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31.1.05

Quarteto Borodin 


Ruben Aharonian (Violino)
Andrei Abramenkov (Violino)
Igor Naidin (Viola)
Valentin Berlinsky (Violoncelo)


Primeiro concerto

Franz Schubert
Quarteto para Cordas Nº 13, em Lá menor, D.804, Rosamunde
Quarteto para Cordas Nº 12, em Dó menor, D.703, Quartettsatz (1 Andamento)
Quarteto para Cordas Nº 14, em Ré menor, D.810, A Morte e a Donzela

Tivemos o enorme prazer de escutar o quarteto Borodin nos dias 24 e 25 de Janeiro últimos. Comentamos em primeiro lugar o concerto com Schubert, mais conseguido no nosso entender, e em segundo lugar o concerto com obras de Mozart.

No caso do concerto com obras de Schubert notou-se uma extraordinária coesão do quarteto. As obras de Schubert, todas do período mais tardio do compositor, são um exemplo radical da profundidade do génio de um autor. Tanto o quarteto nº13, D 804, como o quarteto nº 14, D 810, são obras notáveis pela arquitectura e pela densidade da sua escrita.

O quarteto Rosamunde, nome retirado da música de cena foi escrito pouco depois de Schubert saber que estava condenado pela Sífilis, Schubert não podia estar feliz e a música mostra-o claramente através da sua beleza serena, mas também trágica, aspectos que foram realçados de forma absolutamente espantosa, até pela contenção, com que o quarteto Borodin abordou a obra.
A turbulência marca o andamento isolado, D. 703, escrito numa época mais feliz, cremos que o quarteto Borodin deu uma leitura demasiado severa, mas com a lógica de se enquadrar no restante programa, uma linguagem muito vigorosa e afirmativa, própria deste quarteto, que consegue ter um som muito intenso, próprio da escola russa e ao mesmo tempo a contenção e a disciplina necessárias para conseguir emitir pianíssimos quase impossíveis sem quebras ou falhas na emissão do som.

Notou-se na interpretação do quarteto Borodin uma interiorização da obra de Schubert que chegou a ser comovente. Perfeição técnica e liderança aparente do primeiro violino, sempre com a presença carismática do único membro fundador, o mítico Valentin Berlinsky no violoncelo. A forma como a linha melódica foi realçada face à linha de acompanhamento pode ser vista na forma como Berlinsky usa o vibrato, quase nulo no acompanhamento e muito pronunciado quando o violoncelo agarra o discurso.

Deixo para o fim o comentário ao quarteto D. 810. A escrita de Schubert atinge a essência da vida, através da abordagem da morte, no quarteto D 810, Der Tod und Das Madchen, escrito totalmente em modo menor, e com a reminiscência do lied D. 531, uma obra que se encerra com uma espécie de tarantella obsessiva, que mesmo acabando de forma arrebatada nos conduz para um final trágico. É revolta que eu sinto nas páginas deste quarteto do jovem Schubert condenado pela doença. Uma dor rara que é sentida em poucas páginas na história da música. A severidade, a seriedade, a profundidade do quarteto Borodin sentiu-se totalmente na forma como tocou este quarteto. O quarteto Borodin faz lembrar que Dostoievsky também era russo.

Um concerto digno de figurar na história da música em Portugal.
P.S. Uma lição exemplar ao público que pedia extras, em gritos impudicos e palmas exacerbadas, em vez de ir para casa meditar na celebração da música e da memória de um rapaz atormentado pela doença e pelo génio: o quarteto sentou-se e atacou a coda do último andamento do quarteto D. 810.
Está tudo dito, nada mais a acrescentar.


Aqui na Formação original
Rostislav Dubinsky, Yaroslav Alexandrov - violinos, Dmitry Shebalin - viola, Valentin Berlinsky - violoncelo


Segundo Concerto

Wolfgang Amadeus Mozart

Com Michael Collins (Clarinete)



Quarteto para Cordas, em Dó Maior, K.465, As dissonâncias
Quinteto para Clarinete e Cordas, em Lá Maior, K.581
Quarteto para Cordas, em Ré menor, K.421

Neste concerto, como dissemos antes, o quarteto Borodin não foi tão consistente. O concerto foi muito bom, é certo, mas o estilo do quarteto Borodin em Mozart cristalizou. As páginas do quarteto em ré menor são profundas na sua riqueza musical, o andamento lento é uma obra prima entre tantas que Mozart deixou. Mas a leitura muito “romântica”, o vibrato excessivo, o protagonismo em termos sonoros do primeiro violino face ao conjunto e sobretudo às vozes intermédias foi muito marcado, em contraste com o dia anterior.
No caso do quinteto de Mozart achámos a intervenção do clarinetista Michael Collins demasiado conspícua. Com uma sonoridade lindíssima, aveludada e densa, o clarinetistista provou ser capaz de se integrar no conjunto nas variações do último andamento onde o seu pianíssimo entrou em total sintonia com o quarteto, mas no larghetto foi excessivo na sonoridade, creio que Mozart marcou bem dois pp neste momento mágico, Collins tocou em meio forte, criando um desequilíbrio sonoro que chegou a ser desagradável. Collins parecia um menino feliz ao tocar com o quarteto Borodin mas se tivesse sido mais contido teríamos uma interpretação mais consistente. A abordagem que o quarteto Borodin faz de Mozart pareceu-me estilisticamente densa e severa, o que está de certa forma em acordo com a densidade destes quarteto, mas em Mozart esta visão deve ser temperada com alguma leveza alguma compreensão do tempo de Mozart que se evidencia na forma de articular e no clássico. Achámos o quarteto Borodin um pouco anacrónico na forma de abordar o seu Mozart.
En termos de comparação acrescento que a gravação velha de trinta anos do quarteto Amadeus, celebrando o seu 25º aniversário (!), continua a ser superior ao Borodin de hoje.

P.S.
1. Estou um pouco arrependido por ter manifestado reservas antecipadas relativamente ao Mozart do quarteto Borodin, parece que tinha uma ideia pré-concebida mas esta impressão foi confirmada pelo concerto em si.
2. Estes comentários são apenas uma relativização do concerto, que mesmo com estas ressalvas foi de altíssima qualidade.


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