que gosta de ser tratado como tem sido nos últimos 96 anos. Eanes é um exemplo, infelizmente não creio que seja seguido.
Um bem haja a António Ramalho Eanes.


Chamo a atenção 

Para o excelente site das Monteverdi Productions e para o último disco das cantatas de Bach. On-line fica a 15€ (e não há portes de envio) por volume (2 cds), na FNAC é o dobro. Uma integral das cantatas de Bach a não perder e para a qual tenho chamado a atenção no programa da Antena 2, Seara de Sons.

Nota a 1 de Dezembro: Houve aqui um erro meu, uma leitora escreve-me a dizer que no site os preços estão em libras. Tem toda a razão, fica bem mais caro, de qualquer modo 15 libras é muito menos do que os 30 euros da FANC.

H.S.


25.11.06

Críticas atrasadas II - Dutoit em baixo de forma, Pletnev magistral. 

6 de Novembro de 2006, 21:00, Grande Auditório da Gulbenkian
PHILHARMONIA ORCHESTRA - Bom +
CHARLES DUTOIT (maestro) - Medíocre
MIKHAIL PLETNEV (piano) - Fora da escala

Jean Sibelius: Finlândia, op.26.
Edvard Grieg: Concerto para Piano em Lá menor, op.16.
Piotr Ilitch Tchaikovsky: Sinfonia Nº 5, em Mi menor, op.64.

Uma boa orquestra, metais perfeitos, trompas mágicas, violoncelos impressionantes de beleza sonora e pathos, madeiras boas no conjunto e brilhantes de valores individuais a solo. Primeiros violinos demasiado desfasados para uma formação desta qualidade, mas mostrando grande nível em algumas passagens rápidas na sinfonia de Tchaikovsky.
Um poema sinfónico de Sibelius mal preparado género meia bola e força, Charles Dutoit limitou-se a exibir uma espécie de coreografia desinteressante em cima do pódium, uma géstica encenada ao espelho, mas muito pouco eficaz.
A sinfonia de Tchaikovsky foi tocada pela orquestra apesar de Dutoit, sem um fio condutor e sem uma filosofia interpretativa concreta que não fosse a mera leitura da partitura e um certo esmero com o som. Dutoit pareceu-nos em muito baixa forma, tanto dando entradas atrasado como se esquecendo de as ir dando nos momentos mais cruciais, parece que faltou trabalho de ensaio e que a orquestra tocou como sabe e tem tocado uma sinfonia de repertório. Infelizmente o que eu julgo ser falta de ensaio no local trouxe inúmeros problemas de desequilíbrio sonoro entre as diversas secções com o predomínio excessivo dos metais que, apesar de soarem de forma excessiva, mantiveram sempre uma belíssima sonoridade.
O Concertino demasiado esforçado mas pouco consistente, pareceu-me quase sempre adiantado, o que é um erro grave, estar a par da partitura não significa ter de entrar sempre adiantado, mesmo que imperceptivelmente.
Pletnev foi o contrário de Dutoit, concentradíssimo, meditado, intelectual, interiorizando totalmente a obra de Grieg. Maravilhou-nos com o domínio absoluto da música, com a capacidade de digitar com perfeição e uma clareza ímpar os mais ínfimo detalhes sem fazer esquecer uma tremenda arquitectura de conjunto. Refinadíssimo no toque, usando de forma muito criteriosa o pedal, capaz de uma clareza de articulação fruto não só da técnica mas também do pensamento que enfatiza o que deve enfatizar com uma contenção de uma grande elegância. Pletnev a partir do piano dirigiu mais do que Dutoit, indicando tempos, mostrando como se enunciam as frases, maravilhando-nos com o seu lirismo no andamento lento, dialogando com os instrumentos da orquestra, deu-nos um raro momento que elevou este concerto acima do patamar comum de uma mera aparição de uma "Grande Orquestra Mundial".

Infelizmente não lobrigámos neste concerto um crítico da imprensa semanal que tem por (mau) hábito escutar conversas privadas que não lhe dizem respeito para as colocar, fora de contexto, no seu jornal. Nem só do Baremboim dactilógrafo (em particular e exclusivamente no concerto de Schönberg) vive o universo pianístico ou musical. Evidentemente que Pletnev não carece de críticas na imprensa portuguesa mas fazer uma crítica a Baremboim e esquecer o mestre russo é imperdoável, bola preta...

