29.9.05
DESCOBRIR A MÚSICA NA GULBENKIAN
Divulgo a press release do serviço de Música da Gulbenkian sobre o programa "Descobrir a Música". Mais para a frente debateremos aqui este programa que parece ser prometedor.
O projecto educativo Descobrir a Música na Gulbenkian, apresentado ontem na Fundação Calouste Gulbenkian, é, antes de mais, uma aposta na formação de novos públicos para a Música erudita. Dirige-se a um universo de destinatários muito amplo, das crianças em idade pré-escolar aos jovens do Ensino Secundário, e destes aos adultos interessados em alargar a sua cultura musical.
Não se trata, claro está, de um programa de aprendizagem musical formal. Essa é a função das escolas de Música de todos os níveis, dos Conservatórios e Academias às Escolas Superiores e Universidades. E não se pretende sequer propor módulos de formação sujeitos a uma sequência de conteúdos programáticos organizados. Apostamos antes potencial de sedução da própria Música, apresentando-a em contextos sugestivos que iluminem o seu processo criativo, a interrelacionem com as outras artes e estimulem a sua capacidade natural de comunicação poética com o ouvinte dos vários níveis etários.
O primeiro dos módulos propostos é o das visitas guiadas ao próprio espaço de trabalho da Orquestra Gulbenkian. O que está por detrás do momento mágico do concerto? Que instrumentos compõem a orquestra? Quais os processos básicos de produção do som? Como decorre um ensaio?
Os ateliers, assentes em sessões únicas são concebidos a partir da temporada de concertos do Serviço de Música, dirigindo-se a pequenos grupos de crianças e jovens que trabalham sobretudo a partir de estímulos interdisciplinares, associando a vivência da Música à experiência da Dança e das Artes Plásticas. As oficinas, construídas a partir dos espectáculos da mini-temporada, abaixo referidos, têm um carácter de continuidade e podem mesmo conduzir a uma experiência de montagem de um pequeno espectáculo musical, com meios rudimentares.
A mini-temporada de concertos encenados e de uma pequena ópera parte, também ela, da associação privilegiada da Música às demais Artes do Espectáculo. O Piano e os seus Amigos explora o universo da Música de Câmara e da interacção entre vozes e instrumentos, expondo sob uma forma teatralizada o fenómeno essencial do que é fazer Música em conjunto. A Menina do Mar parte do maravilhoso texto de Sophia de Mello Breyner e da partitura de Fernando Lopes Graça, que envolve já um conjunto instrumental de maiores dimensões, para propor uma introdução à linguagem orquestral. Uma Pequena Flauta Mágica revisita uma obra-prima da ópera de todos os tempos – a Flauta Mágica de Mozart – nos 250 anos do nascimento do seu compositor, e através dela abre caminhos para a compreensão do universo do Teatro Musical.
Os concertos comentados pela Orquestra Gulbenkian, dirigidos fundamentalmente a um público juvenil, procuram partir de uma situação de concerto formal e apresentar o repertório programado, falando de forma muito simples dos contextos históricos e culturais da sua composição e das características mais importantes das linguagens musicais utilizadas. A explicação prévia conduz à audição integral do programa a partir das chaves de leitura apresentadas.
As conferências e os cursos livres são momentos de apoio directo à programação da temporada de Música da Fundação para 2005-06. As conferências dirigem-se a um público interessado em aprofundar o seu conhecimento sobre alguns dos compositores mais relevantes cujas obras se executam nesta temporada: Gesualdo e o imaginário mais radical do Maneirismo europeu; Debussy e Ravel como expoentes do panorama do impressionismo e do simbolismo da Música francesa; uma figura-chave da Música dos nossos dias, que estará este ano em Lisboa para dirigir as suas obras, Peter Eötvös; os dois mestres do Modernismo musical português, Luís de Freitas Branco e Fernando Lopes-Graça, no momento da comemoração das suas efemérides biográficas. Os cursos livres alargam esta mesma abordagem a temas mais gerais: a eclosão dos nacionalismos musicais europeus entre o Romantismo final e o Modernismo; Viena como pólo de atracção da vida musical europeia entre o Império austro-húngaro e a ascensão do nazismo; Mozart como chave para a compreensão do Classicismo vienense.
Descobrir a Música na Gulbenkian é o traço comum a todas estas iniciativas com naturezas e destinatários tão diversificados. Trata-se, em todos os casos, de desvendar caminhos para a Música erudita, de possibilitar a sua vivência, de estimular a sua compreensão, de potenciar a sua presença no nosso quotidiano. Como tal, assume-se como um Projecto Educativo, na acepção mais larga que o conceito de Educação pode conter, e que é antes de mais o da qualificação da própria vida.
Projecto de formação de públicos, o seu âmbito cruza-se naturalmente com o da outra vertente educativa fundamental que é a da formação dos próprios músicos. Ao propor esta sua nova linha programática, o Serviço de Música completa assim o espectro da sua intervenção, que desde sempre privilegiou a acção formativa como factor estruturante da vida musical portuguesa.
29 Setembro 2005
O projecto educativo Descobrir a Música na Gulbenkian, apresentado ontem na Fundação Calouste Gulbenkian, é, antes de mais, uma aposta na formação de novos públicos para a Música erudita. Dirige-se a um universo de destinatários muito amplo, das crianças em idade pré-escolar aos jovens do Ensino Secundário, e destes aos adultos interessados em alargar a sua cultura musical.
Não se trata, claro está, de um programa de aprendizagem musical formal. Essa é a função das escolas de Música de todos os níveis, dos Conservatórios e Academias às Escolas Superiores e Universidades. E não se pretende sequer propor módulos de formação sujeitos a uma sequência de conteúdos programáticos organizados. Apostamos antes potencial de sedução da própria Música, apresentando-a em contextos sugestivos que iluminem o seu processo criativo, a interrelacionem com as outras artes e estimulem a sua capacidade natural de comunicação poética com o ouvinte dos vários níveis etários.
O primeiro dos módulos propostos é o das visitas guiadas ao próprio espaço de trabalho da Orquestra Gulbenkian. O que está por detrás do momento mágico do concerto? Que instrumentos compõem a orquestra? Quais os processos básicos de produção do som? Como decorre um ensaio?
Os ateliers, assentes em sessões únicas são concebidos a partir da temporada de concertos do Serviço de Música, dirigindo-se a pequenos grupos de crianças e jovens que trabalham sobretudo a partir de estímulos interdisciplinares, associando a vivência da Música à experiência da Dança e das Artes Plásticas. As oficinas, construídas a partir dos espectáculos da mini-temporada, abaixo referidos, têm um carácter de continuidade e podem mesmo conduzir a uma experiência de montagem de um pequeno espectáculo musical, com meios rudimentares.
A mini-temporada de concertos encenados e de uma pequena ópera parte, também ela, da associação privilegiada da Música às demais Artes do Espectáculo. O Piano e os seus Amigos explora o universo da Música de Câmara e da interacção entre vozes e instrumentos, expondo sob uma forma teatralizada o fenómeno essencial do que é fazer Música em conjunto. A Menina do Mar parte do maravilhoso texto de Sophia de Mello Breyner e da partitura de Fernando Lopes Graça, que envolve já um conjunto instrumental de maiores dimensões, para propor uma introdução à linguagem orquestral. Uma Pequena Flauta Mágica revisita uma obra-prima da ópera de todos os tempos – a Flauta Mágica de Mozart – nos 250 anos do nascimento do seu compositor, e através dela abre caminhos para a compreensão do universo do Teatro Musical.
Os concertos comentados pela Orquestra Gulbenkian, dirigidos fundamentalmente a um público juvenil, procuram partir de uma situação de concerto formal e apresentar o repertório programado, falando de forma muito simples dos contextos históricos e culturais da sua composição e das características mais importantes das linguagens musicais utilizadas. A explicação prévia conduz à audição integral do programa a partir das chaves de leitura apresentadas.
As conferências e os cursos livres são momentos de apoio directo à programação da temporada de Música da Fundação para 2005-06. As conferências dirigem-se a um público interessado em aprofundar o seu conhecimento sobre alguns dos compositores mais relevantes cujas obras se executam nesta temporada: Gesualdo e o imaginário mais radical do Maneirismo europeu; Debussy e Ravel como expoentes do panorama do impressionismo e do simbolismo da Música francesa; uma figura-chave da Música dos nossos dias, que estará este ano em Lisboa para dirigir as suas obras, Peter Eötvös; os dois mestres do Modernismo musical português, Luís de Freitas Branco e Fernando Lopes-Graça, no momento da comemoração das suas efemérides biográficas. Os cursos livres alargam esta mesma abordagem a temas mais gerais: a eclosão dos nacionalismos musicais europeus entre o Romantismo final e o Modernismo; Viena como pólo de atracção da vida musical europeia entre o Império austro-húngaro e a ascensão do nazismo; Mozart como chave para a compreensão do Classicismo vienense.
Descobrir a Música na Gulbenkian é o traço comum a todas estas iniciativas com naturezas e destinatários tão diversificados. Trata-se, em todos os casos, de desvendar caminhos para a Música erudita, de possibilitar a sua vivência, de estimular a sua compreensão, de potenciar a sua presença no nosso quotidiano. Como tal, assume-se como um Projecto Educativo, na acepção mais larga que o conceito de Educação pode conter, e que é antes de mais o da qualificação da própria vida.
