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22.1.05

Orquestra da Radio-France - Um concerto razoável 

18 Jan 2005, 21:00 - Coliseu dos Recreios
Orquestra Filarmónica da Radio-France
MYUNG-WHUN CHUNG (maestro)

Gustav Mahler
Sinfonia Nº 5, em Dó sustenido menor

Uma obra maior do repertório sinfónico. Uma interpretação sofrível de Chung.

A impressão da orquestra.
Apresentou-se uma orquestra muito grande, com cordas reforçadíssimas, 16 primeiros violinos, 16 segundos, 13 violas, 12 violoncelos e 10 contrabaixos.
Os violinos não encheram o tecido sonoro com a sonoridade explosiva que Mahler pretendia, sobretudo no último andamento.
Dir-se-ia que os 32 violinos pareciam anémicos. Tiveram dificuldades manifestas para conseguir produzir som nas passagens mais difíceis e, ainda por cima, desafinaram frequentemente. O som foi, de facto, o principal problema deste naipe que mostrou enormes fraquezas logo no início da sinfonia: após o solo do trompete notou-se um terrível desequilíbrio sonoro que lembrava uma cadeira coxa, com metais e percussão claramente acima das cordas.
A orquestra não convenceu muito nas restantes secções.
O naipe dos trompetes conseguiu estar muito bem nas passagens mais serenas do segundo andamento, em que se integrou muitíssimo bem no som das cordas, mas o primeiro trompete, sem errar explicitamente qualquer passagem acabou por ser um pouco brutal e excessivo, a arrogância da técnica é também funesta.
O primeiro trompa chegou ao extremo de falhar e de dar notas erradas, o naipe esteve bastante bem, coeso e com uma boa sonoridade. O tuba, no primeiro andamento, não limpou a água do seu instrumento e esborrachou uma passagem inteira, aliás bem importante na economia da obra. Pode dizer-se que meteu água.
O coro dos trombones pareceu razoável quando não estava a tapar os outros instrumentos da orquestra com excesso de potência sonora.
Não foram só desgraças, como é evidente, as violas mostraram-se muito consistentes e de uma sonoridade brilhante, o primeiro viola esteve magnifico no seu papel de chefe de naipe contrastando vivamente no seu papel com a apática concertino (primeiro violino). Os violoncelos também estiveram em belo plano bem como os contrabaixos. Fagotes muito sonoros e com personalidade vincada. Primeiro clarinete, não fora uma pequena falha, quase perfeito. Claro que a sonoridade dos clarinetes é tipicamente francesa, distante do som que Mahler poderia exigir numa orquestra de Viena. Será um defeito deste naipe de clarinetes? É uma questão subjectiva que está em jogo, eu prefiro o som alemão neste instrumento e neste tipo de obra mas ninguém pode condenar uma orquestra francesa por usar instrumentos franceses! Flautas muito empenhados no conjunto, oboés agradáveis e poéticos.
Metais em excesso e cordas em défice sonoro nas passagens mais difíceis foram o ponto mais débil da orquestra.

O maestro.
Chung afirmou que, para ele, Mahler não é natural. É verdade, notou-se que a quinta de Mahler não saiu natural. A sua direcção é crispada sem o aparentar. O maestro procura ser muito exacto, muito certo, mas ao sacrificar a naturalidade à construção e montagem da engrenagem sonora acabou por ser quadrado e pouco fluido. Acabou por dar mais importância aos momentos mais pujantes em termos sonoros e esquecendo que os pianíssimos em Mahler têm tanto ou mais significado do que os fortíssimos. Faltou uma efectiva ondulação sonora, em Mahler a distensão das passagens menos fortes é apenas aparente, a tensão está latente. A parte cavada da onda é apenas o prenúncio da crista da vaga que se aproxima.
Não se deve ouvir apenas bonitinho e certinho, tem de se ser telúrico, dionisíaco, sibilino. Chung controlou tudo, mas não deixou espaço para o entusiasmo, para a superação (mesmo que controlada) das personalidades em presença. O lado mais inquietante de Mahler ficou, por consequência, muito apagado face ao lado óbvio.
Chung enfatizou os temas de cariz mais popular puxando pelo lado "popularucho". Esta abordagem mostra que Chung ainda não entendeu a profundidade mahleriana. Mahler não usa temas populares para fazer música "pop", Mahler usa temas de raiz popular por causa da sua tremenda angústia, da ansiedade que lhe atormenta a vida, os temas saltam do seu inconsciente, das suas memórias, devem ser densificados, atormentados, distorcidos e não tocados como se estivessemos numa feira de salsichas no Tirol, num dia de Festa em Olmütz (Olomunc) ou num domingo à tarde em Kaliste...

Consequências:
Uma orquestra média e um maestro coreano que ainda não entendeu Mahler em toda a sua plenitude. Acreditamos que pode chegar a ser um grande maestro em Mahler, mas não o é hoje.
Dirigiu o Brahms do extra da mesma forma, controlando tudo, crescendos a régua e esquadro, compassos batidos. Certíssimo mas pouco natural. O Bizet do segundo extra saiu muito bem, orquestra aquecida ao rubro, música francesa por orquestra francesa, entusiamo e superação, pathos e ritmo. Viva Bizet! Como diria Nietsche.
Um extra que salvou o concerto e que levou Chung ao 14.

Nota muito má para o público, o concerto não teve um segundo de música pura. Houve apenas um pouco de Mahler num oceano de tosses. Parecia o S. Carlos nos anos setenta. Existem medicamentos supressores da tosse. Não consigo compreender os selvagens que vão a um concerto sabendo que vão tossir a noite inteira. Vão porquê? Sabendo que se atormentam a si e ao restante público. Serão masoquistas? Sádicos?
É demais, basta!
Mais uma vez acabaram em ovações clamorosas e gritaria tormentosa, sairam a rir, satisfeitos, ainda bem. Isto depois de terem passado o concerto a tossir.


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