Ao contrário de outros, que deixaram de ser bons pianistas para enveredarem por carreiras apenas razoáveis de maestros, Pletnev prova que, por força da sua tremenda capacidade e inteligência, consegue ser um maesto de nível elevado sem deixar de ser um pianista de uma categoria superlativa.

Velhos tempos 




Sábado - Mega diário de um dia mínimo em que se constata que o mundo é composto de mudança 

Leio "O Expresso", como sempre o espaço dedicado à música e à cultura é pequeno, reduzido, desde há alguns tempos, assim perdura.

Parece que "O Expresso" vai fazer campanha contra o fim das Festa da Música. Acho bem, ainda estou a meditar no que vou escrever sobre o assunto. Mega Ferreira era-me simpático até há bem pouco tempo e eu comecei por detestar o conceito supermercado da Festa da Música. Mas as coisas mudam, a inteligência do mundo, o decorrer das coisas, os actos fazem com que mudemos, bruscamente ou a pouco e pouco, as nossas formas de sentir. No caso Mega Ferreira e Festa da Música foi exactamente isso, a princípio detestava os modos e o bigodinho mexicano do Mega mais os casacos de cabedal que pareciam comprados aos ciganos da feira de Carcavelos, fui aprendendo a ler e a gostar do que o Mega nos tinha para dizer, agora mudei de opinião sobre o Mega num tempo mínimo: parece que o bigodinho ficou escondido nalgum canto sob uma pretensa capa de maquiavelismo e mundanidade (o verdadeiro maquiavelismo não tem o rabo de fora), tudo o que tem escrito me soa agora a oco sob a tal capa que ocultou o apêndice capilar; sobre a Festa da Música fui aprendendo a gostar com o tempo, e ainda gosto. Mas o tema merece mais destaque do que o tempo desta pré-sesta me permite; voltarei, obviamente, ao assunto...


A Festa da Música Acabou! Pim!

Finalmente Jorge Leitão Ramos, talvez o melhor crítico de cinema português, que leio desde os tempos do Diário de Lisboa de saudosa memória, diz maravilhas do Casino Royale e do novo 007. Já vi e concordo em absoluto, é um filme notável que regenera totalmente o modelo gasto, formatado e adocicado e vai à fonte do Flemming. O original escrito ainda era mais duro, mas o mercado e o politicamente correcto têm muita força. No filme Bond não fuma...


24.11.06

Críticas em atraso I 

Muito trabalho universitário e mais viagens têm atrasado a colocação de críticas a excelentes concertos a que assistimos no início de Novembro, como o assunto já esfriou aqui ficam breves resumos em pouquíssimas palavras do que aconteceu na Gulbenkian no início do mês:

2 e 3 de Novembro de 2006, 21:00 e 19:00 - Grande Auditório. Presença a 3 de Novembro.

ORQUESTRA GULBENKIAN, LAWRENCE FOSTER (maestro), MATTHIAS GOERNE (barítono).

Josef Strauss, Sphärenklänge (“Música das esferas” – Valsa), op.235. Uma valsa tocada de forma morna e sem a acentuação vienense. Pouco interessante a orquestra e pouco interessante Foster, impressão geral de pastelada lenta.

Kurt Weill, Sinfonia Nº. 2. Uma sinfonia interessante e muito bem abordada por Foster, a orquestra mostrou-se mais capaz do que pode fazer. O leitor curioso pode e deve escutar esta sinfonia que merece a pena.

Gustav Mahler, Kindertotenlieder. Aqui Goerne deu-nos o poder mágico da sua capacidade interpretativa, a sua voz profunda e a sua capacidade dramática trouxeram-nos uma interpretação sublime, pouco mais há a dizer, Mahler assim leva às fronteira dos sentimentos mais profundos e à dor mais intensa. Uma dor que acaba por ser um consolo para alma nos momentos mais trágicos e que marcam mais a nossa existência. A orquestra esteve também ao mais alto nível, apenas algumas hesitações em entradas poderiam ter sido evitadas, num problema de coesão que afecta esta orquestra quando reforçada por elementos estranhos à mesma. Uma situação a rever e a trabalhar com urgência e que se reflectiram de forma muito severa na obra seguinte:

