<$BlogRSDUrl$>

17.2.07

O belo e o possível 

Regresso de um concerto: Das Klagende Lied de Mahler com Zilm ao volante. Como é incrível a transfiguração de uma orquestra e de um coro com um maestro que sabe da poda. É evidente que a Gulbenkian não passou a "Grande Orquestra Mundial", que o coro deixou de berrar, que os trombones conseguiram moderar os seus ímpetos belicosos, que o Luxton conseguiu ter entradas limpas mais o seu naipe de trompas, que o equilíbrio tenha sido alcançado com naipes reduzidos de cordas, que o Andreas Schmidt tenha voltado vinte anos atrás e recomeçado cantar bem, que a soprano Oelze tenha ganho voz para encher a sala, apesar do seu belo timbre, que o tenor Trost tenha adquirido categoria. No entanto Zilm domina a obra e tem a música nas veias, os cantores Birgit Remmert e Manuel Ferrer (menino cantor) corresponderam bem, as madeiras estiveram bem, os trompetes, herpas e percussões bem estiveram, assim como as cordas, embora em défice sonoro.
Manuel Ferrer tem de controlar a tendência de cantar balanceando o corpo como se tratasse de um pêndulo, é um erro que se torna num vício difícil de corrigir, por outro lado o registo de peito do rapaz é algo desafinado, trata-se de um jovem de 12 anos, correspondeu de forma notável, o que não impede que fiquem estes apontamentos para correcção futura. O Coro esteve bem, apesar de alguma gritaria desnecessária.
O melhor foi mesmo a concepção de Zilm, coerente, de acordo com a natureza algo escessiva de uma partitura de um jovem compositor, Mahler, à procura do seu caminho, numa cantata dramática e cheia de elementos ultra românticos. Zilm foi enérgico sem perder o pé, corrigindo defeitos de forma subtil, sempre em cima do acontecimento, dando entradas com certeza, ligando a música e as diferentes secções sempre com sabedoria. A impressão geral foi de coerência, de exploração da música de Mahler com aproveitamento perfeito do rubato na vizinhança dos pontos axiais de maior tensão, sendo moderadamente atormentado nas secções mais líricas, o que evitou a queda no mau gosto estilístico. Apenas se lhe pedia uma maior moderação nos excessos sonoros de metais e coro.
Sem construir um belo impossível, a sua arte trouxe o bom sem se torturar na busca do óptimo, sabendo bem onde encontrar o compromisso. À frente de uma grande orquestra Zilm será fantástico, à frente da Gulbenkian foi bom. Um bom concerto, bem melhor do que o das "Grandes orquestras Mundiais" de terça feira última.
O que ouvimos da banda fora da sala, bem longe, pareceu-nos também em bom plano.

Uma nota para Andreas Schimdt, foi um cantor com currículo razoável há muitos anos, agora arrasta-se pelos teatros de ópera, incapaz de afinar no registo grave e médio, foi simplesmente desastroso. Contratar por currículo tem destes inconvenientes, os fiascos, como os últimos festivais de Bayreuth não se incluem no currículo... Tive o desprazer de escutar o cantor nas últimas aparições em Bayreuth, v.g. no Tristan de há dois anos, e ouvi Schmidt ladrar desafinado, acabando por ser substituído depois das primeiras récitas. No ano passado, 2006, já foi outro cantor a ser chamado para o papel de Kurwenal. Na crítica publicada na época, há dois anos, escrevi sobre Schmidt:

Kurwenal – Andreas Schmidt – 00. Péssimo.

"E somos chegados a Kurwenal, um currículo invejável, um nome como Andreas Schmidt numa decadência incrível, nunca pensei que fosse possível em Bayreuth encontrar uma situação tão penosa, seria caricato se não fosse destrutivo para a música de Wagner. Nem uma nota afinada, agudos penosos, geralmente meio-tom a um tom abaixo no ataque das notas, depois glissandos (portamento seria favor) a tentar chegar ao tom certo, depois voltar a descer sem capacidade de sustentar a nota. Respiração penosa, interrupção da frase para respirar ofegantemente, voz feia no todo, horrível nos graves, um barítono a rosnar nos graves, sem linha melódica. Gritou, uivou, mas cantar não cantou. Indigno de Bayreuth, lamentável. Penoso na estreia também, isto segundo a crítica italiana e inglesa. Foi tremendamente vaiado no final do terceiro acto, como não podia deixar de ser."

Que os senhores da Gulbenkian não leiam as minhas críticas ou não lhes prestem atenção, ainda aceito. Mas o Guardian? O Times? O Le Monde de La Musique? Todos os jornais da Bloomberg? Todos os italianos? o Le Temps de Genève? Não interessa que Schmidt seja vaiado em todos os teatros do mundo? Como se pode aceitar que este pobre cantor possa aparecer num palco português. Refugo e mais refugo em termos de solistas é o que temos tido nos concertos regulares da orquestra Gulbenkian. Pede-se mais atenção aos programadores na aceitação de toda a porcaria que os agentes apresentam. Qualquer Luís Rodrigues está milhares de furos acima de um Schmidt sem voz, incapaz de afinar, e em decadência total. É muito bonito dar segundas oportunidades a esta gente, mas o público paga bilhete para ouvir alguém com o mínimo de dignidade e de respeito pela música. Bola preta para esta contratação.

Etiquetas: , , , ,


Arquivos

This page is powered by Blogger. Isn't yours?