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14.5.13

Relógio atrasado em S. Carlos 


Henrique Silveira
Crítico
Rigoletto de Verdi e Francesco Maria Piave, Teatro Nacional de S. Carlos, dia 11 de Maio, última récita, sala cheia.
Agostina Smimmero, Maddalena, contralto, excelente; Luís Rodrigues, Il Conte di Ceprano, barítono (seria um baixo segundo Verdi), bom; Piero Terranova, Rigoletto, barítono, escapatório; Giovanni Furlanetto, Sparafucile, baixo, pouco convincente; Romina Casucci, Gilda, soprano, medíocre; Alessandro Liberatore, Il Duca di Mantova, tenor, péssimo.
Cantores que cumpriram sem brilhar devido ao seu pequeno papel: Mário Redondo, Il Conte di Monterone, barítono; Marco Alves Dos Santos, Borsa Matteo, tenor; João Merino, Marullo, barítono; Leila Moreso, Giovanna, meio soprano; Ana Luísa Cardoso, La Contessa di Ceprano, meio soprano, Maria do Anjo Albuquerque, Un Paggio della Duchessa, Meio Soprano; Simeon Dimitrov, Un Usciere di Corte, baixo.
Direcção Musical: Martin André, péssimo; Orquestra Sinfónica Portuguesa e Coro Do TNSC, razoáveis; Encenação e Figurinos: Francesco Esposito, encenação fraca e figurinos maus; Cenografia: Francesco Esposito e Mauro Tinti, pindérica; coreografia: Domenico Iannone, houve coreografia? Desenho De Luz: Fabio Rossi, fraca. Programa de sala: incompleto, pouco informativo e dispensável.
Piero Terranova em Rigoletto compõe um bom papel e canta esforçadamente sem ter uma voz grande e densa e os seus graves são pouco convincentes, teatralmente foi muito esforçado, mostrou métier e o seu trabalho musical foi muito bem preparado, a sua voz é pouco ágil e no seu “andante mosso agitato” ponto fulcral da sua composição “cortigiano, vil razza danata” e nos duetos com Gilda, teve dificuldade em articular semicolcheias e tercinas, como é experiente esteve-se nas tintas para a direcção pesada de Martin André e entrou quando quis, às vezes antecipando os tempos de entrada quando o ritmo avassalador da obra o exigia. Entretanto não se entende como o director artístico não deu uma oportunidade de um grande papel a Luís Rodrigues, que estava em palco no papel de pisa palcos como Ceprano que, aliás, realizou brilhantemente com grande densidade teatral no ponto do primeiro acto em que interveio e com uma bela voz, bem timbrada, que imediatamente penetra na sala sem esforço.