Franz Schubert, Sinfonia Nº 8, em Si menor, D.759, Incompleta. Uma interpretação que Foster gostaria de ter sido "empolgante" ou "veemente" como alguém escreveu, mas que foi apenas sofrível. Toda a obra foi estragada por problemas técnicos nas entradas, sempre esborratadas e sem precisão, quer nos pontos mais a descoberto nos sopros, quer nas entradas das cordas. É necessário trabalhar a concentração e a precisão da orquestra. Pierre Boulez diz-nos na sua célebre entrevista publicada em livro (Conversa com Cécile Gilly, L'écriture du geste, 2002 Christian Bourgois, existe tradução inglesa da Faber, "On Conducting", livro recomendadíssimo pelo nosso blog) que apenas trabalho e mais trabalho podem melhorar no capítulo precisão o trabalho de uma orquestra. A clareza surge do trabalho, o atabalhoamento destrói qualquer interpretação. Uma obra de repertório da Orquestra Gulbenkian muito mal preparada. O facto de ser tocada frequentemente dá uma sensação de falsa confiança e o resultado final é fracote.



13.11.06

Matthias Goerne 

Terça, 31 Out 2006, 19:00 - Grande Auditório

MATTHIAS GOERNE (barítono)
ERIC SCHNEIDER (piano)

Gustav Mahler, Canções de Des Knaben Wunderhorn (selecção).
Alban Berg, Quatro canções op.2.
Richard Wagner, Wesendonck-Lieder.

Reflexões para lá de um recital:
Goerne tem uma voz ampla, profunda, escura, mais a lembrar Hotter do que Dieskau. Aquilo que mais impressiona é a amplitude e beleza em todos os registos, barítono a caminhar para o baixo-barítono não deixa de ter agudos notáveis... que Wotan fabuloso em perspectiva.
Os maneirismos expressivos na figura de Goerne não se revelam na voz, se escutarmos de olhos fechados encontramos uma interpretação sóbria do ponto de vista estético. Grandes arcos sonoros, legatos notáveis, peito em lugar de garganta, articulação e fraseado vindos de dentro em lugar de gesticulação e mastigação mandibular, para mim o mais insuportável maneirismo do mestre Dieskau, que apesar de ser um cantor impressionante às vezes destruia tudo por excesso de fabricação.

Goerne vai beber muito em Hotter, talvez mais do que em Dieskau, e isso é francamente bom pois faz uma síntese perfeita entre o seu mestre vocal no capítulo interpretativo e o seu ideal estético, discrição, longas linhas perfeitas, profundidade da voz, apoio total e completo.
No intervalo do recital falaram-me repetidamente de maneirismos vocais, penso que as pessoas confundem a pose em palco com o que se ouve de facto, Goerne é um cantor sóbrio com uma capacidade interpretativa notável, capaz de recriar ambientes, envolvências. É mestre nas cores sombrias da morte e da tragédia, em Mahler foi sublime, em Alban Berg foi perfeito, em Wagner foi irreal levando-nos ao mundo do sonho onde Tristan e Isolda se encontram no amor e trevas.
O pianista foi também perfeito.

Pouco resta a acrescentar, um recital superlativo para recordar por muitos anos. Faltam-me as palavras...




10.11.06

Kissin - Um maravilhoso recital desastroso 

Programa:

Segunda, 30 Outubro 2006, 19:00 - Grande Auditório da Fundação Gulbenkian

EVGENY KISSIN

Franz Schubert: Sonata Nº 9, em Mi bemol maior, D.568.
Ludwig van Beethoven: Variações sobre um tema original, WoO 80.
Johannes Brahms: Klavierstücke, op.118
Fryderyk Chopin: Andante spianato e Grande polonaise brillante

A minha primeira crítica é, obviamente, para o programa, Kissin viaja por obras menos conhecidas de Schubert (uma sonata pouco madura) e de Beethoven (uma obra técnica e de grande brilho mas sem grande profundidade intrínseca), atinge o clímax musical com Brahms e cai numa obra menor de Chopin para a palma fácil.

