21.9.05
A Imensa Minoria
Vital Moreira, professor na Universitade de Coimbra, insurge-se: "é simplesmente escandaloso, revelando extensa violação da lei e falta de fiscalização e punição dos prevaricadores"... a propósito das acumulações de professores do ensino superior. Como desconfio de gente que se escandaliza facilmente tive de ir espreitar os números. Sou professor do Instituto Superior Técnico, nunca acumulei noutro estabelecimento, e sou antigo membro da Comissão Disciplinar do Senado da Universidade Técnica de Lisboa sob, precisamente, a gestão do Magnífico Reitor Lopes da Silva, onde passaram alguns casos de acumulações ilegais. Acumulações severamente punidas, diga-se em abono da verdade. Recordo 4 casos de penas de inactividade por um e dois anos (transitadas e cumpridas), um caso de multa (em recurso no tribunal administrativo) e uma rescisão de contrato de um convidado, isto num lapso de tempo de 6 anos. Lopes da Silva, citado no artigo do Diário Económico, sabe do que fala: o professor catedrático do Instituto Superior Técnico teve um comportamento irrepreensível e corajoso, como reitor da UTL, ao mandar instaurar processos de averiguações, ou disciplinares, sempre que surgiram dúvidas ou notícias de acumulações ilegais.
Devo dizer que nunca me apercebi de um fenómeno de acumulação ilegal em larga escala na Universidade Técnica de Lisboa.
Lendo o artigo que suscita o escândalo de Vital Moreira constato que as acumulações se dão no politécnico público, na universidade pública e na privada, e que nada nos garante que a maioria das acumulações não esteja dentro de algum quadro legal uma vez que não nos é dito se estas acumulações são ou não autorizadas ou quais os números de cada situação. Recordo que o tempo integral (sem exclusividade) permite acumulação, desde que autorizada pelo reitor do estabelecimento público e num número de horas limitado, mas os tempos parciais permitem acumulação livre. Por outro lado, e isso não é mencionado no artigo fonte, cursos breves até vinte horas de carga horária semestral, palestras, escrita de livros ou artigos e honorários de direitos autorais são totalmente livres no caso de professores do ensino superior mesmo com exclusividade. Em caso de protocolo entre universidades, os professores com exclusividade podem receber por acumulação se, salvo erro, esta for igual ou inferior a quatro horas semanais desde que autorizada pelo reitor. Dividendos de acções ou lucros de empresas podem ser auferidos por professores em qualquer situação, que podem pertencer, em lugares não executivos, a conselhos de administração, bem como o complemento de vencimento dentro da universidade por projectos conjuntos, quer com empresas privadas, quer com organismos públicos. Os professores podem ainda auferir rendimentos por pareceres jurídicos ou técnicos.
Analisemos agora os números que escandalizam Moreira, 2929 professores acumulam, 31029 não acumulam. Ou seja uma percentagem de 91,37% dos professores do ensino superior estão em dedicação exclusiva e apenas 8,63% estão a acumular.
Se contabilizarmos apenas os casos de acumulações em 3 instituições, e estas começam a ser preocupantes em termos de dedicação ao ensino, encontramos o terrífico número de 335 turbo professores. Ou seja 0,99%, nem um por cento, de professores com três ou mais acumulações. Um número elevado em termos absolutos, mas muito reduzido face ao universo considerado e, no meu entender, nada preocupante, se contarmos que este número não ultrapassa uma dezena por escola, o que significa que na minha universidade os seis casos de acumulação (de que me lembro) alvo de processo disciplinar durante o tempo em que pertenci à mais ingrata das comissões do Senado correspondem a uma taxa de incidência elevada dos processos disciplinares sobre a maioria dos docentes em falta, note-se que mesmo no caso de 3 acumulações se encontram situações perfeitamente regulares: um exemplo possível será um professor a 0% numa universidade, formalmente pertencendo ao quadro da instituição mas sem vencimento, e a 50% nas restantes.
Tanto escarcéu por tão pouco, seria mais profícuo que Vital Moreira se escandalizasse com os vencimentos baixos dentro da classe docente, com a falta de produtividade da mesma classe em termos pedagógicos e científicos, com a desmotivação causada por governos e desgovernos de incompetentes do PS e do PSD ou ainda pelo subfinanciamento das universidades que, em termos de condições de ensino e de investimento, estão estagnadas e, felizmente, conseguem ainda obter recursos próprios. Um mecanismo de financiamento, aliás perverso, é feito à custa de as universidades venderem o seu capital pedagógico e científico a universidades privadas, aproveitando os overheads (10% a 30%) sobre os vencimentos dos professores que, através de protocolo autorizado pelos reitores, e recebendo apenas na instituição de origem, dão aulas nessas mesmas instituições privadas em regime perfeitamente legal, muitos dos 2929 professores que acumulam estão nestas circunstâncias e são ainda taxados em sede de IRS a níveis elevados.
