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29.12.08

Ainda a encenação de "Um outro Fim" de Pinho Vargas 

O meu comentário à ópera "Um Outro Fim" foi apelidado de "agressivo" pelo senhor AMET que se afirma André de Mendonça Escoto Teodósio, do Teatro Praga [post que pode ser lido no final deste meu texto], creio que se trata do encenador da ópera.
Sublinho que ter chamado medianíssimo ao texto de José Maria Vieira Mendes é um rasgado elogio.
Passo a explicar o que queria dizer com "garotos com pretensões post modernas" e que julgo ser apenas uma constatação de facto.
Post moderno, no sentido quase indefinível do termo, de oposto ou reacção ao modernismo, aquilo onde "quase tudo é possível e quase nada é certo", uma espécie de pan confusionismo barroco post estruturalista, ou mesmo anti-estruturalista. No sentido em que um texto base, de José Maria Vieira Mendes, marcado com transições claras – e não analiso o texto, note-se, sobre o qual muito haveria a dizer – é depois transgredido, desconstruído, esfumado, vincado por elementos de géstica absurda ou fora de contexto: apontar enfaticamente e repetidamente o céu ou o público ou a teia, usar máscaras de recortes sem sentido, desmaterializando, acabar com as marcações, entradas e saídas, esbater qualquer relação entre o vazio e o cheio, mobilar confusamente toda a estrutura cénica criando uma "possível" desconstrução, esbatimento, dissolução do texto através de barroquismos visuais prolixos. Usar elementos de “série B” que desligam a acção da verosimilhança, quase uma distância brechtiana mas sem a força dramática e o despojamento moderno da mesma. Tudo elementos post modernos avulsos, sem um verdadeiro propósito desconstrutivista no sentido revelador do termo oculto, da leitura profunda, sem uma desleitura (e como fazê-lo a partir de um texto claramente não hermético, primário no sentido do sentido): Derrida sem Derrida e sem a crítica de Focault? Como realizar uma hermenêutica de algo que não é hermético? Como criticar uma massa esbatida, nevoenta, sem cisura, sem fluxo? Onde está o Homem na sua ausência? Em palco, claro está, para se perceber que volta no fim e se perder a construção/evolução dramática? Mas isso faz sentido? E uma grande e negra pistola apenas desenhada em folhas brancas de um album mas desconstruída, verdadeitramente, pelos estrondos na orquestra! Nesta encenação falta um enorme revólver preto, ele mesmo saído de um “Falcão de Malta” ou, no paradigma das armas inúteis, de “O Dia em que a Terra Parou” de 1951... Jogos de espelhos óbvios do Irmão-Homem, ciclos de identidades, faces sem corpo, silhuetas que se trocam umas pelas outras, jogos inúteis, indicações desnecessárias, estações sem fim sem um outro fim.
Afinal o encenador é colaborador do dramaturgo? É um desconstrutor descarado (pela máscara que esconde a face) e afirmativo ou é um desconstrutor confuso com o que está a fazer? Abomina o texto e quer eliminá-lo, desfazê-lo, estilhaçá-lo? Sublinha o texto pela prolixidade, pelos referentes, pela rama e não pelo âmago, antíteses eles mesmos do modernismo? Ficam as questões.

Ser o crítico agressivo? Por chamar "garotos post modernos" ao jovem grupo de encenação? Não me parece, pela explicação e pelas questões deixadas. Quando o crítico se debruça sobre uma obra, qualquer observação que faça já é um motivo de regozijo para o criticado. Merece o crítico levar com o sapato voador do criticado? Claro que merece! Agradeço por isso. Só o sapato post moderno pode suscitar a polémica, a diversão da discussão, formas de uma arte superior chamada crítica, superior – claramente – "à desconstrução" de um texto. Um sapato post moderno pode ser sempre desconstruído; foi construído para isso, aliás. E para acabar por desconstruir o sapato recordo que o texto de "Um Outro Fim" é servido por uma música (concebida para o texto e não para a encenação que ainda não se vislumbrava) claramente construtivista, moderna, estruturalista, de uma claridade e de uma força desconcertantes no seu propósito moderno. É uma arte com siso, a de Pinho Vargas. Será a antítese, ela mesma, da encenação "post moderna"?... Sem a sapatada do criticado o crítico nunca viria a terreno esclarecer o motivo da sua observação.

