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15.11.07

Ordem e Caos - Razão e Emoção 

Depois de um jejum penitencial de alguns dias volto ao blogue. Volto para escrever a propósito de concertos desta semana, sobre a Orquestra Sinfónica Portuguesa e a sua falta de rumo e de estratégia.

Tenho sido acusado, justa ou injustamente, de escrever com demasiada paixão e, às vezes, sem razão. Vou tentar ser desapaixonado sobre um assunto que não pode deixar indiferentes em termos de razão e de emoção os portugueses amantes de música.

Começo pela Sinfónica Portuguesa. Esta orquestra tem uma história recente, recebe fundos do Estado Português de onde retira quase exclusivamente o seu orçamento. Tem também uma história de desconsideração enorme por parte dos poderes públicos, sem condições para ensaiar, sem meios, sem maestro titular desde a saída de Soltan Péskó que deixou aliás uma memória de péssima qualidade artística. Depois de outros maestros titulares sem a menor marca ou valor a orquestra está neste momento entregue aos bichos, sem uma política efectiva de gestão artística, que se arrasta com a contratação deste novo director artístico do teatro nacional de S. Carlos que tem a tutela da orquestra sinfónica portuguesa, e que trabalha em part time em Lisboa. O desleixo relativamente à OSP é tão grande que nem sequer um concertino principal (1º violino solista e chefe de naipe dos violinos) tem neste momento.

Não existe qualquer razão emocional que ligue os portugueses a esta orquestra dirigida inicialmente por Álvaro Cassuto. É considerada nacional e internacionalmente, muito justamente, como uma orquestra fraca e pouco empenhada.

Esta orquestra custa ao erário público português muitos milhões de euros, creio que só em vencimentos e reforços atinge os 3 milhões, importância mínima para uma verdadeira orquestra sinfónica e um desperdício neste caso. Dedica-se a fazer algumas óperas, cada vez menos, que necessitam de recursos muito menores do que o seu efectivo, ficando muitos músicos em casa. Faz ainda alguns concertos muito esporadicamente e em número muitíssimo menor que qualquer orquestra sinfónica nacional. Não tem uma temporada de concertos coerente. A sua qualidade é muito baixa e isso nota-se quando os maestros são também eles de qualidade muito baixa, como neste ano com um rapaz alemão do qual não me recordo o nome e com um José Cura em que se atingiu o nível da indigência musical num concerto pretensamente de "gala" e que foi mais um concerto de miséria. Uma orquestra incapaz de tocar as notas da nona de Beethoven apesar da falta de direcção de José Cura não pode ostentar o nome de orquestra. Orquestra significa organização, significa concerto de personalidades e de valências musicais artísticas, e o que temos com a OSP é uma desorganização, uma desestruturação orgânica, é um agrupamento em fase de disrupção. Hoje a OSP é desagregação, é falta de motivação. O desrespeito por parte da tutela da cultura leva à desculpabilização dos músicos pela falta de qualidade artística do seu trabalho e a um desinteresse de muitos dos músicos pelo seu trabalho e pela música.

Esquecem-se no entanto que a música e o respeito pelo público e por si próprios estão acima da real desvalorização do papel da orquestra por parte dos poderes públicos que até são tutelados por professores catedráticos e não apenas por jovens turcos carreiristas oriundos das juventudes partidárias...

Qual a solução para este problema? Penso que a solução é simples. A OSP não tem qualquer património, não criou afectos ou empatias com o público. Os concertos no CCB estão às moscas, apesar de chuvas copiosas de convites, mesmo quando dirigidos por maestros de qualidade que por vezes disfarçam a real dimensão do problema com uma semana de ensaios mais ou menos atribulados. Quando aparece uma "estrela" lá se vai ao concerto e este enche, devido ao nome da estrela e, em muitos casos, para tirar os vestidos da naftalina, isto acontece sobretudo no velho teatro. O público lá vai aquentando a orquestra para ter o prazer de escutar uns dós de peito do tenor ou uns sobreagudos da diva, que nisto do gosto lusitano que quanto mais berrar o tenor ou mais guinchar a diva mais palmas e bravos levam, e têm de ser agudos, que baixos e contraltos não têm nunca o mesmo sucesso em Portugal do que os seus comparsas que andam no arame das notas perigosas...
Por outro lado a esquizofrenia de uma orquestra sinfónica sem sede, sem espaço, sem director, que não se sabe se é de ópera ou sinfónica, leva a uma permanente indefinição.
Recordo o exemplo da Metropolitana de Lisboa, que sob a direcção de Michael Zilm e de outros bons maestros e a uma política inteligente e apaixonada de Gabriela Canavilhas, apesar da tradicional barragem de críticas que muitos "melómanos" e outros maldicentes lusos lhe levantam, tem levado a um aumento de qualidade efectivo desta orquestra e a um aumento real de qualidade.
Mas nada se faz sem cortar, sem doer, a metropolitana tem despedido músicos, alguns até com capacidades, mas que provaram ao longo do tempo ser incapazes de manter um nível elevado sabe-se lá porque razões.

