31.1.05
Quarteto Borodin
Ruben Aharonian (Violino)
Andrei Abramenkov (Violino)
Igor Naidin (Viola)
Valentin Berlinsky (Violoncelo)
Primeiro concerto
Franz Schubert
Quarteto para Cordas Nº 13, em Lá menor, D.804, Rosamunde
Quarteto para Cordas Nº 12, em Dó menor, D.703, Quartettsatz (1 Andamento)
Quarteto para Cordas Nº 14, em Ré menor, D.810, A Morte e a Donzela
Tivemos o enorme prazer de escutar o quarteto Borodin nos dias 24 e 25 de Janeiro últimos. Comentamos em primeiro lugar o concerto com Schubert, mais conseguido no nosso entender, e em segundo lugar o concerto com obras de Mozart.
No caso do concerto com obras de Schubert notou-se uma extraordinária coesão do quarteto. As obras de Schubert, todas do período mais tardio do compositor, são um exemplo radical da profundidade do génio de um autor. Tanto o quarteto nº13, D 804, como o quarteto nº 14, D 810, são obras notáveis pela arquitectura e pela densidade da sua escrita.
O quarteto Rosamunde, nome retirado da música de cena foi escrito pouco depois de Schubert saber que estava condenado pela Sífilis, Schubert não podia estar feliz e a música mostra-o claramente através da sua beleza serena, mas também trágica, aspectos que foram realçados de forma absolutamente espantosa, até pela contenção, com que o quarteto Borodin abordou a obra.
A turbulência marca o andamento isolado, D. 703, escrito numa época mais feliz, cremos que o quarteto Borodin deu uma leitura demasiado severa, mas com a lógica de se enquadrar no restante programa, uma linguagem muito vigorosa e afirmativa, própria deste quarteto, que consegue ter um som muito intenso, próprio da escola russa e ao mesmo tempo a contenção e a disciplina necessárias para conseguir emitir pianíssimos quase impossíveis sem quebras ou falhas na emissão do som.
Notou-se na interpretação do quarteto Borodin uma interiorização da obra de Schubert que chegou a ser comovente. Perfeição técnica e liderança aparente do primeiro violino, sempre com a presença carismática do único membro fundador, o mítico Valentin Berlinsky no violoncelo. A forma como a linha melódica foi realçada face à linha de acompanhamento pode ser vista na forma como Berlinsky usa o vibrato, quase nulo no acompanhamento e muito pronunciado quando o violoncelo agarra o discurso.
Deixo para o fim o comentário ao quarteto D. 810. A escrita de Schubert atinge a essência da vida, através da abordagem da morte, no quarteto D 810, Der Tod und Das Madchen, escrito totalmente em modo menor, e com a reminiscência do lied D. 531, uma obra que se encerra com uma espécie de tarantella obsessiva, que mesmo acabando de forma arrebatada nos conduz para um final trágico. É revolta que eu sinto nas páginas deste quarteto do jovem Schubert condenado pela doença. Uma dor rara que é sentida em poucas páginas na história da música. A severidade, a seriedade, a profundidade do quarteto Borodin sentiu-se totalmente na forma como tocou este quarteto. O quarteto Borodin faz lembrar que Dostoievsky também era russo.
Um concerto digno de figurar na história da música em Portugal.
P.S. Uma lição exemplar ao público que pedia extras, em gritos impudicos e palmas exacerbadas, em vez de ir para casa meditar na celebração da música e da memória de um rapaz atormentado pela doença e pelo génio: o quarteto sentou-se e atacou a coda do último andamento do quarteto D. 810.
Está tudo dito, nada mais a acrescentar.
Aqui na Formação original
Rostislav Dubinsky, Yaroslav Alexandrov - violinos, Dmitry Shebalin - viola, Valentin Berlinsky - violoncelo
Segundo Concerto
Wolfgang Amadeus Mozart
Com Michael Collins (Clarinete)
Quarteto para Cordas, em Dó Maior, K.465, As dissonâncias
Quinteto para Clarinete e Cordas, em Lá Maior, K.581
Quarteto para Cordas, em Ré menor, K.421
Neste concerto, como dissemos antes, o quarteto Borodin não foi tão consistente. O concerto foi muito bom, é certo, mas o estilo do quarteto Borodin em Mozart cristalizou. As páginas do quarteto em ré menor são profundas na sua riqueza musical, o andamento lento é uma obra prima entre tantas que Mozart deixou. Mas a leitura muito “romântica”, o vibrato excessivo, o protagonismo em termos sonoros do primeiro violino face ao conjunto e sobretudo às vozes intermédias foi muito marcado, em contraste com o dia anterior.
No caso do quinteto de Mozart achámos a intervenção do clarinetista Michael Collins demasiado conspícua. Com uma sonoridade lindíssima, aveludada e densa, o clarinetistista provou ser capaz de se integrar no conjunto nas variações do último andamento onde o seu pianíssimo entrou em total sintonia com o quarteto, mas no larghetto foi excessivo na sonoridade, creio que Mozart marcou bem dois pp neste momento mágico, Collins tocou em meio forte, criando um desequilíbrio sonoro que chegou a ser desagradável. Collins parecia um menino feliz ao tocar com o quarteto Borodin mas se tivesse sido mais contido teríamos uma interpretação mais consistente. A abordagem que o quarteto Borodin faz de Mozart pareceu-me estilisticamente densa e severa, o que está de certa forma em acordo com a densidade destes quarteto, mas em Mozart esta visão deve ser temperada com alguma leveza alguma compreensão do tempo de Mozart que se evidencia na forma de articular e no clássico. Achámos o quarteto Borodin um pouco anacrónico na forma de abordar o seu Mozart.
En termos de comparação acrescento que a gravação velha de trinta anos do quarteto Amadeus, celebrando o seu 25º aniversário (!), continua a ser superior ao Borodin de hoje.
P.S.
1. Estou um pouco arrependido por ter manifestado reservas antecipadas relativamente ao Mozart do quarteto Borodin, parece que tinha uma ideia pré-concebida mas esta impressão foi confirmada pelo concerto em si.
2. Estes comentários são apenas uma relativização do concerto, que mesmo com estas ressalvas foi de altíssima qualidade.
Medeia
Depois de uma semana tremenda, com o quarteto Borodin em dois dias seguidos e com Pollini na Gulbenkian tenho hoje a Medeia de Cherubini. Esta deslocação e recepção tem a vantagem de ter algumas cartas na mão, as críticas já saíram. M.P. aqui mesmo deixou reservas à realização da orquestra e a Annamaria dell'Oste. Teresa Cascudo não deixou grandes reservas e A. M. Seabra só mostrou reservas.
Estranho apenas alguns factos: a referência obsessiva a Maria Callas, que cantou, no seu tempo e ao seu modo a ópera. O "Fantasma da Callas", e mais conversa trivial em clichés repetidos, é do mais anacrónico e disparatado, diria mesmo irritante, que tenho escutado e lido sobre o assunto. Callas cantou e gravou em italiano uma ópera escrita originalmente em francês e num estilo totalmente desajustado do contexto da obra. Só existe como fantasma para quem se encarna nas mesmas raízes ultrapassadas do voeyrismo operático e da leitura da ópera, não como exercício cultural e intelectual, mas como espectáculo de raiz popular de malabarismo circense. Uma visão de "brava e bis" a todas as notas em fortíssimo acima do sol. Leio no "O Público" de hoje que Seabra acha a encenação fraca, o autor da crítica perde-se em malabarismos de escrita mas não consegue explicar em concreto a fundação exacta da sua opinião: onde está o exemplo, onde está a demonstração real dos pontos fracos da realização de Cintra? Perdem-se, ou nunca existiram, no arrazoado sobre as suas produções anteriores. Consegue dizer, unicamente, que aquilo é "chatice museológica". É pouco quando se arrasa uma encenação. É mesmo intelectualmente desonesto quando se dispõe de uma coluna num jornal de ampla divulgação onde se gastam toneladas de tinta sem se explicar as reais motivações de se opinar que aquilo é "uma chatice museológica". De facto até poderá ser uma maçada museológica, mas se é assim deve-se explicar o porquê e não enunciar uma opinião.
Assim não se está a fazer crítica, está-se a dizer que se conhece bem o Cintra e que o autor do texto é uma espécie de dinossauro do audiovisual (repare-se que não digo da crítica musical), que conversou com o encenador antes e até o entrevistou! Pasme-se, o Seabra entrevistou o Luís Miguel Cintra há muitos anos! Vejam como "eu sou uma espécie de patrão dogmático, uma espécie de pater criticus..." ou ainda "ando nisto há muito tempo" só falta dizer: "sou o sargento lateiro da crítica". E o texto espremido? "Uma chatice museológica". A quem tem como referência o fantasma da Callas, e o uso da palavra "perplexidade", não consigo levar a sério...
Outra perplexidade, esta minha, é a quase total ausência na crítica pública, ao facto de a ópera ter sido escrita em francês e ser apresentada em italiano. Perde-se uma oportunidade histórica de poder escutar a raiz, acabamos assim por ter de ouvir um sucedâneo marcado por todos os defeitos de uma tradução para italiano feita numa época em que o primitivismo do público pequeno burguês era ainda mais básico, porque tacanho, do que a ignorância esclarecida da aristocracia do ancien régime ou da ignorância sedenta de luz dos citoyens (também eles burgueses) do final de setecentos, em França.
Finalmente a referência que tenho, a única Medeia no meio disto tudo que é uma obra prima absoluta: a Médée de Marc Antoine Charpentier e Corneille (Thomas). Obra do final do século XVII é o marcar do apogeu da ópera barroca em tudo o que tem de supremo, texto, teatro e música, tragédia e mito. Com respeito por algumas convenções, é certo, mas surpreendente pela modernidade que a tragédia encerra, intemporal porque vive nas raízes mais profundas do homem. O teatro trágico como visão e representação dionisíaca da vida, como Nietsche tão bem escreveu na Origem da Tragédia, pináculo do seu raciocínio académico.
On vera...
Estranho apenas alguns factos: a referência obsessiva a Maria Callas, que cantou, no seu tempo e ao seu modo a ópera. O "Fantasma da Callas", e mais conversa trivial em clichés repetidos, é do mais anacrónico e disparatado, diria mesmo irritante, que tenho escutado e lido sobre o assunto. Callas cantou e gravou em italiano uma ópera escrita originalmente em francês e num estilo totalmente desajustado do contexto da obra. Só existe como fantasma para quem se encarna nas mesmas raízes ultrapassadas do voeyrismo operático e da leitura da ópera, não como exercício cultural e intelectual, mas como espectáculo de raiz popular de malabarismo circense. Uma visão de "brava e bis" a todas as notas em fortíssimo acima do sol. Leio no "O Público" de hoje que Seabra acha a encenação fraca, o autor da crítica perde-se em malabarismos de escrita mas não consegue explicar em concreto a fundação exacta da sua opinião: onde está o exemplo, onde está a demonstração real dos pontos fracos da realização de Cintra? Perdem-se, ou nunca existiram, no arrazoado sobre as suas produções anteriores. Consegue dizer, unicamente, que aquilo é "chatice museológica". É pouco quando se arrasa uma encenação. É mesmo intelectualmente desonesto quando se dispõe de uma coluna num jornal de ampla divulgação onde se gastam toneladas de tinta sem se explicar as reais motivações de se opinar que aquilo é "uma chatice museológica". De facto até poderá ser uma maçada museológica, mas se é assim deve-se explicar o porquê e não enunciar uma opinião.
Assim não se está a fazer crítica, está-se a dizer que se conhece bem o Cintra e que o autor do texto é uma espécie de dinossauro do audiovisual (repare-se que não digo da crítica musical), que conversou com o encenador antes e até o entrevistou! Pasme-se, o Seabra entrevistou o Luís Miguel Cintra há muitos anos! Vejam como "eu sou uma espécie de patrão dogmático, uma espécie de pater criticus..." ou ainda "ando nisto há muito tempo" só falta dizer: "sou o sargento lateiro da crítica". E o texto espremido? "Uma chatice museológica". A quem tem como referência o fantasma da Callas, e o uso da palavra "perplexidade", não consigo levar a sério...
Outra perplexidade, esta minha, é a quase total ausência na crítica pública, ao facto de a ópera ter sido escrita em francês e ser apresentada em italiano. Perde-se uma oportunidade histórica de poder escutar a raiz, acabamos assim por ter de ouvir um sucedâneo marcado por todos os defeitos de uma tradução para italiano feita numa época em que o primitivismo do público pequeno burguês era ainda mais básico, porque tacanho, do que a ignorância esclarecida da aristocracia do ancien régime ou da ignorância sedenta de luz dos citoyens (também eles burgueses) do final de setecentos, em França.