Projecto de formação de públicos, o seu âmbito cruza-se naturalmente com o da outra vertente educativa fundamental que é a da formação dos próprios músicos. Ao propor esta sua nova linha programática, o Serviço de Música completa assim o espectro da sua intervenção, que desde sempre privilegiou a acção formativa como factor estruturante da vida musical portuguesa.
29 Setembro 2005
27.9.05
Burmester regressa
Nunca nutri especial admiração por Pedro Burmester como pianista. Acho-o dotado desde que o ouvi na aula magna da Reitoria da Universidade de Lisboa no concurso Vianna da Motta em que não foi atribuído o primeiro prémio. Depois desta ocasião escutei o pianista inúmeras vezes e sempre me soube a pouco, creio que Burmester é um superdotado, um intuitivo, para ele o piano é fácil. No meu entender este é o seu principal problema, a apreensão rápida das obras a fogosidade mas pouco amadurecimento, pouco estudo, quando as coisas lhe saem bem o concerto ou recital é excitante mas pouco profundo, quando lhe correm mal é uma trapalhada. Relembro um concerto no S. Luiz em que massacrou completamente a fantasia de Beethoven tentando disfarçar com uma violência incrível e desproporcionada para a obra o que lhe faltou em subtileza e em domínio técnico numa actuação que para mim foi confrangedora num dos pontos mais baixos de uma carreira que é aceite como muito boa em Portugal, recordo ainda um concerto com obras de Liszt há mais de 15 anos depois do concurso Vianna da Motta, que me ficou na memória pela capacidade técnica, mas em que mesmo assim a respiração foi algo kitsch. Burmester ainda alinha em projectos de câmara que se têm revelado algo medíocres, como o exemplo do trabalho conjunto com os sopros. Mas adiante que o tempo desses concertos já passou. Somos hoje confrontados com a Notícia. Creio que é uma má notícia, Burmester poderia ter um lugar na Administração, atendendo ao seu lugar de figura tutelar no projecto, lugar tutelar que mesmo assim não percebo na sua totalidade. Mas não conheço ou reconheço ao pianista as qualidade do actual director Antony Withworth-Jones que além de ter uma cultura elevada na área da Casa da Música, tem também uma enorme rede de conhecimento e além disso construiu uma programação notável com poucos recursos.
Com Burmester voltamos ao nível paroquial, à trica portuense, ao provincianismo bacoco, Burmester não é gestor cultural e nunca deu provas nesta área. O Porto merece mais ou nunca deixará de ser uma cidade de província cheia de complexos relativamente ao resto do país.
Duvidamos que seja útil trocar o certo pelo incerto. Esperamos estar enganados e que a programação continue ao nível actual e do anunciado para 2006, uma vez que o próximo ano já foi preparado pelo actual director e não pelo pianista que provará o que vale apenas para 2007.
Espectantes e apreensivos é como devem estar os apreciadores de boa música relativamente à Casa da Música.
Com Burmester voltamos ao nível paroquial, à trica portuense, ao provincianismo bacoco, Burmester não é gestor cultural e nunca deu provas nesta área. O Porto merece mais ou nunca deixará de ser uma cidade de província cheia de complexos relativamente ao resto do país.
Duvidamos que seja útil trocar o certo pelo incerto. Esperamos estar enganados e que a programação continue ao nível actual e do anunciado para 2006, uma vez que o próximo ano já foi preparado pelo actual director e não pelo pianista que provará o que vale apenas para 2007.
Espectantes e apreensivos é como devem estar os apreciadores de boa música relativamente à Casa da Música.
26.9.05
À procura da Flauta...
No S. Carlos continuou o ciclo da integral das sinfonias de Beethoven. Sábado escutámos a segunda e a quinta.
Devo dizer que a segunda metade da Orquestra Sinfónica Portuguesa esteve ao nível da metade de sexta-feira, com algumas diferenças negativas.
Os segundos violinos estiveram desastrosos na segunda sinfonia onde diversas passagens mais expostas e agudas foram tocadas de forma lamentável e com uma desafinação atroz...
Primeiros violinos com sonoridade anémica, fina, de má qualidade sonora, a fazer sofrer o mais paciente na sinfonia em dó menor, op. 67, mais conhecida pela quinta. Suportar aqueles primeiros violinos foi realmente difícil. A sonoridade deste naipe foi horrenda, já nem sei se é destimbrada ou desafinada. Instrumentos de boa qualidade precisam-se, e instrumentistas talvez... Mas nem só destes erros viveu o dia: o primeiro flauta ao compasso 311, e seguintes, do primeiro andamento da opus 67, esqueceu-se de entrar no seu solo, ouvimos os oboés, fagotes, trompa e tímpanos num acompanhamento interessante promovido a voz principal pela rescrita da obra pela omissão do flautista (tinha casaca), não consegui perceber quem era uma vez que estava no fundo da sala e o palco está a uma altura tal que perceber quem lá está é o mesmo que tentar espreitar, de baixo, para o alto da Torre de Belém... Tratou-se de uma desatenção inadmissível numa orquestra sinfónica. Felizmente escaparam as restante madeiras e metais e, com algum stress, a coisa lá foi andando. Devo dizer que a insegurança da flauta foi compensada com algumas intervenções, mais complexas, realizadas de forma limpa e agradável. Mas a falha naquele ponto, o solo ao compasso 311, é trágica na economia da obra, é uma resposta importante aos violinos e serve de mote para repetições sucessivas de pergunta e resposta e diálogo entre violinos (mais restantes cordas) e sopros (com clarinetes a ajudar a flauta um pouco mais à frente), sem este solo perde-se toda a lógica retórica e discursiva da passagem que se inicia ao compasso 303 e se prolonga num monumental crescendo sonoro e de tensão. Um lapso calamitoso que nos fez perder algo do sumo da obra. Sem aquela entrada o primeiro andamento ficou coxo. Pena.
Devo dizer que o concerto foi em crescendo (se esquecermos o som dos violinos) de novo, gostei de ouvir os contrabaixos e violoncelos a atacar a passagem cerrada do allegro, terceiro andamento, que limparam de forma precisa e com denodo. Bonito o som das violas, com bom trabalho também. Madeiras e metais com nota positiva. Concerto em crescendo com Renzeti a tentar vencer o marasmo. Concertino convidado, parecia ser outro no sábado, devem ter convidado dois músicos para esta missão, enérgico mas com poucos resultados no som e coesão sonora do naipe dos violinos. Articulações cuidadas, sforzandos nos pontos certos mas mau som, este o mote dos violinos...
Quem escutou esta orquestra alguns anos atrás e a ouve hoje percebe a diferença, a progressão. Hoje pode-se escutar a OSP, mas ainda está muito longe das orquestras da primeira divisão. Um concerto agradável mas também triste por não haver um salto muito grande em termos qualitativos e andarmos sempre a bater no desgraçado. Continuamos a ter esperanças no trabalho de Renzeti para os próximos concertos e esperamos uma progressiva melhoria.
Devo dizer que a segunda metade da Orquestra Sinfónica Portuguesa esteve ao nível da metade de sexta-feira, com algumas diferenças negativas.
Os segundos violinos estiveram desastrosos na segunda sinfonia onde diversas passagens mais expostas e agudas foram tocadas de forma lamentável e com uma desafinação atroz...
Primeiros violinos com sonoridade anémica, fina, de má qualidade sonora, a fazer sofrer o mais paciente na sinfonia em dó menor, op. 67, mais conhecida pela quinta. Suportar aqueles primeiros violinos foi realmente difícil. A sonoridade deste naipe foi horrenda, já nem sei se é destimbrada ou desafinada. Instrumentos de boa qualidade precisam-se, e instrumentistas talvez... Mas nem só destes erros viveu o dia: o primeiro flauta ao compasso 311, e seguintes, do primeiro andamento da opus 67, esqueceu-se de entrar no seu solo, ouvimos os oboés, fagotes, trompa e tímpanos num acompanhamento interessante promovido a voz principal pela rescrita da obra pela omissão do flautista (tinha casaca), não consegui perceber quem era uma vez que estava no fundo da sala e o palco está a uma altura tal que perceber quem lá está é o mesmo que tentar espreitar, de baixo, para o alto da Torre de Belém... Tratou-se de uma desatenção inadmissível numa orquestra sinfónica. Felizmente escaparam as restante madeiras e metais e, com algum stress, a coisa lá foi andando. Devo dizer que a insegurança da flauta foi compensada com algumas intervenções, mais complexas, realizadas de forma limpa e agradável. Mas a falha naquele ponto, o solo ao compasso 311, é trágica na economia da obra, é uma resposta importante aos violinos e serve de mote para repetições sucessivas de pergunta e resposta e diálogo entre violinos (mais restantes cordas) e sopros (com clarinetes a ajudar a flauta um pouco mais à frente), sem este solo perde-se toda a lógica retórica e discursiva da passagem que se inicia ao compasso 303 e se prolonga num monumental crescendo sonoro e de tensão. Um lapso calamitoso que nos fez perder algo do sumo da obra. Sem aquela entrada o primeiro andamento ficou coxo. Pena.