É precisamente nesta escolha que reside o lado desastroso e irónico deste recital, raramente vimos e ouvimos ao vivo ou em gravações públicas Kissin ser tão desastrado, errou diversas vezes em Beethoven e faz três erros crassos em Chopin daqueles de fazer saltar da cadeira um surdo insensível à música à altura do Empire State Building. É certo que acordes errados com todas as notas trocadas não fazem um recital, é certo que isso até é divertido num pianista como Kissin, é certo que esses erros têm estimulado o pianista a tocar melhor após o erro, mas também é certo que para o pianista russo e, sobretudo, a sua professora esses erros foram uma mancha negra e que Kissin não terá deixado de ir para o hotel chicotear-se até altas horas da noite... Para mim o lado divertido da questão é que Kissin fez asneiras em obras perfeitatamente dispensáveis e que serviam apenas para abrilhantar a coisa com os dotes do "menino prodígio" que agora já passa da casa dos trinta e que deveria libertar-se das saias envolventes da mãe e professora, persistindo sempre a dúvida se quem toca é a cabeça da professora pelas mãos do robot Kissin...

Voltando ao recital de segunda, é evidente que Kissin ainda não amadureceu o Schubert, no meu entender mal interpretado, de forma mole e sem subtileza. Tecnicamente perfeito, com um touché muito bem esculpido, aparentemente perfeito acabou por não dar vida a uma sonata algo menor na produção de Schubert e muito abaixo das suas últimas sonatas que Sokolov, por exemplo, elevou a um nível interpretativo sem igual.

O Beethoven de fácil efeito correu sob o signo da nota trocada na terceira variação, algo que estimulou o pianista e lhe deu outro fogo, o acorde errado na variação final não eliminou o brilho virtuosístico de Kissin, tivemos aqui os dois lados do recital numa antevisão da segunda parte.

O Brahms já demonstrou outras capacidades, Kissin foi profundo, maduro, para além da perfeição técnica: os pianíssimos, o equilíbrio entre mãos, o legato, tudo isso estava no lugar. Faltou apenos aquilo que a idade traz: um mergulhar profundo na obra mas mantendo a distância crítica. Brahms levava-se muito a sério mas também era irónico em relação a si mesmo, Kissin leva demasiado a sério o Brahms e acaba demasiado crispado na interpretação. De qualquer modo foi o melhor do recital.

O Chopin cheio de fogo e no risco, no limite, foi interessante como peça para a palma final, os erros catastróficos de Kissin foram o elemento que mais me maravilhou e que acentuaram a impressão de que nós também levamos demasiadamente a sério o Kissin.
Extras de Liszt, de um compositor que não identifiquei e de uma transcrição da Carmen. Enfim, obras curtas com uma interpretação da transcrição da Carmen cheia de vitalidade e musicalidade, maravilhoso por fim, o Kissin. E as palmas nunca se fizeram esperar.

Uma nota crítica muito severa: No início da segunda parte um zumbido horrível, fortíssimo, acima dos pianíssimos do piano ecoava na instalação sonora da sala. É tempo de a Gulbenkian ter mais cuidado com estes aspectos que já têm pertubado outros concertos e recitais a par da regulação do ar condicionado que também é sempre descontrolada e que deve ter provocado inúmeras crises de tosse ao longo dos anos além de ter dado pneumonias a alguns melómanos mais decrépitos. Quantos melómanos arcaicos não estariam ainda estre nós se não fosse este tremendo ar condicionado!?

8.11.06

Casa da Música - Programação para 2007 

A programação da Casa da Música para o primeiro trimestre de 2007 foi dada a conhecer ontem, parece-me ser um desastre completo.
Depois de uma programação consistente alicerçada em grandes referências, sem esquecer Portugal, programada pelo anterior director artístico (e que se estende em grande parte até final deste ano) parece que passamos à indigência programática de Pedro Burmester, esperamos que o desastre seja apenas no primeiro trimestre de 2007 e o tiro seja corrigido. Para uma instituição que tem rios de dinheiro e vê o seu orçamento crescer, num panorama de cortes no resto do país, esperava-se mais do que o que tem sido feito anteriormente ou, pelo menos, equivalente.
Uma programação paroquial, provinciana e voltada para dentro, sem referências internacionais, com as honrosas excepções de Murray Perahia e do quarteto Hagen (e um quarteto é sempre barato), faltam apenas os ranchos folclóricos.
Uma programação atabalhoada, sem visão de futuro e sem estratégia, anunciada às postas de três em três meses e sem antecedência, um erro que continua a repetir-se, de início inevitável pela juventude da organização, e que começa a ser sintoma de falta de plano e de organização de longo prazo, de falta de capacidade. Espero que este sintoma seja apenas agudo e que não se revele uma doença crónica.