Finalmente a referência que tenho, a única Medeia no meio disto tudo que é uma obra prima absoluta: a Médée de Marc Antoine Charpentier e Corneille (Thomas). Obra do final do século XVII é o marcar do apogeu da ópera barroca em tudo o que tem de supremo, texto, teatro e música, tragédia e mito. Com respeito por algumas convenções, é certo, mas surpreendente pela modernidade que a tragédia encerra, intemporal porque vive nas raízes mais profundas do homem. O teatro trágico como visão e representação dionisíaca da vida, como Nietsche tão bem escreveu na Origem da Tragédia, pináculo do seu raciocínio académico.
On vera...
30.1.05
Num intervalo de um concerto
Eis que alguém saca de uma máquina digital, nova, num intervalo de um concerto. Fotografia artística de altíssima qualidade!
Wagner e o trombone contrabaixo
Na partitura da Walküre pode ler-se:
1 Kontrabaßposaune, welche abwechselnd auch die gewöhnliche Baßposaune übernimmt.
E por diante...
1 Kontrabaßposaune, welche abwechselnd auch die gewöhnliche Baßposaune übernimmt.
E por diante...
28.1.05
Encontro adiado
Encontro na Livraria Eterno Retorno adiado para próxima sexta feira, dia 4 de Fevereiro pelas 22h. Motivo: recaída gripal da oradora, Teresa Cascudo!
27.1.05
Emails recebidos e coisas lidas aqui e ali
Encontro de Críticos musicais
Sexta-feira, dia 28 de Janeiro, 22h
A livraria Eterno Retorno acolherá na próxima sexta feira um encontro de Críticos musicais onde a conversa terá como tema central: Wagner em Portugal: recepção da Tetralogia e do Parsifal, a oradora é Teresa Cascudo.
Livraria Eterno Retorno
Rua de S. Boaventura, nº 42
1200-409, Lisboa (Bairro Alto)
telf. 213 460 032
Entretanto li isto:
Crítica a concerto em S. Roque. Já tinha lido uma crítica benevolente e muito generosa sobre este concerto no Diário de Notícias, da autoria de Bernardo Mariano, isto após uma apresentação com grande destaque ao mesmo concerto e no mesmo jornal.
Assinei a petição, cujo endereço me foi enviado pelo Lima Alves, muito embora seja muito céptico sobre o efeito de tais iniciativas. No entanto, o lado simbólico e a questão de princípio, levam-me a não deixar de participar. Continuar a sonhar é continuar a viver.
P.S. (Acrescentado no dia 28 de Janeiro) Algo vai mal quando acredito mais num autor anónimo do que numa crítica num jornal de referência, eu deixei há muito tempo, muito tempo mesmo, de ouvir a Capela Real, uma organização que vandaliza a música barroca há dez anos, com o alto patrocínio do Sampaio (!!), porque nunca assisti a um concerto desta agremiação em que não saísse enojado, mal disposto com aquilo que sinto ser uma fraude em termos musicais. Não sou masoquista, a música deve ser um prazer. Depois de se perceber que ir a um concerto significa má disposição, nervos, irritação, sem esperança de mudar, para quê insistir? Confesso que um concerto ofensivo me irrita profundamente e me deixa fisicamente enjoado. Aconteceu o mesmo com o segundo acto do Tristan und Isolde na Culturgest, quando dirigido por Peskó fez agora um ano. Segundo um outro amigo que esteve neste concerto, e que percebe de música, o que se passou em S. Roque foi mais um gravíssimo atentado à música e um desrespeito pelo público do que um concerto público. Segundo Bernardo Mariano: "Handel chegou atrasado", numa referência ao atraso no início do concerto que parecia ser o pior que aconteceu. Parece que a orquestra teria pontos a melhorar, segundo a crítica que li impressa e que já não encontro disponível na net (talvez por minha falta na pesquisa que fiz).
Desculpe Bernardo Mariano mas deixei de acreditar no que diz, quando eu não ia a um concerto lia a sua crítica para saber o que se tinha passado. Para mim deixou de ter credibilidade, deixei de crer no que escreve no Jornal Diário de Notícias, prefiro ler um blogue.
Sexta-feira, dia 28 de Janeiro, 22h
A livraria Eterno Retorno acolherá na próxima sexta feira um encontro de Críticos musicais onde a conversa terá como tema central: Wagner em Portugal: recepção da Tetralogia e do Parsifal, a oradora é Teresa Cascudo.
Livraria Eterno Retorno
Rua de S. Boaventura, nº 42
1200-409, Lisboa (Bairro Alto)
telf. 213 460 032
Entretanto li isto:
Crítica a concerto em S. Roque. Já tinha lido uma crítica benevolente e muito generosa sobre este concerto no Diário de Notícias, da autoria de Bernardo Mariano, isto após uma apresentação com grande destaque ao mesmo concerto e no mesmo jornal.
Assinei a petição, cujo endereço me foi enviado pelo Lima Alves, muito embora seja muito céptico sobre o efeito de tais iniciativas. No entanto, o lado simbólico e a questão de princípio, levam-me a não deixar de participar. Continuar a sonhar é continuar a viver.
P.S. (Acrescentado no dia 28 de Janeiro) Algo vai mal quando acredito mais num autor anónimo do que numa crítica num jornal de referência, eu deixei há muito tempo, muito tempo mesmo, de ouvir a Capela Real, uma organização que vandaliza a música barroca há dez anos, com o alto patrocínio do Sampaio (!!), porque nunca assisti a um concerto desta agremiação em que não saísse enojado, mal disposto com aquilo que sinto ser uma fraude em termos musicais. Não sou masoquista, a música deve ser um prazer. Depois de se perceber que ir a um concerto significa má disposição, nervos, irritação, sem esperança de mudar, para quê insistir? Confesso que um concerto ofensivo me irrita profundamente e me deixa fisicamente enjoado. Aconteceu o mesmo com o segundo acto do Tristan und Isolde na Culturgest, quando dirigido por Peskó fez agora um ano. Segundo um outro amigo que esteve neste concerto, e que percebe de música, o que se passou em S. Roque foi mais um gravíssimo atentado à música e um desrespeito pelo público do que um concerto público. Segundo Bernardo Mariano: "Handel chegou atrasado", numa referência ao atraso no início do concerto que parecia ser o pior que aconteceu. Parece que a orquestra teria pontos a melhorar, segundo a crítica que li impressa e que já não encontro disponível na net (talvez por minha falta na pesquisa que fiz).
Desculpe Bernardo Mariano mas deixei de acreditar no que diz, quando eu não ia a um concerto lia a sua crítica para saber o que se tinha passado. Para mim deixou de ter credibilidade, deixei de crer no que escreve no Jornal Diário de Notícias, prefiro ler um blogue.
Temirkanov no Coliseu
Graças à Fundação Gulbenkian tivemos três concertos de altíssimo nível em três dias.
Escrevo em primeiro lugar do concerto de Domingo no Coliseu pela Orquestra Filarmónica de São Petersburgo com direcção de Yuri Temirkanov e com Elisso Virsaladze ao piano. Em boa hora se substituiu o inicialmente previsto Sergei Rachmaninov do enjoativo Vocalise, op.34, que abria o programa, pela abertura de Carl Maria von Weber: Euryanthe. O belíssimo concerto de Robert Schumann, em Lá menor, op.54, fechava a primeira parte e na segunda parte A Sagração da Primavera do maior compositor russo: Igor Stravinsky.
A abertura de Weber, com as cordas na máxima força, 15 primeiros violinos, 14 segundos, 12 violetas, 10 violoncelos, 9 contrabaixos, teve a intensidade pré-romântica de Weber no ponto certo (uma orquestra demasiado vasta por padrões musicológicos, mas certa numa sala como Coliseu). Sopros muito elegantes e com uma personalidade vincada deram cor à paleta deste grande compositor alemão. Uma direcção, sem batuta, de Temirkanov, seguríssima, elegante, enfática sem exageros gestuais, sublinhando o essencial, conduzindo com a autoridade do domínio total da obra a orquestra. Bonito de se ver e de se ouvir.
Como já foi apontado por alguma crítica em jornais de grande circulação, o concerto de Schumann foi prejudicado por dois factores: falta de densidade das cordas, reduzidas a 4 contrabaixos, seis violoncelos, oito violetas, dez segundos violinos e 12 primeiros, o que na péssima acústica do Coliseu acabou por prejudicar a audição do concerto. Por outro lado existiram desacertos entre orquestra e piano. Neste concerto o piano foi o motor da orquestra, uma suavidade de ataque sem par, um ritmo avassalador, um Schumann íntimo sem cair no sentimentalismo exagerado, fizeram do concerto de Schumann um momento de grande intensidade. A professora de Filipe Pinto Ribeiro, que além de grande pianista é uma excelente professora, mostrou como se aborda um concerto desta envergadura: contenção total em termos sonoros, economia de meios e ao mesmo tempo uma energia poderosíssima.
Com respeito a Stravinsky as palavras faltam, como já apontámos anteriormente. A obra foi abordada pelo seu lado selvático, pela sua força vital, pelas raízes da terra. A obra estrutura-se como um puzzle sinfónico em que os naipes encaixam. Percebeu-se que teríamos uma interpretação histórica ao escutar o solo do fagote que inicia a obra. A naturalidade, a descontracção, aparente, do primeiro fagote, homem com mais de setenta anos, ao abordar o solo da responsabilidade e carga deste momento introdutório impressionou. A partir daqui tudo foi possível, um primeiro trompete, que parecia um urso siberiano, mas que tocava como um mágico deixou memória. A precisão absoluta da percussão. A densidade das cordas, a força dos contrabaixos, o domínio do ritmo de toda a orquestra. As intervenções solísticas de clarinetes sopranos, agudos e baixos, dos oboés, e das flautas foram de arrepiar. A extraordinária qualidade das trompas, dos trombones, dos trompetes e das tubas. Tudo sob a calmíssima supervisão do maestro, que de forma discreta acentuava o que se devia acentuar e conduzia o conjunto para a morte sacrificial que conclui a obra. Quase sem falhas, apenas na entrada da cena do sacrifício um desacerto entre cordas e sopros até deu sal à interpretação.
Temirkanov ensinou como se deve dirigir e trabalhar uma orquestra sinfónica de virtuosos.
Se pensamos no que ganham estes músicos e na forma como tocam, no empenho e profissionalismo, no estudo que está por detrás. Se pensarmos no som que produzem e nas condições que têm só podemos lamentar aqueles que se queixam de tudo e nada, daqueles que não têm orgulho na arte a que se dedicaram e vendem fraude em vez de darem sonho.
Um paradigma foi estabelecido neste domingo à noite. Fica o registo.
Uma palavra para o Coliseu: é uma sala miserável, ouvem-se barulhos parasitas de todos os lados, os músicos não têm as menores condições, a acústica é horrenda, as tosses propagam-se de forma mais intensa que os sons propagados a partir do palco! Uma sala sem as menores condições para servir de auditório para concertos sinfónicos.
Escrevo em primeiro lugar do concerto de Domingo no Coliseu pela Orquestra Filarmónica de São Petersburgo com direcção de Yuri Temirkanov e com Elisso Virsaladze ao piano. Em boa hora se substituiu o inicialmente previsto Sergei Rachmaninov do enjoativo Vocalise, op.34, que abria o programa, pela abertura de Carl Maria von Weber: Euryanthe. O belíssimo concerto de Robert Schumann, em Lá menor, op.54, fechava a primeira parte e na segunda parte A Sagração da Primavera do maior compositor russo: Igor Stravinsky.
A abertura de Weber, com as cordas na máxima força, 15 primeiros violinos, 14 segundos, 12 violetas, 10 violoncelos, 9 contrabaixos, teve a intensidade pré-romântica de Weber no ponto certo (uma orquestra demasiado vasta por padrões musicológicos, mas certa numa sala como Coliseu). Sopros muito elegantes e com uma personalidade vincada deram cor à paleta deste grande compositor alemão. Uma direcção, sem batuta, de Temirkanov, seguríssima, elegante, enfática sem exageros gestuais, sublinhando o essencial, conduzindo com a autoridade do domínio total da obra a orquestra. Bonito de se ver e de se ouvir.
Como já foi apontado por alguma crítica em jornais de grande circulação, o concerto de Schumann foi prejudicado por dois factores: falta de densidade das cordas, reduzidas a 4 contrabaixos, seis violoncelos, oito violetas, dez segundos violinos e 12 primeiros, o que na péssima acústica do Coliseu acabou por prejudicar a audição do concerto. Por outro lado existiram desacertos entre orquestra e piano. Neste concerto o piano foi o motor da orquestra, uma suavidade de ataque sem par, um ritmo avassalador, um Schumann íntimo sem cair no sentimentalismo exagerado, fizeram do concerto de Schumann um momento de grande intensidade. A professora de Filipe Pinto Ribeiro, que além de grande pianista é uma excelente professora, mostrou como se aborda um concerto desta envergadura: contenção total em termos sonoros, economia de meios e ao mesmo tempo uma energia poderosíssima.
