3.10.08
Siegfried no S. Carlos II
Uma brevíssima nota sobre VIck e esta encenação:
Creio que a encenação de Vick, não entende a modernidade do Ring de Wagner e reduz todo o mito sobre o homem moderno a uma encenação "doméstico-contemporânea", onde apenas existe uma leitura directa, primária, óbvia, do fluxo discursivo wagneriano: os capitalistas estão em decadência, o socialismo triunfará, o povo participa na coisa e vê a acção decorrer dentro de si mesmo, ali à frente, chegando os artistas a pisar os calos do próprio povo que está calmamente no seu camarote a tentar ver e escutar uma obra de teatro, não através de uma distância mágica que o transporta a um mundo de pensamento e emoção pura, como Wagner queria, mas percebendo que aquilo que ali está é apenas teatro, percebendo a mecânica daquilo, sem nada escondido.
Vários equívocos, o "povo" representado pelo "público" são uns senhores e senhoras que nunca serão o público que Wagner queria. Que se estão aliás nas tintas para a vitória do socialismo e a queda do capitalismo no mundo de hoje.
Esta leitura de Wagner é primária porque escamoteia a própria evolução do artista: Wagner saiu das barricadas de Dresden em 1848, Wagner antes de acabar o Siegfried escreve os Mestres e antes tinha escrito o Tristão, passam-se mais de vinte anos, Wagner não é o socialista em choque que imaginou o programa do Ring. Wagner não leu Brecht nem teve oportunidade de assistir às suas peças de teatro do pós-guerra, Wagner não viveu em Berlin Leste. Realizar Wagner no tempo de hoje com ideias de hoje é perfeitamente possível, ver por exemplo Braunschweig em Aix e Salzburg, obra em progresso de uma força e de uma beleza plástica incríveis, lendo até ao âmago e reinterpertando Wagner à luz do desencanto do homem moderno. O problema de Vick é que, ao tentar, subverter de forma alarve o texto de Wagner está, de facto, a reduzir a dimensão da obra a apenas uma faceta, a da parábola anti-capitalista vista no contexto de um drama doméstico, afastando-se do teatro conceptual que poderia levar a encenação a uma verdadeira subversão, a subversão da transcendência.
O conflito pai-filho domina esta encenação o que está certo no meu entender, a decadência de Wotan, por outo lado, é grotesca. Vick não percebe que esta putativa decadência é apenas aparente, esse é o seu erro mais grosseiro, Wotan perde poder mas ganha uma compreensão infinita, uma consciência tão forte que se torna insustentável e que só tem uma saída: o nirvana.
Não perceber isto é ser ultra conservador, é ser reaccionário, é ser redutor e incompetente. Por outro lado existe um desprezo total pela música sobrevalorizando o teatro. O que com os meios do TNSC era um risco também ele óbvio uma vez que a orquestra é incapaz da qualidade e subtileza necessária a este Siegfried e os cantores são de muito baixa qualidade (em média) e as condições acústicas são más, mas esse risco poderia ter sido minorado e foi engrandecido pelo encenador. Tudo demonstra mais uma vez a mais profunda ignorância ou o mais profundo desprezo, o que me parece mais plausível, pela obra de arte total de Wagner. A arrogância ignorante ou pedante do encenador sobrepõe-se ao génio de Wagner. Prefiro o segundo. Não me interessa o Siegfreid de Vick, interessa-me o Siegfried de Wagner.
Creio que a encenação de Vick, não entende a modernidade do Ring de Wagner e reduz todo o mito sobre o homem moderno a uma encenação "doméstico-contemporânea", onde apenas existe uma leitura directa, primária, óbvia, do fluxo discursivo wagneriano: os capitalistas estão em decadência, o socialismo triunfará, o povo participa na coisa e vê a acção decorrer dentro de si mesmo, ali à frente, chegando os artistas a pisar os calos do próprio povo que está calmamente no seu camarote a tentar ver e escutar uma obra de teatro, não através de uma distância mágica que o transporta a um mundo de pensamento e emoção pura, como Wagner queria, mas percebendo que aquilo que ali está é apenas teatro, percebendo a mecânica daquilo, sem nada escondido.
Vários equívocos, o "povo" representado pelo "público" são uns senhores e senhoras que nunca serão o público que Wagner queria. Que se estão aliás nas tintas para a vitória do socialismo e a queda do capitalismo no mundo de hoje.
Esta leitura de Wagner é primária porque escamoteia a própria evolução do artista: Wagner saiu das barricadas de Dresden em 1848, Wagner antes de acabar o Siegfried escreve os Mestres e antes tinha escrito o Tristão, passam-se mais de vinte anos, Wagner não é o socialista em choque que imaginou o programa do Ring. Wagner não leu Brecht nem teve oportunidade de assistir às suas peças de teatro do pós-guerra, Wagner não viveu em Berlin Leste. Realizar Wagner no tempo de hoje com ideias de hoje é perfeitamente possível, ver por exemplo Braunschweig em Aix e Salzburg, obra em progresso de uma força e de uma beleza plástica incríveis, lendo até ao âmago e reinterpertando Wagner à luz do desencanto do homem moderno. O problema de Vick é que, ao tentar, subverter de forma alarve o texto de Wagner está, de facto, a reduzir a dimensão da obra a apenas uma faceta, a da parábola anti-capitalista vista no contexto de um drama doméstico, afastando-se do teatro conceptual que poderia levar a encenação a uma verdadeira subversão, a subversão da transcendência.
O conflito pai-filho domina esta encenação o que está certo no meu entender, a decadência de Wotan, por outo lado, é grotesca. Vick não percebe que esta putativa decadência é apenas aparente, esse é o seu erro mais grosseiro, Wotan perde poder mas ganha uma compreensão infinita, uma consciência tão forte que se torna insustentável e que só tem uma saída: o nirvana.
Não perceber isto é ser ultra conservador, é ser reaccionário, é ser redutor e incompetente. Por outro lado existe um desprezo total pela música sobrevalorizando o teatro. O que com os meios do TNSC era um risco também ele óbvio uma vez que a orquestra é incapaz da qualidade e subtileza necessária a este Siegfried e os cantores são de muito baixa qualidade (em média) e as condições acústicas são más, mas esse risco poderia ter sido minorado e foi engrandecido pelo encenador. Tudo demonstra mais uma vez a mais profunda ignorância ou o mais profundo desprezo, o que me parece mais plausível, pela obra de arte total de Wagner. A arrogância ignorante ou pedante do encenador sobrepõe-se ao génio de Wagner. Prefiro o segundo. Não me interessa o Siegfreid de Vick, interessa-me o Siegfried de Wagner.
Etiquetas: Crítica de Ópera, S. Carlos, Siegfried, Vick, Wagner
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