10.9.12
A grande fancaria de Verão ou um chorudo subsídio de férias I
A grande
fancaria de Verão ou um chorudo subsídio de férias I
Henrique
Silveira
Crítico
A cultura
parece que está em crise em Portugal, não há dinheiro para agentes
culturais, grupos de teatro em risco de extinção, os pintores
morrem à fome, os festivais decaem, os públicos de concertos pagos
desaparecem. A Cornucópia ameaça tornar-se numa companhia amadora,
mas na Amadora houve agitação, foi a “Grande Orquestra de Verão”
(GOV) na Cova da Moura, uma iniciativa directa da Secretaria de
Estado da Cultura e uma ideia com direcção artística de António
Victorino de Almeida.
Tendo sido
anunciada com um orçamento de cerca de meio milhão de euros, não
sei ainda se cumprido, corresponde este Festival a realizar 21
concertos espalhados por todo o país. Reúne diversas orquestras:
Orquestra do Norte, Metropolitana, Filarmonia das Beiras e do Algarve
e ainda bandas da Guarda e da Armada entre outros agrupamentos, todas
elas com o mesmo chapéu da GOV. Se as contas não me falham são
cerca de vinte e três mil euros por concerto.
Em primeira
análise devo dizer que a soma me parece exorbitante, um concerto de
orquestra sem solistas, como é o caso, com transportes incluídos
para qualquer parte do país não fica mais caro que doze mil euros e
se pensarmos que as bandas militares geralmente não cobram pelos
concertos, mais espantosa é a conclusão da exorbitância e, ou as
orquestras estão principescamente bem pagas, o que não seria mau
para essas orquestras, ou a organização do festival se pagou
principescamente bem a si mesma, o que seria excelente para o
compositor Victorino de Almeida.
Peço
desculpa ao Augusto Manuel Seabra, crítico do “O Público”, um
homem de perplexidades permanentes, por estar a ficar como ele
próprio! A perplexidade resulta do facto do director artístico da
GOV utilzar o festival para fazer tocar a sua 5ª Sinfonia op. 167,
em todos os concertos com as orquestra referidas com excepção das
militares, honra lhes seja feita, e ainda outras obras suas nos
concertos de câmara. A juntar ao ramalhete junta-se a repetição à
náusea da sinfonia 40 de Mozart, com a evidente conclusão: enfim,
estão juntos os dois grandes génios compositores da humanidade.
Este festival é um exercício de imaginação na programação, um
exercício de direcção de orquestra e de comunicação, um
exercício de narcisismo merecido e justificado com a sábias
palavras do próprio Almeida, porque quem não pensa como o génio,
ele e o Camilo e já agora o Mozart, pois Victorino gosta de boas
companhias, deve ser estúpido; cito as palavras do ilustre
programador:
“...Como
já dizia Camilo de Castelo Branco, «a estupidez tem intuitos
impenetráveis», pelo que não valerá muito a pena ocupar-nos com
as verdadeiras intenções dos distribuidores de fancaria
intelectual, bastando talvez ter-se a certeza de que não é a
generosidade aquilo que os move. Nem a generosidade, nem a
solidariedade…
A
estupidez talvez até possa ser lúcida – e, deste modo, consciente
ou mesmo astuciosa – pois há tipos de astúcia que são uma forma
de velhacaria… – nas opções que faz e leva a fazer pelo erro,
pela banalidade, rotina e sobretudo pela indigência das ideias, da
estética e dos sentimentos.
Em
Portugal, muitos dos maiores vultos da música têm sido ignorados e
omitidos, nos acessos – efetivamente bloqueados – ao seu
conhecimento...”
Que
demiúrgo! A minha perplexidade deriva do facto de as palavras
“banalidade, rotina, e indigência” e “generosidade e
solidariedade” (para com o grande Victorino) se aplicarem como uma
luva a um conceito em que todos os concertos são iguais e não se
vislumbra uma ideia que não seja a auto-promoção de Victorino de
Almeida, esse grande vulto esquecido, a par de outro... o Mozart.