Com respeito a Stravinsky as palavras faltam, como já apontámos anteriormente. A obra foi abordada pelo seu lado selvático, pela sua força vital, pelas raízes da terra. A obra estrutura-se como um puzzle sinfónico em que os naipes encaixam. Percebeu-se que teríamos uma interpretação histórica ao escutar o solo do fagote que inicia a obra. A naturalidade, a descontracção, aparente, do primeiro fagote, homem com mais de setenta anos, ao abordar o solo da responsabilidade e carga deste momento introdutório impressionou. A partir daqui tudo foi possível, um primeiro trompete, que parecia um urso siberiano, mas que tocava como um mágico deixou memória. A precisão absoluta da percussão. A densidade das cordas, a força dos contrabaixos, o domínio do ritmo de toda a orquestra. As intervenções solísticas de clarinetes sopranos, agudos e baixos, dos oboés, e das flautas foram de arrepiar. A extraordinária qualidade das trompas, dos trombones, dos trompetes e das tubas. Tudo sob a calmíssima supervisão do maestro, que de forma discreta acentuava o que se devia acentuar e conduzia o conjunto para a morte sacrificial que conclui a obra. Quase sem falhas, apenas na entrada da cena do sacrifício um desacerto entre cordas e sopros até deu sal à interpretação.
Temirkanov ensinou como se deve dirigir e trabalhar uma orquestra sinfónica de virtuosos.
Se pensamos no que ganham estes músicos e na forma como tocam, no empenho e profissionalismo, no estudo que está por detrás. Se pensarmos no som que produzem e nas condições que têm só podemos lamentar aqueles que se queixam de tudo e nada, daqueles que não têm orgulho na arte a que se dedicaram e vendem fraude em vez de darem sonho.
Um paradigma foi estabelecido neste domingo à noite. Fica o registo.
Uma palavra para o Coliseu: é uma sala miserável, ouvem-se barulhos parasitas de todos os lados, os músicos não têm as menores condições, a acústica é horrenda, as tosses propagam-se de forma mais intensa que os sons propagados a partir do palco! Uma sala sem as menores condições para servir de auditório para concertos sinfónicos.
23.1.05
No Coliseu de Lisboa, hoje
Stravinsky voltou a viver
Uma Sagração desmesurada, selvagem e deslumbrante, não tenho mais palavras.
Uma Sagração desmesurada, selvagem e deslumbrante, não tenho mais palavras.
22.1.05
Orquestra da Radio-France - Um concerto razoável
18 Jan 2005, 21:00 - Coliseu dos Recreios
Orquestra Filarmónica da Radio-France
MYUNG-WHUN CHUNG (maestro)
Gustav Mahler
Sinfonia Nº 5, em Dó sustenido menor
Uma obra maior do repertório sinfónico. Uma interpretação sofrível de Chung.
A impressão da orquestra.
Apresentou-se uma orquestra muito grande, com cordas reforçadíssimas, 16 primeiros violinos, 16 segundos, 13 violas, 12 violoncelos e 10 contrabaixos.
Os violinos não encheram o tecido sonoro com a sonoridade explosiva que Mahler pretendia, sobretudo no último andamento.
Dir-se-ia que os 32 violinos pareciam anémicos. Tiveram dificuldades manifestas para conseguir produzir som nas passagens mais difíceis e, ainda por cima, desafinaram frequentemente. O som foi, de facto, o principal problema deste naipe que mostrou enormes fraquezas logo no início da sinfonia: após o solo do trompete notou-se um terrível desequilíbrio sonoro que lembrava uma cadeira coxa, com metais e percussão claramente acima das cordas.
A orquestra não convenceu muito nas restantes secções.
O naipe dos trompetes conseguiu estar muito bem nas passagens mais serenas do segundo andamento, em que se integrou muitíssimo bem no som das cordas, mas o primeiro trompete, sem errar explicitamente qualquer passagem acabou por ser um pouco brutal e excessivo, a arrogância da técnica é também funesta.
O primeiro trompa chegou ao extremo de falhar e de dar notas erradas, o naipe esteve bastante bem, coeso e com uma boa sonoridade. O tuba, no primeiro andamento, não limpou a água do seu instrumento e esborrachou uma passagem inteira, aliás bem importante na economia da obra. Pode dizer-se que meteu água.
O coro dos trombones pareceu razoável quando não estava a tapar os outros instrumentos da orquestra com excesso de potência sonora.
Não foram só desgraças, como é evidente, as violas mostraram-se muito consistentes e de uma sonoridade brilhante, o primeiro viola esteve magnifico no seu papel de chefe de naipe contrastando vivamente no seu papel com a apática concertino (primeiro violino). Os violoncelos também estiveram em belo plano bem como os contrabaixos. Fagotes muito sonoros e com personalidade vincada. Primeiro clarinete, não fora uma pequena falha, quase perfeito. Claro que a sonoridade dos clarinetes é tipicamente francesa, distante do som que Mahler poderia exigir numa orquestra de Viena. Será um defeito deste naipe de clarinetes? É uma questão subjectiva que está em jogo, eu prefiro o som alemão neste instrumento e neste tipo de obra mas ninguém pode condenar uma orquestra francesa por usar instrumentos franceses! Flautas muito empenhados no conjunto, oboés agradáveis e poéticos.
Metais em excesso e cordas em défice sonoro nas passagens mais difíceis foram o ponto mais débil da orquestra.
O maestro.
Chung afirmou que, para ele, Mahler não é natural. É verdade, notou-se que a quinta de Mahler não saiu natural. A sua direcção é crispada sem o aparentar. O maestro procura ser muito exacto, muito certo, mas ao sacrificar a naturalidade à construção e montagem da engrenagem sonora acabou por ser quadrado e pouco fluido. Acabou por dar mais importância aos momentos mais pujantes em termos sonoros e esquecendo que os pianíssimos em Mahler têm tanto ou mais significado do que os fortíssimos. Faltou uma efectiva ondulação sonora, em Mahler a distensão das passagens menos fortes é apenas aparente, a tensão está latente. A parte cavada da onda é apenas o prenúncio da crista da vaga que se aproxima.
Não se deve ouvir apenas bonitinho e certinho, tem de se ser telúrico, dionisíaco, sibilino. Chung controlou tudo, mas não deixou espaço para o entusiasmo, para a superação (mesmo que controlada) das personalidades em presença. O lado mais inquietante de Mahler ficou, por consequência, muito apagado face ao lado óbvio.
Chung enfatizou os temas de cariz mais popular puxando pelo lado "popularucho". Esta abordagem mostra que Chung ainda não entendeu a profundidade mahleriana. Mahler não usa temas populares para fazer música "pop", Mahler usa temas de raiz popular por causa da sua tremenda angústia, da ansiedade que lhe atormenta a vida, os temas saltam do seu inconsciente, das suas memórias, devem ser densificados, atormentados, distorcidos e não tocados como se estivessemos numa feira de salsichas no Tirol, num dia de Festa em Olmütz (Olomunc) ou num domingo à tarde em Kaliste...
Consequências:
Uma orquestra média e um maestro coreano que ainda não entendeu Mahler em toda a sua plenitude. Acreditamos que pode chegar a ser um grande maestro em Mahler, mas não o é hoje.
Dirigiu o Brahms do extra da mesma forma, controlando tudo, crescendos a régua e esquadro, compassos batidos. Certíssimo mas pouco natural. O Bizet do segundo extra saiu muito bem, orquestra aquecida ao rubro, música francesa por orquestra francesa, entusiamo e superação, pathos e ritmo. Viva Bizet! Como diria Nietsche.
Um extra que salvou o concerto e que levou Chung ao 14.
Nota muito má para o público, o concerto não teve um segundo de música pura. Houve apenas um pouco de Mahler num oceano de tosses. Parecia o S. Carlos nos anos setenta. Existem medicamentos supressores da tosse. Não consigo compreender os selvagens que vão a um concerto sabendo que vão tossir a noite inteira. Vão porquê? Sabendo que se atormentam a si e ao restante público. Serão masoquistas? Sádicos?
É demais, basta!
Mais uma vez acabaram em ovações clamorosas e gritaria tormentosa, sairam a rir, satisfeitos, ainda bem. Isto depois de terem passado o concerto a tossir.
Orquestra Filarmónica da Radio-France
MYUNG-WHUN CHUNG (maestro)
Gustav Mahler
Sinfonia Nº 5, em Dó sustenido menor
Uma obra maior do repertório sinfónico. Uma interpretação sofrível de Chung.
A impressão da orquestra.
Apresentou-se uma orquestra muito grande, com cordas reforçadíssimas, 16 primeiros violinos, 16 segundos, 13 violas, 12 violoncelos e 10 contrabaixos.
Os violinos não encheram o tecido sonoro com a sonoridade explosiva que Mahler pretendia, sobretudo no último andamento.
Dir-se-ia que os 32 violinos pareciam anémicos. Tiveram dificuldades manifestas para conseguir produzir som nas passagens mais difíceis e, ainda por cima, desafinaram frequentemente. O som foi, de facto, o principal problema deste naipe que mostrou enormes fraquezas logo no início da sinfonia: após o solo do trompete notou-se um terrível desequilíbrio sonoro que lembrava uma cadeira coxa, com metais e percussão claramente acima das cordas.
A orquestra não convenceu muito nas restantes secções.
O naipe dos trompetes conseguiu estar muito bem nas passagens mais serenas do segundo andamento, em que se integrou muitíssimo bem no som das cordas, mas o primeiro trompete, sem errar explicitamente qualquer passagem acabou por ser um pouco brutal e excessivo, a arrogância da técnica é também funesta.
O primeiro trompa chegou ao extremo de falhar e de dar notas erradas, o naipe esteve bastante bem, coeso e com uma boa sonoridade. O tuba, no primeiro andamento, não limpou a água do seu instrumento e esborrachou uma passagem inteira, aliás bem importante na economia da obra. Pode dizer-se que meteu água.
O coro dos trombones pareceu razoável quando não estava a tapar os outros instrumentos da orquestra com excesso de potência sonora.
Não foram só desgraças, como é evidente, as violas mostraram-se muito consistentes e de uma sonoridade brilhante, o primeiro viola esteve magnifico no seu papel de chefe de naipe contrastando vivamente no seu papel com a apática concertino (primeiro violino). Os violoncelos também estiveram em belo plano bem como os contrabaixos. Fagotes muito sonoros e com personalidade vincada. Primeiro clarinete, não fora uma pequena falha, quase perfeito. Claro que a sonoridade dos clarinetes é tipicamente francesa, distante do som que Mahler poderia exigir numa orquestra de Viena. Será um defeito deste naipe de clarinetes? É uma questão subjectiva que está em jogo, eu prefiro o som alemão neste instrumento e neste tipo de obra mas ninguém pode condenar uma orquestra francesa por usar instrumentos franceses! Flautas muito empenhados no conjunto, oboés agradáveis e poéticos.
Metais em excesso e cordas em défice sonoro nas passagens mais difíceis foram o ponto mais débil da orquestra.
O maestro.
Chung afirmou que, para ele, Mahler não é natural. É verdade, notou-se que a quinta de Mahler não saiu natural. A sua direcção é crispada sem o aparentar. O maestro procura ser muito exacto, muito certo, mas ao sacrificar a naturalidade à construção e montagem da engrenagem sonora acabou por ser quadrado e pouco fluido. Acabou por dar mais importância aos momentos mais pujantes em termos sonoros e esquecendo que os pianíssimos em Mahler têm tanto ou mais significado do que os fortíssimos. Faltou uma efectiva ondulação sonora, em Mahler a distensão das passagens menos fortes é apenas aparente, a tensão está latente. A parte cavada da onda é apenas o prenúncio da crista da vaga que se aproxima.
Não se deve ouvir apenas bonitinho e certinho, tem de se ser telúrico, dionisíaco, sibilino. Chung controlou tudo, mas não deixou espaço para o entusiasmo, para a superação (mesmo que controlada) das personalidades em presença. O lado mais inquietante de Mahler ficou, por consequência, muito apagado face ao lado óbvio.
Chung enfatizou os temas de cariz mais popular puxando pelo lado "popularucho". Esta abordagem mostra que Chung ainda não entendeu a profundidade mahleriana. Mahler não usa temas populares para fazer música "pop", Mahler usa temas de raiz popular por causa da sua tremenda angústia, da ansiedade que lhe atormenta a vida, os temas saltam do seu inconsciente, das suas memórias, devem ser densificados, atormentados, distorcidos e não tocados como se estivessemos numa feira de salsichas no Tirol, num dia de Festa em Olmütz (Olomunc) ou num domingo à tarde em Kaliste...
