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20.10.07

Andou o Beethoven a escrever música para isto 

Fui assistir ao concerto do José Cura e da Sinfónica Portuguesa e acabei de chegar a casa.
Devo dizer que sofri com a nona de Beethoven, sofri como nunca tinha sofrido num concerto desde a Noite Transfigurada e o 2º Acto do Tristan na Culturgest. Uma vergonha, nunca pensei que uma obra pudesse sair tão vilipendiada, tão destruída, quer pela "direcção" de José Cura, quer pela orquestra sinfónica portuguesa, quer pelo coro, quer pelos solistas. Não escapou um, de alto a baixo.
Raramente fico sem palavras quando se trata de dizer mal, neste caso até tenho medo de começar a escrever, estou verdadeiramente sem palavras para comentar tamanho atentado à música, ao profissionalismo e tanta falta de respeito pelo público (que paga), pela música e, mesmo, pela memória de um grande entre os grandes compositores.
Entre aquilo a que se ouviu e a nona de Beethoven tocada de forma profissional não existe qualquer ponto de contacto. Tenho uma lista imensa de erros técnicos e falhanços básicos clamorosos, desde afinação, coesão, entradas erradas, solos errados, passagens inteiras dadas em notas erradas, cantores a fingir que cantavam o que está escrito sem nada que ver com o texto musical, som horrível, violinos muito fracos, violoncelos desafinados nos agudos, metade da orquestra perdida da outra, um scherzo que parecia o circo Chen, desacertos rítmicos constantes, pulsação irregular, instrumentos que nem sequer se davam ao trabalho de entrar, outros que entraram nas pautas, articulação esfarrapada, sforzandi dados ao acaso e quando se podia, os sopros que deveriam ter entrado na segunda afirmação do presto que inicia a parte coral ficaram nas lonas e o coro aos berros e a cantar ao lado.
Vejamos apenas alguns exemplos no primeiro andamento (a confusão foi tal no scherzo que basta indicar como exemplo o andamento inteiro): a flauta nem sequer as notas a contratempo no final (compassos 511 e 512) conseguiu dar e continuou de forma inenarrável até ao final da obra. Os sopros deixaram de se ouvir após os compassos 480 ou porque não tocaram ou porque se deixaram abafar pelas cordas, as fusas sairam uma trapalhada pegada nos compassos 401 e seguintes com as flautas a primarem pela asneira e depois pela ausência, o som foi feíssimo sempre que os violinos passavam do lá, exemplo comp. 297 e seguintes, também nos compasso 137, 363 (e em muitíssimos outros pontos) e sempre que em sfz em passagens rápidas com agudos, exemplo nos compassos 419, 420 e seguintes que soou horrível, etc, etc, etc.
Não existe sequer uma leitura da obra para se poder começar a falar de interpretação, um puro e simples desastre completo que começa numa direcção inexistente de Cura que nem sequer sabe mexer os braços de forma independente. Não me alongo mais, faltam-me os termos e posso ir longe de mais na enumeração do top da asneira, se falei da flauta foi como exemplo, o desastre foi total: a trompa, os clarinetes a tocar nas pausas, o oboé de som manhoso e pífio, é injusto para os que não cito... Ressalvo apenas os tímpanos e percussão, quase sempre certos, e os trombones que aparecem no final, numa intervenção breve mas conseguida.
O pior dos solistas foi Duisburg, um suposto baixo, que não consegue sequer acertar no tom das notas, e que arruinou completamente todo o recitativo de entrada na parte vocal. Desastroso e anedótico, se não fosse trágico, o que cantou pouco tem a ver com o que Beethoven escreveu, um cantor a cantar assim chumbaria no conservatório...
Os outros ainda tentaram mas não conseguiram.

Tenho também vergonha por este público que ficou a aplaudir e até a gritar alguns bravos quando não haveria melhor ocasião para patear e apupar. Eu não o fiz porque tive os bilhetes de graça e é considerado de mau tom apupar quem nos oferece os bilhetes, embora não seja considerado de mau tom aplaudir. Garanto que se tivesse pago bilhete teria apupado e batido com os pés e, embora seja contra a prática da balística com tomate extra maduro, acho que os adeptos deste legume tão saudável bem poderiam hoje ter feito juz à pontaria.

Apelo 1: sr. Hermenêutica estava na assistência, sei que sabe e aprecia música, espero que tome providências para mudar isto. O S. Carlos está a entrar numa espiral de decadência acelerada, e eu sei que o sr. Hermenêutica sabe desse facto, porque até percebe do assunto e ouviu muito boas orquestras na antiga RDA. Não deve ser isto que quer.

Apelo 2: O sr. Cura se quer fazer experiências de direcção de orquestra que as faça com o seu dinheiro e não contribua ainda mais para o descrédito da sinfónica que ostenta o bom nome de Portugal e é paga com o dinheiro dos contribuintes.

Acho que devo escrever isto também em inglês para aparecer nos motores de busca sobre o Cura, o que se passou hoje foi demasiado escandaloso...

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