A soprano Romina Casucci em Gilda tem a voz feia nos agudos, é muito inexperiente e tem muita falta de confiança no ataque das notas agudas que saem destimbradas, o domínio dos agudos é muito mau entrando muito instável e muito pobre de tímbre sempre que a nota está acima do fá, isso foi notório na ária “Caro nome” em que os saltos de oitava de fá para fá agudo foram penosos quebrandro as palavras para respirar e ganhar coragem para o ataque que saiu miserável, o ataque directo ao lá agudo foi desesperante e não acentuou os lás e sis agudos de passagem depois da segunda suspensão e, finalmente, fez ainda cadências trapalhonas onde dominou o medo e não a confiança necessária para este papel. Ao longo da obra manteve-se sempre neste registo e não vale a pena escalpelizar ainda mais uma interpretação verde.
O tenor Alessandro Liberatore no Duque de Mântua, mostrou maus dotes vocais e, sobretudo, um supremo mau gosto musical e teatral. Esbracejando desbragadamente, o desastre começou na “ballata” de entrada e prosseguiu o martírio ao longo de toda a ópera. Exibiu agudos em esforço, soluços de ataque, e foi incapaz de realizar as dinâmicas escritas por Verdi, notavelmente a total ausência de pianíssimos a três ppp quando canta o seu amor a Gilda no final do primeiro acto no andantino, “È il sol dell’anima”, não consegue apianar sobre o fá grave para depois fazer o melisma em salto de oitava sempre em pianíssimo. Tendo uma voz miseravelmente pequena canta tudo aos seus fracos plenos pulmões passando por toda a música de Verdi, e por toda uma paleta de sentimentos, da mesma forma boçal, sem que exista um mínimo de interpetação, ou direcção por parte do maestro, desta torrente infinita de arrogância da mediocridade. O cantor exibe ainda uma voz sempre na iminência de partir e visivelmente cansada, devido ao esforço que imprime ao seu canto. Sob uma direcção competente poderia melhorar imenso, nem todos podem ter vozes poderosas, poderia jogar com o claro escuro e apostar nos matizes, aproveitado algum bom timbre que, no fundo, ainda poderia restar-lhe. Sendo inteligente, poderia poupar-se para brilhar nos pontos mais exigentes. Mas a direcção pesada de Martin André é completamente insensível a este domínio, o peso da orquestra é tão exagerado, mesmo em acompanhamento, que retira ao cantor a possibilidade, admitindo que teria essa inteligência, de matizar mais a sua interpretação.
Giovanni Furlanetto em Sparafucile mostrou trabalho digno mas pouca profundidade de peito e graves pouco densos, o seu fá de saída no primeiro acto não fez estremecer os corações de tremor pela sua profissão de assassino professional. João Fernandes faria bem melhor e estou a ver mais alguns baixos portugueses que fariam, pelo menos, igual.
A surpresa desta récita, no meio da falta de critério na escolha do elenco, provavelmente por acaso feliz no meio de escolhas falhadas e erráticas, foi a grande voz de contralto de Agostina Smimmero, de uma densidade e profundidade impressionantes, e uma grande naturalidade musical, fez uma prostituta notável. Tem o inconveniente de um físico que a desfavorece em termos teatrais; no entanto, se perder peso poderia perder os dotes vocais e estes são preciosos e raros a nível mundial.
Na orquestra houve momentos de grande lirismo, apesar de Martin André, nomeadamente nos belíssimo solos de oboé. Tivessem seguido os cantores a poesia deste instrumentista e outro galo teria cantado em S. Carlos. O coro, apesar de algumas “fugas” rítmicas, esteve bem, muito moderado em termos cénicos e equilibrado vocalmente.
A direcção musical foi, de novo, muito fraca, André decorou o calhamaço mas não ganhou muito com isso, decorar para a exibição pura e simples não tem o menor significado, teria se ponderasse os planos e os equilíbrios, se preparasse realmente o canto, se entendesse a efervescência e a vivacidade dramática da partitura. A aceleração vertiginosa da obra em direcção ao clímax não foi entendida e a direcção pesada e empastelante, grosseira na sua falta de entendimento das subtilezas, fazem desta direcção um paradigma do que não se deve fazer em Verdi.
A encenação foi de uma “modernização” banal e tristonha, direcção de actores ao Deus dará e motos electricas para um duque que tanto é almirante como motoqueiro em cabedal, tijolos pintados para poupar em cenários e mobiliário tipo IKEA, em que o palácio do duque e beco escuro e abandonado têm a mesma realização, (a partitura tem escrita: Sala Magnifica nel palazzo Ducale splendidamente iluminata!) se o director tivesse poupado na contratação de uma armada de italianos banais como equipa cénica e tivesse optado por uma equipa nacional, certamente haveria quem fizesse melhor do que este chorrilho de banalidades, figurinos de loja chinesa e luzes indiferentes.
Pelo exposto muitos dos protagonistas poderiam ser feitos por cantores portugueses capazes de fazer igual ou melhor, há uma meia dúzia de Gildas superiores e há melhores tenores do que este Liberatore, mesmo num país fraco neste tipo de voz como Portugal. Não se entendem as opções de Martin André num capítulo que também é um desastre financeiro, pois cachets e a estada desta armada italiana durante meses em Lisboa, são muito superiores às dos artistas portugueses. Apostar nesta mediocridade quando há opções melhores neste tempo de crise, é quase insultuoso para o público pagante e para o contribuinte que sustenta o S. Carlos.

Eu próprio, juntamente com mais público, vaiei convictamente o tenor e, sobretudo, o maestro, que também é director artístico e nessa qualidade ali estava, num gozo da minha liberdade de público que pagou o seu bilhete, como é natural, nomeadamente nas mais exigentes casas por esse mundo; como era tradição no S. Carlos, sala sempre muito exigente ao longo da sua história. A reacção do director, ao fazer gestos desbragados num claro insulto ao público, que tem todo o direito de mostrar a sua posição e lhe paga o chorudo vencimento, foi inaceitável e levantou uma pateada merecida.

Bola preta

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