Consequências:
Uma orquestra média e um maestro coreano que ainda não entendeu Mahler em toda a sua plenitude. Acreditamos que pode chegar a ser um grande maestro em Mahler, mas não o é hoje.
Dirigiu o Brahms do extra da mesma forma, controlando tudo, crescendos a régua e esquadro, compassos batidos. Certíssimo mas pouco natural. O Bizet do segundo extra saiu muito bem, orquestra aquecida ao rubro, música francesa por orquestra francesa, entusiamo e superação, pathos e ritmo. Viva Bizet! Como diria Nietsche.
Um extra que salvou o concerto e que levou Chung ao 14.
Nota muito má para o público, o concerto não teve um segundo de música pura. Houve apenas um pouco de Mahler num oceano de tosses. Parecia o S. Carlos nos anos setenta. Existem medicamentos supressores da tosse. Não consigo compreender os selvagens que vão a um concerto sabendo que vão tossir a noite inteira. Vão porquê? Sabendo que se atormentam a si e ao restante público. Serão masoquistas? Sádicos?
É demais, basta!
Mais uma vez acabaram em ovações clamorosas e gritaria tormentosa, sairam a rir, satisfeitos, ainda bem. Isto depois de terem passado o concerto a tossir.
21.1.05
Recomendamos
É raríssimo este blogue fazer menção a um concerto por antecipação. A crítica é uma acção postergada, há quem diga até: reaccionária. Embora discorde desta forma de pensar, a crítica pode e deve ser um motor (até pela escolha criteriosa do tempo da intervenção), de mudança, de avanço e pedagogia. De motor da reflexão com vista a uma superação e melhoria de quem lê, de quem interpreta e do próprio autor. Com alcance futuro. Se a crítica se destinasse apenas a dizer mal, a bater ou, pelo contrário, a elogiar cegamente, não faria o menor sentido. A crítica como catalizador de desenvolvimento é uma forma superior de intervenção criativa.
Isto tudo vem a propósito de um acontecimento que se prevê extraordinário e que não hesitamos em recomendar de forma enfática: os concertos do quarteto Borodin. É raro ter a oportunidade, em Portugal, de escutar um quarteto de altíssimo nível e com a história do quarteto Borodin.
A Fundação Gulbenkian é praticamente a única entidade a manter uma programação de música de câmara com cabeça tronco e membros, e mais uma vez teremos formações de alta qualidade como o quarteto Borodin.
O maior problema dos concertos de câmara da Fundação tem sido uma confrangedora ausência de público. O público português continua tão ignorante como nos tempos de Vianna da Motta em que este se queixava da sua falta consistência cultural e da preponderância do canto (sobretudo em italiano) face à música instrumental.
Se quem me lê for à Fundação Gulbenkian assistir aos concertos da próxima semana, falamos do quarteto Borodin, não dará o seu tempo por mal empregue. Mesmo com o factor de risco que cada concerto público tem (e aí reside o seu encanto), aguardam-se os próximos concertos com a espectativa de vir a escutar grande música interpretada de forma notável. Recomendamos vivamente.
Grande Auditório Gulbenkian
Segunda, 24 de Janeiro, 19h00
Quarteto Borodin
Ruben Aharonian, Violino
Andrei Abramenkov, Violino
Igor Naidin, Viola
Valentin Berlinsky, Violoncelo
Franz Schubert -
Quarteto para Cordas Nº 13, em Lá menor, D.804, Rosamunde
Quarteto para Cordas Nº 12, em Dó menor, D.703, Quartettsatz (1 Andamento)
Quarteto para Cordas Nº 14, em Ré menor, D.810, A Morte e a Donzela
Este é um programa extraordinário de Schubert, de uma beleza sem igual, a não perder.
Terça, 25 de Janeiro, 19.00
Grande Auditório
Quarteto Borodin com Michael Collins em clarinete
Wolfgang Amadeus Mozart
Quarteto para Cordas, em Dó Maior, K.465, As dissonâncias
Quinteto para Clarinete e Cordas, em Lá Maior, K.581
Quarteto para Cordas, em Ré menor, K.421
Um programa de altíssimo nível estético. Vamos aguardar os aspectos estilísticos em Mozart. A abordagem das obras usando instrumentos modernos e a técnica da escola russa põe-nos algumas reservas à partida. Mas cá estaremos para discutir o concerto.
Isto tudo vem a propósito de um acontecimento que se prevê extraordinário e que não hesitamos em recomendar de forma enfática: os concertos do quarteto Borodin. É raro ter a oportunidade, em Portugal, de escutar um quarteto de altíssimo nível e com a história do quarteto Borodin.
A Fundação Gulbenkian é praticamente a única entidade a manter uma programação de música de câmara com cabeça tronco e membros, e mais uma vez teremos formações de alta qualidade como o quarteto Borodin.
O maior problema dos concertos de câmara da Fundação tem sido uma confrangedora ausência de público. O público português continua tão ignorante como nos tempos de Vianna da Motta em que este se queixava da sua falta consistência cultural e da preponderância do canto (sobretudo em italiano) face à música instrumental.
Se quem me lê for à Fundação Gulbenkian assistir aos concertos da próxima semana, falamos do quarteto Borodin, não dará o seu tempo por mal empregue. Mesmo com o factor de risco que cada concerto público tem (e aí reside o seu encanto), aguardam-se os próximos concertos com a espectativa de vir a escutar grande música interpretada de forma notável. Recomendamos vivamente.
Grande Auditório Gulbenkian
Segunda, 24 de Janeiro, 19h00
Quarteto Borodin
Ruben Aharonian, Violino
Andrei Abramenkov, Violino
Igor Naidin, Viola
Valentin Berlinsky, Violoncelo
Franz Schubert -
Quarteto para Cordas Nº 13, em Lá menor, D.804, Rosamunde
Quarteto para Cordas Nº 12, em Dó menor, D.703, Quartettsatz (1 Andamento)
Quarteto para Cordas Nº 14, em Ré menor, D.810, A Morte e a Donzela
Este é um programa extraordinário de Schubert, de uma beleza sem igual, a não perder.
Terça, 25 de Janeiro, 19.00
Grande Auditório
Quarteto Borodin com Michael Collins em clarinete
Wolfgang Amadeus Mozart
Quarteto para Cordas, em Dó Maior, K.465, As dissonâncias
Quinteto para Clarinete e Cordas, em Lá Maior, K.581
Quarteto para Cordas, em Ré menor, K.421
Um programa de altíssimo nível estético. Vamos aguardar os aspectos estilísticos em Mozart. A abordagem das obras usando instrumentos modernos e a técnica da escola russa põe-nos algumas reservas à partida. Mas cá estaremos para discutir o concerto.
20.1.05
O esgotar das fórmulas e dos conceitos
Não queria fazer este post, mas como até hoje ninguém fez críticas e reflexões ao que se tem passado, de bom e de mau, na Gulbenkian durante os meses de Novembro e Dezembro, acabo por escrever um texto sobre o assunto. Mais uma reflexão do que uma crítica pensada a régua e esquadro. São apenas ideias para debater. Como, felizmente, temos mais um blogue em que se reflecte e se pensa sobre estes assuntos, acho que é o momento de pedir à Teresa Cascudo que nos dê algum contraponto sobre o que me parece ser o beco sem saída da arte musical (e do bailado, ou mesmo da arte em geral) hoje. Um beco que terá saída, mesmo que não a vejamos. O Homem não vive sem a dança e sem a música...
Ontem estive num encontro em que Nuno Nabais discorreu sobre "o conceito", raramente foi tão estimulante ouvir um filósofo, mostrando claramente as suas dúvidas e as suas reflexões, para entender como vivemos num mundo em que o próprio conceito de conceito está em dúvida, talvez mesmo em crise, uma crise que mostra quão diferente é a visão dos pensadores das áreas hunanísticas e os pensadores das áreas científicas. Engraçado ver também o divórcio entre os membros da comunidade científica, físicos, químicos, etólogos, biólogos, médicos de um lado e matemáticos de outro. É nesta crise do conceito que radica o grande dilema da sociedade actual. O conceito de arte, de estética, de belo, estarão em crise? Dependem do artista? Do crítico? Do "eu" que sente e pensa o conceito? A arte está em crise? A ciência está em crise?
Ontem estive no Ballet Gulbenkian. Não sou especialista em ballet, nem quero que este texto seja visto como uma crítica especializada. Mas parece-me que o bailado contemporâneo também atravessa esta crise do conceito, tal como a música contemporânea.
"Quase" de Rui Lopes Graça sobre música de Pedro Paixão e de Fernando Ribeiro coreografa banalidades e repetições sobre "música" ruído em volume intolerável e doloroso, no meu conceito. Mas no conceito do autor é arte pura?
Uma tortura para o ouvinte espectador, música não música fraquíssima, deja vue, feito e repetido nos anos sessenta, martelado e agravado por 120 decibeis (se não eram 120... pareciam) de obrigar a tapar os ouvidos. Alguém disse que a capacidade de suportar o barulho é inversamente proporcional à inteligência, bem o creio. Mas as referências explicitas acabaram por escorraçar toda a poesia que se poderia encontrar nesta coreografia. Boas intenções, bons bailarinos, processos estéticos e visuais esgotados. Não é um problema de Rui Lopes Graça, é um problema da arte actual, da música e do bailado em particular. Continuo a ver arte como estética e não como dor. Será esse o novo conceito para o artista? Algo que implique com os nervos do público? De algum público? Do "público estúpido" que não consegue apreender a linguagem do artista? Neste caso prefiro ser incluído neste grupo, não vejo a arte como forma de torturar o receptor. Gilles Deleuze poderia dar-nos a resposta sob o recorte de camadas e planos retirados ao caos, recortes que acabam por nos dar o nosso entendimento do mundo... Mas não quero torturar o leitor!
Depois "A closer view" de Regina van Berkel; mais adocidado, com música mais fácil mais agradável, a parte para as senhoras e seus visons, pares dançantes. Visualmente menos agressivo, mas também esgotado e banal. Aqui creio que a crise é maior mas o efeito é mais agradável.
Finalmente e enfim "A pergunta sem resposta" de Hervé Robbe, com música dum "estudante do IRCAM" um tal Andrea Cera, que ou fez cera e se baldou às aulas do IRCAM, ou julga que pode enganar o ouvinte com umas porcarias tipo Darmstadt com uns violinos (ou suas sintetizações) pelo meio. Há quarenta anos atrás teria sido desinteressante. Hoje é uma coisa infernal, repetitiva, uma equívoco disfarçado com o nome de música. Detestável. Dançar ao som de tal chinfrineira é contra-natura. Os pares vestidos de branco realmente não deram nenhuma resposta à pergunta: "como transfigurar a arte neste início de milénio?". Eu não sei a resposta, mas não é certamente da forma autoritária e autista a que os artistas de hoje se arrogam.
Sobram os corpos e os movimentos, uma certa ideia de belo no movimento, no gesto. Sobra a técnica, excelente, falta o "affeto"...
Esta reflexão estende-se de certa forma à música contemporânea. Sauda-se o esforço tremendo da Gulbenkian em mostrar na sua programação a música contemporânea da mais alta qualidade que se faz hoje por esse mundo. Algumas coisas são realmente excelentes, tivemos Holliger como oboista, pianista, compositor e maestro. Tivemos o Psappha Ensemble. Numa mesma programação três esteias mundiais em ballet. Uma estreia mundial de uma obra portuguesa de Tomás Henriques. Mas uma mesma sensação de cansaço. Holliger já não é o oboísta que foi, sobra o saber e a inteligência, a experiência que o tempo traz. Como maestro dirige muito em cima do acontecimento, a batida é quase no instante exacto da entrada. Deu-me a impressão de estar a dirigir um CD, em que a música já se sabe que vai sair quando o gesto é feito... Mas, tirando este aspecto surpreendente, como maestro mostrou uma elegância enorme e muita qualidade.
Na música de câmara Holliger deixou-me dúvidas técnicas, como é possível que a "transcrição" (a palavra é exagerada porque é apenas um distribuir das partes do cânone da Arte da Fuga pelos instrumentos) tenha tido articulações diferentes quando era o fagote ou o clarinete baixo a tocar a mesma frase? Não existiu uniformidade no tecido temático em virtude deste aspecto, no meu entender grave e que se estendeu a todos os instrumentos. Interessante a parte com harmónica de vidro, um instrumento que não passa de uma curiosidade fria e inexpressiva do panteão dos instrumentos musicais, mas com a graça do som inusitado.
Como compositor Holliger acabou por mostrar o seu lado mais fecundo, e aqui está a prova de que a música afinal pode não estar esgotada, mesmo na sua forma de expressão mais clássica: voz e instrumentos acústicos. O génio de Holliger transpareceu sobretudo nas canções, a prosódia, mesmo que algo óbvia (o poema fala do rio e ouve-se água a correr), é o ponto forte do compositor. O poema vive com a música em franco diálogo e essa utilização tão clássica das formas acaba por ser o lado mais refrescante da "solução Holliger".
