7.6.07
O talento da manipulação
Vieira de Carvalho continua com um grave problema de lógica, como posso constatar na entrevista no Jornal de Letras de hoje. Vieira de Carvalho, o hermenêuta da Ajuda, atira uns números para o ar, percebe-se que com o OPART poupa-se um milhão e trezentos mil euros. Segue a sequência da entrevista.
O jornalista pergunta: Como?
Hermeneuta: Sobretudo com a redução de quadros dirigentes.
J. Foram despedidos?
H. Não: há menos directores de serviços, menos directores gerais.
J. E foram para onde?
H. Continuam a trabalhar, grande parte deles com funções diferentes.
J. A ganhar menos... Se ganham o mesmo, não houve poupança.
H. Os termos dos vencimentos estão regulados. Não dou mais detalhes.
Genial, fica ao leitor a hermenêutica, sem necessidade de recorrer à arte das cifras exóticas.
Mais à frente o senhor Hermeneuta, que sendo catedrático de musicologia e licenciado em direito, parece que nunca aprendeu a fazer contas:
"O S. Carlos custa 38.000 euros por dia. Cada assinante por oito óperas recebe 2.500 de subsídio do Estado, o que significa seis salários mínimos nacionais. É o teatro de ópera mais caro da Europa."
Vejamos as falácias das divisões na nossa arte de prestidigitação numérica: o S. Carlos fica a menos de 4 milésimos de euro por dia a cada português e a 3 cêntimos de euro por récita por lusitano residente em Portugal e que pode ouvir essas mesmas récitas pela antena 2! O S. Carlos é mesmo barato, o total dos dinheiros públicos gastos na ópera na Alemanha por cidadão é mais de cinquenta vezes mais... E quanto custa o gabinete do Sr. Hermenêutica a cada português? Não será também ele demasiado caro para a produtividade que tem? Fica o repto para se fazerem essas contas.
Admitindo que as divisões do secretário estão certas, recordamos que em orçamento o S. Carlos é um dos teatros de ópera mais baratos do mundo, curiosamente por isso é que sai caro por récita. Para fazer mais produções é necessário dotar as instituições de um orçamento para produções além dos custos fixos. Vieira de Carvalho diz que Lisboa é a cidade com ópera mais cara da Europa. Se a culpa não fosse do governo ainda percebia o lamento, mas como esta situação é integralmente da culpa do executivo não percebo o queixume, ou é pouco inteligente ou é manipulador. Explico a fundamentação do que digo:
O S. Carlos tem 13 milhões de euros por ano, qualquer teatro de capital europeia supera largamente os trinta milhões.
O S. Carlos gasta pelo menos dez milhões em custos fixos. Sobram uns tostões para as tais oito óperas. Imagine-se que com três milhões se fazem oito óperas. Quando dá? 50 euros por ópera por espectador, bem distante do que o secretário anda a apregoar! O público paga mais do que isso por bilhete médio! Imagine-se agora que em vez de oito óperas tinha 32 produções, o quádruplo. Já houve mas no tempo do Salazar, era fascista mas, do mal o menos, gostava de música, fica aqui o lembrete a Teixeira dos Santos e a Sócrates de que o seu modelo gastava umas massas no S. Carlos e ouvia depois o resultado pela Emissora Nacional, Programa 2. O Salazar não era só fazer processos disciplinares e meter malta na cadeia quando diziam mal do Presidente do Conselho numa conversa de amigos presenciada por um qualquer bufo.
Seriam agora necessários 12 milhões para estas 32 produções. Colocamos 13 milhões para se fazerem umas coisas com uns cantores melhores que a Theodossiou. Estes 13 milhões são a parte variável do orçamento, e representam os mesmos cinquenta euros, apenas em custos de produção, por espectador/récita. Gastávamos menos do dobro do orçamento actual e passávamos a ter, em vez de oito miseráveis óperas, 32 óperas por ano, qualquer coisa como 4 estreias nos meses activos da temporada.