Devo dizer que o concerto foi em crescendo (se esquecermos o som dos violinos) de novo, gostei de ouvir os contrabaixos e violoncelos a atacar a passagem cerrada do allegro, terceiro andamento, que limparam de forma precisa e com denodo. Bonito o som das violas, com bom trabalho também. Madeiras e metais com nota positiva. Concerto em crescendo com Renzeti a tentar vencer o marasmo. Concertino convidado, parecia ser outro no sábado, devem ter convidado dois músicos para esta missão, enérgico mas com poucos resultados no som e coesão sonora do naipe dos violinos. Articulações cuidadas, sforzandos nos pontos certos mas mau som, este o mote dos violinos...
Quem escutou esta orquestra alguns anos atrás e a ouve hoje percebe a diferença, a progressão. Hoje pode-se escutar a OSP, mas ainda está muito longe das orquestras da primeira divisão. Um concerto agradável mas também triste por não haver um salto muito grande em termos qualitativos e andarmos sempre a bater no desgraçado. Continuamos a ter esperanças no trabalho de Renzeti para os próximos concertos e esperamos uma progressiva melhoria.
24.9.05
Início da temporada no S. Carlos
Iniciou-se o ciclo das nove sinfonias de Beethoven no S. Carlos. Cremos que é boa política, percorrer de forma sistemática o repertório e sedimentar formas e estilos. A OSP precisa de corpo e alma.
O concerto de ontem com Donato Renzeti foi razoável, dentro do médio, ou seja ao melhor possível dentro da actual situação da OSP. Sem sala de ensaio, usa o Salão Nobre do Teatro Nacional de Ópera, os músicos não têm condições de trabalho, não há salas de trabalho ou gabinetes de estudo, os ordenados são baixos e os músicos não são propriamente os melhores do mundo, nem isso seria possível. Os instrumentos têm qualidade mediana e, sobretudo nas cordas, isso sente-se na audição das obras...
Umas breves palavras sobre o concerto: a interpretação da 1ª sinfonia, em dó maior, de Beethoven, op. 21, foi muito mastigada e pouco ágil. Parecia que os músicos estavam presos, sobretudo nas cordas, inadmissível o número de notas trocadas nos violinos e o medo com que se abordavam as passagens mais difíceis (que não são complicadas), o que se traduzia por uma invariável redução sonora, quase como que um buraco que se abria, por outro lado as terminações das frases acabaram muitas vezes em perda. Os tímpanos estavam a um nível sonoro demasiado elevado em algumas passagens, provavelmente pela pouca habituação à nova concha acústica, concha que resulta muito agradável e melhora consideravelmente a acústica para concerto.
Digamos que estivemos ao nível 11 nesta sinfonia de Beethoven, Renzeti não pareceu empolgar muito os músicos e o novo concertino, parece que foi convidado para este ciclo, não impressionou vivamente. O primeiro andamento, Adagio Molto, Allegro com brio, foi demasiado adagio e com pouco brio, o Andante Cantabile com moto, foi mais andante do que com moto e foi poco cantabile e muito arrastabile, o menuetto, allegro molto e vivace, foi agradável mas poderia ser mais vivace e o final Adagio - Allegro molto e vivace, foi muito inseguro e diria mesmo triste em vez de allegro. Notou-se cuidado na afinação mas também muito medo e pouco entusiasmo.
Estávamos deste modo com muito poco moto para a segunda parte, com a Eroica, o nosso heroísmo para suportar o concerto não era muito e no intervalo deambulámos algo deprimidos e maledicentes, defeito bem nosso e que temos de corrigir. No entanto a coisa foi melhorando. Provavelmente mais habituados à linguagem mais elaborada de Beethoven, e com mais prática e ouvido nesta obra, a sinfonia op. 55, em mi bemol maior, a terceira do mestre de Bona, foi mais precisa, mais briosa no seu allegro con brio inicial. O seja houve mesmo sinal mais, ou não teria usado a palavra tantas vezes! A marcha fúnebre foi demasiado arrastada por Renzeti, se a orquestra tivesse outra untuosidade nas cordas ou outro pathos na interpretação, o tempo estaria bem, mas assim tornou-se arrastado e inconclusivo, um adagio demasiado assai para o nosso gosto. O scherzo, com algumas falhas ligeiras, foi um momento de alegria com um delicioso trio em que as trompas nos divertiram com passagens de cor e brilho campestre tudo rematado com um Finale, allegro molto, poco andante e presto, vivo e com heroísmo q.b. em que até o andante foi rico e inspirado, com um presto culminante que empolgou a meia casa que compareceu à chamada neste início de época.
Na segunda parte as sonoridades saiam mais equilibradas, as cordas agudas menos tensas e com menos erros, mas mantendo alguns buracos sonoros no final das passagens, gostámos em particular do naipe de violoncelos e dos contrabaixos, as próprias violas estiveram bem. A 1ª flauta que nos havia decepcionado na primeira parte esteve bem melhor na segunda, bem como o 1º oboé, o clarinete esteve sempre bem na articulação e na técnica mas já o ouvimos com uma sonoridade mais cheia e aveludada, talvez tenha tentado ir ao encontro do instrumento alemão do tempo de Beethoven. O fagote foi muito expressivo e incisivo, com denodo atacou com sonoridade cheia as passagens em que contracena com as cordas enriquecendo com o seu timbre a textura orquestral. Metais bem e trompas com presença (começo a achar que este naipe da OSP é bem melhor que o da Gulbenkian que se tem mostrado muito fraco ultimamente), tímpanos à procura da potência sonora correcta o que é difícil porque estão junto do fecho da concha acústica onde a reflexão sonora é maior, creio que deve ser muito difícil para o instrumentista perceber como chega o som ao público, mas muito exactos na Eroica (menos na primeira sinfonia).
Um Renzeti vivo e em cima da partitura cantarolou mas não empolgou na primeira parte uma orquestra anémica, conseguiu extrair mais frutos do seu trabalho na Eroica. Segunda parte para 13 valores, num concerto que se tornou agradável com o seu decorrer. Espera-se melhor para hoje e um crescendo de forma nos próximos concertos deste ciclo de aquecimento inicial.
Boa temporada é o que se deseja à orquestra e ao Teatro para bem de quem escuta e da cultura portuguesa.
O concerto de ontem com Donato Renzeti foi razoável, dentro do médio, ou seja ao melhor possível dentro da actual situação da OSP. Sem sala de ensaio, usa o Salão Nobre do Teatro Nacional de Ópera, os músicos não têm condições de trabalho, não há salas de trabalho ou gabinetes de estudo, os ordenados são baixos e os músicos não são propriamente os melhores do mundo, nem isso seria possível. Os instrumentos têm qualidade mediana e, sobretudo nas cordas, isso sente-se na audição das obras...
Umas breves palavras sobre o concerto: a interpretação da 1ª sinfonia, em dó maior, de Beethoven, op. 21, foi muito mastigada e pouco ágil. Parecia que os músicos estavam presos, sobretudo nas cordas, inadmissível o número de notas trocadas nos violinos e o medo com que se abordavam as passagens mais difíceis (que não são complicadas), o que se traduzia por uma invariável redução sonora, quase como que um buraco que se abria, por outro lado as terminações das frases acabaram muitas vezes em perda. Os tímpanos estavam a um nível sonoro demasiado elevado em algumas passagens, provavelmente pela pouca habituação à nova concha acústica, concha que resulta muito agradável e melhora consideravelmente a acústica para concerto.
Digamos que estivemos ao nível 11 nesta sinfonia de Beethoven, Renzeti não pareceu empolgar muito os músicos e o novo concertino, parece que foi convidado para este ciclo, não impressionou vivamente. O primeiro andamento, Adagio Molto, Allegro com brio, foi demasiado adagio e com pouco brio, o Andante Cantabile com moto, foi mais andante do que com moto e foi poco cantabile e muito arrastabile, o menuetto, allegro molto e vivace, foi agradável mas poderia ser mais vivace e o final Adagio - Allegro molto e vivace, foi muito inseguro e diria mesmo triste em vez de allegro. Notou-se cuidado na afinação mas também muito medo e pouco entusiasmo.
Estávamos deste modo com muito poco moto para a segunda parte, com a Eroica, o nosso heroísmo para suportar o concerto não era muito e no intervalo deambulámos algo deprimidos e maledicentes, defeito bem nosso e que temos de corrigir. No entanto a coisa foi melhorando. Provavelmente mais habituados à linguagem mais elaborada de Beethoven, e com mais prática e ouvido nesta obra, a sinfonia op. 55, em mi bemol maior, a terceira do mestre de Bona, foi mais precisa, mais briosa no seu allegro con brio inicial. O seja houve mesmo sinal mais, ou não teria usado a palavra tantas vezes! A marcha fúnebre foi demasiado arrastada por Renzeti, se a orquestra tivesse outra untuosidade nas cordas ou outro pathos na interpretação, o tempo estaria bem, mas assim tornou-se arrastado e inconclusivo, um adagio demasiado assai para o nosso gosto. O scherzo, com algumas falhas ligeiras, foi um momento de alegria com um delicioso trio em que as trompas nos divertiram com passagens de cor e brilho campestre tudo rematado com um Finale, allegro molto, poco andante e presto, vivo e com heroísmo q.b. em que até o andante foi rico e inspirado, com um presto culminante que empolgou a meia casa que compareceu à chamada neste início de época.