A 6 de Dezembro tivemos no Grande Auditório o Psappha Ensemble com Peter Maxwell Davies. A 7 de Dezembro foi a vez de Mark-Anthony Turnage, Harrison Birtwistle, Tomás Henriques (estreia mundial), Thomas Adès, James MacMillan. A obra de Peter Maxwell Davies é obra datada, amadorística no sentido "british^" do termo. Parece obra para um grupo amador que se reune para fazer uns espectáculos ao sábado à noite. Banal repetitiva, agressiva no mau sentido. A destruição do violino foi um acontecimento lamentável e sobretudo gratuito. Não deve ser vista no entanto como música, aliás como música é muito má, creio que o sentido estético se entende neste caso com a performance e o teatro. As canções para um rei louco são uma paródia irónica, uma peça de teatro musical, uma ópera miniatura para barítono e agrupamento de câmara. Se for vista neste sentido, apesar do lado violento e gratuito que desprezo vivamente, porque já nem sequer é chocante, é apenas parolo e triste, acaba por ter uma componente estética assinalável e pode ser vista como uma forma de arte, no meu conceito, bem entendido. O trabalho do barítono Kelvin Thomas é uma perfeição e merece ser realçado. Mesmo considerando a música cheia de citações, a puxar ao popularucho e à fácil paródia ao Messias de Handel, por exemplo. O dia em que se interpretou esta obra, atrasado mais de vinte anos, foi um repor da história nos seus eixos acabando por prestigiar a Fundação Gulbenkian. Quem afinal conhecia Maxwell Davies? Uma meia dúzia de entendidos. Ficámos mais ricos, ou pobres, com esta programação.
Sobre Tomás Henriques, penso que a nova obra para cordas e piano sofre dos vícios de formação dos compositores actuais em Portugal. É uma obra intelectual, muito pensada e maturada, Acaba por ser a exploração exaustiva do mesmo material temático, por dez longos minutos. O compositor fala de contraste, surpresa, inesperado. O ouvinte não sente emocionalmente esses jogos. Uma obra tecnicamente elaborada, mas pouco motivante em termos auditivos. Falta emoção e energia, falta ritmo, falta material. Mas continuo a dizer que esta é apenas uma opinião pessoal que gostaria de debater...
Ficam estas ideias, esparsas e contraditórias, para lançar debate, ou mesmo para se poder pensar um pouco no assunto. O que é afinal o conceito? Algo subjectivo? O que é crítica? Será o utilizar de conceitos implícitos, raramente enunciados, para postular crenças e analisar o real face aos enunciados prévios, muitas vezes apenas do domínio do próprio crítico? Não sei.
Ontem estive num encontro em que Nuno Nabais discorreu sobre "o conceito", raramente foi tão estimulante ouvir um filósofo, mostrando claramente as suas dúvidas e as suas reflexões, para entender como vivemos num mundo em que o próprio conceito de conceito está em dúvida, talvez mesmo em crise, uma crise que mostra quão diferente é a visão dos pensadores das áreas hunanísticas e os pensadores das áreas científicas. Engraçado ver também o divórcio entre os membros da comunidade científica, físicos, químicos, etólogos, biólogos, médicos de um lado e matemáticos de outro. É nesta crise do conceito que radica o grande dilema da sociedade actual. O conceito de arte, de estética, de belo, estarão em crise? Dependem do artista? Do crítico? Do "eu" que sente e pensa o conceito? A arte está em crise? A ciência está em crise?
Ontem estive no Ballet Gulbenkian. Não sou especialista em ballet, nem quero que este texto seja visto como uma crítica especializada. Mas parece-me que o bailado contemporâneo também atravessa esta crise do conceito, tal como a música contemporânea.
"Quase" de Rui Lopes Graça sobre música de Pedro Paixão e de Fernando Ribeiro coreografa banalidades e repetições sobre "música" ruído em volume intolerável e doloroso, no meu conceito. Mas no conceito do autor é arte pura?
Uma tortura para o ouvinte espectador, música não música fraquíssima, deja vue, feito e repetido nos anos sessenta, martelado e agravado por 120 decibeis (se não eram 120... pareciam) de obrigar a tapar os ouvidos. Alguém disse que a capacidade de suportar o barulho é inversamente proporcional à inteligência, bem o creio. Mas as referências explicitas acabaram por escorraçar toda a poesia que se poderia encontrar nesta coreografia. Boas intenções, bons bailarinos, processos estéticos e visuais esgotados. Não é um problema de Rui Lopes Graça, é um problema da arte actual, da música e do bailado em particular. Continuo a ver arte como estética e não como dor. Será esse o novo conceito para o artista? Algo que implique com os nervos do público? De algum público? Do "público estúpido" que não consegue apreender a linguagem do artista? Neste caso prefiro ser incluído neste grupo, não vejo a arte como forma de torturar o receptor. Gilles Deleuze poderia dar-nos a resposta sob o recorte de camadas e planos retirados ao caos, recortes que acabam por nos dar o nosso entendimento do mundo... Mas não quero torturar o leitor!
Depois "A closer view" de Regina van Berkel; mais adocidado, com música mais fácil mais agradável, a parte para as senhoras e seus visons, pares dançantes. Visualmente menos agressivo, mas também esgotado e banal. Aqui creio que a crise é maior mas o efeito é mais agradável.
Finalmente e enfim "A pergunta sem resposta" de Hervé Robbe, com música dum "estudante do IRCAM" um tal Andrea Cera, que ou fez cera e se baldou às aulas do IRCAM, ou julga que pode enganar o ouvinte com umas porcarias tipo Darmstadt com uns violinos (ou suas sintetizações) pelo meio. Há quarenta anos atrás teria sido desinteressante. Hoje é uma coisa infernal, repetitiva, uma equívoco disfarçado com o nome de música. Detestável. Dançar ao som de tal chinfrineira é contra-natura. Os pares vestidos de branco realmente não deram nenhuma resposta à pergunta: "como transfigurar a arte neste início de milénio?". Eu não sei a resposta, mas não é certamente da forma autoritária e autista a que os artistas de hoje se arrogam.
Sobram os corpos e os movimentos, uma certa ideia de belo no movimento, no gesto. Sobra a técnica, excelente, falta o "affeto"...
Esta reflexão estende-se de certa forma à música contemporânea. Sauda-se o esforço tremendo da Gulbenkian em mostrar na sua programação a música contemporânea da mais alta qualidade que se faz hoje por esse mundo. Algumas coisas são realmente excelentes, tivemos Holliger como oboista, pianista, compositor e maestro. Tivemos o Psappha Ensemble. Numa mesma programação três esteias mundiais em ballet. Uma estreia mundial de uma obra portuguesa de Tomás Henriques. Mas uma mesma sensação de cansaço. Holliger já não é o oboísta que foi, sobra o saber e a inteligência, a experiência que o tempo traz. Como maestro dirige muito em cima do acontecimento, a batida é quase no instante exacto da entrada. Deu-me a impressão de estar a dirigir um CD, em que a música já se sabe que vai sair quando o gesto é feito... Mas, tirando este aspecto surpreendente, como maestro mostrou uma elegância enorme e muita qualidade.
Na música de câmara Holliger deixou-me dúvidas técnicas, como é possível que a "transcrição" (a palavra é exagerada porque é apenas um distribuir das partes do cânone da Arte da Fuga pelos instrumentos) tenha tido articulações diferentes quando era o fagote ou o clarinete baixo a tocar a mesma frase? Não existiu uniformidade no tecido temático em virtude deste aspecto, no meu entender grave e que se estendeu a todos os instrumentos. Interessante a parte com harmónica de vidro, um instrumento que não passa de uma curiosidade fria e inexpressiva do panteão dos instrumentos musicais, mas com a graça do som inusitado.
Como compositor Holliger acabou por mostrar o seu lado mais fecundo, e aqui está a prova de que a música afinal pode não estar esgotada, mesmo na sua forma de expressão mais clássica: voz e instrumentos acústicos. O génio de Holliger transpareceu sobretudo nas canções, a prosódia, mesmo que algo óbvia (o poema fala do rio e ouve-se água a correr), é o ponto forte do compositor. O poema vive com a música em franco diálogo e essa utilização tão clássica das formas acaba por ser o lado mais refrescante da "solução Holliger".
A 6 de Dezembro tivemos no Grande Auditório o Psappha Ensemble com Peter Maxwell Davies. A 7 de Dezembro foi a vez de Mark-Anthony Turnage, Harrison Birtwistle, Tomás Henriques (estreia mundial), Thomas Adès, James MacMillan. A obra de Peter Maxwell Davies é obra datada, amadorística no sentido "british^" do termo. Parece obra para um grupo amador que se reune para fazer uns espectáculos ao sábado à noite. Banal repetitiva, agressiva no mau sentido. A destruição do violino foi um acontecimento lamentável e sobretudo gratuito. Não deve ser vista no entanto como música, aliás como música é muito má, creio que o sentido estético se entende neste caso com a performance e o teatro. As canções para um rei louco são uma paródia irónica, uma peça de teatro musical, uma ópera miniatura para barítono e agrupamento de câmara. Se for vista neste sentido, apesar do lado violento e gratuito que desprezo vivamente, porque já nem sequer é chocante, é apenas parolo e triste, acaba por ter uma componente estética assinalável e pode ser vista como uma forma de arte, no meu conceito, bem entendido. O trabalho do barítono Kelvin Thomas é uma perfeição e merece ser realçado. Mesmo considerando a música cheia de citações, a puxar ao popularucho e à fácil paródia ao Messias de Handel, por exemplo. O dia em que se interpretou esta obra, atrasado mais de vinte anos, foi um repor da história nos seus eixos acabando por prestigiar a Fundação Gulbenkian. Quem afinal conhecia Maxwell Davies? Uma meia dúzia de entendidos. Ficámos mais ricos, ou pobres, com esta programação.
Sobre Tomás Henriques, penso que a nova obra para cordas e piano sofre dos vícios de formação dos compositores actuais em Portugal. É uma obra intelectual, muito pensada e maturada, Acaba por ser a exploração exaustiva do mesmo material temático, por dez longos minutos. O compositor fala de contraste, surpresa, inesperado. O ouvinte não sente emocionalmente esses jogos. Uma obra tecnicamente elaborada, mas pouco motivante em termos auditivos. Falta emoção e energia, falta ritmo, falta material. Mas continuo a dizer que esta é apenas uma opinião pessoal que gostaria de debater...
Ficam estas ideias, esparsas e contraditórias, para lançar debate, ou mesmo para se poder pensar um pouco no assunto. O que é afinal o conceito? Algo subjectivo? O que é crítica? Será o utilizar de conceitos implícitos, raramente enunciados, para postular crenças e analisar o real face aos enunciados prévios, muitas vezes apenas do domínio do próprio crítico? Não sei.
15.1.05
Bach e Lugares Comuns
No Mil Folhas de hoje A. Seabra vem falar do que manifestamente desconhece. Falo dos discos com cantatas de Bach. Comenta genericamente Bach ter capacidade para fazer uma obra genial por semana, que maravilha! É verdade, mas não explica em que contexto e como, não explica que isso ocorreu apenas durante um período muito breve da sua vida. Se Bach, em Leipzig, tivesse feito uma cantata por semana teria composto cerca de 1600 cantatas! É certo que houve compositores que atingiram números desta grandeza, Graupner (1418 conhecidas hoje) e Telemann (1518 conhecidas hoje), mas não Bach que a partir de 1730 diminuiu praticamente para zero a composição destas obras. Bach terá composto, com muitas dúvidas, um número nunca superior a 295 cantatas das quais se conhecem 194. Algumas das que figuram no seu catálogo são de outros compositores, como a 53 e 189 de Melchior Hoffmann, a 142 de Kuhnau (seu antecessor em Leipzig), 141 e 160 de Telemann e a 15 de Johann Ludwig Bach, o primo de Bach. Como Bach teve de providenciar música para cerca de 1500 serviços religiosos em Leipzig (Segundo Gerhard Herz) usou material anterior a Leipzig pois tinha composto 30 cantatas até à idade (38 anos) com que iniciou a sua actividade na Igreja de S. Tomé (St. Thomas). Quando estava com dificuldades criativas Bach usava material anterior e de outros compositores, como provam as cópias que fez de seus colegas. O material do período do Cöthen, inúmeras obras instrumentais, muitas perdidas, também serviu como fonte musical reciclada pelo compositor. O ciclo de cantatas era de 59 por ano, ou seja mais de uma por semana, pois era necessário produzir para certas festividades que não coincidem com domingos. As autoridades nunca deram a Bach condições de trabalho dignas, depois de 1730 Bach deixa de fazer cantatas, o seu vencimento também virá a ser reduzido. Uma das razões para esta diminuição é o "desleixo" de Bach, e também o seu sistema de ensino que era, segundo algumas más línguas, demasiado impaciente para com os medíocres e os preguiçosos. Esta observação última é também um lugar comum, porque estudantes de Bach realçam sempre a sua enorme capacidade de fazer o aluno pensar e trabalhar por si próprio, dando exemplos ao cravo de ideias musicais e de desenvolvimentos. Mas aqui estamos num mundo mais avançado e não junto dos rapazes ranhosos e preguiçosos que Bach parecia detestar.