Extinção da OSP, a única solução

É neste contexto que penso que a solução seria acabar com a OSP. A extinção desta orquestra é a única solução que vejo no horizonte. O plano seria muito simples, criar uma orquestra de ópera, com cerca 40 músicos abaixo do efectivo da actual, que se especializasse em ópera e, em menor escal, bailado. A simples razão de se fazer Wagner com menos 19 cordas do que o previsto na partitura "porque não cabem no fosso" é razão mais do que suficiente para pensar numa orquestra muito mais económica. Nas grandes produções em que é necessário uma orquestra grande, a nova "Orquestra do S. Carlos" seria reforçada com músicos pagos específicamente para a tarefa. Poupar-se-ia ao erário público muitos milhões de euros em vencimentos, contribuições, reformas e segurança social.

Na contratação de músicos para esta orquestra seria dada prioridade aos músicos da actual OSP que mostrassem qualidade para tocar. Quem seria o júri destas contratações? Seriam músicos de elevadíssimo padrão internacional a presidir ao júri, exemplo Rattle, Abbado, Haitink, Gardiner. Não haveria a menor ingerência do poder político nesta questão, nem delegados do Secretário de Estado nem membros nomeados pela OPART, ou por nomeação do director artístico. Pedir-se-ia ao maestro de nomeada, presidente dos júris, que decidisse dos diferentes avaliadores para avaliar os instrumentistas. Cada painel teria que ser formado por músicos de nacionalidades diferentes (para evitar enviesamentos estilísticos, regionais ou outros), este maestro nomearia os especialistas dos diversos instrumentos para fazer as avaliações para cada naipe. Esta orquestra teria reavaliações obrigatórias a cada três anos.
Teria de ser nomeado um director artístico presente e permanente. Este esquema permitiria poupar dinheiro em vencimentos de forma a pagar um vencimento decente ao director para atrair gente de qualidade elevada e não um simples Peskó (que mesmo assim ganhava 4000 euros por mês mesmo quando não punha cá os pés), ou mesmo um Ranzetti ou, pior, um destes rapazes saídos do conservatório que têm aparecido sem qualquer noção do que é gerir o tremendo caldeirão de personalidades que é uma orquestra. Os vencimentos dos músicos da orquestra seriam mais elevados do que os actuais em cerca de vinte por cento. Mesmo triplicando o vencimento do titular e pagando mais vinte por cento aos músicos da nova orquestra poupar-se-ia uma soma de cerca de quinhentos mil euros por ano, o suficiente para pagar uma renda de uma sede e pagar todos os extras e mais alguns, com um aumento extraordinário de qualidade.
O problema é que mesmo pagando o triplo, hoje, creio que não há nenhum maestro de craveira internacional que aceite vir dirigir a Sinfónica Portuguesa. É evidente que a nova orquestra da ópera do S. Carlos teria de ter uma política claríssima de procura da qualidade, a partir da sua criação, o que já poderia ser estimulante para um maestro de elevado nível. Noto que ao vencimento do titular acrescem sempre os cachets dos concertos e óperas que dirige, já o foi assim no tempo de Peskó...

O coro do S. Carlos seria refundado a partir do nada, já que o que
"existe" é menos que nada, com um juri internacional para o qual convidaria (para presidir) Eberhard Friedrich, para mim o melhor maestro de coro de ópera do mundo.

Primeiros Violinos: actual 19, nova orquestra 12: -7
Segundos Violinos: actual 17, nova orquestra 10: -7
Violas: actual 15, nova orquestra 8: -7
Violoncelos: actual 11, nova orquestra 6: -5
Contrabaixos: actual 9, nova orquestra 4: -5

Flautas: actual 4, nova orquestra 3: -1
Oboés: actual 4, nova orquestra 3: -1
Clarinetes: actual 4, nova orquestra 3: -1
Fagotes: actual 4, nova orquestra 3: -1
Trompas: actual 6, nova orquestra 3: -1
Trompetes: actual 4, nova orquestra 3: -1
Trombones: actual 4, nova orquestra 3: -1
Tuba: actual 1, nova orquestra seria extra: -1
Percussão: actual 4, nova orquestra 1 (só tímpanos): -3
Harpa: actual 1, nova orquestra seria extra: -1

Existem outros modelos, de forma ainda mais radical poder-se-iam reduzir as madeiras a pares ou, noutro sentido, poder-se-iam manter tuba e harpa. É evidente que aqui escrevo em abstracto, não tenho razões de queixa artísticas, quaisquer que sejam, dos instrumentistas em particular.

A esta nova orquestra seria dado o edifício da CNB como sede, que seria totalmente remodelado. O bailado seria transferido para outras instalações a construir de raiz na área envolvente do teatro Camões.

Portugal ficaria sem orquestra sinfónica nacional. Por enquanto sim. Quem questiona isto tem como resposta duas perguntas:
Será que Portugal tem uma Orquestra Sinfónica Nacional? Aquela que tem o nome de Orquestra Sinfónica Portuguesa é motivo para orgulho?
Dispenso-me de dar uma resposta.

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