Façamos agora as contas à moda do hermeneuta 13 + 10 = 23 milhões. O hermeneuta divide os 13 milhões por 1000 lugares a 90 por cento de ocupação e a uma média de seis récitas, obtém assim cerca de 2500 euros para o ciclo de oito óperas por espectador. Quanto o número sobe para 23.000.000, supomos agora que há 32 produções cada com uma média de sete récitas, existem 1000 lugares e mantém-se os 90% de ocupação. Fica agora a cerca de 110 euros por récita/espectador, longe dos 312.5 do hermeneuta. O que é que isto quer dizer? Subiu-se o orçamento para 23 milhões, ainda assim abaixo do Real de Madrid, de Paris, numa ínfima fracção de Berlim com as suas três óperas, a léguas de Viena, abaixo do teatro de Colónia ou mesmo do pequeno teatro de Mannheim, e o preço desceu para 110 euros. Conclusão: Lisboa, por culpa do governo, tem a ópera mais cara do mundo. É claro que também tem um dos governos mais caros do mundo em termos do que lhes pagamos e do benefício que trazem ao país, zero.
E quanto paga o espectador? 60 euros por bilhete, o subsídio por espectador passaria assim para os 50 euros por récita/espectador! Repare o leitor que este subsídio não é para o espectador ver uma ópera: o bilhete cobre o preço da produção (custo variável), o subsídio é para manter o teatro, a orquestra, o coro, o património, o know how, o prestígio internacional de Portugal. Repare-se que a orquestra não faz apenas ópera. Dividir o orçamento actual do S. Carlos apenas pela ópera é mais uma manipulação.
Como reduzir ainda mais a factura do Estado aumentando o consumo artístico? A solução é incrivelmente simples, reduzir a o número de récitas aumentando o número de produções. Parece impossível? Não, não é impossível, basta construir um teatro moderníssimo com 3000 lugares. Cada produção passaria a ter apenas entre duas a três récitas, os custos variáveis de um teatro de ópera dependem fortemente dos números de récitas. Os cantores solistas e os maestros recebem por récita: um maestro razoável recebe 15.000 euros pela estreia e 10.000 pelas récitas seguintes, um cantor (cachet muito variável) recebe também à récita. Além disso um teatro moderno e funcional passaria ser muito mais eficiente em termos de custos de produção.
Por outro lado dava-se à OSP uma possibilidade de ter uma sede fixa digna. O actual teatro de S. Carlos passaria a fazer festivais e música antiga, uma vez que é uma sala de ópera quase em estado original e de uma beleza única.
A contas actuais, e continuando a fazer os mesmos espectáculos por ano, 50 récitas, em 25 produções, cada uma vista por 5600 pagantes, teríamos muitíssimos mais espectadores. Seria o triplo dos espectadores actuais. Seria possível com custos estatais globais (fixos mais variáveis) que estimo em cerca de 16 milhões, apenas mais três milhões do que o orçamento estatal actual, ter cerca de 25 produções. O custo nesta nova situação seria de 110 euros por espectador, também um terço do actual! E apenas com um investimento anual de mais três milhões de euros e, claro está, um grande investimento num teatro novo de ópera mas que ficaria como obra de arte para o futuro num país que não faz nada a não ser consumir-se e a não deixar registo. Acho bem mais importante um bom teatro de ópera do que o aeroporto da Ota. Antes de criar aeroportos deve-se criar qualidade de vida para os que estão cá e para os que nos visitam, senão esta coisa fica mesmo um deserto...
Em Portugal parece loucura uma obra destas, os liberais e outros imbecis vão logo gritar "aqui d'el rei que se anda a gastar dinheiro dos contribuintes", na Itália e em França não foi loucura e rendeu. Recordo a Bastilha, Aix-en-Provence com o seu novo teatro, Valência (decorre a temporada inaugural) e a renovação do Alla Scala.
Mais uma vez Lisboa fica na cauda do mundo, pelo secretário de estado da cultura que tem, um mero sintoma da indigência nacional, e por tudo o resto, com a cultura sempre no fim de, absolutamente, tudo.