Escrevo o texto acima, e dá-me bem menos trabalho escrevê-lo do que fazer uma tradução para o senso comum. Infelizmente o serviço público obriga-me a publicar a tal tradução: Garoto com pretensões post modernas = ser humano, ainda jovem, auto proclamado detentor de uma grande intelectualidade, e que dá a entender que leu uma série de livros, mas que anda confuso com o destino da sua arte, gostaria de ser um "desconstrutor" (será "desconstrutivista"? estes palavrões post modernos deixam-se sempre confuso), um "post estruturalista" ou mesmo um "anti estruturalista" mas não passa de um "neo-confusionista à espera de Augusto”.

Nota final sobre a posição do jovem artista face à crítica:

É confortável para o criticado, num único acto com sentido construtivo, nas sua demanda da desconstrução, paradoxo ele mesmo enquanto construção que se quer desconstruída, colocar-se na posição de vítima: “desgraçado do jovem”, vítima dos velhos críticos com Hanslick à frente mas apoiado no velho amigo que até trata por “Augusto”, o primeiro e amigável nome. Será o “jovem artista” o génio Wagner incompreendido e batido pelo velho sátrapa? Mas se nem Wagner era jovem, nem incompreendido, nem o sátrapa lhe conseguia bater. Será o “Augusto” o César da crítica? O pater familias? O grande homem africano que protege? O amuleto salvador no momento Augusto da Angústia, invocado para (ex)conjurar os críticos malévolos, e decrépitos, que o insultam sem propósito? O deus ex machina? Augusto salvador salva o jovem artista vítima dos Velhos do Restelo que não perceberam a desconstrução! Será que alguém percebeu excepto o próprio? Questões? Interrogações? Derisões? O jovem artista Teodósio diz-se insultado e tratado com agressividade, incompreendido. Mas isso não é o objectivo último do “jovem artista”? Caro Teodósio, pela parte que me toca, creio que estou a fazer-lhe um favor à sua excelsa e admirada figura de jovem artista post moderno, esta minha incompreensão da sua belíssima e incompreendida obra. Este texto é o meu ordálio de serviço público, é a minha redenção anual de 2008. Incompreendê-lo é um grande favor que lhe poderia fazer. Será que consigo?

Finalmente: júris de concursos só mesmo em Praga! De facto fui avaliador num concurso em Praga, neste ano que acaba, mas não era de artes. Não lhe posso desconstruir (nem quero) o subsídio que acho bem merecido.

Texto original de E. Teodósio:


Errata

Bom, pelos vistos o jornal Público talvez publique o meu D.R. (é bastante provável que não editem o texto na sua totalidade, mas isso depois logo se vê) pelo que achei mais educado tirar o texto do blog até à sua eventual publicação.

P.s. Sílvia, não existe nenhum "jogo de ofendido/ofensor". Simplesmente respondi (cinicamente) no mesmo tom verbal em que a crítica abordou o meu trabalho. É que nós, em Arte, podemos errar no objecto. Agora os críticos (que, by the way não sejamos ingénuos, alguns são júris em concursos públicos + são formadoras de trends + e possíveis futuros gatekeepers como diria Augusto) não devem insultar. É que isto abre uma lógica perigosa (exactamente a contrária de um 'famoso' encenador que agrediu um 'famoso' crítico): pedir a cabeça de um encenador e impedir que os 'novos' entrem nos Museus sem desconto.
Resumindo: isto nada tem a ver com gostar ou não. O Augusto (que ainda não me disse nada) presumo que não tenha gostado, imensas pessoas não gostaram. Não gostar do que eu faço está na ordem do dia (E AINDA BEM i.e. SIGNIFICA QUE ESTOU NO CAMINHO CERTO i.e. AS PARTAGES DU SENSIBLE ESTÃO ON THE WAY). Mas nenhum reagiu agressivamente como a sr. Cristina. É que nem o seu amigo Henrique. E isso eu não posso permitir.
ABOMINO O MAL.

P.s.s. AMO-TE=AMET=André de Mendonça Escoto Teodósio
Publicada por Amet em 20:07 2 comentários Hiperligações para esta mensagem


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