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8.5.07

Valquíria - Miserabilismo musical 


Prometi anteriormente escrever sobre os aspectos musicais da Walküre em Lisboa.
Pouco mais há a dizer sobre os longos textos que escrevi sobre o teatro de Vick. É inequívoco que a música foi um parente pobre nesta Valquíria.
A orquestra wagneriana em versão mini, com 18 cordas a menos do que o minimamente exigível, e de muito fraca qualidade nessas mesmas cordas, portou-se francamente mal. O buraco orquestral, de acústica péssima e mal estudada, não contribuiu para mais, mal medido revela a profunda incompetência, ou desinteresse, do encenador sobre o assunto.
Os graves estando muito separados não se ouviam entre si com desacertos gritantes nas entradas, trompas e fagotes, contrabaixos e violoncelos, contrabaixos e todo o resto. Parecia que tudo andava à nora. Os violinos desafinados, com notas erradas e, cúmulo dos cúmulo, no final da obra (na passagem francamente difícil do fogo mágico) até parecia haver primeiros violinos a fingir que tocavam, arcos atravessados voando alegremente sem tocar nas cordas!
O resultado orquestral foi claramente mau. Muito pior do que o sofrível que me parecia a audição da estreia, por culpa de não conseguir ouvir a orquestra quando fiquei na distante plateia do palco.
O maestro Marko Letonja mostrou-se desatento, displicente, sem ter cuidado com as entradas. Em lugar de ser um elemento aglutinador e organizador de um conjunto fraco e desconjuntado, contribuiu para um descalabro orquestral absoluto. Apesar de frases poéticas nos solos de muitos instrumentos, o resultado em termos de conjunto foi entre o sofrível e o muito mau. E em Wagner ser sofrível já é péssimo. Letonja que já tinha sido péssimo na Médée de Cherubini, ainda teve o descaramento de dar uma entrevista ao DN em que mandava umas postas de pescada sobre Bayreuth e a obra de Wagner revelando uma confrangedora candura sobre o assunto, afirmando, entre outros disparates, que não precisava das seis harpas porque até ouvia bem demais as quatro que estavam encostadas às suas orelhas. Não importa que o público não ouvisse nada, sua excelência com as harpas em cima de si próprio achava que era demais. O pior nem sequer foi isso, o pior foi a subalternização a que a música foi votada, e com a qual o maestro esloveno foi cúmplice. O resultado final em termos puramente musicais foi desconexo, sem ligação global, momentos interessantes que se perdiam em declamações intermináveis mal sublinhadas e que não contribuiram para a coerência final. Não houve sequer um arremedo de leitura musical, não se percebeu qual a posição estética da direcção, não se entendeu uma linha de som, os tempos foram sempre ditados pelo palco e nunca pelo pulso do maestro como emanações de uma ideia da obra. Ideia global da obra? Só se for a que Vick tem, preconcebida, do drama wagneriano, e é claro que Letonja não faz tem a menor noção do assunto. Não perceber que a música de Wagner é essencial ao drama é não perceber nada de encenação, nada de música e nada de Wagner. Ter deixado isto acontecer no Ouro do Reno foi um erro, persistir nesse erro na Valquíria e até aumentar essa dependência com a atitude subserviente de Letonja, de andar e deixar andar, foi um erro ainda mais grave. Creio que durante todos os anos de Pinamonti, e eu disse muito bem deste director que acho insubstituível, esse foi o seu maior erro, deixar Graham Vick destruir o drama Wagneriano, não numa encenação canhestra e meramente destrutiva e gratuita mas numa encenação incompetente. No entanto não foi por isso que Pinamonti foi substituído, nem eu acho que isso fosse motivo para o ser, pois o próprio secretário hermenêutico abanava a cabeça de contente com o Ouro do Reno e delirava com esta proposta de Graham Vick, avalizando esta escalada vergonhosa de desrespeito pela música de Wagner.
Já falámos de Letonja e da orquestra, salvaram-se os metais aqui e ali, salvaram-se alguns solos. Nas cordas em conjunto a coisa foi um desastre, contrabaixos reduzidos a cinco não se ouviam, violoncelos desafinavam (isto quando se ouviam), violas eram a imagem da anarquia, com uma agitação frenética dentro do naipe e uma falta de profissionalismo verdadeiramente confrangedora por parte de alguns músicos e os violinos foram globalmente desastrosos. Será que as harpas estavam lá? Pouco as ouvi, no palco estavam longe, no camarote o som projectava-se noutra direcção...
As vozes foram também muito irregulares:

Mikhail Kit em Wotan foi grosseiro, sem linha vocal, desafinou e não tem legato, não sabe alemão e depende do ponto, fraco.
Susan Bullock em Brünnhilde, acabou por cumprir com grande dignidade sem ter a voz de um verdadeiro soprano dramático. Cantou as linhas wagnerianas com grande empenho, determinação e sentido dramático, agudos demasiados estridentes e às vezes um pouco destimbrada, fez no entanto uma belíssima cena final quase irrepreensível, muitos furos acima de uma Linda Watson, por exemplo.
Judit Németh em Fricka, excelente, belo timbre, belíssima linha vocal, belos agudos, encantou, já tinha feito Brünnhilde antes. Creio que terá sido um erro de casting empregá-la em Fricka que tantas cantoras podem fazer.
Maxim Mikhailov em Hunding, boçal e bárbaro, voz poderosa mas rude, desafina nos graves, é o que se pretende em Hunding.
Ronald Samm em Siegmund, com um físico imprestável para o papel e as exigências da encenação, acaba extenuado e em perda vocal total, o final do primeiro e do segundo actos foram, em ambas as récitas a que assisti, verdadeiramente desastrosas. Acabou sem agudos e sem fôlego. As invocações heróicas de Sigmund foram tudo menos heróicas.
Anna-Katharine Behnke em Sieglinde, esteve mal na entrada da estreia, com perdas de linha e de afinação, depois aqueceu e a coisa compôs-se. Voz bonita e um segundo acto de grande nível, imponente a forma como cantou o tema da redenção, ou da esperança, na estreia. Na segunda récita tentei ouvir Behnke a cantar a mesma parte vocal, mas como a mesma estava de costas não sei se correu mal ou bem, não se ouvia... Tem uma boa linha vocal e representa com a voz.

As valquírias estiveram francamente bem, apesar de algumas entradas fora de sítio, sobretudo na estreia, o que se entende pela posição dificílima em que tinham de cantar e longíssimo do maestro; mais uma inconsistência prática desta encenação.

E fica cumprida a promessa. Apesar de continuar a achar que isto se devia ter feito, pela experiência, e que a encenação tem pontos a favor, fazendo pensar. Creio que ainda é tempo de fazer estudos acústicos para o Siegfried e de aumentar o buraco de forma a caber lá a orquestra wagneriana. O tecto que cobre grande parte da orquestra deve ser mais aberto, de forma a deixar fluir melhor o som, a disposição dos músicos na orquestra deve também ser melhorada. Por outro lado ainda se está a tempo de contratar um maestro mais sério, e com uma personalidade mais vincada, para o resto da Tetralogia.
Ao cuidado de novo director.

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