O jornalista pergunta: Como?
Hermeneuta: Sobretudo com a redução de quadros dirigentes.
J. Foram despedidos?
H. Não: há menos directores de serviços, menos directores gerais.
J. E foram para onde?
H. Continuam a trabalhar, grande parte deles com funções diferentes.
J. A ganhar menos... Se ganham o mesmo, não houve poupança.
H. Os termos dos vencimentos estão regulados. Não dou mais detalhes.
Genial, fica ao leitor a hermenêutica, sem necessidade de recorrer à arte das cifras exóticas.
Mais à frente o senhor Hermeneuta, que sendo catedrático de musicologia e licenciado em direito, parece que nunca aprendeu a fazer contas:
"O S. Carlos custa 38.000 euros por dia. Cada assinante por oito óperas recebe 2.500 de subsídio do Estado, o que significa seis salários mínimos nacionais. É o teatro de ópera mais caro da Europa."
Vejamos as falácias das divisões na nossa arte de prestidigitação numérica: o S. Carlos fica a menos de 4 milésimos de euro por dia a cada português e a 3 cêntimos de euro por récita por lusitano residente em Portugal e que pode ouvir essas mesmas récitas pela antena 2! O S. Carlos é mesmo barato, o total dos dinheiros públicos gastos na ópera na Alemanha por cidadão é mais de cinquenta vezes mais... E quanto custa o gabinete do Sr. Hermenêutica a cada português? Não será também ele demasiado caro para a produtividade que tem? Fica o repto para se fazerem essas contas.
Admitindo que as divisões do secretário estão certas, recordamos que em orçamento o S. Carlos é um dos teatros de ópera mais baratos do mundo, curiosamente por isso é que sai caro por récita. Para fazer mais produções é necessário dotar as instituições de um orçamento para produções além dos custos fixos. Vieira de Carvalho diz que Lisboa é a cidade com ópera mais cara da Europa. Se a culpa não fosse do governo ainda percebia o lamento, mas como esta situação é integralmente da culpa do executivo não percebo o queixume, ou é pouco inteligente ou é manipulador. Explico a fundamentação do que digo:
O S. Carlos tem 13 milhões de euros por ano, qualquer teatro de capital europeia supera largamente os trinta milhões.
O S. Carlos gasta pelo menos dez milhões em custos fixos. Sobram uns tostões para as tais oito óperas. Imagine-se que com três milhões se fazem oito óperas. Quando dá? 50 euros por ópera por espectador, bem distante do que o secretário anda a apregoar! O público paga mais do que isso por bilhete médio! Imagine-se agora que em vez de oito óperas tinha 32 produções, o quádruplo. Já houve mas no tempo do Salazar, era fascista mas, do mal o menos, gostava de música, fica aqui o lembrete a Teixeira dos Santos e a Sócrates de que o seu modelo gastava umas massas no S. Carlos e ouvia depois o resultado pela Emissora Nacional, Programa 2. O Salazar não era só fazer processos disciplinares e meter malta na cadeia quando diziam mal do Presidente do Conselho numa conversa de amigos presenciada por um qualquer bufo.
Seriam agora necessários 12 milhões para estas 32 produções. Colocamos 13 milhões para se fazerem umas coisas com uns cantores melhores que a Theodossiou. Estes 13 milhões são a parte variável do orçamento, e representam os mesmos cinquenta euros, apenas em custos de produção, por espectador/récita. Gastávamos menos do dobro do orçamento actual e passávamos a ter, em vez de oito miseráveis óperas, 32 óperas por ano, qualquer coisa como 4 estreias nos meses activos da temporada.