Veja a miséria por si próprio:
Site da Casa da Música


6.11.06

A cultura é de esquerda? 

Se a cultura é de esquerda João César das Neves é de uma estupidez profunda, colossal, que supera tudo e todos de forma avassaladora, diria mesmo: Neves é o paradigma da estupidez infinita.
A provocação, se é disso que se trata, deve ser inteligente, Neves não consegue contextualizar, tem erros primitivos de lógica, como a da tirada da comparação entre a "cultura ser de esquerda" e os "texteis do Norte". Acho que nem vale a pena desmontar o artigo, com os broncos não se perde muito tempo.
Neves é um exemplo repugnante da contaminação da opinião nos jornais.

Bem escreve José Alberto de Carvalho contra esta contaminação. Até os maiores imbecis têm direito a opinião mas ser um jornal a pagar-lhes por isso é sinal da mesma estupidez, se não maior. Nisto dos infinitos há várias categorias tal como entre aqueles que vão ao ministério e que este subsidia, como compete num estado civilizado. Existe o artista aldrabão e o artista sério, e até há mais aldrabões que sérios, como nos ensinou o Schopenhauer, tal como nos que escrevem nos jornais ou na Humanidade em geral, o que é também parte da beleza dessa mesma Humanidade.
Que os liberais acéfalos queiram acabar com a arte e cultura que não se pagam a si e que não tenham necessidade de ópera estatal, de boa música, de bailado, de cinema independente com ajuda pública, ou apoios para as artes visuais, etc, etc que os Césares das Neves deste mundo não gostam, é uma coisa, agora descredibilizar todo um sector por interesses mesquinhos é demais. Suporto de boa vontade os dislates esquerdistas de uma parte menor dessa suposta "elite" se fizerem boa música e boa arte, ou se escreverem bem, coisa que César das Neves nunca fará porque nunca lhe ensinaram ou ele nunca aprendeu. E também nunca aprendeu que a tolerância e o respeito pela diferença, como consequências da máxima mais profunda e ainda radical hoje do respeito absoluto e total pela vida, são as maiores lições que Cristo deu ao mundo. Eu também preferiria ser acusado de "andar com prostitutras e ladrões" do que com o João César das Neves.

P.S. Não quer dizer que não goste dele, todos têm direito à Redenção.


4.11.06

Críticas em agenda 

Kissin na Gulbenkian: Um maravilhoso recital desastroso.
Goerne em Lisboa: Recital Superlativo.
Concerto na Gulbenkian com Mathias Goerne.


Mas o que é isto?! 

Leio estarrecido no "O Público" um arrazoado sobre mãos esquerdas e direitas de uma confusão inacreditável. Depois de uns largos milhares de caracteres fica-se sem saber porque razão o pianista (Leon Fleisher) que perdeu o uso a mão durante 35 anos, toca agora com as duas. Terá sido uma reza ao Santo António? Será que está bom da mão que perdeu? Entretanto o irmão do filósofo Wittgentstein, Paul neste caso, perdeu a mão "esquerda" (segundo o "O Público") na Primeira Guerra! Percebe-se que só podia tocar com a direita e então encomendou um concerto para a mão esquerda, a tal que ficou esquecida no campo de batalha! Família Adams em acção por acção de Isabel Salema do "O Público".
Esclareço: Leon Fleisher toca com as duas mãos hoje porque se curou com, imagine-se, Botox, o Paul Wittgenstein perdeu mesmo a mão direita na I Grande Guerra e encomendou concertos para a mão esquerda, o artigo trocou as mãos ao senhor.
Já agora: o artigo é um manual de mau jornalismo, sem trazer as infomações que situam o problema no topo do texto, ou sequer no meio no caso da explicação da cura de Fleisher, mal informado troca as mãos e mete os pés nas mesmas. Antes de fazer flores poéticas a jornalista deveria informar. Nem um estagiário é capaz de fazer tão mal, este é um artigo displicente, confuso, mal revisto e mal estruturado. A estudar.