Na segunda parte as sonoridades saiam mais equilibradas, as cordas agudas menos tensas e com menos erros, mas mantendo alguns buracos sonoros no final das passagens, gostámos em particular do naipe de violoncelos e dos contrabaixos, as próprias violas estiveram bem. A 1ª flauta que nos havia decepcionado na primeira parte esteve bem melhor na segunda, bem como o 1º oboé, o clarinete esteve sempre bem na articulação e na técnica mas já o ouvimos com uma sonoridade mais cheia e aveludada, talvez tenha tentado ir ao encontro do instrumento alemão do tempo de Beethoven. O fagote foi muito expressivo e incisivo, com denodo atacou com sonoridade cheia as passagens em que contracena com as cordas enriquecendo com o seu timbre a textura orquestral. Metais bem e trompas com presença (começo a achar que este naipe da OSP é bem melhor que o da Gulbenkian que se tem mostrado muito fraco ultimamente), tímpanos à procura da potência sonora correcta o que é difícil porque estão junto do fecho da concha acústica onde a reflexão sonora é maior, creio que deve ser muito difícil para o instrumentista perceber como chega o som ao público, mas muito exactos na Eroica (menos na primeira sinfonia).
Um Renzeti vivo e em cima da partitura cantarolou mas não empolgou na primeira parte uma orquestra anémica, conseguiu extrair mais frutos do seu trabalho na Eroica. Segunda parte para 13 valores, num concerto que se tornou agradável com o seu decorrer. Espera-se melhor para hoje e um crescendo de forma nos próximos concertos deste ciclo de aquecimento inicial.
Boa temporada é o que se deseja à orquestra e ao Teatro para bem de quem escuta e da cultura portuguesa.
Wotan ainda não morreu? O Crepúsculo continua...
Depois do jovem Wagner ter sido morto pelo Wagner maduro, quer pelas desilusões quer pelo pessimismo de Schopenhauer encontrado algures num mundo como vontade de representação, morto Siegfried, o jovem Wagner, o revolucionário, Wagner fica só, no seu teatro, com o seu génio e a sua corte. Nietsche foi-se embora, também ele um Siegfried que se desilude e se transforma num Wotan crepuscular na sua insanidade terminal de dez anos, treponema pallidum, negação e confirmação dos mestres: Schopenhauer e Wagner. Licht Alberich, Alberich luz contra o Alberich das trevas, dois lados do mesmo Wagner, se pensarmos que Licht Alberich é Wotan, tal como se apelida o próprio a propósito de si mesmo, e que o Wagner maduro é o Wotan, W em lugar do O de Odin, que se retira voluntariamente para o seu crepúsculo eterno, então Alberich o Nibelungo será o quê?
Todos os heróis morrem para sobrar apenas Erda, Woglinde, Wellgunde e Flossihilde e umas Nornas desamparadas, também elas crepusculares. Quando Hagen grita Zurück von Ring, estranhas palavras para encerrar um ciclo, e se suicida, quem é que morre afinal? Quem se retira? Quem se reencontra? Quem se anuncia ao quinto, conclusivo, depurado e último, enunciar do tema da esperança ou redenção? Já escutado duas vezes, segundos antes e duas vezes enunciado na Walküre. Alberich o lado negro de Wotan está vivo? O seu filho Hagen morreu, o seu ódio extingue-se, também crepuscular, no retorno do ouro ao seu legítimo proprietário: O Reno. Reno que lava as margens... Wotan está vivo no tema da redenção, Wagner está vivo na sua música, e reina a esperança acima de todas as coisas. Fecha-se um ciclo mas estamos mais ricos, aprendemos numa viagem mágica pela nossa condição e por dentro de nós. Alberich o negro dissolveu-se no inominável, na vontade que é a razão da ética, deste Wotan resta uma redenção pela ausência, atingiu o Nirvana, atingiu o supremo bem ético, a redenção afinal da sua turbulenta existência...
Mas os sonhos de Siegfried não podem morrer, são o princípio lógico e raiz da caminhada para a ausência e da fusão com a vontade, não podemos ceder ao pessimismo total e niilista, o mundo é de Siegfried e Wotan está encerrado no seu destino, mas sobram os homens que ainda o contemplam e o exigem de volta a cada dia que passa. Aspirando ao mesmo Nirvana?
Que nos queria Wagner dizer com este tema?
Todos os heróis morrem para sobrar apenas Erda, Woglinde, Wellgunde e Flossihilde e umas Nornas desamparadas, também elas crepusculares. Quando Hagen grita Zurück von Ring, estranhas palavras para encerrar um ciclo, e se suicida, quem é que morre afinal? Quem se retira? Quem se reencontra? Quem se anuncia ao quinto, conclusivo, depurado e último, enunciar do tema da esperança ou redenção? Já escutado duas vezes, segundos antes e duas vezes enunciado na Walküre. Alberich o lado negro de Wotan está vivo? O seu filho Hagen morreu, o seu ódio extingue-se, também crepuscular, no retorno do ouro ao seu legítimo proprietário: O Reno. Reno que lava as margens... Wotan está vivo no tema da redenção, Wagner está vivo na sua música, e reina a esperança acima de todas as coisas. Fecha-se um ciclo mas estamos mais ricos, aprendemos numa viagem mágica pela nossa condição e por dentro de nós. Alberich o negro dissolveu-se no inominável, na vontade que é a razão da ética, deste Wotan resta uma redenção pela ausência, atingiu o Nirvana, atingiu o supremo bem ético, a redenção afinal da sua turbulenta existência...
Mas os sonhos de Siegfried não podem morrer, são o princípio lógico e raiz da caminhada para a ausência e da fusão com a vontade, não podemos ceder ao pessimismo total e niilista, o mundo é de Siegfried e Wotan está encerrado no seu destino, mas sobram os homens que ainda o contemplam e o exigem de volta a cada dia que passa. Aspirando ao mesmo Nirvana?
Que nos queria Wagner dizer com este tema?
21.9.05
A Imensa Minoria
Vital Moreira, professor na Universitade de Coimbra, insurge-se: "é simplesmente escandaloso, revelando extensa violação da lei e falta de fiscalização e punição dos prevaricadores"... a propósito das acumulações de professores do ensino superior. Como desconfio de gente que se escandaliza facilmente tive de ir espreitar os números. Sou professor do Instituto Superior Técnico, nunca acumulei noutro estabelecimento, e sou antigo membro da Comissão Disciplinar do Senado da Universidade Técnica de Lisboa sob, precisamente, a gestão do Magnífico Reitor Lopes da Silva, onde passaram alguns casos de acumulações ilegais. Acumulações severamente punidas, diga-se em abono da verdade. Recordo 4 casos de penas de inactividade por um e dois anos (transitadas e cumpridas), um caso de multa (em recurso no tribunal administrativo) e uma rescisão de contrato de um convidado, isto num lapso de tempo de 6 anos. Lopes da Silva, citado no artigo do Diário Económico, sabe do que fala: o professor catedrático do Instituto Superior Técnico teve um comportamento irrepreensível e corajoso, como reitor da UTL, ao mandar instaurar processos de averiguações, ou disciplinares, sempre que surgiram dúvidas ou notícias de acumulações ilegais.
Devo dizer que nunca me apercebi de um fenómeno de acumulação ilegal em larga escala na Universidade Técnica de Lisboa.
Lendo o artigo que suscita o escândalo de Vital Moreira constato que as acumulações se dão no politécnico público, na universidade pública e na privada, e que nada nos garante que a maioria das acumulações não esteja dentro de algum quadro legal uma vez que não nos é dito se estas acumulações são ou não autorizadas ou quais os números de cada situação. Recordo que o tempo integral (sem exclusividade) permite acumulação, desde que autorizada pelo reitor do estabelecimento público e num número de horas limitado, mas os tempos parciais permitem acumulação livre. Por outro lado, e isso não é mencionado no artigo fonte, cursos breves até vinte horas de carga horária semestral, palestras, escrita de livros ou artigos e honorários de direitos autorais são totalmente livres no caso de professores do ensino superior mesmo com exclusividade. Em caso de protocolo entre universidades, os professores com exclusividade podem receber por acumulação se, salvo erro, esta for igual ou inferior a quatro horas semanais desde que autorizada pelo reitor. Dividendos de acções ou lucros de empresas podem ser auferidos por professores em qualquer situação, que podem pertencer, em lugares não executivos, a conselhos de administração, bem como o complemento de vencimento dentro da universidade por projectos conjuntos, quer com empresas privadas, quer com organismos públicos. Os professores podem ainda auferir rendimentos por pareceres jurídicos ou técnicos.
Analisemos agora os números que escandalizam Moreira, 2929 professores acumulam, 31029 não acumulam. Ou seja uma percentagem de 91,37% dos professores do ensino superior estão em dedicação exclusiva e apenas 8,63% estão a acumular.
Se contabilizarmos apenas os casos de acumulações em 3 instituições, e estas começam a ser preocupantes em termos de dedicação ao ensino, encontramos o terrífico número de 335 turbo professores. Ou seja 0,99%, nem um por cento, de professores com três ou mais acumulações. Um número elevado em termos absolutos, mas muito reduzido face ao universo considerado e, no meu entender, nada preocupante, se contarmos que este número não ultrapassa uma dezena por escola, o que significa que na minha universidade os seis casos de acumulação (de que me lembro) alvo de processo disciplinar durante o tempo em que pertenci à mais ingrata das comissões do Senado correspondem a uma taxa de incidência elevada dos processos disciplinares sobre a maioria dos docentes em falta, note-se que mesmo no caso de 3 acumulações se encontram situações perfeitamente regulares: um exemplo possível será um professor a 0% numa universidade, formalmente pertencendo ao quadro da instituição mas sem vencimento, e a 50% nas restantes.