Sem relativizar e sem explicar, um jornalista como Seabra que gosta de se fazer passar por erudito, colabora não para uma pedagogia ilustrativa do sentido real da obra de Bach, mas para um lugar comum: "Bach era um génio, uma espécie de super homem, um demiúrgo incansável".
O que é realmente importante é a qualidade da obra, e neste ponto ficamos a saber que é genial, e logo através de Seabra! Mas porquê? É a harmonia? A melodia? É a prosódia? O encadeamento dos textos? A utilização do modelo de Neumeister? O uso dos recitativos/ária? A cantata coral? A cantata em diálogo? Não sabemos, sabemos, no meio dos rios de tinta que Seabra dispõe no jornal "O Público", como se não custasse dinheiro ao Belmiro de Azevedo, que Bach escrevia uma cantata por semana e era genial!
Sobre o Christophe Coin encontra-se um grosseiro erro. Quem gosta mesmo de Bach e das extraordinárias interpretrações de Coin conhece as suas TRÊS gravações. Quando vi o primeiro disco da Astrée não descansei e procurei imediatamente o segundo, um pouco mais tarde quando saiu o terceiro comprei-o avidamente, foi natural. Mas segundo Seabra:
"(atente-se, porém, que foram dois os discos deste projecto de Coin)" sic
É fantástico o uso do termo "projecto" aqui, Seabra tudo sabe, sabe até que o "Projecto" Coin era só de dois discos. O grande e iluminado Seabra até deve ter falado com Coin, inteirou-se da dimensão menor deste "Projecto" de dois discos. Ou então deve ter lido vários relatórios sobre o assunto em diversos e ilustres magazines e percebeu que o projecto era só para dois discos, bravo Seabra, um verdadeiro trabalho de investigação.
Não percebo como o grande Seabra não tem na sua colecção maravilhosa de CDs os TRÊS discos. Gravados em 1993, 1994 e em 1995. Sempre na Turíngia onde Bach nasceu. Como se pode discursar sobre a excelência dos cantores, o naipe dos solistas, e rebéubéubéu, "do melhor que há", sem saber que existe um terceiro disco?
O primeiro tem as cantatas 180, 59 e 115, gravação de Novembro de 1993. O segundo foi gravado em Maio de 95 e tem as cantatas 85, 183, 199 e 175. O terceiro foi gravado em Outubro de 1995 e tem as cantatas 41, 6 e 68. Gravações feitas sempre na igreja de Ponitz. Os solistas são sempre os mesmos: Christophe Coin no Violoncelo Picolo, Barbara Schlick, Andreas Scholl, Christophe Pregardien e Gothold Schwarz. Vá lá tentar comprar o terceiro disco, mestre Seabra, não fique mais uns anos na escuridão de tão grande interpretação. De facto é mesmo uma grande interpretação, aqui estamos de acordo.
Sobre o uso da retórica e do verbo não posso estar em maior desacordo, um dos sentidos últimos do discurso de Coin, e dos seus solistas é precisamente a retórica e eloquência da frase na sua articulação com o texto poético, banal deve dizer-se, a prosódia e a dicção de todos os solistas, com destaque para o alto e o tenor, Coin realça o lado instrumental e o discurso escondido nas partes não cantadas, um dos pontos fortes da retórica de Coin é esse mesmo, Bach escreveu as linhas complexas que escreveu, e não apenas esquemáticos acompanhamentos no baixo, com intenção discursiva, essa é uma das forças do discurso de Bach e que difere do discurso mais simples de Telemann, que no entanto também atinge pontos altos na Paixão Seg. S. Mateus de 1750 ou em muitas das suas cantatas, (ouvir a propósito as gravações de Junghänel e dos Cantus Cölln de cantatas de Telemann). Herreweghe é mais depurado, o som pelo som é mais belo (opinião pessoal subjectiva), mas isso não significa uma retórica mais elaborada.
Sobre o uso de uma voz por parte Seabra nada explica, nem porque razão acha minimal o Rifkin. Parece que tem medo da polémica, ou de explicar mesmo o que significa. Perde mais uma ocasião de fazer pedagogia e de explicar o problema a um leitor mais curioso e atento. Prefere dizer que se deve ir ao Picoas Plaza comprar os disquinhos, (e comprar na net? e noutra lojeca?). Voltando ao tema: é claro que discutir o assunto exige conhecimentos, e quando chega ao momento da verdade Seabra, que gasta toneladas de tinta por ano ao Belmiro, esquece-se de explicar as diferentes concepções, os diferentes pensamentos.
Depois acha que cantar apenas com vozes masculinas é um "prurido historicista", como se não se percebesse imediatamente o significado e a qualidade sonora da escrita de Bach para os meninos de coro. O problema é que, hoje, não há coros de crianças com qualidade e número suficiente para se fazerem gravações de qualidade. Os meninos já não estão em colégios internos a cantar quatro a seis horas por dia, não levam açoites quando desafinam ou cantam mal, felizmente para os meninos infelizmente para certos cantores e cantoras que por aí se passeiam! Não se podem fazer gravações de integrais com meninos nos coros, é quase impraticável. Musicalmente, e aí está o ponto, resulta muito mais belo com meninos. Bach escreveu para meninos e não para o Scholl. Também não se toca a Tetralogia de Wagner usando um conjunto de saxofones, marimbas e sintetizadores, mesmo que estes sejam tocados por instrumentistas de eleição! Musicalmente não foi essa concepção do compositor, também com a voz se passa o mesmo. Uma matrona gorda projectando a voz numa sala imensa não é o mesmo que um rapaz de dez anos emitindo uma onda quase sinusoidal. Mas explicar isto a esta gente que anda sempre a chamar à colação a Flemming e as outras divas de trazer por casa é difícil, gostar de música, na minha cooncepção, não significa andar sempre atrás das saias das cantoras aos gritinhos e a dizer brava, brava no final do concerto, uns gritando como raparigas histéricas outros como bodes lascivos. A música está para além desse folclore, felizmente.
A música é precisamente o que Bach deixou nas suas partituras, como o pensou e como o realizou. A música é bela, deve ser encarada de forma séria, mas também com prazer dos sentidos e do espírito.
Sem relativizar e sem explicar, um jornalista como Seabra que gosta de se fazer passar por erudito, colabora não para uma pedagogia ilustrativa do sentido real da obra de Bach, mas para um lugar comum: "Bach era um génio, uma espécie de super homem, um demiúrgo incansável".
O que é realmente importante é a qualidade da obra, e neste ponto ficamos a saber que é genial, e logo através de Seabra! Mas porquê? É a harmonia? A melodia? É a prosódia? O encadeamento dos textos? A utilização do modelo de Neumeister? O uso dos recitativos/ária? A cantata coral? A cantata em diálogo? Não sabemos, sabemos, no meio dos rios de tinta que Seabra dispõe no jornal "O Público", como se não custasse dinheiro ao Belmiro de Azevedo, que Bach escrevia uma cantata por semana e era genial!
Sobre o Christophe Coin encontra-se um grosseiro erro. Quem gosta mesmo de Bach e das extraordinárias interpretrações de Coin conhece as suas TRÊS gravações. Quando vi o primeiro disco da Astrée não descansei e procurei imediatamente o segundo, um pouco mais tarde quando saiu o terceiro comprei-o avidamente, foi natural. Mas segundo Seabra:
"(atente-se, porém, que foram dois os discos deste projecto de Coin)" sic
É fantástico o uso do termo "projecto" aqui, Seabra tudo sabe, sabe até que o "Projecto" Coin era só de dois discos. O grande e iluminado Seabra até deve ter falado com Coin, inteirou-se da dimensão menor deste "Projecto" de dois discos. Ou então deve ter lido vários relatórios sobre o assunto em diversos e ilustres magazines e percebeu que o projecto era só para dois discos, bravo Seabra, um verdadeiro trabalho de investigação.
Não percebo como o grande Seabra não tem na sua colecção maravilhosa de CDs os TRÊS discos. Gravados em 1993, 1994 e em 1995. Sempre na Turíngia onde Bach nasceu. Como se pode discursar sobre a excelência dos cantores, o naipe dos solistas, e rebéubéubéu, "do melhor que há", sem saber que existe um terceiro disco?
O primeiro tem as cantatas 180, 59 e 115, gravação de Novembro de 1993. O segundo foi gravado em Maio de 95 e tem as cantatas 85, 183, 199 e 175. O terceiro foi gravado em Outubro de 1995 e tem as cantatas 41, 6 e 68. Gravações feitas sempre na igreja de Ponitz. Os solistas são sempre os mesmos: Christophe Coin no Violoncelo Picolo, Barbara Schlick, Andreas Scholl, Christophe Pregardien e Gothold Schwarz. Vá lá tentar comprar o terceiro disco, mestre Seabra, não fique mais uns anos na escuridão de tão grande interpretação. De facto é mesmo uma grande interpretação, aqui estamos de acordo.
Sobre o uso da retórica e do verbo não posso estar em maior desacordo, um dos sentidos últimos do discurso de Coin, e dos seus solistas é precisamente a retórica e eloquência da frase na sua articulação com o texto poético, banal deve dizer-se, a prosódia e a dicção de todos os solistas, com destaque para o alto e o tenor, Coin realça o lado instrumental e o discurso escondido nas partes não cantadas, um dos pontos fortes da retórica de Coin é esse mesmo, Bach escreveu as linhas complexas que escreveu, e não apenas esquemáticos acompanhamentos no baixo, com intenção discursiva, essa é uma das forças do discurso de Bach e que difere do discurso mais simples de Telemann, que no entanto também atinge pontos altos na Paixão Seg. S. Mateus de 1750 ou em muitas das suas cantatas, (ouvir a propósito as gravações de Junghänel e dos Cantus Cölln de cantatas de Telemann). Herreweghe é mais depurado, o som pelo som é mais belo (opinião pessoal subjectiva), mas isso não significa uma retórica mais elaborada.
Sobre o uso de uma voz por parte Seabra nada explica, nem porque razão acha minimal o Rifkin. Parece que tem medo da polémica, ou de explicar mesmo o que significa. Perde mais uma ocasião de fazer pedagogia e de explicar o problema a um leitor mais curioso e atento. Prefere dizer que se deve ir ao Picoas Plaza comprar os disquinhos, (e comprar na net? e noutra lojeca?). Voltando ao tema: é claro que discutir o assunto exige conhecimentos, e quando chega ao momento da verdade Seabra, que gasta toneladas de tinta por ano ao Belmiro, esquece-se de explicar as diferentes concepções, os diferentes pensamentos.
Depois acha que cantar apenas com vozes masculinas é um "prurido historicista", como se não se percebesse imediatamente o significado e a qualidade sonora da escrita de Bach para os meninos de coro. O problema é que, hoje, não há coros de crianças com qualidade e número suficiente para se fazerem gravações de qualidade. Os meninos já não estão em colégios internos a cantar quatro a seis horas por dia, não levam açoites quando desafinam ou cantam mal, felizmente para os meninos infelizmente para certos cantores e cantoras que por aí se passeiam! Não se podem fazer gravações de integrais com meninos nos coros, é quase impraticável. Musicalmente, e aí está o ponto, resulta muito mais belo com meninos. Bach escreveu para meninos e não para o Scholl. Também não se toca a Tetralogia de Wagner usando um conjunto de saxofones, marimbas e sintetizadores, mesmo que estes sejam tocados por instrumentistas de eleição! Musicalmente não foi essa concepção do compositor, também com a voz se passa o mesmo. Uma matrona gorda projectando a voz numa sala imensa não é o mesmo que um rapaz de dez anos emitindo uma onda quase sinusoidal. Mas explicar isto a esta gente que anda sempre a chamar à colação a Flemming e as outras divas de trazer por casa é difícil, gostar de música, na minha cooncepção, não significa andar sempre atrás das saias das cantoras aos gritinhos e a dizer brava, brava no final do concerto, uns gritando como raparigas histéricas outros como bodes lascivos. A música está para além desse folclore, felizmente.
A música é precisamente o que Bach deixou nas suas partituras, como o pensou e como o realizou. A música é bela, deve ser encarada de forma séria, mas também com prazer dos sentidos e do espírito.