Façamos agora as contas à moda do hermeneuta 13 + 10 = 23 milhões. O hermeneuta divide os 13 milhões por 1000 lugares a 90 por cento de ocupação e a uma média de seis récitas, obtém assim cerca de 2500 euros para o ciclo de oito óperas por espectador. Quanto o número sobe para 23.000.000, supomos agora que há 32 produções cada com uma média de sete récitas, existem 1000 lugares e mantém-se os 90% de ocupação. Fica agora a cerca de 110 euros por récita/espectador, longe dos 312.5 do hermeneuta. O que é que isto quer dizer? Subiu-se o orçamento para 23 milhões, ainda assim abaixo do Real de Madrid, de Paris, numa ínfima fracção de Berlim com as suas três óperas, a léguas de Viena, abaixo do teatro de Colónia ou mesmo do pequeno teatro de Mannheim, e o preço desceu para 110 euros. Conclusão: Lisboa, por culpa do governo, tem a ópera mais cara do mundo. É claro que também tem um dos governos mais caros do mundo em termos do que lhes pagamos e do benefício que trazem ao país, zero.
E quanto paga o espectador? 60 euros por bilhete, o subsídio por espectador passaria assim para os 50 euros por récita/espectador! Repare o leitor que este subsídio não é para o espectador ver uma ópera: o bilhete cobre o preço da produção (custo variável), o subsídio é para manter o teatro, a orquestra, o coro, o património, o know how, o prestígio internacional de Portugal. Repare-se que a orquestra não faz apenas ópera. Dividir o orçamento actual do S. Carlos apenas pela ópera é mais uma manipulação.
Como reduzir ainda mais a factura do Estado aumentando o consumo artístico? A solução é incrivelmente simples, reduzir a o número de récitas aumentando o número de produções. Parece impossível? Não, não é impossível, basta construir um teatro moderníssimo com 3000 lugares. Cada produção passaria a ter apenas entre duas a três récitas, os custos variáveis de um teatro de ópera dependem fortemente dos números de récitas. Os cantores solistas e os maestros recebem por récita: um maestro razoável recebe 15.000 euros pela estreia e 10.000 pelas récitas seguintes, um cantor (cachet muito variável) recebe também à récita. Além disso um teatro moderno e funcional passaria ser muito mais eficiente em termos de custos de produção.
Por outro lado dava-se à OSP uma possibilidade de ter uma sede fixa digna. O actual teatro de S. Carlos passaria a fazer festivais e música antiga, uma vez que é uma sala de ópera quase em estado original e de uma beleza única.
A contas actuais, e continuando a fazer os mesmos espectáculos por ano, 50 récitas, em 25 produções, cada uma vista por 5600 pagantes, teríamos muitíssimos mais espectadores. Seria o triplo dos espectadores actuais. Seria possível com custos estatais globais (fixos mais variáveis) que estimo em cerca de 16 milhões, apenas mais três milhões do que o orçamento estatal actual, ter cerca de 25 produções. O custo nesta nova situação seria de 110 euros por espectador, também um terço do actual! E apenas com um investimento anual de mais três milhões de euros e, claro está, um grande investimento num teatro novo de ópera mas que ficaria como obra de arte para o futuro num país que não faz nada a não ser consumir-se e a não deixar registo. Acho bem mais importante um bom teatro de ópera do que o aeroporto da Ota. Antes de criar aeroportos deve-se criar qualidade de vida para os que estão cá e para os que nos visitam, senão esta coisa fica mesmo um deserto...
Em Portugal parece loucura uma obra destas, os liberais e outros imbecis vão logo gritar "aqui d'el rei que se anda a gastar dinheiro dos contribuintes", na Itália e em França não foi loucura e rendeu. Recordo a Bastilha, Aix-en-Provence com o seu novo teatro, Valência (decorre a temporada inaugural) e a renovação do Alla Scala.
Mais uma vez Lisboa fica na cauda do mundo, pelo secretário de estado da cultura que tem, um mero sintoma da indigência nacional, e por tudo o resto, com a cultura sempre no fim de, absolutamente, tudo.
Etiquetas: OPART, Orquestra Sinfónica Portuguesa, S. Carlos, Sr. Hermenêutica, Vieira de Carvalho
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