Tanto escarcéu por tão pouco, seria mais profícuo que Vital Moreira se escandalizasse com os vencimentos baixos dentro da classe docente, com a falta de produtividade da mesma classe em termos pedagógicos e científicos, com a desmotivação causada por governos e desgovernos de incompetentes do PS e do PSD ou ainda pelo subfinanciamento das universidades que, em termos de condições de ensino e de investimento, estão estagnadas e, felizmente, conseguem ainda obter recursos próprios. Um mecanismo de financiamento, aliás perverso, é feito à custa de as universidades venderem o seu capital pedagógico e científico a universidades privadas, aproveitando os overheads (10% a 30%) sobre os vencimentos dos professores que, através de protocolo autorizado pelos reitores, e recebendo apenas na instituição de origem, dão aulas nessas mesmas instituições privadas em regime perfeitamente legal, muitos dos 2929 professores que acumulam estão nestas circunstâncias e são ainda taxados em sede de IRS a níveis elevados.
É neste meio tacanho e analfabeto que as escolas superiores públicas e privadas vegetam. E nem todos os professores conseguem ter a sorte ou o mérito de serem pagos principescamente por pareceres jurídicos ou técnicos de meia página que valem ordenados de muitos meses de colegas de outras áreas científicas e sobre os quais incide apenas uma taxa de 10% no IRS!
Henrique Silveira
Devo dizer que nunca me apercebi de um fenómeno de acumulação ilegal em larga escala na Universidade Técnica de Lisboa.
Lendo o artigo que suscita o escândalo de Vital Moreira constato que as acumulações se dão no politécnico público, na universidade pública e na privada, e que nada nos garante que a maioria das acumulações não esteja dentro de algum quadro legal uma vez que não nos é dito se estas acumulações são ou não autorizadas ou quais os números de cada situação. Recordo que o tempo integral (sem exclusividade) permite acumulação, desde que autorizada pelo reitor do estabelecimento público e num número de horas limitado, mas os tempos parciais permitem acumulação livre. Por outro lado, e isso não é mencionado no artigo fonte, cursos breves até vinte horas de carga horária semestral, palestras, escrita de livros ou artigos e honorários de direitos autorais são totalmente livres no caso de professores do ensino superior mesmo com exclusividade. Em caso de protocolo entre universidades, os professores com exclusividade podem receber por acumulação se, salvo erro, esta for igual ou inferior a quatro horas semanais desde que autorizada pelo reitor. Dividendos de acções ou lucros de empresas podem ser auferidos por professores em qualquer situação, que podem pertencer, em lugares não executivos, a conselhos de administração, bem como o complemento de vencimento dentro da universidade por projectos conjuntos, quer com empresas privadas, quer com organismos públicos. Os professores podem ainda auferir rendimentos por pareceres jurídicos ou técnicos.
Analisemos agora os números que escandalizam Moreira, 2929 professores acumulam, 31029 não acumulam. Ou seja uma percentagem de 91,37% dos professores do ensino superior estão em dedicação exclusiva e apenas 8,63% estão a acumular.
Se contabilizarmos apenas os casos de acumulações em 3 instituições, e estas começam a ser preocupantes em termos de dedicação ao ensino, encontramos o terrífico número de 335 turbo professores. Ou seja 0,99%, nem um por cento, de professores com três ou mais acumulações. Um número elevado em termos absolutos, mas muito reduzido face ao universo considerado e, no meu entender, nada preocupante, se contarmos que este número não ultrapassa uma dezena por escola, o que significa que na minha universidade os seis casos de acumulação (de que me lembro) alvo de processo disciplinar durante o tempo em que pertenci à mais ingrata das comissões do Senado correspondem a uma taxa de incidência elevada dos processos disciplinares sobre a maioria dos docentes em falta, note-se que mesmo no caso de 3 acumulações se encontram situações perfeitamente regulares: um exemplo possível será um professor a 0% numa universidade, formalmente pertencendo ao quadro da instituição mas sem vencimento, e a 50% nas restantes.
Tanto escarcéu por tão pouco, seria mais profícuo que Vital Moreira se escandalizasse com os vencimentos baixos dentro da classe docente, com a falta de produtividade da mesma classe em termos pedagógicos e científicos, com a desmotivação causada por governos e desgovernos de incompetentes do PS e do PSD ou ainda pelo subfinanciamento das universidades que, em termos de condições de ensino e de investimento, estão estagnadas e, felizmente, conseguem ainda obter recursos próprios. Um mecanismo de financiamento, aliás perverso, é feito à custa de as universidades venderem o seu capital pedagógico e científico a universidades privadas, aproveitando os overheads (10% a 30%) sobre os vencimentos dos professores que, através de protocolo autorizado pelos reitores, e recebendo apenas na instituição de origem, dão aulas nessas mesmas instituições privadas em regime perfeitamente legal, muitos dos 2929 professores que acumulam estão nestas circunstâncias e são ainda taxados em sede de IRS a níveis elevados.
É neste meio tacanho e analfabeto que as escolas superiores públicas e privadas vegetam. E nem todos os professores conseguem ter a sorte ou o mérito de serem pagos principescamente por pareceres jurídicos ou técnicos de meia página que valem ordenados de muitos meses de colegas de outras áreas científicas e sobre os quais incide apenas uma taxa de 10% no IRS!
Henrique Silveira
16.9.05
Temporada Gulbenkian - Bilheteira On-line e Abertura
Já a partir de 19 de Setembro a bilheteira on-line da Gulbenkian vai estar em Site do Serviço de Música da Fundação Gulbenkian. De realçar a abertura da temporada a 3 de Outubro com música de compositores do século XVII e XVIII, e incluída no ciclo denominado Música Antiga com Pierre Hantaï no cravo, Marc Hantaï na flauta e Jérôme Hantaï na gamba. Uma abertura a não perder e vivamente recomendada.
Este ano a música mais antiga volta ao lugar de destaque com a previsão de diversos concertos de alto nível, bem longe do ano anterior com apenas 4 concertos de música antiga, alguns dos quais com pouca expressão artística e um, o de Jordi Savall, claramente fraudulento e desprestigiante para o catalão que anda a desbaratar o capital de qualidade e de prestígio, que adquiriu ao longo de uma carreira séria, com invenções sem nexo histórico suportadas com amplificação electroacústica! Mas voltando ao assunto, neste ano não se prevê nada de tão pobre. Para breve será feita aqui uma análise mais detalhada do programa deste ciclo.
Este ano a música mais antiga volta ao lugar de destaque com a previsão de diversos concertos de alto nível, bem longe do ano anterior com apenas 4 concertos de música antiga, alguns dos quais com pouca expressão artística e um, o de Jordi Savall, claramente fraudulento e desprestigiante para o catalão que anda a desbaratar o capital de qualidade e de prestígio, que adquiriu ao longo de uma carreira séria, com invenções sem nexo histórico suportadas com amplificação electroacústica! Mas voltando ao assunto, neste ano não se prevê nada de tão pobre. Para breve será feita aqui uma análise mais detalhada do programa deste ciclo.
Música Viva Regressa com Novo Formato
Abre hoje no centro Olga Cadaval o novo Música Viva, dirigido pelo compositor e excelente percussionista Miguel Azguime, o Festival sai do habitual esquema da música puramente electroacústica.
Ver artigo de Bernardo Mariano no DN de hoje.
Continua no entanto a ter uma autodenominada "Orquestra de Altifalantes" em seis concertos produzidos por instalações sonoras de várias colunas de som.
Esperemos que o público aflua em massa para os eventos interessantes do Festival.
Ver artigo de Bernardo Mariano no DN de hoje.
Continua no entanto a ter uma autodenominada "Orquestra de Altifalantes" em seis concertos produzidos por instalações sonoras de várias colunas de som.
Esperemos que o público aflua em massa para os eventos interessantes do Festival.
14.9.05
Portugal continua
Anedota 1
Oliveira Martins, a par de Pina Moura um dos pais do descalabro das contas públicas a que o país chegou, ministro das finanças entre 2000 e 2001 tendo sido anteriormente ministro da educação (1999-2000), foi nomeado presidente do tribunal de contas. O Vice presidente do grupo parlamentar do PS é o escolhido para fiscalizar os gastos e os concursos de toda a administração pública. Pode-se dizer que talvez o mister Bean, o da série televisiva, poderia ser uma melhor escolha, ou um boneco de peluche...
Mas não, Martins está na linha certa, podemos estar descansados que tudo fica na mesma, Alberto João Jardim pode respirar de alívio, Sócrates está em casa e o dinheiro dos autarcas e dos sacos azuis vai continuar a fluir alegremente para os partidos, à custa da destruição do país, do fomento de máfias locais e da corrupção generalizada.
Alguém esperava que fosse diferente? Nomeado por Sampaio.
Anedota 2
Lido num discurso de Sampaio: Como advogado, defendeu corajosamente, durante o regime monárquico, muitos republicanos perseguidos e presos. Como tribuno e propangadista prestigiadíssimo, participou em inúmeros actos de divulgação e afirmação da ideia republicana. Como deputado eleito, em 1882, pelo cículo da Madeira, numa eleição histórica, e pelo de Lisboa, em 1890, exerceu os seus mandatos parlamentares, com o maior brilho, dedicação e rigor ético.