14.1.05
Junk Mail
Depois do viagra, o aumento do pénis, prazeres femininos e masculinos, seguros e investimentos milionários, pornografia, vigarices e vendas on-line, anedotas porcas e parvas, histórias da carochina, cartas em cadeia e outro lixo não solicitado, Sócrates prepara mais um milhão de emails para enviar aos portugueses. É obra.
13.1.05
Sauda-se um novo Blogue
Teresa Cascudo, professora universitária e crítica de música tornou-se blogueira. Um blogue cujo título evoca a área em que se doutorou: a música contemporânea (Lopes Graça). O Novo Blogue encontra-se em contemporâneas.
Teresa é bilingue, teremos o castelhano e o português a ombrear na análise e debate proposto por Teresa Cascudo no seu novo espaço, mais liberta dos formatos espartilhantes do jornal onde habitualmente escreve.
Esperamos manter com Teresa um diálogo aberto e um debate franco, sobretudo porque concordamos em discordar de quase tudo. O que é óptimo. Outra coisa óptima é que também teve uma polémica com o Seabra!...
Entra directamente para os Blogues da coluna que lemos regularmente, um abraço e bem vinda.
Teresa também vai estar na Livraria Eterno Retorno, ali na Rua de S. Boaventura ao Bairro Alto em Lisboa, a falar sobre a recepção de Wagner em Portugal no início do século XX. Será no dia 28 de Janeiro pelas 22h, creio que será um acontecimento a não perder.
Henrique Silveira
Teresa é bilingue, teremos o castelhano e o português a ombrear na análise e debate proposto por Teresa Cascudo no seu novo espaço, mais liberta dos formatos espartilhantes do jornal onde habitualmente escreve.
Esperamos manter com Teresa um diálogo aberto e um debate franco, sobretudo porque concordamos em discordar de quase tudo. O que é óptimo. Outra coisa óptima é que também teve uma polémica com o Seabra!...
Entra directamente para os Blogues da coluna que lemos regularmente, um abraço e bem vinda.
Teresa também vai estar na Livraria Eterno Retorno, ali na Rua de S. Boaventura ao Bairro Alto em Lisboa, a falar sobre a recepção de Wagner em Portugal no início do século XX. Será no dia 28 de Janeiro pelas 22h, creio que será um acontecimento a não perder.
Henrique Silveira
Sócrates põe velhotes no limiar da pobreza
Parece que Sócrates ameaça idosos com o limiar da pobreza!
Acho que este também deve andar desfazado da realidade, é que os velhotes já estão na pobreza, não é preciso um Sócrates qualquer para os deixar no limiar...
Na onda genérica do número de tirar da cartola os 150.000 empregos.
Um pouco mais a sério:
Se virmos as listas do PSD e do PS encontramos o mais confrangedor deserto, os incompetentes do costume, carreiristas políticos, homens do aparelho partidário, que poderiam mesmo assim ser do melhor que o aparelho tem, mas nem isso, são apenas os amigos dos líderes, os capangas. Os que não têm cabeça ou coragem para criticar. Os acéfalos. Como diz Cavaco, que afinal nem é muito melhor que estes, citando um economista célebre "a má moeda afasta a boa". Os medíocres afastam os que têm pensamento próprio, cinzentismo nos homenzinhos e mulherzinhas sim-sim! Um deserto em termos de pensamento, uma vastidão de nulidades e irrelevâncias. As listas de Pôncio, Pilatos ou Monteiro que é quase o mesmo. As listas de Sócrates, não o filósofo, o Sócrates Minus, parafraseando o Goscinny no Asterix, não são melhores que as do PSD.
Marcelo estava disponível para deputado, não interessa, evidentemente. O professor poderia ser uma mais valia num PSD destruído, arruinado por Santana e sus muchachos. Um valor acrescentado em Braga, onde até é autarca. Em contrapartida temos o "nortista" ou melhor "portista" um companheiro de Pôncio, o Meneses de Gaia.
Escolher entre estes dois partidos é escolher entre o vazio e o vácuo. Entre o zero e o nulo. Uma opção de gosto e de uma vaga reminiscência ideológica aparente nos nomes dos partidos. Recuso esta escolha.
Acho que este também deve andar desfazado da realidade, é que os velhotes já estão na pobreza, não é preciso um Sócrates qualquer para os deixar no limiar...
Na onda genérica do número de tirar da cartola os 150.000 empregos.
Um pouco mais a sério:
Se virmos as listas do PSD e do PS encontramos o mais confrangedor deserto, os incompetentes do costume, carreiristas políticos, homens do aparelho partidário, que poderiam mesmo assim ser do melhor que o aparelho tem, mas nem isso, são apenas os amigos dos líderes, os capangas. Os que não têm cabeça ou coragem para criticar. Os acéfalos. Como diz Cavaco, que afinal nem é muito melhor que estes, citando um economista célebre "a má moeda afasta a boa". Os medíocres afastam os que têm pensamento próprio, cinzentismo nos homenzinhos e mulherzinhas sim-sim! Um deserto em termos de pensamento, uma vastidão de nulidades e irrelevâncias. As listas de Pôncio, Pilatos ou Monteiro que é quase o mesmo. As listas de Sócrates, não o filósofo, o Sócrates Minus, parafraseando o Goscinny no Asterix, não são melhores que as do PSD.
Marcelo estava disponível para deputado, não interessa, evidentemente. O professor poderia ser uma mais valia num PSD destruído, arruinado por Santana e sus muchachos. Um valor acrescentado em Braga, onde até é autarca. Em contrapartida temos o "nortista" ou melhor "portista" um companheiro de Pôncio, o Meneses de Gaia.
Escolher entre estes dois partidos é escolher entre o vazio e o vácuo. Entre o zero e o nulo. Uma opção de gosto e de uma vaga reminiscência ideológica aparente nos nomes dos partidos. Recuso esta escolha.
10.1.05
O magno
Carlos Magno (alguém sabe quem é?) no contraditório na Antena I:
"Por acaso (!!) conheço bem a região onde se deu o Tsunami!"
Mas alguém duvidava que esta luminária não conhecesse bem a região? Ou outra região qualquer?...
"Por acaso (!!) conheço bem a região onde se deu o Tsunami!"
Mas alguém duvidava que esta luminária não conhecesse bem a região? Ou outra região qualquer?...
9.1.05
As falsas partituras de Pergolesi
Numerosos livros, artigos e comentários continuam a referir-se ao bailado "Pulcinella" (que a Sinfónica Portuguesa interpretou no sábado no CCB) como tendo sido baseado em música de Giovanni Battista Pergolesi (1710-1736) mas há muito que se sabe que apenas alguns (poucos) fragmentos utilizados por Stravinski sairam realmente da pena do autor do mais célebre "Stabat Mater" da história da música. As passagens extraídas das óperas "Adriano in Siria", "Frate’nnamorato" e "Flaminio" são originais de Pergolesi, mas o restante material pertence a compositores como Domenico Gallo (n. 1730), Carlo Ignazio Monza (1725-1801), Fortunato Chelleri (1690-1757), o conde holandês Unico Wilhelm van Wassenaer (1692-1766) ou Alessandro Parisotti (1835-1913!).
Stravinski não podia adivinhar. Foi apenas vítima de um dos muitos equívocos que a posteriddade criou à volta de Pergolesi, um compositor com todos os requesitos para se converter numa lenda. Para alimentar o mito, bastaria a tuberculose e a morte prematura aos 26 anos na solidão de um mosteiro franciscano em Pozzuoli pouco depois de terminar o "Stabat Mater e a "Salve Regina", mas houve ainda quem inventasse um misterioso assassinato cometido por rivais invejosos ou uma secreta paixão por uma princesa…
Pergolesi foi um dois primeiros compositores a alcançar uma fama póstuma com a qual jamais poderia sonhar ao longo da sua vida humilde e discreta. Parte dessa fama foi desencadeada pelo papel de "La Serva Padrona" na "Querelle des Bouffons", que agitou Paris entre 1752 e 1754, mas também pela aura romântica "avant la lettre" de um génio com uma vida misteriosa e trágica, cuja obra não tinha sido devidamente reconhecida. A sua curta existência rapidamente começou a ser dramatizada e exagerada, em artigos na imprensa e relatos vários que depressa tiveram repercussões além-fronteiras. O "Stabat Mater", inquestionavelmente uma obra-prima, foi das peças com mais editadas no século XVIII e deu origem a um grande número de imitações, arranjos e adaptações (por exempolo de Bach, Hiller, Brunetti, Paisiello ou Salieri).
As partituras de Pergolesi passaram assim a ser altamente cobiçadas e os supostos autógrafos pagos a peso de ouro. Numerosos editores pouco escrupulosos começaram a fazer falsificações e a atribuir-lhe obras de autores menos conhecidos mais difíceis de vender. Chegaram a comercializar-se partituras de Haydn como se fossem de Pergolesi! Algumas eram apresentadas como sendo autógrafas com assinaturas falsas. Cópias destas obras espúrias começaram a circular pela Europa aumentando o imbróglio. Ao longo dos séculos XVIII e XIX a produção de Pergolesi (um músico que teve uma carreira criativa de apenas 5 anos) foi crescendo até às 400 obras!
A primeira tentativa de uma catalogação séria foi inevitavelmente vítima da confusão gerada nos séculos anteriores. Das 148 obras propostas pela "Opera omina" de 1942 (realizada em Roma entre sob a direcção de F. Cafarelli) sabe-se hoje que mais de 100 não são de Pergolesi! Só depois da II Guerra Mundial as pesquisas de Franck Walker e Helmut Hucke e mais recentemente de Francesco Degrada e Marvin Paymer conseguiram apurar uma realidade bem diferente: apenas 31 partituras (das quais 13 são autógrafas) podem ser atribuídas a Pergolesi sem margem para dúvidas. Além destas há mais 8 de autoria provável. Ou seja, com sorte Pergolesi não deixou mais do que 40 obras, o que não diminui a riqueza do seu legado nem a sua diversidade de expressão. Mas a maior contradição disto tudo é que a maior parte dos melómanos, e mesmo alguns especialistas, continuam a resumir o seu conhecimento de Pergolesi ao "Stabat Mater", à "Serva Padrona" e ao "Salve Regina". Existem registos discográficos das outras óperas mas raramente se encontram nas discotecas (pelo menos em Portugal) e creio que algumas partituras sacras nunca foram gravadas.
Para quem quiser saber um pouco mais sobre Pergolesi, de uma maneira rápida e numa perspectiva actual, aconselho um pequeno livro de Patrick Barbier inserido na colecção da Fayard/Mirare que saiu por ocasião da Folle Journée dedicada ao barroco italiano, do qual foram tiradas algumas destas informações. Ainda há pouco tempo vi esta obra à venda na Valentim de Carvalho da Calçada do Sacramento.
V.G.
O mistério dos múltiplos solistas
Sábado, esta tarde no CCB, Marko Letonja dirigiu uma formação de câmara da sinfónica portuguesa.
Na primeira parte a suite do Burguês Gentilhomem, Der Bürger als Edelmann de Richard Strauss, na segunda parte a suite Pulcinella de Igor Stravinsky.
Três solistas cantores, uma soprano Debora Boronesi, um tenor Luigi Petroni e um barítono Luca Salsi.
Para o Burguês tivemos uma orquestra a caminho de uma formação de câmara, 35 músicos: 16 cordas, 12 sopros, harpa, piano e 5 percussionistas.
Uma direcção segura de Letonja e o que me pareceu um trabalho muito consistente, contribuiram para uma fruição muito agradável da obra de Strauss. Cordas untuosas, sopros com pantufas nos poucos metais e de uma grande suavidade nas madeiras. Ritmo, energia. Um piano bem integrado no conjunto (com ligeiras imperfeições rítmicas) mostraram um conjunto orquestral com muito potencial.
O solo do violino, feito por Devries, é uma peça de resistência do repertório. O solista entrou com a orquestra e sentou-se no local apropriado junto com os seus colegas. Mas cometeu um erro, no meu entender, o ter considerado esta suite como uma espécie de concerto para violino e orquestra de Strauss. Poderia ter explorado mais a ligação da sua linha com os instrumentos com que dialoga, como o violoncelo e diversos sopros. Pelo contrário procurou um total protagonismo e desligou-se do conjunto. Claro que não se deve esquecer o papel essencial deste solo célebre dentro desta obra de Strauss, mas mesmo num concerto para instrumento solista o músico não se deve desligar totalmente do conjunto. Tecnicamente esteve bem, o que se saúda, embora por vezes tenha andado num ritmo diferente do resto do conjunto.
A interpretação de Letonja poderia ser menos recortada e mais global, mas acabou por ter a subtileza q.b. para as notas de Strauss, sendo ao mesmo tempo elegante e refinada.
