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27.1.08

Das Märchen: O desastre 

Música reaccionária e datada.
Repetição à exaustão de clichés e de efeitos sonoros explorados ad nauseam, utilização sistemática das mesmas fórmulas, sem a menor originalidade ou capacidade de ruptura.
Absoluta incapacidade de comunicar com o objecto receptor da obra.
Ausência da menor noção de dramaturgia e de fluxo dramático.
Ausência da noção da prosódia, não há a menor relação entre a música, o texto e a encenação.
Falta de capacidade de escrita para voz humana, repetição massacrante de sobreagudos nas vozes femininas, numa nota sustentada em sobreagudo "resolvida" por notas descendentes rápidas para logo regressar ao mesmo ponto de "tensão" eu diria de exaustão.
Incapacidade de compreender o que representa em ópera a legibilidade do texto (tão cara a Wagner ou a Alban Berg). O texto é impossível de apreender se não lido, devido à inacreditável sobreposição de elementos, orquestra em fortíssimo e amplificada sobre a voz dos cantores e actores, e linha vocal tão distorcida que se perde completamente o sentido das palavras em alemão. Escutei sem olhar as legendas e não percebi nada do que os cantores cantavam, com a excepção da voz grave do homem da lâmpada. O defeito não é meu: uma habitante de Berlim não percebeu patavina do texto em alemão!
Volume sonoro intolerável e agressivo, quatro flautins em superfortíssimo no extremo agudo e amplificados foi mesmo um ponto de dor e deveria ser objecto de medição pelas autoridades. (ASAE onde andas tu quando és necessária)
Duração infinita da obra, simplesmente insuportável, sobretudo devido à mediocridade da música. A duração torna-se torturante e incapacitante de qualquer tolerância, a miséria musical da obra atingiu, em mim, a dor física e o vómito: no dia seguinte acordei com vómitos e dores horríveis nas articulações devido à tensão e ao sofrimento que a obra me causou. É, também, uma medida da megalomania e desmesura do compositor, Emmanuel Nunes, que não tem qualquer respeito pelo público a quem se destina aquilo que, supostamente, deveria ser teatro. Wagner escreveu obras bem mais curtas, o Siegfried e a Valquíria são mais curtas, o Crepúsculo anda pela mesma duração. Neste "Conto", Nunes atingiu quatro horas, os actos, dois, são intermináveis e insuportáveis. Na primeira obra operática atira-se para uma duração wagneriana, mas Wagner era um génio e Nunes está a anos luz.
Eu diria que esta obra abre novos parâmetros de autismo devido ao desfasamento total do compositor relativamente ao mundo real, o mundo do público, e à estética. A obra não é contemporânea no verdadeiro sentido, é uma obra formada de elementos oriundos dos anos cinquenta e sessenta do século XX, é uma obra sem rasgo, uma repetição sistemática de acordes e elementos seriais, uma obra sem forma, sem corpo e sem estrutura, uma obra autista e fechada, não transgressora, reaccionária. Uma desgraça que custou mais de um milhão de euros. Uma obra megalómana e mediocre que custou (entre outras coisas) o lugar a Pinamonti. Uma ofensa ao público e a quem paga impostos. Uma obra à qual se percebem os referentes, Boulez e Stockhausen, mas que nem de perto se aproxima. Onde está a luminosa e genial claridade e complexidade de Licht? Onde está a qualidade da música de Boulez? Não será em "Das Märchen", uma obra condenada a cair no esquecimento, uma primeira montagem e já está, é o meu vaticínio depois de sair desta estreia. Uma obra bem inferior às do Keil e do Machado.

Lamentáveis as críticas entretanto saídas nos jornais, sem se comprometerem, sem meterem as mãos na massa, são críticas empasteladas, viscosas, que serpenteando quais enguias, fogem descaradamente ao assunto. Uma chega ao ponto de afirmar: "Quem escreveu estas palavras foi Goethe (1749-1832), o autor do conto original em que se baseia a ópera Das Märchen, e uma das figuras centrais do primeiro romantismo alemão" (Pedro Bolèo no "O Público"). Romantismo alemão? Goethe? Não quererá dizer antes: classicismo de Weimar? Ainda se falássemos de Werther, mas Das Märchen não me parece uma obra do romantismo...

Por outro lado sairam da sala muito mais de metade das pessoas da assistência (número apontado pelo "O Público") que enchia o S. Carlos no início. Saíram pelo menos dois terços, com muita tolerância...

Enfim, estas são ideias gerais que me acompanharam nesta estreia. Serão desenvolvidas posteriormente. A composição mereceu da minha parte um seis (de zero a vinte) na Antena 2, onde a comentei no programa "Preto no Branco". Hoje, domingo, às 13h. Mas há ainda muito a dizer desta produção...

Zero de prazer na audição, seis na classificação da composição. Voltarei ao tema.

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