No meio das vírgulas de Sampaio em que é que ficamos? Os republicanos eram perseguidos e presos ou eram eleitos deputados e podiam desempenhar as funções com o maior brilho, dedicação e rigor ético? Ou será que a manipulação histórica de Sampaio nunca admite, como o faz ao longo deste discurso que confunde democracia com república, que o final da monarquia era um regime amplamente democrático, como o não foi a república que ilegalizou os partidos monárquicos e teve ditaduras ferozes, como a de Pimenta de Castro, a quem o visado no discurso nomeou e pela qual foi deposto num golpe de estado "constitucionalista" que visava repor a república nos eixos. Os republicanos presos eram os bandidos, aqueles que não hesitaram em pegar em armas e matar. Os outros republicanos eram eleitos deputados e eram minoritários num universo de eleitores que se manteve depois de 1910, àparte a demagogia de substituir os homens pagantes de impostos pelos que homens que sabiam ler o que até reduziu o número de eleitores!
Ah, escrevo sobre o discurso a propósito de Manuel de Arriaga Brum da Silveira, um pateta prestigiadíssimo que foi eleito presidente da república em 1911.
Oliveira Martins, a par de Pina Moura um dos pais do descalabro das contas públicas a que o país chegou, ministro das finanças entre 2000 e 2001 tendo sido anteriormente ministro da educação (1999-2000), foi nomeado presidente do tribunal de contas. O Vice presidente do grupo parlamentar do PS é o escolhido para fiscalizar os gastos e os concursos de toda a administração pública. Pode-se dizer que talvez o mister Bean, o da série televisiva, poderia ser uma melhor escolha, ou um boneco de peluche...
Mas não, Martins está na linha certa, podemos estar descansados que tudo fica na mesma, Alberto João Jardim pode respirar de alívio, Sócrates está em casa e o dinheiro dos autarcas e dos sacos azuis vai continuar a fluir alegremente para os partidos, à custa da destruição do país, do fomento de máfias locais e da corrupção generalizada.
Alguém esperava que fosse diferente? Nomeado por Sampaio.
Anedota 2
Lido num discurso de Sampaio: Como advogado, defendeu corajosamente, durante o regime monárquico, muitos republicanos perseguidos e presos. Como tribuno e propangadista prestigiadíssimo, participou em inúmeros actos de divulgação e afirmação da ideia republicana. Como deputado eleito, em 1882, pelo cículo da Madeira, numa eleição histórica, e pelo de Lisboa, em 1890, exerceu os seus mandatos parlamentares, com o maior brilho, dedicação e rigor ético.
No meio das vírgulas de Sampaio em que é que ficamos? Os republicanos eram perseguidos e presos ou eram eleitos deputados e podiam desempenhar as funções com o maior brilho, dedicação e rigor ético? Ou será que a manipulação histórica de Sampaio nunca admite, como o faz ao longo deste discurso que confunde democracia com república, que o final da monarquia era um regime amplamente democrático, como o não foi a república que ilegalizou os partidos monárquicos e teve ditaduras ferozes, como a de Pimenta de Castro, a quem o visado no discurso nomeou e pela qual foi deposto num golpe de estado "constitucionalista" que visava repor a república nos eixos. Os republicanos presos eram os bandidos, aqueles que não hesitaram em pegar em armas e matar. Os outros republicanos eram eleitos deputados e eram minoritários num universo de eleitores que se manteve depois de 1910, àparte a demagogia de substituir os homens pagantes de impostos pelos que homens que sabiam ler o que até reduziu o número de eleitores!
Ah, escrevo sobre o discurso a propósito de Manuel de Arriaga Brum da Silveira, um pateta prestigiadíssimo que foi eleito presidente da república em 1911.
11.9.05
Um livro
Finalmente em Lisboa depois de um Verão wagneriano...
Depois de Bayreuth consegui algum tempo para ler o livro de Bryan Magee (n. 1930) "The Tristan Chord", na versão da Metropolitan Books ou "Wagner and Philosophy" na versão da Penguin Books. O autor é um velho conhecido desde "Aspects of Wagner" e de muitos livros sobre filosofia e pensamento, notável é o seu “Confessions Of A Philosopher”, que não sei se se encontra traduzido em português, além de dezenas de outros livros. Magee é professor em Oxford, crítico e habitual em Bayreuth. Conheceu Winifred Wagner a inglesa que casou com Siegfried, filho de Wagner, com ela teve longas conversas (nos pós-guerra) que o ajudaram a decifrar muito do pensamento subjacente a Bayreuth nos últimos 100 anos.
Ao ler Magee recordei a filosofia de Schopenhauer, o pessimismo e a ilusão do mundo. O que me motivou de novo reflexões pessimistas sobre o país em que vivo e a gente que nos governa. Magee, que também (eu diria este também em relação a Wagner) começou na esquerda e acabou na direita, "From Labour to Tatcher" poderia ser o título de uma biografia política do filósofo Magee que também foi MP. Magee diz-nos que os males do mundo são na maior parte fruto de confusões e erros, ou incompetência, ou pura estupidez, mais do que intenções maldosas, no entanto há certamente bastante destas coisas todas: no lenho retorcido da humanidade nada de direito alguma vez foi feito... O pessimismo de Schopenhauer, tão caro a Wagner, diz-nos ainda mais do que Magee transmite: a ganância, a inveja, a velhacaria e o egoísmo são o fermento, ele mesmo, da maioria dos actos humanos. Estou em concordar: as virtudes relacionadas com a compaixão e a dádiva desinteressada aos outros são escassos bens do espírito humano. Mesmo sem crer na visão oculta de um mundo visível, representação da vontade subterrânea de algo inominável subjacente ao mundo palpável dos sentidos, sinto esse mesmo pessimismo. E ao ver sociedades emergentes, que derivam de universos muito pobres, como o Portugal de hoje, um Portugal saído de muitos anos de analfabetismo, de depressão psicológica de uma guerra e de um salazarismo tão analfabeto como o do país, depois de anos de república devassa de ganâncias várias e pouco desenvolvimento, depois de anos de monarquia liberal de "piolheira" e de apropriação pelas classes liberais emergentes dos bens confiscados às ordens religiosas, depois de ver que Portugal foi quase sempre governado para proveito próprio de alguns em detrimento da maioria dos cidadãos, estou tentado a ser pessimista. É claro que estamos muito atrasados, a escola tornou-se universal há muito pouco tempo e o impacto da cultura, dos valores mais profundos da solidariedade, da dádiva, do serviço desinteressado nem sequer tiveram tempo de ser reintroduzidos pelo pensamento crítico e reflexivo sobre o nosso mundo. Hoje em dia não se reflecte sobre o mundo, não se pensa no outro, não há tempo, o tempo é de asfixia e de consumo: é preciso pensar na casa, no carro, em subir no emprego, de preferência à custa de alguém mais sério e mais competente, é necessário obter um cargo, em eliminar uns adversários políticos, em obter um exclusivo no jornal, em nomear um amigo do partido, analfabeto também, para um lugar de administração de um banco público, porque este sabe demais, porque àquele se devem favores... Bem, até pareço que estive a ouvir um sermão do padre João Caniço!
Mas, voltando ao tema que me trouxe aqui, ao contrário de alguns países mais desenvolvidos, e com menos corrupção, nós temos menos tempo de evolução e creio vai tardar muito a sair deste atoleiro português, deste atoleiro humano. Temos um novo referencial mas não temos a preparação. A natural bondade, solidariedade e força do povo português de antanho, misturados com a ganância e o egoísmo de muitos que a massa humana é sempre a mesma, foram substituídas por consumismo puro e por valores relacionados com esse mesmo consumismo. Uma espécie de deslumbramento colectivo depois da fome endémica (que persiste no analfabetismo cultural, no egoísmo desenfreado, na inveja lusitana típica e na fome propriamente dita que ainda existe).
Voltando a Magee que divago muito, não percebo como é que consegue em 17 capítulos e um apêndice, este último sobre o anti-semitismo de Wagner que é muito instrutivo mas altamente duvidoso em termos argumentativos no que diz respeito a Mime, Alberich e Beckmesser (mais uma divagação), não percebo, escrevia eu, como é possível não referir uma única vez a corrente estética de Wagner e a relação do romantismo com a revolução ou como se continua a enquadrar o romantismo de Wagner após o choque da descoberta e assimilação do "Mundo como Vontade de Representação". Romantismo e revolução, romantismo e Schopenhauer, estética e filosofia são associações estranhas a Magee, que sabe muito de Wagner, que sabe muito de Schopenhauer (tem pelo menos um livro sobre este filósofo), adora e compreende a música de Wagner mas é estranhamente simplista em alguns aspectos.