2.11.06

Jordi Savall 

Depois de descobrir na lista de CDs novos que comprei ou recebi na passada semana um disco fenomenal de Jordi Savall, celebrando os 350 de Marin Marais, tive o prazer de poder conversar com o próprio Jordi Savall na Casa da Música do Porto pouco antes de um concerto com o seu agrupamento Hesperium XXI. Uma entrevista longa que passarei no programa Seara de Sons, Antena 2, no próximo domingo pelas 21h. Não escondo a minha admiração pelo mestre catalão, sobretudo no tempo e estilo que superiormente domina: o barroco francês e, sobretudo, Marin Marais, Mr. de Sainte Colombe, Forqueray e por aí adiante.
No que diz respeito a outro repertório outro galo canta, sabe-se do gosto de Jordi Savall por tornar atractivo ao grande público música da qual as fontes são muito escassos, e assim era com o que concerto "Siglo de Oro" com música que ia do século XV ao XVI tocando mesmo o XVII. Sabe-se que Savall improvisa, e que põe os seus, excepcionais, músicos a improvisar e que o que se assiste é uma versão, diria eu, "jazzística" da música antiga, o que alías não andaria longe do que se fazia no tempo em termos prática interpretativa.
O que é certo é que os cérebros e ouvidos dos músicos de hoje, e do público, são diferentes dos coevos da música recriada. Sabendo isto, e sabendo que o que escutamos pouco ou nada terá a ver com o que se ouvia no tempo em que os compositores originais viveram (Savall tem aqui um conceito bem diferente do ensemble Micrologus por exemplo) podemos criticar um concerto de Savall no repertório mais antigo.
Sem tentar imaginar conceitos como originalidade ou fidelidade histórica rigorosa libertamos o cérebro de preconceitos e ouvimos um grupo estupendo de intérpretes, onde Lawrence King na harpa, Montserrat Figueras como soprano, ainda em elevado nível apesar dos mais de sessenta anos que tem, ou Daniele Carnovitch como baixo, se destacam de forma notável. Um concerto de improvisação e vida sobre ritmos e temas antigos. Puro Jazz histórico se assim se pode chamar. Uma fórmula de grande êxito que resulta numa grande empatia com o público.

Sem preconceitos e sem amplificação (que não houve no Porto apesar do que estava previsto antecipadamente e que se saúda com grande ênfase) tivemos um concerto de alto nível. Mas longe do Marin Marais que sai esta semana para as lojas portuguesas e que consideramos um dos discos mais notáveis que temos ouvido.

1.11.06

Magazine Littéraire 



Pierre Pinoncelli em sua casa em Saint-Rémy-de-Provence
Julho de 2006

O mesmo homem que em 1993 provou que mijar e bater simbolicamente no urinol do Duchamp pode dar um mês de cadeia.


Eu por acaso até concordo que dar o uso inicial ao objecto lhe reconfere dignidade. O acto de Pinoncelli é um acto de artista, e como artista pagou por ele. Mais tarde (2006) aplicou-lhe mais um golpe de martelo no Centro Pompidou. O urinol, que já não era o original de 1917 (perdido entretanto), mas uma cópia de 1964, "realizada" (ou melhor: comprada numa casa de ferragens) pelo autor, Duchamp (que não a tinha assinado com o seu verdadeiro nome em 1917), que veio a cobrar uma fortuna pelo objecto aos imbecis dos franceses. Esta martelada valeu a Pinoncelli 427000 euros de multa e mais três meses de cadeia, o que aliás acho muito bem. Ainda não sei se Pinoncelli é um reaccionário ou um revolucionário, ou ambas as coisas ao mesmo tempo ou nenhuma. O que sei é que mandei para o lixo um urinol destes, quiçá o original de Duchamp..., que estava cheio de pó e teias de aranha numa velha arrecadação algures numa quinta... Por outro lado a reflexão imediata disto tudo é que gritar que o rei vai nu é muito caro na sociedade actual, mas também pode render: como é que Pinoncelli poderia aparecer no Magazine Littéraire se apenas tivesse feito mais outro urinol? Que, aliás, fez! Urinóis é o que andam muitos artistas actuais a fazer, isto quando não mijam directamente, para um público que abana a cabeça de contente e agradece. Isto nas artes plásticas e no resto..


Agradeço ao JND que me enviou, no dia dos meus anos, o último Magazine Littéraire.

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