A surpresa negativa ocorreu na segunda parte. A suite Pulcinella de Stravinsky é uma obra eterna por conjugar o génio absoluto do maior compositor russo e a beleza serena e, de certo modo, trágica de Pergolesi. A palavra trágica tem aqui um significado psicológico, anacrónico, e de certo modo inapropriado, o elemento trágico não está propriamente nas notas de Pergolesi, ou de outro qualquer compositor do século XVIII, vistas à luz do seu tempo, mas no pouco que, à luz dos nossos olhos, sabemos deste homem falecido muito jovem e vivendo enfermo desde a sua infância dolorosa. Evidentemente Stravinsky tinha o elemento trágico presente e é na combinação dos dois tempos, dois pensamentos, que está a chave de Pulcinella.
Stravinsky explora a música de Pergolesi de forma notável, reforça-a, enfatiza os significados, desde a alegria e a festa até à morte. Uma maravilhosa viagem do início do século XVIII até ao século XX, da Itália meridional até à Rússia de Chagall e dos Ballets Russes. É um pedaço de um universo luminoso e longínquo no tempo e no espaço. Lembro-me sempre de Chagall quando ouço esta obra e esqueço o Picasso que está mais directamente associado à criação da obra...
Mas vamos ao concerto: a obra é de uma dificuldade tremenda. Stravinsky explora tudo o que pode explorar. As vozes têm de ter extensões enormes, os instrumentos tocam nos agudos mais impossíveis. A trompa e o fagote, por exemplo, são severamente castigados e exigem instrumentistas excelentes. A coordenação entre os naipes, as entradas rigorosas, os ritmos exigem trabalho de ensaio muito rigoroso, a articulação dos diversos subgrupos que Stravinsky usa de forma sequencial tem de ser meticulosa e encadeada em forma de maquinismo de relógio suiço.
A OSP reagiu à exigência com muito empenho, mas o resultado não foi o melhor.
Era notória a crispação, o stress, a vontade de não errar dos músicos. O peso da responsabilidade foi notório. O resultado acabou por ser pouco fluente, cheio de pequenos erros que foram devastando a música que se quer festiva e liberta, mas como disse antes tremendamente complicada, e acabou por ser crispada e presa.
Os solistas vocais não demonstraram ser grandes cantores, um barítono sem graves, a "profundidade" que celebra no seu canto saiu roufenha e sem som, foi melhor quando subiu aos médios. O soprano foi incapaz de dar as notas graves com gravidade, apenas sussuradas e mal cantadas por insuficiência vocal manifesta. O tenor começou muito mal, incapaz de cantar bem em piano, andou a patinar todo o concerto. Sem dominar o papel, parecia estar a ler quase à primeira vista, devo dizer que esteve bem pior que os músicos da sinfónica. Acresce a isto uma voz sem grande corpo e pouco potente. Tem um timbre bonito no timbre médio/agudo mas não basta.
O primeiro trompa falhou estrondosamente nas suas intervenções, contribuiu manifestamente para a parte negativa deste concerto. Os agudos não conseguiam sair do instrumento. Nervos, stress? Há que perceber que nem todos os papéis estão ao alcance de certos intérpretes. Há que perceber, sem vergonha, que há um tempo para passar a pasta. O que é certo é que este trompista já comprometeu em muito as prestações da orquestra, relembro Rossini, e um crítico estaria a ser tendencioso se omitisse sempre esses factos. Há alturas em que o benefício da dúvida deixa de fazer sentido, por muito que custe. O primeiro fagote andou a correr um pouco e desligou em alguns pontos. O trompete esteve excelente, o trombone (um solista em cada parte???) foi também perfeito. O contrabaixo esteve bem. O solista em violino (Alexander Stuart) esteve razoável mas pareceu-me pouco incisivo e com acentuação demasiado mole e uniforme. O quinteto solista nas cordas esteve em geral bem. O principal problema foi a crispação geral e a falta de fluidez ou mesmo de consistência, que prejudicaram claramente a interpretação desta obra maior.
Mas notou-se que, independentemente dos defeitos, os músicos se esforçaram muito, não foi falta de trabalho que se notou. O problema foi a falta de hábito neste tipo de obras, a articulação do puzzle da obra, muito próxima da música de câmara, não foi perfeita. Está longe da idiomática habitual do agrupamento. Não sei se o problema são os músicos, a orquestra sinfónica portuguesa é muito jovem e precisa de sedimentar repertórios depois de maestros incapazes que se repetiram desde a década de 90, ou seja desde a refundação da orquestra.
A actual direcção programa concertos sinfónicos com maestros de alto nível e obras exigentes, creio que essa política é altamente positiva. O trabalho que hoje correu pior correrá muto melhor em apresentações subsequentes, fazer uma orquestra demora muitos anos. Letonja contribui para a elevação do nível orquestral ao contrário do maestro honorário, que faz um bom concerto por engano (1º acto da Walküre) e volta rapidamente ao estado habitual de desmotivação e decadência na ópera seguinte (Simão Boccanegra).
Recomendo mais calma, menos stress e mais prazer na música. Os músicos devem fruir do prazer de fazer música de forma descontraída. Nestas condições complexas de trabalho, sem condições para uma orquestra ensaiar, sem salas de estudo, sem apoio para compra de instrumentos de qualidade elevada, sem biblioteca, será sempre difícil atingir a perfeição. Mas ao menos que tenham felicidade na música.
O drama da qualidade de construção dos intrumentos de corda não se fez sentir muito hoje, mas continuo a preconizar uma fiscalização severa da qualidade dos instrumentos usados pelos músicos e ajudas financeiras a quem precisar de adquirir instrumentos em condições...
Os violinos estiveram afinados e coesos em geral. Os violoncelos estiveram também em belo plano, bem como os contrabaixos.
Uma nota final para os cantores que no final da Pulcinella tentaram sair pelo fundo do palco, onde não há saída! Um acto falhado, certamente por serem tão incapazes de abordar a obra, acabaram a tentar sair pela porta dos fundos!
Costumava ser o concertino titular que entrava depois dos colegas para ter umas palmas de circunstância. Hoje, para variar, foi o segundo concertino, Alexander Stuart que entrou depois dos companheiros, num acto, ou de distracção imperdoável, ou de vaidade descabida. Nem uma palma levou do público, o que foi simbólico e que lhe sirva de exemplo. Que não lhe suba à cabeça o papel de concertino e um solo de circunstância aqui e ali. O que Alexander Stuart pode aspirar é a um trabalho humilde e em cooperação com os músicos e não a vedetismos tristes que nem sequer estão de acordo com a sua forma de tocar.
Não percebo a utilização no mesmo concerto orquestral de dois concertinos, ou de dois trombones solistas. Será que os músicos da primeira estante não têm capacidade para fazer duas obras no mesmo concerto? Nunca vi isto em nenhuma orquestra do mundo.
Concerto para 12 valores numa média global. Saímos do CCB com a sensação que foi agradável, mas que poderia ter sido muito melhor.
5.1.05
Obra de arte
Aqui está uma verdadeira obra de arte. O autor desta peça de relojoaria foi o arquitecto João Leitão.
Um gantois de avelãs e framboesas.
A receita é um Segredo de Estado.
Um gantois de avelãs e framboesas.
A receita é um Segredo de Estado.
4.1.05
Sequeira Costa
O meu pai ensinou-me a admirar Sequeira Costa, "um grande pianista", "aluno de Vianna da Motta", desde pequeno que comecei a ir a concertos deste pianista, a solo ou com orquestra. Gulbenkian, festivais variados, sempre que aparecia Sequeira Costa lá ia eu, primeiro com o meu pai, depois por iniciativa própria.
Concertos de Beethoven, anos de peregrinação de Liszt, lá estava eu a comprar bilhetes nas filas da abertura das bilheteiras no início dos festivais ou nas intermináveis bichas do início de temporada da Fundação Gulbenkian. Sempre gastando os tostões da mesada em séries intermináveis de concertos ou assinaturas. Uma vez vi Sequeira Costa no Marquês de Pombal e não resisiti a pedir-lhe um autógrafo, teria uns 11 ou 12 anos.
Já andava na Faculdade, mal pude conter a minha impaciência para escutar Sequeira Costa, mais uma vez, no quinto de Beethoven, Fundação Calouste Gulbenkian. O meu concerto preferido nessa altura, do soberano mestre Beethoven. Algum tempo antes tinha escutado "La Vallée d'Obermann" por Sequeira Costa, que me tinha soado um pouco mal, mas não liguei. No dia do concerto foi com prazer que vi entrar o pianista, com o seu meio sorriso pré concertante e sentar-se no banco.
Depois foi a desilusão total, um tremendíssimo balde de água fria, uma interpretação de menino de conservatório não teria sido pior. Com as notas trocadas fazia-se outro concerto de um qualquer compositor contemporâneo. Uma interpretação fraquíssima e aflitíssima. Foi a queda de um sonho de criança. Jurei nunca mais assistir a um concerto de Sequeira Costa, em que circunstância fosse.
Dezoito anos passados continuo a cumprir a minha promessa. Nunca mais assisti a um concerto de Sequeira Costa, nunca mais abri um disco desse pianista, e tinha vários em vinil. Nunca mais comprei um disco.
O público nesse concerto, lembro-o como se fosse hoje, entrou em delírio, urravam-se bravos e pediam-se extras. Nunca soube se Sequeira Costa deu algum extra, saí da sala antes das palmas acabarem.
Não sei se fiz bem, se não terá sido um problema momentâneo, do qual o pianista recuperou. Não sei se perdi momentos sublimes desde então, disse apenas adeus ao aluno do rigoroso e profissional Vianna da Motta. Hoje dizem-nos, no Diário de Notícias, que os discos, de Sequeira Costa, com as sonatas de Beethoven podem ser uma espécie de testamento musical, que o senhor vai fazer, ou fez, 76 anos! Como se isso significasse que vai morrer amanhã. Não sei se é verdade, não ouvi, não vou ouvir.
Continuo sem saber se fiz bem em continuar a cumprir a minha promessa tantos anos volvidos. Neste momento Sequeira Costa toca na Gulbenkian e eu estou em casa a escrever isto... Há momentos que nunca voltarão e é melhor que assim fiquem, calmamente deixados numa memória que se vai apagando.
Concertos de Beethoven, anos de peregrinação de Liszt, lá estava eu a comprar bilhetes nas filas da abertura das bilheteiras no início dos festivais ou nas intermináveis bichas do início de temporada da Fundação Gulbenkian. Sempre gastando os tostões da mesada em séries intermináveis de concertos ou assinaturas. Uma vez vi Sequeira Costa no Marquês de Pombal e não resisiti a pedir-lhe um autógrafo, teria uns 11 ou 12 anos.
Já andava na Faculdade, mal pude conter a minha impaciência para escutar Sequeira Costa, mais uma vez, no quinto de Beethoven, Fundação Calouste Gulbenkian. O meu concerto preferido nessa altura, do soberano mestre Beethoven. Algum tempo antes tinha escutado "La Vallée d'Obermann" por Sequeira Costa, que me tinha soado um pouco mal, mas não liguei. No dia do concerto foi com prazer que vi entrar o pianista, com o seu meio sorriso pré concertante e sentar-se no banco.
Depois foi a desilusão total, um tremendíssimo balde de água fria, uma interpretação de menino de conservatório não teria sido pior. Com as notas trocadas fazia-se outro concerto de um qualquer compositor contemporâneo. Uma interpretação fraquíssima e aflitíssima. Foi a queda de um sonho de criança. Jurei nunca mais assistir a um concerto de Sequeira Costa, em que circunstância fosse.
Dezoito anos passados continuo a cumprir a minha promessa. Nunca mais assisti a um concerto de Sequeira Costa, nunca mais abri um disco desse pianista, e tinha vários em vinil. Nunca mais comprei um disco.
O público nesse concerto, lembro-o como se fosse hoje, entrou em delírio, urravam-se bravos e pediam-se extras. Nunca soube se Sequeira Costa deu algum extra, saí da sala antes das palmas acabarem.
Não sei se fiz bem, se não terá sido um problema momentâneo, do qual o pianista recuperou. Não sei se perdi momentos sublimes desde então, disse apenas adeus ao aluno do rigoroso e profissional Vianna da Motta. Hoje dizem-nos, no Diário de Notícias, que os discos, de Sequeira Costa, com as sonatas de Beethoven podem ser uma espécie de testamento musical, que o senhor vai fazer, ou fez, 76 anos! Como se isso significasse que vai morrer amanhã. Não sei se é verdade, não ouvi, não vou ouvir.
Continuo sem saber se fiz bem em continuar a cumprir a minha promessa tantos anos volvidos. Neste momento Sequeira Costa toca na Gulbenkian e eu estou em casa a escrever isto... Há momentos que nunca voltarão e é melhor que assim fiquem, calmamente deixados numa memória que se vai apagando.
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