Algo que me intriga intensamente é o tema final do Ring, que espero ansiosamente poder escutar no próximo ano em Bayreuth. O poema do Ring foi escrito antes do encontro de Wagner com a obra de Schopenhauer, mas a música foi escrita após este encontro, sobretudo o final do Siegfried e todo o Crepúsculo. Magee diz-nos: se o poema não se alterou, a música ganhou a influência de Schopenhauer. O abandono de Wotan é a renúncia ao mundo antes de Wagner conhecer o filósofo, reconhecer este facto foi para Wagner uma revelação. Wotan, o Wagner da idade adulta, o Wagner idoso e sábio por oposição a Siegfried, o jovem revolucionário, idealista, sem ter ainda compreendido o mundo e sem se ter desiludido com a mesquinhez humana. No entender do próprio Wagner Siegfried é a sua imagem de jovem que terá de morrer para dar a conhecer o novo Wagner, um Wagner maduro que se retira do mundo, derrotado mas por sua vontade, a renúncia como acto supremo de criação. Siegfried morto, Wotan retirado no seu Crepúsculo Eterno, rodeado pelos seus pares e pelos heróis de mil combates. Como Wagner aspirava a esta retirada redentora para o nada. Para o Nirvana que era Schopenhauer milénios antes de ter nascido. O Nirvana do budismo que deixou o filósofo surpreendido já bem entrado na casa dos trinta, e muito posteriormente aos seus textos mais profundos terminados antes de fechar a casa dos vinte, exactamente o "O Mundo..." foi publicado na sua primeira edição aos 27 anos se bem me recordo. Cascatas de revelações paralelas, Buda para o filósofo, o filósofo para Wagner, textos escritos para se encaixarem na explosão de luz da descoberta posterior, ou reinterpretados à luz de outra sabedoria?
Nesta divagação em jeito de pensamento pessoal, sem grande preocupação com alguém que possa ler, e peço desculpa por isso mesmo a quem me tenta ler de facto, mas creio que esta divagação se tornou demasiado íntima. Quase um fio de pensamento que foi caindo para o teclado. Minto se disser que esta reflexão não é influenciada por saber que posso ser lido, mas mesmo assim insisto neste carácter de diário neste texto...
O livro de Magee caiu-me mal por uma razão muito simples, e depois desse desconforto comecei a procurar falhas nas argumentações do autor. A razão (que comecei a esboçar bem mais acima): o tema final do Ring surge primeiro na Valquíria, terceiro acto, logo após o anúncio por Brunnhilde de que Sieglinde estaria grávida de Siegfried e que o mundo tinha a esperança de um novo herói. Recordo que na Valquíria Wagner expõe 405 ocorrências locais de motivos (sem contar repetições imediatas do mesmo motivo ou alterações do mesmo em diferentes tessituras ou em diferentes pontos da orquestração mas a propósito do mesmo momento dramático, exemplo do primeiro acto da Valquíria: a espada que surge oculta nos baixos e depois se vai revelando no trompete baixo até chegar ao trompete de forma luminosa conta apenas como um tema). Já o Crepúsculo expõe 1003 ocorrências de motivos, um número assombroso. O motivo que encerra o Crepúsculo surge apenas e só em dois momentos em toda o ciclo das quatro óperas, é o tema da "Redenção pelo Amor" como é conhecido, talvez impropriamente, o tema deveria ser conhecido como a "Esperança" ou "Esperança no Futuro" ou "Anunciação do Herói Redentor", uma vez que é a primeira aparição de um tema, e logo este tema assombroso de força elegíaca e trágica, que dita a sua natureza. Noto que outros temas mudam de significado à medida que vão sendo usados e reaparecem. Não é o caso deste: anuncia o futuro Siegfried e encerra toda a obra, não tem tempo para evoluir, é um tema que Wagner usa de forma evidente com um sentido profundíssimo, como é natural na sua forma de compor e na sua dramaturgia, pensadíssima, reflectida, filosófica. Em 1003 ocorrências temáticas qual o porquê desta escolha única? Uma obra de arte total ou um arco total de vida e de pensamento? Enfim, algo que me parece óbvio é a esperança que Wagner põe no futuro, no homem que fica na terra após a queda dos heróis e o Crepúsculo dos Deuses. Esperança e não renúncia. A renúncia de Wotan é a renúncia de Wagner, como será a renúncia de Tristan, escrito a meio da composição musical do Ring (o poema do Ring é muito anterior, 1850), renúncia a Feuerbach, a Hegel, a Bakunine e aos ideais de juventude, é a renúncia dos jovens alemães que entretanto tiveram tempo para a desilusão, é a renúncia ao socialismo, a renúncia à utopia, a renúncia ao sonho e a aceitação do mundo como ele é, triste mas sábio (?). A renúncia que Wagner não consegue levar a cabo até às últimas consequências no Parsifal, e aqui volto a não aceitar de barato a visão de Magee, um Parsifal Schopenhaueriano, ou um Parsifal reaccionário? Em Parsifal, onde Tristan surge de forma colossal, Wagner dixit, salvo e redimido, tornado banal, um fraco que não ama perdidamente a sua Isolda mas que cede à tentação da primeira que se lhe atravessa ao caminho, na forma de um Anfortas, decadente e corroído pelo tormento da sua própria corrupção moral. Longe estão os tempos de um Tristan que renuncia ao mundo por amor, triste mas altivo e desejoso da vontade de regressar ao nada onde se poderá unir a Isolde, Tristan que morre quando pode comunicar essa renúncia ao seu amor, ao ver Isolde pela última vez, (como vem escrito na partitura e não como na última encenação em Bayreuth em que Tristan pressente Isolde mas não a chega a ver). A ferida de Tristan é pura como o amor que a gerou, é o sofrimento redentor tão forte como a paixão, a morte como forma de amor última, a renúncia como redenção total, suprema e sagrada, finalmente Schopenhauer em refinamento extático. No caso de Anfortas temos um palerma que sofre horrivelmente pela sua própria estupidez e fraqueza, sem ser por amor mas por lascívia. Algum paralelo? Wagner diz que sim, Magee concorda. Mas Magee alerta muitas vezes no seu livro que: “o que Wagner escreve não se deve tomar muito a sério”. Wagner gostou sempre manipular os outros, de alterar a história, de reinventar até a sua vida. Por outro lado a consciência profunda do seu génio e a sua indómita vontade de poder (e Nietsche volta a ter razão aqui) leva-o a negar o Schopenhauer em puros actos de criação artística onde o seu inconsciente mais profundo dita a força da sua obra, a revolta do génio mesmo perante o seu guia espiritual, o seu ídolo, uma revolta escondida, cifrada, mas mais forte do que os gritos das valquírias no acto onde o “Tema da Esperança” surge. Wagner nega claramente a renúncia de Wotan como objecto mais importante da sua magna obra, ao eleger o tema da redenção e da esperança no futuro como pedra final do seu colossal arco.
Wagner and Philosophy, um livro estimulante e profundo de Bryan Magee, um livro simples e directo, com argumentos bem elaborados e um pensamento estruturado e coerente. Um livro que faz pensar e deixa muitas pistas para reflexão e pensamento futuros. Provavelmente voltarei ao assunto para discutir o anti-semitismo de Wagner em relação ao apêndice do livro de Magee.
Depois de Bayreuth consegui algum tempo para ler o livro de Bryan Magee (n. 1930) "The Tristan Chord", na versão da Metropolitan Books ou "Wagner and Philosophy" na versão da Penguin Books. O autor é um velho conhecido desde "Aspects of Wagner" e de muitos livros sobre filosofia e pensamento, notável é o seu “Confessions Of A Philosopher”, que não sei se se encontra traduzido em português, além de dezenas de outros livros. Magee é professor em Oxford, crítico e habitual em Bayreuth. Conheceu Winifred Wagner a inglesa que casou com Siegfried, filho de Wagner, com ela teve longas conversas (nos pós-guerra) que o ajudaram a decifrar muito do pensamento subjacente a Bayreuth nos últimos 100 anos.
Ao ler Magee recordei a filosofia de Schopenhauer, o pessimismo e a ilusão do mundo. O que me motivou de novo reflexões pessimistas sobre o país em que vivo e a gente que nos governa. Magee, que também (eu diria este também em relação a Wagner) começou na esquerda e acabou na direita, "From Labour to Tatcher" poderia ser o título de uma biografia política do filósofo Magee que também foi MP. Magee diz-nos que os males do mundo são na maior parte fruto de confusões e erros, ou incompetência, ou pura estupidez, mais do que intenções maldosas, no entanto há certamente bastante destas coisas todas: no lenho retorcido da humanidade nada de direito alguma vez foi feito... O pessimismo de Schopenhauer, tão caro a Wagner, diz-nos ainda mais do que Magee transmite: a ganância, a inveja, a velhacaria e o egoísmo são o fermento, ele mesmo, da maioria dos actos humanos. Estou em concordar: as virtudes relacionadas com a compaixão e a dádiva desinteressada aos outros são escassos bens do espírito humano. Mesmo sem crer na visão oculta de um mundo visível, representação da vontade subterrânea de algo inominável subjacente ao mundo palpável dos sentidos, sinto esse mesmo pessimismo. E ao ver sociedades emergentes, que derivam de universos muito pobres, como o Portugal de hoje, um Portugal saído de muitos anos de analfabetismo, de depressão psicológica de uma guerra e de um salazarismo tão analfabeto como o do país, depois de anos de república devassa de ganâncias várias e pouco desenvolvimento, depois de anos de monarquia liberal de "piolheira" e de apropriação pelas classes liberais emergentes dos bens confiscados às ordens religiosas, depois de ver que Portugal foi quase sempre governado para proveito próprio de alguns em detrimento da maioria dos cidadãos, estou tentado a ser pessimista. É claro que estamos muito atrasados, a escola tornou-se universal há muito pouco tempo e o impacto da cultura, dos valores mais profundos da solidariedade, da dádiva, do serviço desinteressado nem sequer tiveram tempo de ser reintroduzidos pelo pensamento crítico e reflexivo sobre o nosso mundo. Hoje em dia não se reflecte sobre o mundo, não se pensa no outro, não há tempo, o tempo é de asfixia e de consumo: é preciso pensar na casa, no carro, em subir no emprego, de preferência à custa de alguém mais sério e mais competente, é necessário obter um cargo, em eliminar uns adversários políticos, em obter um exclusivo no jornal, em nomear um amigo do partido, analfabeto também, para um lugar de administração de um banco público, porque este sabe demais, porque àquele se devem favores... Bem, até pareço que estive a ouvir um sermão do padre João Caniço!