É neste meio tacanho e analfabeto que as escolas superiores públicas e privadas vegetam. E nem todos os professores conseguem ter a sorte ou o mérito de serem pagos principescamente por pareceres jurídicos ou técnicos de meia página que valem ordenados de muitos meses de colegas de outras áreas científicas e sobre os quais incide apenas uma taxa de 10% no IRS!
Henrique Silveira
Devo dizer que nunca me apercebi de um fenómeno de acumulação ilegal em larga escala na Universidade Técnica de Lisboa.
Lendo o artigo que suscita o escândalo de Vital Moreira constato que as acumulações se dão no politécnico público, na universidade pública e na privada, e que nada nos garante que a maioria das acumulações não esteja dentro de algum quadro legal uma vez que não nos é dito se estas acumulações são ou não autorizadas ou quais os números de cada situação. Recordo que o tempo integral (sem exclusividade) permite acumulação, desde que autorizada pelo reitor do estabelecimento público e num número de horas limitado, mas os tempos parciais permitem acumulação livre. Por outro lado, e isso não é mencionado no artigo fonte, cursos breves até vinte horas de carga horária semestral, palestras, escrita de livros ou artigos e honorários de direitos autorais são totalmente livres no caso de professores do ensino superior mesmo com exclusividade. Em caso de protocolo entre universidades, os professores com exclusividade podem receber por acumulação se, salvo erro, esta for igual ou inferior a quatro horas semanais desde que autorizada pelo reitor. Dividendos de acções ou lucros de empresas podem ser auferidos por professores em qualquer situação, que podem pertencer, em lugares não executivos, a conselhos de administração, bem como o complemento de vencimento dentro da universidade por projectos conjuntos, quer com empresas privadas, quer com organismos públicos. Os professores podem ainda auferir rendimentos por pareceres jurídicos ou técnicos.
Analisemos agora os números que escandalizam Moreira, 2929 professores acumulam, 31029 não acumulam. Ou seja uma percentagem de 91,37% dos professores do ensino superior estão em dedicação exclusiva e apenas 8,63% estão a acumular.
Se contabilizarmos apenas os casos de acumulações em 3 instituições, e estas começam a ser preocupantes em termos de dedicação ao ensino, encontramos o terrífico número de 335 turbo professores. Ou seja 0,99%, nem um por cento, de professores com três ou mais acumulações. Um número elevado em termos absolutos, mas muito reduzido face ao universo considerado e, no meu entender, nada preocupante, se contarmos que este número não ultrapassa uma dezena por escola, o que significa que na minha universidade os seis casos de acumulação (de que me lembro) alvo de processo disciplinar durante o tempo em que pertenci à mais ingrata das comissões do Senado correspondem a uma taxa de incidência elevada dos processos disciplinares sobre a maioria dos docentes em falta, note-se que mesmo no caso de 3 acumulações se encontram situações perfeitamente regulares: um exemplo possível será um professor a 0% numa universidade, formalmente pertencendo ao quadro da instituição mas sem vencimento, e a 50% nas restantes.
Tanto escarcéu por tão pouco, seria mais profícuo que Vital Moreira se escandalizasse com os vencimentos baixos dentro da classe docente, com a falta de produtividade da mesma classe em termos pedagógicos e científicos, com a desmotivação causada por governos e desgovernos de incompetentes do PS e do PSD ou ainda pelo subfinanciamento das universidades que, em termos de condições de ensino e de investimento, estão estagnadas e, felizmente, conseguem ainda obter recursos próprios. Um mecanismo de financiamento, aliás perverso, é feito à custa de as universidades venderem o seu capital pedagógico e científico a universidades privadas, aproveitando os overheads (10% a 30%) sobre os vencimentos dos professores que, através de protocolo autorizado pelos reitores, e recebendo apenas na instituição de origem, dão aulas nessas mesmas instituições privadas em regime perfeitamente legal, muitos dos 2929 professores que acumulam estão nestas circunstâncias e são ainda taxados em sede de IRS a níveis elevados.
É neste meio tacanho e analfabeto que as escolas superiores públicas e privadas vegetam. E nem todos os professores conseguem ter a sorte ou o mérito de serem pagos principescamente por pareceres jurídicos ou técnicos de meia página que valem ordenados de muitos meses de colegas de outras áreas científicas e sobre os quais incide apenas uma taxa de 10% no IRS!
Henrique Silveira
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