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9.1.05

As falsas partituras de Pergolesi 


Numerosos livros, artigos e comentários continuam a referir-se ao bailado "Pulcinella" (que a Sinfónica Portuguesa interpretou no sábado no CCB) como tendo sido baseado em música de Giovanni Battista Pergolesi (1710-1736) mas há muito que se sabe que apenas alguns (poucos) fragmentos utilizados por Stravinski sairam realmente da pena do autor do mais célebre "Stabat Mater" da história da música. As passagens extraídas das óperas "Adriano in Siria", "Frate’nnamorato" e "Flaminio" são originais de Pergolesi, mas o restante material pertence a compositores como Domenico Gallo (n. 1730), Carlo Ignazio Monza (1725-1801), Fortunato Chelleri (1690-1757), o conde holandês Unico Wilhelm van Wassenaer (1692-1766) ou Alessandro Parisotti (1835-1913!).
Stravinski não podia adivinhar. Foi apenas vítima de um dos muitos equívocos que a posteriddade criou à volta de Pergolesi, um compositor com todos os requesitos para se converter numa lenda. Para alimentar o mito, bastaria a tuberculose e a morte prematura aos 26 anos na solidão de um mosteiro franciscano em Pozzuoli pouco depois de terminar o "Stabat Mater e a "Salve Regina", mas houve ainda quem inventasse um misterioso assassinato cometido por rivais invejosos ou uma secreta paixão por uma princesa…

Pergolesi foi um dois primeiros compositores a alcançar uma fama póstuma com a qual jamais poderia sonhar ao longo da sua vida humilde e discreta. Parte dessa fama foi desencadeada pelo papel de "La Serva Padrona" na "Querelle des Bouffons", que agitou Paris entre 1752 e 1754, mas também pela aura romântica "avant la lettre" de um génio com uma vida misteriosa e trágica, cuja obra não tinha sido devidamente reconhecida. A sua curta existência rapidamente começou a ser dramatizada e exagerada, em artigos na imprensa e relatos vários que depressa tiveram repercussões além-fronteiras. O "Stabat Mater", inquestionavelmente uma obra-prima, foi das peças com mais editadas no século XVIII e deu origem a um grande número de imitações, arranjos e adaptações (por exempolo de Bach, Hiller, Brunetti, Paisiello ou Salieri).
As partituras de Pergolesi passaram assim a ser altamente cobiçadas e os supostos autógrafos pagos a peso de ouro. Numerosos editores pouco escrupulosos começaram a fazer falsificações e a atribuir-lhe obras de autores menos conhecidos mais difíceis de vender. Chegaram a comercializar-se partituras de Haydn como se fossem de Pergolesi! Algumas eram apresentadas como sendo autógrafas com assinaturas falsas. Cópias destas obras espúrias começaram a circular pela Europa aumentando o imbróglio. Ao longo dos séculos XVIII e XIX a produção de Pergolesi (um músico que teve uma carreira criativa de apenas 5 anos) foi crescendo até às 400 obras!
A primeira tentativa de uma catalogação séria foi inevitavelmente vítima da confusão gerada nos séculos anteriores. Das 148 obras propostas pela "Opera omina" de 1942 (realizada em Roma entre sob a direcção de F. Cafarelli) sabe-se hoje que mais de 100 não são de Pergolesi! Só depois da II Guerra Mundial as pesquisas de Franck Walker e Helmut Hucke e mais recentemente de Francesco Degrada e Marvin Paymer conseguiram apurar uma realidade bem diferente: apenas 31 partituras (das quais 13 são autógrafas) podem ser atribuídas a Pergolesi sem margem para dúvidas. Além destas há mais 8 de autoria provável. Ou seja, com sorte Pergolesi não deixou mais do que 40 obras, o que não diminui a riqueza do seu legado nem a sua diversidade de expressão. Mas a maior contradição disto tudo é que a maior parte dos melómanos, e mesmo alguns especialistas, continuam a resumir o seu conhecimento de Pergolesi ao "Stabat Mater", à "Serva Padrona" e ao "Salve Regina". Existem registos discográficos das outras óperas mas raramente se encontram nas discotecas (pelo menos em Portugal) e creio que algumas partituras sacras nunca foram gravadas.
Para quem quiser saber um pouco mais sobre Pergolesi, de uma maneira rápida e numa perspectiva actual, aconselho um pequeno livro de Patrick Barbier inserido na colecção da Fayard/Mirare que saiu por ocasião da Folle Journée dedicada ao barroco italiano, do qual foram tiradas algumas destas informações. Ainda há pouco tempo vi esta obra à venda na Valentim de Carvalho da Calçada do Sacramento.
V.G.


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