Mas, voltando ao tema que me trouxe aqui, ao contrário de alguns países mais desenvolvidos, e com menos corrupção, nós temos menos tempo de evolução e creio vai tardar muito a sair deste atoleiro português, deste atoleiro humano. Temos um novo referencial mas não temos a preparação. A natural bondade, solidariedade e força do povo português de antanho, misturados com a ganância e o egoísmo de muitos que a massa humana é sempre a mesma, foram substituídas por consumismo puro e por valores relacionados com esse mesmo consumismo. Uma espécie de deslumbramento colectivo depois da fome endémica (que persiste no analfabetismo cultural, no egoísmo desenfreado, na inveja lusitana típica e na fome propriamente dita que ainda existe).
Voltando a Magee que divago muito, não percebo como é que consegue em 17 capítulos e um apêndice, este último sobre o anti-semitismo de Wagner que é muito instrutivo mas altamente duvidoso em termos argumentativos no que diz respeito a Mime, Alberich e Beckmesser (mais uma divagação), não percebo, escrevia eu, como é possível não referir uma única vez a corrente estética de Wagner e a relação do romantismo com a revolução ou como se continua a enquadrar o romantismo de Wagner após o choque da descoberta e assimilação do "Mundo como Vontade de Representação". Romantismo e revolução, romantismo e Schopenhauer, estética e filosofia são associações estranhas a Magee, que sabe muito de Wagner, que sabe muito de Schopenhauer (tem pelo menos um livro sobre este filósofo), adora e compreende a música de Wagner mas é estranhamente simplista em alguns aspectos.
Algo que me intriga intensamente é o tema final do Ring, que espero ansiosamente poder escutar no próximo ano em Bayreuth. O poema do Ring foi escrito antes do encontro de Wagner com a obra de Schopenhauer, mas a música foi escrita após este encontro, sobretudo o final do Siegfried e todo o Crepúsculo. Magee diz-nos: se o poema não se alterou, a música ganhou a influência de Schopenhauer. O abandono de Wotan é a renúncia ao mundo antes de Wagner conhecer o filósofo, reconhecer este facto foi para Wagner uma revelação. Wotan, o Wagner da idade adulta, o Wagner idoso e sábio por oposição a Siegfried, o jovem revolucionário, idealista, sem ter ainda compreendido o mundo e sem se ter desiludido com a mesquinhez humana. No entender do próprio Wagner Siegfried é a sua imagem de jovem que terá de morrer para dar a conhecer o novo Wagner, um Wagner maduro que se retira do mundo, derrotado mas por sua vontade, a renúncia como acto supremo de criação. Siegfried morto, Wotan retirado no seu Crepúsculo Eterno, rodeado pelos seus pares e pelos heróis de mil combates. Como Wagner aspirava a esta retirada redentora para o nada. Para o Nirvana que era Schopenhauer milénios antes de ter nascido. O Nirvana do budismo que deixou o filósofo surpreendido já bem entrado na casa dos trinta, e muito posteriormente aos seus textos mais profundos terminados antes de fechar a casa dos vinte, exactamente o "O Mundo..." foi publicado na sua primeira edição aos 27 anos se bem me recordo. Cascatas de revelações paralelas, Buda para o filósofo, o filósofo para Wagner, textos escritos para se encaixarem na explosão de luz da descoberta posterior, ou reinterpretados à luz de outra sabedoria?
Nesta divagação em jeito de pensamento pessoal, sem grande preocupação com alguém que possa ler, e peço desculpa por isso mesmo a quem me tenta ler de facto, mas creio que esta divagação se tornou demasiado íntima. Quase um fio de pensamento que foi caindo para o teclado. Minto se disser que esta reflexão não é influenciada por saber que posso ser lido, mas mesmo assim insisto neste carácter de diário neste texto...
O livro de Magee caiu-me mal por uma razão muito simples, e depois desse desconforto comecei a procurar falhas nas argumentações do autor. A razão (que comecei a esboçar bem mais acima): o tema final do Ring surge primeiro na Valquíria, terceiro acto, logo após o anúncio por Brunnhilde de que Sieglinde estaria grávida de Siegfried e que o mundo tinha a esperança de um novo herói. Recordo que na Valquíria Wagner expõe 405 ocorrências locais de motivos (sem contar repetições imediatas do mesmo motivo ou alterações do mesmo em diferentes tessituras ou em diferentes pontos da orquestração mas a propósito do mesmo momento dramático, exemplo do primeiro acto da Valquíria: a espada que surge oculta nos baixos e depois se vai revelando no trompete baixo até chegar ao trompete de forma luminosa conta apenas como um tema). Já o Crepúsculo expõe 1003 ocorrências de motivos, um número assombroso. O motivo que encerra o Crepúsculo surge apenas e só em dois momentos em toda o ciclo das quatro óperas, é o tema da "Redenção pelo Amor" como é conhecido, talvez impropriamente, o tema deveria ser conhecido como a "Esperança" ou "Esperança no Futuro" ou "Anunciação do Herói Redentor", uma vez que é a primeira aparição de um tema, e logo este tema assombroso de força elegíaca e trágica, que dita a sua natureza. Noto que outros temas mudam de significado à medida que vão sendo usados e reaparecem. Não é o caso deste: anuncia o futuro Siegfried e encerra toda a obra, não tem tempo para evoluir, é um tema que Wagner usa de forma evidente com um sentido profundíssimo, como é natural na sua forma de compor e na sua dramaturgia, pensadíssima, reflectida, filosófica. Em 1003 ocorrências temáticas qual o porquê desta escolha única? Uma obra de arte total ou um arco total de vida e de pensamento? Enfim, algo que me parece óbvio é a esperança que Wagner põe no futuro, no homem que fica na terra após a queda dos heróis e o Crepúsculo dos Deuses. Esperança e não renúncia. A renúncia de Wotan é a renúncia de Wagner, como será a renúncia de Tristan, escrito a meio da composição musical do Ring (o poema do Ring é muito anterior, 1850), renúncia a Feuerbach, a Hegel, a Bakunine e aos ideais de juventude, é a renúncia dos jovens alemães que entretanto tiveram tempo para a desilusão, é a renúncia ao socialismo, a renúncia à utopia, a renúncia ao sonho e a aceitação do mundo como ele é, triste mas sábio (?). A renúncia que Wagner não consegue levar a cabo até às últimas consequências no Parsifal, e aqui volto a não aceitar de barato a visão de Magee, um Parsifal Schopenhaueriano, ou um Parsifal reaccionário? Em Parsifal, onde Tristan surge de forma colossal, Wagner dixit, salvo e redimido, tornado banal, um fraco que não ama perdidamente a sua Isolda mas que cede à tentação da primeira que se lhe atravessa ao caminho, na forma de um Anfortas, decadente e corroído pelo tormento da sua própria corrupção moral. Longe estão os tempos de um Tristan que renuncia ao mundo por amor, triste mas altivo e desejoso da vontade de regressar ao nada onde se poderá unir a Isolde, Tristan que morre quando pode comunicar essa renúncia ao seu amor, ao ver Isolde pela última vez, (como vem escrito na partitura e não como na última encenação em Bayreuth em que Tristan pressente Isolde mas não a chega a ver). A ferida de Tristan é pura como o amor que a gerou, é o sofrimento redentor tão forte como a paixão, a morte como forma de amor última, a renúncia como redenção total, suprema e sagrada, finalmente Schopenhauer em refinamento extático. No caso de Anfortas temos um palerma que sofre horrivelmente pela sua própria estupidez e fraqueza, sem ser por amor mas por lascívia. Algum paralelo? Wagner diz que sim, Magee concorda. Mas Magee alerta muitas vezes no seu livro que: “o que Wagner escreve não se deve tomar muito a sério”. Wagner gostou sempre manipular os outros, de alterar a história, de reinventar até a sua vida. Por outro lado a consciência profunda do seu génio e a sua indómita vontade de poder (e Nietsche volta a ter razão aqui) leva-o a negar o Schopenhauer em puros actos de criação artística onde o seu inconsciente mais profundo dita a força da sua obra, a revolta do génio mesmo perante o seu guia espiritual, o seu ídolo, uma revolta escondida, cifrada, mas mais forte do que os gritos das valquírias no acto onde o “Tema da Esperança” surge. Wagner nega claramente a renúncia de Wotan como objecto mais importante da sua magna obra, ao eleger o tema da redenção e da esperança no futuro como pedra final do seu colossal arco.
Wagner and Philosophy, um livro estimulante e profundo de Bryan Magee, um livro simples e directo, com argumentos bem elaborados e um pensamento estruturado e coerente. Um livro que faz pensar e deixa muitas pistas para reflexão e pensamento futuros. Provavelmente voltarei ao assunto para discutir o anti-semitismo de Wagner em relação ao apêndice do livro de Magee.
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