Estou perplexo pela clarividência e pelas pistas de autocrítica que
Victorino de Almeida faz no texto motivador do Festival. Acto falhado
ou suprema ironia do mestre que acaba por estar a rir-se de todos
nós, pagantes desta grande fancaria de Verão enquanto o sisudo Luís
Miguel Cintra passa fome? Sempre admirei Victorino de Almeida, como
cineasta, escritor, autor de bocas bombásticas, promissor jovem
pianista, autor de programas televisivos; admiro-o ainda mais por se
afirmar como o grande artista destes tempos de crise, isto com a boa
vontade singela do Secretário de Estado da Cultura. Junte-se a isto
um valente subsídio de férias, pago por mim, e quase chego à
idolatria. Ah! Bravo Victorino!
Continua
com análise crítica dos efeitos deste Festival
Etiquetas: António VIctorino de Almeida, Crítica, Crítica aos programadores, Cultura, Estupidez, Fretes, Humor, Secretaria de Estado da Cultura, Vácuo na Cultura
A grande fancaria de Verão ou um chorudo subsídio de férias II
A grande
fancaria de Verão ou um chorudo subsídio de férias II
Henrique
Silveira
Crítico
Reflectimos
na semana passada nas motivações de António Victorino de Almeida
(AVA) nesta sua iniciativa que constitui o festival “A Grande
Orquestra de Verão”. Continuamos hoje reflectindo nos efeitos
deste programa.
Estamos a
falar de meio milhão de euros gastos pela secretaria de Estado da
cultura em vinte e um concertos espalhados por todo o país, a
programação é directa e governamental (inspiração de José
Estaline?) em tempos de miséria cultural e de crise global. Será
que a cultura pega por osmose? Será que o povo desse Portugal
profundo ao escutar as espantosas melodias e originais harmonias da
quinta sinfonia do mestre AVA, uma e uma única vez, passará a amar
indelevelmente a cultura clássica? Será que a casaca do “maestro”
Victorino funciona como chamariz musical para a juventude excluída
da Cova da Moura? Ou será que a coisa vai lá à bengalada? É que
não vejo mais nenhum motivo para atrair o “povo” à causa
sonora: ouvi dizer directamente bastas vezes ao próprio génio que
ele próprio não tinha os menores dotes de maestro, facto que
confirmei por audição e observação directa, juntamente com a
opinião de muitos músicos que afirmam categoricamente que o
“mestre” tem aptidão muito reduzida para a direcção de
orquestra.
O efeito
efémero de uma festa popular nunca repetida terá algum efeito?
Estará à espera que os desempregados e os pobres desgraçados que
vivem do rendimento social de inserção passem a ir ao S. Carlos
depois da meteórica aparição do arcanjo revelação da arte dos
sons ter tirado a casaca na estrada de Sintra? Espera o mestre que a
senhora reformada de Trás-os-Montes, que não tem dinheiro para o
táxi para ir ao centro de Saúde, passe a ir todos os fins-de-semana
à Casa da Música ouvir o Sokolov e passe a amar o Mozart e, porque
não, o Emmannuell Nunnes? Espera isso depois desse mesmo povo o ter
visto e ouvido AVA a dirigir-se a si próprio e ao Mozart?
Devo dizer
que se fosse eu a ter esse privilégio passaria imediatamente a ser
devoto do Quim Barreiros e do Tony Carreira, mesmo que os abominasse
antes da epifania Victorínica.
A conclusão
é que este é um projecto voluntarista, ingénuo e dirigista do
Secretário de Estado da cultura: é apenas dinheiro esbanjado aos
quatro ventos em tempo de crise grave, o que aumenta a seriedade da
medida, contando com a colaboração de orquestras que não se podem
recusar a participar nesta fancaria intelectual, porque dependem dos
miseráveis subsídios do Estado e precisam de comer as migalhas que
caem do prato do grande artista Victorino de Almeida para continuarem
a vegetar adiando a morte. Orquestras que fazem um trabalho
invisível, mas consistente, de divulgação da arte musical junto
das populações ao longo de todo o ano, Invernos gelados incluídos.
Meio milhão de euros que poderiam aproveitar a programas junto dos
jovens desfavorecidos que gostariam de estudar música, junto de
escolas, orquestra e academias locais e que seriam, por exemplo, bem
gastos numa programação consistente, variada e imaginativa e,
certamente, com o dobro dos concertos.
Victorino
de Almeida fez bem e não o condeno: qual cigarra cantadora
utilizou-se do seu prestígio junto da formiga, o secretário
Francisco José Viegas que, ao contrário da outra, lhe abriu as
portas da despensa e que se mostra absolutamente ignorante e
completamente alheado da realidade. Seria a “Grande Anedota de
Verão” se não fosse tão triste...
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